Planejamento e Análise de Experimentos – 2012/1
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Planejamento e Análise de Experimentos:
Aquecimento de Leite por Forno Micro-ondas
Wagner A. M. Ursine

equação 1 [1].
Abstract— Este trabalho apresenta as etapas de planejamento
e análise utilizadas para determinar a influência de certos fatores
no aquecimento do leite por um forno micro-ondas.
Especificamente, é avaliada a possibilidade de que, ao aquecer
dois recipientes idênticos, contendo leite, por um mesmo período
de tempo, aquele que contiver a maior quantidade de leite
apresente uma maior elevação na temperatura de seu conteúdo.
Os fatores de interesse são a quantidade de leite, recipiente e
tempo de aquecimento. Adotou-se o planejamento fatorial 2³ e a
análise de variância para abordar tal problema, garantindo um
nível de significância α = 0,05 para os resultados. Por fim, não foi
possível rejeitar a hipótese nula de que a quantidade não
influencia no aquecimento observado.
Index Terms— ANOVA, Planejamento Fatorial, Planejamento
e Análise de Experimentos.
I. INTRODUÇÃO
As crendices populares, desde sempre, chamam a atenção dos
pesquisadores. Tópicos como “não se deve cortar o cabelo
logo após comer” ou “comer manga com leite faz mal”,
mesmo com explicações científicas e históricas totalmente
aceitas pela comunidade acadêmica, ainda povoam os
pensamentos de uma parcela significativa da população
brasileira. Além dos mitos mais populares, ainda existem as
“crenças individuais”, que são baseadas nas experiências
particulares de cada um. O presente trabalho tem o objetivo de
averiguar um exemplar desse conjunto.
Ao aquecer diferentes quantidades de leite em recipientes
idênticos, em um forno micro-ondas, por um mesmo período
de tempo, certo indivíduo observou que o leite do recipiente
contendo a maior quantidade desse líquido apresentava maior
temperatura. Tal afirmação era baseada na sensação de calor
percebida ao segurar ambas as amostras. Segundo este mesmo
indivíduo, o fato apresentado era recorrente.
O fenômeno descrito é bastante interessante, considerando-se
que uma maior quantidade de matéria deveria ser responsável
por fazer com que a diferença de temperatura (
) fosse reduzida para uma mesma quantidade de calor
fornecida (Q) e um mesmo calor específico ( ), conforme a
Wagner A. M. Ursine, Programa de Pós-Graduação em Engenharia
Elétrica, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil. E-mail: wagnerursine@gmail.
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Para fins ilustrativos, a 15°C, o leite integral apresenta um
calor específico de aproximadamente
.
O planejamento fatorial é, em geral, o mais eficiente para
estudar os efeitos de determinados fatores em uma variável de
resposta. Tal planejamento permite a utilização de fatores
qualitativos ou quantitativos e é capaz de gerar um modelo de
regressão empírico para a avaliação dos resultados obtidos.
Ainda, é possível analisar a interação entre os fatores [2].
Haja vista o problema apresentado anteriormente, a utilização
de técnicas de planejamento e análise estatística [3] é proposta
para a avaliação da influência de três fatores de interesse no
aquecimento de leite por forno micro-ondas. Tais fatores são:
quantidade de leite , recipiente e tempo de aquecimento.
II. PLANEJAMENTO PRÉ-EXPERIMENTAL
Cada um dos três fatores de interesse, selecionados
anteriormente, apresenta dois níveis. Sendo assim, optou-se
pela utilização do Planejamento Fatorial 2³. Para a realização
do planejamento fatorial completo, foram realizadas duas
replicações do experimento, totalizando 16 observações
aleatorizadas. A Tabela 1 apresenta os fatores de interesse e
seus respectivos níveis.
Tabela 1 - Fatores de interesse
Fator
Recipiente
Quantidade
Tempo
Nível
Copo 2
Pouco (100 ml)
30s
+
Copo 1
Muito (200 ml)
1min
Os recipientes escolhidos são dois copos, um menor e mais
largo (copo 1), outro maior e mais fino (copo 2). O nível baixo
é dado pelo copo 2 e, consequentemente, o nível alto é dado
pelo copo 1.
A quantidade de leite foi fixada em dois níveis: pouco, cerca
de 100 ml e muito, aproximadamente 200 ml. Tal quantidade
foi baseada na capacidade dos copos utilizados. Além disso,
deseja-se que a diferença de quantidade seja significativa para
que o efeito seja mais proeminente.
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III. RESULTADOS EXPERIMENTAIS
Por fim, os tempos de aquecimento escolhidos, após testes
preliminares, são 30s e 1min. Assim sendo, evitam a
evaporação da água e a consequente perda das características
originais do leite utilizado.
A variável de resposta escolhida foi a diferença de temperatura
entre a temperatura inicial e a determinada após o
aquecimento da amostra em questão.
Outros fatores poderiam influenciar no experimento, dentre
eles destacam-se a temperatura ambiente, tipo de leite,
potencia do forno micro-ondas e o material do recipiente. Uma
vez que tais fatores não eram de interesse do trabalho, sua
escolha foi baseada de forma a simplificar a execução dos
testes. Tal escolha será detalhada na seção de resultados
experimentais.
A análise de resultados pode ser realizada através de testes de
hipóteses [2,3]. Tal teste avalia a influencia dos fatores e suas
interações na variável de resposta. O teste utilizado para
avaliação dos resultados é o teste estatístico do tipo F, que
testa igualdades entre médias.
A. Procedimentos e equipamentos utilizados
O experimento foi realizado durante dois dias, sendo que
metade das observações foi realizada em cada dia. A
temperatura ambiente na primeira replicação era de 25°C e na
segunda replicação de 27°C. É possível afirmar que a
diferença nos valores dessas temperaturas não é grande o
suficiente para alterar significativamente os resultados do
experimento.
Os equipamentos utilizados para a realização do experimento
são apresentados nas Fig. 1, Fig. 2, Fig. 3 e Fig. 4.
Fig. 1 Forno Micro-Ondas
As hipóteses utilizadas nesse trabalho são:
1.
2.
3.
Influencia do fator A (Recipiente) na diferença de
temperatura do leite.
– O fator A não exerce influência
na variável de resposta.
– O fator A exerce influência na
variável de resposta.
Influencia do fator B (Quantidade) na diferença de
temperatura do leite.
– O fator B não exerce influência
na variável de resposta.
– O fator B exerce influência na
variável de resposta.
Influencia do fator C (Tempo) na diferença de
temperatura do leite.
– O fator C não exerce influência
na variável de resposta.
– O fator C exerce influência na
variável de resposta.
Fig. 2 Termômetro do Tipo Espeto
Fig. 3 Leite (Fabricante: Itambé; Tipo Integral)
As influências das iterações, ainda que não explicitadas, são
testadas de forma semelhante.
Neste trabalho, uma hipótese será, ou não, rejeitada com um
nível de significância de 95%. Tal nível, para um experimento
com um total de15 graus de liberdade, sendo 1 no numerador e
8 no denominador para cada fator (ou interação), é expresso
por um valor tabelado
, obtido em [2]. De
forma simplificada, a hipótese será rejeitada caso seu valor F
seja superior ao valor crítico
.
Fig. 4 Recipientes utilizados
A Fig. 1 apresenta o forno micro-ondas utilizado. A potência
escolhida foi a potência máxima. Tal escolha não estava
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Tabela 2 - Resultados obtidos
baseada em nenhum critério específico, mas garantiu
aquecimento suficiente do líquido em pequenos períodos de
tempo.
Recipiente
Copo 2
Copo 2
Copo 1
Copo 1
Copo 2
Copo 2
Copo 2
Copo 1
Copo 2
Copo 2
Copo 1
Copo 1
Copo 1
Copo 2
Copo 1
Copo 1
A Fig. 2 mostra o termômetro utilizado. Tal dispositivo é do
tipo espeto e é bastante utilizado em aplicações culinárias. O
fabricante é a Incoterm e, segundo o mesmo, o termômetro é
capaz de medir temperaturas entre -50°C e 190°C com uma
incerteza de ±1°C. Para medição da temperatura, a haste deve
ter pelo menos 2 cm de sua extensão dentro do objeto a ser
observado.
O leite utilizado, ilustrado na Fig. 3, é da marca Itambé e do
tipo integral. A escolha do tipo e marca foi baseada apenas no
preço e disponibilidade do produto.
Quantidade
Pouco
Muito
Muito
Muito
Muito
Pouco
Muito
Pouco
Muito
Pouco
Muito
Pouco
Muito
Pouco
Pouco
Pouco
Tempo
1min
30s
1min
30s
1min
30s
1min
1min
30s
30s
1min
1min
30s
1min
30s
30s
∆T
36,9
14,8
28,2
13,6
31,2
21
34,7
49,1
14,7
23,7
30,1
48,3
15,4
45,9
20,4
24,5
Por fim, a Fig. 4 apresenta os recipientes utilizados. Observase que ambos são copos de vidro e diferem apenas em seu
formato. A capacidade máxima de ambos é de cerca de 200
ml.
Utilizando o software Excel® e também o Minitab® [4], foi
realizada a análise de variância do experimento. Os resultados
estão dispostos na Tabela 3.
O procedimento adotado durante o experimento pode ser
resumido pela rotina mostrada na Fig. 5.
Tabela 3 - ANOVA
A
B
C
AB
AC
BC
ABC
Erro
Total
Fig. 5 - Rotina experimental
Inicialmente procede-se à aleatorização das rodadas e a
determinação da ordem em que cada observação será
realizada. Para cada observação, a quantidade de leite a ser
utilizada é determinada com a ajuda de um copo de medida.
Em seguida, a temperatura inicial do liquido é medida. Após a
medição da temperatura inicial, a amostra é aquecida no forno
micro-ondas pelo tempo necessário. Ao final do aquecimento,
a temperatura final é obtida. Vale destacar que a temperatura
do leite é sempre homogeneizada por meio da mistura do
liquido contido no copo, tanto para a medição da temperatura
inicial quanto da final. Ao término da rodada, o recipiente
utilizado é lavado e seco para que possa estar novamente
disponível. Os procedimentos descritos são repetidos até que
todas as observações necessárias sejam obtidas.
B. Resultados
A Tabela 2 resume os resultados obtidos para cada
observação. Essa tabela ainda traz o nível dos fatores em cada
ocasião e, também, exprime a ordem de realização do
experimento.
Efeito
0,837
-10,888
19,538
-2,863
0,913
-3,113
-2,688
SS
2,81
474,15
1526,86
32,78
3,33
38,75
28,89
62,43
2169,98
DF
1
1
1
1
1
1
1
8
15
MSE
2,806
474,151
1526,856
32,776
3,331
38,751
28,891
7,8038
Contrib.
0,1%
21,9%
70,4%
1,5%
0,2%
1,8%
1,3%
2.9%
F
0,36
60,76
195,67
4,20
0,43
4,97
3,70
p-value
0,565
0,000
0,000
0,075
0,532
0,056
0,091
Observando-se a Tabela 3, é possível verificar que apenas os
fatores B e C apresentam valor F superior ao valor crítico, o
que leva à rejeição da hipótese nula nestes dois casos. Caso o
nível de significância fosse de somente 90%, o valor crítico
seria
e as hipóteses nulas referentes a
influência das interações AB, BC e ABC também seriam
rejeitadas.
A Fig. 6 ilustra a influencia dos fatores principais na diferença
de temperatura.
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Fig. 8 Interações de Segunda Ordem
Fig. 6 Influencia dos Fatores Principais
Por fim, o plot normal dos efeitos evidencia a significância
dos fatores quantidade e tempo de aquecimento, conforme Fig.
9.
Nota-se uma contribuição irrisória do fator recipiente,
enquanto a quantidade e o tempo se mostram bastante
significativos. A quantidade contribui para a diminuição da
temperatura final. Já o aumento do tempo de aquecimento faz
com que a diferença de temperatura seja maior.
A Fig. 7 apresenta um Diagrama de Pareto com os efeitos de
todos os fatores e suas interações.
Fig. 9 Plot Normal
Como esperado, os fatores B e C aparecem como outliers no
plot normal.
Fig. 7 Diagrama de Pareto: Efeitos dos Fatores
A Fig. 7 mostra a discrepância entre a influência dos fatores.
Conforme a Tabela 3, B e C somam aproximadamente 92% de
todo o erro quadrático.
As interações de segunda ordem entre os fatores e seus efeitos
na diferença de temperatura podem ser mais bem observados
na Fig. 8.
C. Modelo de Regressão
A partir da Tabela 3, também é possível determinar um
modelo de regressão para o experimento realizado. Tal modelo
é empírico e permite a previsão dos resultados considerando
certos fatores de interesse. Uma vez que os fatores que
apresentaram maior influência nos resultados foram a
quantidade de leite e o tempo de aquecimento, somente eles
serão levados em conta no modelo. A equação 2 apresenta o
modelo obtido.
̂
2
O modelo, utilizando apenas os dois principais fatores,
representa cerca de 95% da variabilidade total dos dados. A
Fig. 10 apresenta uma projeção do experimento realizado.
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O atendimento à última premissa, igualdade de variância, pode
ser verificado na Fig. 13.
Fig. 13 Resíduos x Valor Fitado
Fig. 10 Plot Cubo
IV. CONCLUSÃO
D. Validação de Premissas
Algumas premissas são assumidas antes da realização do
planejamento fatorial. Após a execução do experimento, é
necessário validar tais premissas para garantir a validade dos
resultados. As premissas assumidas nesse trabalho são
normalidade, independência e igualdade de variância.
A independência dos dados é garantida por meio da
aleatorização da ordem de realização das rodadas do
experimento. Além disso, os fatores em observação não tem
relação direta entre si. A Fig. 11 mostra os resíduos em função
do tempo.
O presente trabalho foi bastante interessante para validar
conceitos estudados em sala e também para permitir a
familiarização do autor com algumas ferramentas para
planejamento e análise de experimentos.
A influência de três fatores principais e suas interações foi
analisada. Nesta análise, foi possível rejeitar com 95% de
significância as hipóteses de que a quantidade de leite e o
tempo de aquecimento não influenciam na diferença de
temperatura final atingida pela amostra.
A quantidade de leite apresentou um efeito negativo na
diferença de temperatura, conforme esperado. Tal fato refuta a
crença individual que deu origem a este trabalho e parece
corroborar com a relação expressa na equação 1.
O tempo de aquecimento, fator mais influente entre os
observados, foi responsável por uma contribuição de mais de
70% na soma dos quadrados total. Já o recipiente, bem como
as interações de segunda e terceira ordens, não se mostraram
significativas para um
.
Fig. 11 Resíduos x Ordem de Observação
A normalidade dos resíduos pode ser verificada na Fig. 12.
Fig. 12 Plot Normal dos Resíduos
O planejamento fatorial completo 2³ se mostrou bastante
simples e prático, possibilitando uma análise sólida dos dados
coletados durante o experimento.
Para trabalhos futuros, sugere-se a investigação meticulosa das
condições particulares que proporcionaram os resultados
contidos no relato inicial sobre a diferença de aquecimento dos
recipientes com leite, a fim de averiguar se algum ponto
significativo no evento original não foi considerado neste
experimento.
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REFERÊNCIAS
[1]
[2]
[3]
[4]
Incropera, Frank P, De Witt, David P, “Fundamentos de Transferência
de Calor e de Massa”, 5ª ed., LTC, 2007
D. C. Montgomery, “Design and Analysis of experiments” 4th ed., John
Wiley and Sons, 2001
Campelo, F. “Notas de aula da disciplina Planejamento e Análise de
Experimentos”, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica,
UFMG, 2012
Minitab 15. Disponível em http://www.minitab.com, Acessado em
16/06/2012.
Wagner A. M. Ursine é graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Brasil, em 2011.
Atualmente pleiteia a obtenção do título de mestre em Engenharia Elétrica
também pela UFMG. Seus estudos e artigos estão voltados para a área de
manutenção preditiva em sistemas de energia.
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Trabalho Final - Wagner Ursine