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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências da Saúde
Faculdade de Medicina
Departamento de Terapia Ocupacional
Curso de Pós-Graduação em Acessibilidade Cultural
André Luiz Fernandes Andries
A TRAJETÓRIA DA ASSOCIAÇÃO VSA BRASIL E O PROGRAMA ARTE
SEM BARREIRAS 1990 – 2004
Trabalho de monografia apresentado
como requisito necessário à conclusão
do Curso de Pós-Graduação Lato sensu
Especialização
em
Acessibilidade
Cultural, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Faculdade de Medicina,
Departamento de Terapia Ocupacional,
para obtenção do título de especialista.
Orientadora:
Dorneles
Rio de Janeiro
Março de 2014
Profa.
Dra.
Patrícia
2
Agradecimentos
A professora Patrícia Dorneles, pela generosa orientação;
A Andrea Chiesorin Nunes, a Magra, o incentivo para o resgate dessa história;
A Valtair Romão, o Vavá, companheiro de jornada, guerreiro;
Aos colegas do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural;
A Kris, Thiago e Leopoldo, pela providencial formatação;
A Astor, meu Quincas Borba, companheiro de caminhadas;
A Valeria Andries, a Ursa Maior, estrela da vida inteira.
3
Resumo
Narrativa sobre uma experiência de uma política pública de cultura desenvolvida no
período entre 1990 até 2004 pelo Programa Arte Sem Barreiras da Associação Very
Special Arts Brasil em parceria com a então Secretaria de Educação Especial (SEESP)
do MEC, CORDE/SEDH e Funarte/ Ministério da Cultura. Nessa descrição algumas
questões serão postas à discussão, a saber: o pioneirismo de várias entidades da
sociedade civil na formulação de ações culturais para pessoas com deficiência; a criação
de uma legislação sobre os direitos das pessoas com deficiência e seus efeitos numa
formulação de políticas públicas educacionais e culturais; o artista com deficiência nos
projetos e ações das entidades culturais não governamentais e públicas;
Palavras-chave:
Políticas públicas de cultura; artistas e deficiência; educação especial
4
Abstract:
Narrative about an experience of a public political culture developed in the period
between 1990 until 2004 by the Program Art Without Barriers of Brazil Very Special
Arts Association in partnership with the then Department of Special Education (SEESP)
MEC, CORDE / SEDH and Funarte / Ministry Culture. This description, some issues
will be submitted for discussion: the pioneering of various civil society in the
formulation of cultural activities for people with disabilities; the creation of a law on the
rights of persons with disabilities and their effects in formulating educational and
cultural policies; the artist with disabilities in the projects and actions of nongovernmental and public cultural entities;
Key-words:
Public cultural policy; artists and disabilities; special education
5
Sumário
5
Apresentação
7
Objetivo geral
9
Objetivo específico 9
Metodologia
10
Capítulo 1 Conceituação de política cultural e suas aplicações no Brasil
1.1 Conceituação e campo de estudo
12
12
1.2 Os postulados da UNESCO no Brasil 13
1.3 Cultura Viva, políticas culturais como recurso social 19
1.4 Políticas culturais: avaliações contemporâneas
20
Capítulo 2 VSA Brasil e as políticas públicas educacionais
25
2.1 Arte e Educação, as pioneiras 25
2.2 Direitos sociais e pessoas com deficiência 27
2.3. Educação, Arte e pessoas com deficiência
29
2.4 Brasília 2000 – V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola para todos e VI
Festival Nacional de Arte sem Barreiras 34
2.5 A conquista de legislação educacional 42
Capítulo 3
As trajetórias da Associação VSA Brasil e o Programa Arte sem
Barreiras 50
3.1 Primeiro ato ou primeira Ata 50
3.2 O desmonte colorido 56
3.3 Albertina Brasil Santos, breve perfil 59
6
3.4 Ação nacional, a criação dos comitês 60
3.5 Memorial, 1990- 2005
63
3.6 Celebração 15 anos, CCBB-RJ 73
3.7 Um período de recesso para balanço e reflexões 75
3.8 Cidadania cultural das pessoas e artistas com deficiência 77
Considerações Finais 85
Bibliografia
93
7
Apresentação
Este trabalho monográfico que apresento à banca examinadora é um acerto de contas
comigo mesmo. Também com uma centena de tantos - amigos, voluntários e
colaboradores do Programa Arte Sem Barreiras. Mas há outro e mais interessante
embate: homenagear a memória da professora Albertina Brasil Santos, que formulou,
articulou e implementou no Brasil a mais consequente ação de política pública voltada
para artistas e pessoas com deficiência. Trata-se de uma personagem universal e estrelar
que, por certo, ainda será tema de estudos de maior fôlego.
Este acerto de contas é o resgate de um débito narrativo que restava pendente com esse
grupo de tantos. Faço aqui esse resgate, sabendo de antemão que ele é parcial, e que
restam outras histórias e versões para inúmeras interpretações.
Porém, o que foi determinante na consecução desta monografia foi uma inadiável
necessidade publicização dos muitos acontecidos, que ficaram atados a um importante
período das políticas públicas de cultura do Brasil. Aqui eles serão revistos, sob uma
dupla e privilegiada mirada de um mesmo observador: sob o horizonte de uma política
pública que se descortina quando observamos as ações culturais e educacionais do
governo federal e, num campo de visão mais próximo, sob a perspectiva de uma
entidade cultural da sociedade civil.
É bom que se esclareça que esse local ou ponto de observação não foi uma
exclusividade deste narrador. Pelo contrário. Por mais uma década um grupo de
servidores públicos, articuladores e gestores culturais, vivenciaram conjunta e
concomitantemente essas duas experiências por conta de um mesmo projeto: o Arte sem
Barreiras, criado pela Associação Very Special Arts Brasil/ VSA Brasil.
A dedicação desse grupo, somado a de centena de voluntários reforça uma constatação
de Dagnino (2002) - na condição de organizadora da pesquisa Sociedade civil e espaços
públicos no Brasil– sobre a existência de indivíduo(s) em posição-chave no interior do
aparato estatal que se compromete(m) individualmente com a execução políticas e
projetos. Na pesquisa, essa dedicação é apontada pela autora como determinante e
avaliada pelos setores da sociedade civil como um componente decisivo na
implementação bem-sucedida das várias experiências e projetos analisados.
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Por um período fiz parte desse grupo, como servidor da Funarte e, ao mesmo tempo,
voluntário, colaborador e, por fim, dirigente da Associação VSA/Brasil. Por essa dupla
dedicação, tudo o que aqui será dito e impresso se faz com a pena da suspeição e a tinta
indelével da paixão, o que não costuma ser admissível em narrativas com esse escopo
acadêmico.
É um risco a ser enfrentado, haja vista essa necessidade imperiosa de tornar público um
percurso que julgo não ser apenas marcante a um profissional atuante na área cultural,
mas que pode conter alguma relevância para o campo de estudo das Políticas Culturais,
dada as características, singularidades e os pioneirismos do Programa Arte sem
Barreiras. Assim mesmo no plural, porque também precursor nas áreas da Educação
Especial e dos Direitos Humanos.
Por isso, é pertinente admitir que ao estudar a performance de uma entidade cultural da
sociedade civil, possamos estender e refletir nossas observações e comentários a
espaços mais amplos, ao campo das políticas governamentais, quiçá às políticas de
Estado, vigentes no período pesquisado.
No entanto, tamanho envolvimento com um objeto de estudo costuma ser desastroso
para quem o descreve e enfadonho para quem se obriga a lê-lo. Por essa razão, mesmo
evocando a necessidade desse acerto de contas, é pertinente, por certo, o autor se
precaver, e sempre que possível for adentrar e caminhar nesse reino de palavras- que se
descortina cediço e complexo apenas nesta apresentação-, respeitando os silêncios,
como aconselhou o poeta e também servidor público federal da Cultura, Carlos
Drummond de Andrade1, em A procura do poema, 1945.
Esta monografia é uma primeira abordagem, uma sondagem para estudos sequentes, que
se faz sob a consideração de que as reflexões sobre as políticas públicas culturais nas
últimas décadas do Século XX e primeira década do XXI são estudos postos num
campo ainda em construção. Portanto, é razoável acautelar-se nos postulados analíticos,
poupando os examinadores e leitores do verbo desnecessário, de uma pletora de
1
Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987). Formou-se em farmácia, em Belo Horizonte, mas optou
pelo jornalismo e a poesia. Em 1928, ingressou no serviço público. Na década de 1930, transferiu-se para
o Rio de Janeiro para exercer a chefia de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação de
Getúlio Vargas. Sua carreira literária ganhou expressão a partir dos anos 50, sobretudo a partir de 1962,
quando se aposentou e passou a se dedicar exclusivamente a uma vasta e significativa produção, que o
levou a ser considerado por seus contemporâneos um dos maiores poetas brasileiros.
9
palavras e de fatos que aqui serão desbastados ou suprimidos, fugindo de assertivas
imperativas e pré-concebidas.
No entanto, não é recomendável valer-se de palavras evasivas e dissimulações em
trabalhos com esse enunciado. Porque não convém negar o que foi vivenciado,
relegando ao esquecimento uma história que pertence a muitos. São com esses tantos
que essa narrativa pretende dialogar, indivíduos e entes públicos.
Por isso, se impõe um postulado de Weber (1969) sobre tema similar, o problema da
interpretação:
(...) muitos dos “valores” e “fins” de caráter último que parecem
orientar a ação de um homem frequentemente não são compreendidos
por nós com plena evidência e só conseguimos captá-los
intelectualmente e em certas circunstâncias, encontrando dificuldades
crescentes para poder revivê-los por meio da fantasia empática, à
medida que se afastam mais radicalmente de nossos próprios valores
últimos. Temos, então, que nos contentar, segundo o caso, com sua
interpretação exclusivamente intelectual ou, em determinadas
circunstâncias – se bem que isso possa falhar – em aceitar aqueles fins
e valores simplesmente como dados, e tratar logo de tornar
compreensível o desenvolvimento da ação, por eles motivada, através
da melhor interpretação intelectual possível, ou através de uma
revivência o mais próxima possível de seus pontos de orientação”
(WEBER, MAX,1969, apud Castro; Dias, 1975, p. 107)
Objetivo Geral
Postas essas considerações iniciais, o nosso objetivo geral é estabelecer uma narrativa
sobre uma experiência de uma política pública de cultura desenvolvida no âmbito de um
Programa cujo foco principal era artistas com deficiência. A referência principal a esse
estudo são as ações desenvolvidas entre 1990 até 2004 pelo Programa Arte Sem
Barreiras da Associação Very Special Arts Brasil em parceria com a então Secretaria de
Educação Especial (SEESP) do MEC, CORDE/SEDH e Funarte/ Ministério da Cultura.
Objetivo específico
O campo mais especifico volta-se para descrever e problematizar a trajetória dessa
experiência protagonizada pela entidade em referência no estudo e suas parcerias com
intuições públicas e privadas. Nessa descrição e problematização algumas questões
10
serão postas à discussão, a saber: o pioneirismo de várias entidades da sociedade civil
na formulação de ações culturais para pessoas com deficiência; a criação de uma
legislação sobre os direitos das pessoas com deficiência e seus efeitos numa formulação
de políticas públicas educacionais e culturais; o artista com deficiência nos projetos e
nas ações das entidades culturais não governamentais e públicas.
Metodologia
Para consecução deste trabalho monográfico, foi imprescindível uma pesquisa em meu
acervo pessoal, que ainda preserva publicações, folders, filmes em VHS e relatórios
anuais do Programa Arte Sem Barreiras, por simples razão afetiva: quase todos são de
minha própria autoria. Fiz bem em preservá-los. O mesmo não posso dizer da consulta
feita à documentação do Arte Sem Barreiras depositada no Centro de Documentação,
CEDOC, da Funarte. É pífia, parcial e tendenciosa – ao guardar mais documentos
relativos a um projeto realizado durante os anos de 2005 a 2007, um arremedo que
atendia pelo nome de Arte sem Limites.
Mas disso não sabem os arquivistas, bibliotecários e assistentes técnicos que lá
trabalham em condições insuficientes e adversas, responsáveis por um dos mais
importantes banco de dados e de informações sobre as artes no país. Desconhecem que
toda a documentação, impressa, audiovisual e eletrônica, além de equipamentos da
Associação Very Special Arts foi confiscada em junho de 2004, no auge de processo de
intervenção administrativa da Funarte. E que de lá só pode ser retirada, seis meses
depois, por medida liminar judicial. O que retornou, era um nada. Pacotes de vazios. O
substancial fora posto fora.
O site eletrônico do Arte Sem Barreiras com mais de 80 páginas, abrangendo
publicações, artigos, filmes e links para mais de duas centenas de assuntos e
instituições, foi retirado do ar. Era lá que também estava posta toda a sua memória, ano
a ano, dia a dia. Como tantos atos de desinteligência, o processo de confisco memória
do Arte sem Barreiras, conduzido por diretores de ocasião, afinal se concretizou. Uma
visita ao CEDOC da Funarte comprova tais fatos cabalmente.
Em prosseguimento à pesquisa para esta monografia, fiz novas leituras e uma revisão
bibliográfica, especialmente daquelas publicações atinentes às políticas públicas de
cultura e gestão cultural. Também pela proximidade com os campos de atuação do
Programa e por conta de suas inúmeras parcerias empreendidas no período,
11
pesquisamos as políticas públicas nas áreas de Educação Especial e Direitos Humanos,
atinentes às pessoas com deficiência; por fim, agregamos a leitura de artigos, resultante
de palestras em Seminários e Fóruns de Políticas Culturais, muitos dos quais estive
presente como ouvinte, além de muitos outros artigos publicados em periódicos e sítios
eletrônicos de instituições governamentais e privadas.
Ao ensejo, é importante reiterar algumas considerações: sobre o esforço pessoal e
metodológico para minimizar minha atuação e protagonismo nessa experiência cultural
e política. Tentei, declaro, no limite possível, estabelecer o necessário distanciamento
emocional do objeto de estudo. Também porque nesta monografia estão postas questões
sobre conceitos ainda uso pela atual gestão do Ministério da Cultura. Esse
confrontamento de idéias, no entanto, não deve ser interpretado com julgamento, sanção
ética ou moral sobre a atuação de governos, gestores e formuladores de políticas
públicas.
Optamos por uma abordagem descritiva e interpretativa, com um olhar qualitativo,
supondo que essa opção faculta questionamentos sobre uma experiência concreta de
política cultural pública cuja ação ocorreu por meio de uma entidade da sociedade civil,
vista aqui não só como objeto, mas como sujeito dessas políticas.
O primeiro capítulo é dedicado a uma breve apresentação sobre o conceito de política
cultural pública. No capítulo segundo, um relato sobre as convergências entre as
políticas públicas de educação, cultura e direitos humanos no âmbito das atividades da
Associação VSA Brasil. O capítulo terceiro concentra-se sobre a trajetória da
Associação Very Special Arts e o Programa Arte sem Barreiras no período de 1990 a
2004. A conclusão se destina a considerações sobre os limites e os avanços dessa
experiência de gestão cultural pública.
Por fim, gostaríamos de assinalar que a escolha do tema de estudo decorreu das nossas
atividades desenvolvidas no âmbito do Programa, reforçada pelas discussões travadas
no ambiente do Curso de Pós Graduação em Acessibilidade Cultural, posteriormente
ampliadas em vários encontros com a orientadora desta monografia, Professora
Doutora, Patrícia Dorneles, no Rio de Janeiro. As falhas e omissões existentes no texto
devem ser atribuídas exclusivamente ao autor que, de antemão, reconhece como
modesta e limitada sua reflexão sobre o instrumental teórico e o tema escolhido.
12
Capítulo 1. Conceituação de política cultural e suas aplicações no Brasil
Súmula
Os conceitos de política cultural e suas aplicações no Brasil, especialmente em projetos
desenvolvidos a partir de 2003, quando da assumição ao poder do Partido dos
Trabalhadores.
1.1 Conceituação e campo de estudo
Alguns autores dizem que é recente a abertura de um campo de estudo das políticas
culturais e seu estabelecimento enquanto objeto de estudo acadêmico. As investigações
nessa área, asseguram, tem se articulado em torno de um campo de pesquisa próprio,
que reúne diversos estudos e diferentes abordagens ao redor de uma questão comum: a
atuação do Estado no campo cultural (LIMA, ORTELLANO e SOUZA, 2013).
Sobre esse mesmo campo de estudo, visto sob outro viés, Teixeira Coelho, em seu
Dicionário Crítico de Política Cultural, dizia que conceito de política cultural ainda
carecia de substância, flutuando, de forma excessiva, numa rede teórica, onde as malhas
são abertas demais e à deriva de empréstimos ocasionais junto a outras disciplinas. E
que a expressão máxima da Política Cultural está na figura da ação cultural (...)
entendida como criação de condições para que os indivíduos e grupos criem seus
próprios fins (COELHO, 1997, Apud DORNELES, 2011, págs. 29 e 31).
É uma assertiva correta, já que a própria cultura não pode ser dissociada de tudo que
possa ser abrangido e incorporado ao cultural naquele sentido amplo, que vai do
econômico tradicional ao tecnocientífico. As políticas culturais são, por vocação,
transversais, mesmo que isso seja apenas um discurso, sem uso e aplicação prática.
As ações públicas têm de ter fundamentos e coerência entre o que se
diz buscar e o que se faz de concreto para isso. No campo das políticas
culturais, a relação causa e efeito não é direta. Os resultados
dependem de uma apreciação de outros fatores, estranhos ao processo
cultural estrito senso. (CALABRE, Lia, 1ª Conferência Nacional de
Cultura, pág. 112)
No entanto, persistindo em reafirmar esse campo de estudo, a trinca de autores citados,
assegura que desde 1990, as políticas culturais não só se consolidaram como objeto de
investigação acadêmica, como ganharam alguns periódicos específicos e a produção de
obras de referência, entre os quais estão citados o International Journal of Cultural
13
Policy, editado a partir de 1994, e o Journal of Arts Management Law and Society, a
partir de 1992.
Mais importante e definitivo nessa questão, é que a conferência O que são políticas
Culturais? Uma Revisão crítica das modalidades de atuação do Estado no campo da
cultura foi realizada pelos autores, em 2013, no IV Seminário Internacional de Políticas
Culturais, organizado pelo Setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui
Barbosa (FCRB), sob a direção da historiadora Lia Calabre.
Lá, anualmente, desde 2004, são postas narrativas sobre experiências nacionais e
internacionais no campo das políticas públicas de cultura e da gestão cultural. Em
decorrência, esse setor da FCRB, é hoje o mais volumoso, abrangente e atualizado
portal de estudos acadêmicos sobre as políticas culturais brasileiras. Uma consulta às
centenas de textos dispostos para estudos no site da instituição é uma prova do quanto é
nuançado e rico esse novo campo de estudo também no Brasil.
É o bastante para necessários esclarecimentos já que não é de nosso interesse adentrar
nessa discussão sobre a existência ou não de um campo de pesquisa exclusivo ou
transversal sobre as políticas de cultura. Porém, vamos nos valer, de uma definição
padrão de política cultural posta pela UNESCO, em 1969: um conjunto de princípios
operacionais, práticas administrativas e orçamentárias e procedimentos que fornecem
uma base para a ação cultural do Estado. É sintético e razoável para o desenvolvimento
desse capítulo que está restrito a atuação do Estado nas tratativas culturais, nas quais os
postulados emitidos pela UNESCO serão decisivos e norteadores.
1.2 Os postulados da UNESCO no Brasil
A UNESCO, aliás, tem precedência nesses estudos culturais em razão de seguidas
Conferências realizadas a partir dos anos 1940, e com mais intensidade, nas décadas
seguintes e princípios do século XXI. Delas resultaram duas principais recomendações
ou vertentes para os países membros: implantação de políticas para a democratização
da cultura e políticas de democracia cultural. Eram formulações tão próximas que
tiveram de ser distinguidas: a democratização dizia respeito a um acesso indistinto às
atividades culturais, a cultura enquanto um direito de todos os cidadãos. Já o tema da
democracia cultural, impregnada de uma conceituação antropológica da cultura,
14
propunha a valorização das práticas culturais simbólicas dos diversos segmentos
culturais em contraponto ao que estava até então estabelecido e consagrado, cuja fruição
e acesso eram restritos às pessoas e grupos com maior renda.
Democratização cultural pode ser entendida como compartilhamentos de processos de
gestão desde a etapa inicial, passando pelo desenvolvimento, manutenção e, por fim,
pela avaliação de todo o fluxo de uma ação de política pública. Dessa forma, não
consiste apenas em ter ou ampliar acesso a recursos governamentais para garantir um
rol de atividades – produção e difusão cultural.
O eixo principal da democratização cultural está na abertura ou concessão de espaços
participativos pelo poder executivo por meio de pactuações ativas, horizontais, com alta
representação social e hibridismo na resolução de arranjos institucionais. É uma
proposta de um modelo de gestão cultural que não tem uma raiz administrativa em
outros modos de gestão até então usuais na administração das políticas públicas de
cultura.
Três conceitos sustentam essa idéia de democracia cultural. São os seguintes:
autonomia, protagonismo e empoderamento. O primeiro, diz respeito à dimensão
simbólica da cultura, atividade essencial ao imaginário humano; o segundo está
associado à cidadania, a conquista de direitos básicos como alimentação, saúde,
moradia, educação e voto; e, finalmente, o empoderamento, decorrente da emancipação
econômica por meio de atividades culturais facilitadoras de geração de emprego e
renda.
Entre essas atividades, a construção de redes e teias de cooperação entre entidades e
grupos culturais, resulta em expressivo acúmulo de capital pessoal e social. São
recursos básicos para a consolidação e a mobilização de grupos e entidades em torno de
temas e demandas comuns que dilatam o espaço das políticas públicas incorporando
novos espaços deliberativos.
Ao analisar recentemente os conceitos de cultura e desenvolvimento no âmbito do
repertório discursivo da UNESCO, Elder Maia Alves, diz que a dilatação desses
conceitos criou condições discursivas para a formação de novas “categorias nativas”,
responsáveis, entre outros aspectos, pela justificação, formulação e execução de
políticas públicas e privadas, como as categorias de economia criativa e indústrias da
15
criatividade, afora a extensão do conceito de desenvolvimento para desenvolvimento
humano.
A organização [UNESCO], diz ele, passou a mobilizar o conceito de desenvolvimento
humano como uma espécie de norte de cobrança, controle e sugestão de políticas
públicas em todo o mundo. A pedra de toque desse novo conceito é representada pela
noção de qualidade de vida e tem no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) o seu
instrumento de aferição por excelência. A partir da segunda metade do século dos anos
oitenta e durante os anos noventa, o IDH passa a figurar nas campanhas eleitorais e
programas de gestão de governos, nos documentos internacionais, nos relatórios de
gestão e nas metas administrativas de diversas organizações nacionais e transnacionais
(ALVES, 2011, págs. 202 e 231)
O Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD: 2004), afirmava que para alcançar
os objetivos do desenvolvimento e erradicar a pobreza do mundo, primeiro se deveria
enfrentar com êxito o desafio de construir sociedades inclusivas e diversas em termos
culturais.
O pesquisador Jaime Nualart, secretário técnico do Conselho Nacional para a Cultura e
as Artes, do México, durante palestra proferida na abertura da 1º Conferência Nacional
de Cultura, em Brasília, a 13 de dezembro de 2005, realçou os componentes sociais da
cultura nos seguintes termos: “o desenvolvimento cultural de um país é componente
fundamental da coesão social e um instrumento de extensão da democracia. Contribui
para que uma sociedade seja cada vez mais aberta e participativa, valorize a pluralidade,
respeite a legalidade, reconheça a importância de proteger a liberdade de expressão e
criação e faça sempre valer estes direitos fundamentais”.
No entanto, a capacidade da ação estatal em promover o desenvolvimento social
esbarrou em limites significativos, impulsionados pela onda de transformações
produtivas e de imposições da ordem internacional globalizada.
Na década de 1990, diz Barbosa da Silva,
a agenda de reformas dos programas sociais, mesmo com os
princípios redistributivistas e universalistas impressos em suas
concepções, sofreram das restrições advindas das opções políticas
feitas ao longo do período, tanto das opções de inserção na economia
internacional, quanto nos alinhamentos políticos internos, feito com
forças de centro e centro-direita, de perfil ideológico liberal. Estes
alinhamentos desenham outra agenda de reforma, cujos contornos se
redefinem em embates com as crises sucessivas no campo econômico,
16
com o liberalismo, no campo político e ideológico, e com a lógica
própria e autônoma das políticas sociais e culturais (2000, p. 319).
A imbricação da cultura com a economia para dar solução a problemas sociais, alerta
Yúdice, constitui-se num fenômeno conjuntural e análogo à transação keynesiana entre
o capital e o trabalho negociada pelos Estados – Nação. Em recente encontro
internacional de especialistas em política cultural, ele comenta, uma funcionária da
UNESCO lamentou o fato da cultura ser invocada para resolver problemas que
anteriormente eram da competência das áreas econômicas e política. No entanto, ela
argumentava que o único meio de convencer os líderes governamentais e empresarias de
que vale a pena apoiar a atividade cultural é argumentando que ela reduz os conflitos
sociais e promove o desenvolvimento econômico (YÚDICE, 2004, p. 13).
Em outubro de 2006, no âmbito da 33º Conferência Geral da UNESCO e da Convenção
sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais, o Brasil
comprometeu-se com a UNESCO em atuar na redução do desequilíbrio entre países
produtores e consumidores, e no combate, por meio da cultura, à discriminação
geradora de desigualdade. Dessa forma, arte e cultura começam a ser pensadas como
experiência social. No campo específico da gestão pública, essa experiência se dá pelo
reconhecimento e/ou compartilhamento da sociedade civil na proteção e promoção da
diversidade das expressões culturais.
Foi dessa maneira, enlaçada ao social, que a Cultura tentou ocupar um lugar de destaque
no desenvolvimento do Estado contemporâneo: como fator de identidade e elemento
estratégico para alcançar um desenvolvimento integral e sustentável.
Ao afirmar e reconhecer a legitimidade das políticas públicas culturais, a Convenção
também convidava os países membros a integrar a cultura em suas políticas de
desenvolvimento em todos os níveis, a fim de criar condições para o desenvolvimento
sustentável. E o tratamento relativo à natureza específica das atividades, bens e serviços
culturais enquanto portadores de valor mercadológico, mas também de identidades,
valores e significados, tem um papel crucial para a elaboração de uma política cultural
para o desenvolvimento (KAUARAK, 2010).
É a partir dos anos 1990, que UNESCO assume de vez e passa a capitanear as
discussões realizadas em âmbito mundial no que diz respeito a um conjunto de ações e
17
propostas de regulamentação, definição e normatização da categoria Cultura em face
das profundas transformações ocorridas no final do século XX. Todos esses processos
concorreram para engendrar a chamada globalização cultural, que levou alguns autores
a falar em uma explosão da cultura ao se referir à sensação de que a cultura estaria em
todos os lugares ao mesmo tempo (ALVES, 2011, pág. 234 e 235). Essa globalização
cultural, no entanto, estaria potencializando as antigas e já profundas assimetrias da
divisão internacional do trabalho cultural (YÚDICE, 2005).
Na UNESCO, essas lutas e disputas se cristalizaram com maior clareza, diz Alves, por
ocasião da votação da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, em 2001, e
posteriormente, em 2005, quando da realização da 33º Conferência Geral da UNESCO,
quando foi aprovada por 148 países membros a Convenção sobre Proteção e Promoção
sobre a Diversidade das Expressões Culturais, com votos contrários de apenas dois
países, Estados Unidos e Israel. À época, seus representantes argumentaram que o texto
em discussão, ao invés de diminuir, poderia incentivar formas de nacionalismos
violentos e fundamentalismo ético-religiosos (ALVES, 2011, pág. 235). Em 18 março
de 2007, após sua ratificação por mais de 50 países, sendo o Brasil o 40º, a Convenção
entrou em vigor.
Como signatário, o Brasil se comprometeu com a UNESCO em atuar na redução do
desequilíbrio entre países produtores e consumidores, e no combate, por meio da
cultura, à discriminação geradora de desigualdade.
1.3 Cultura Viva, políticas culturais como recurso social
Como prova desse alinhamento ao termo da Convenção, reportamo-nos ao discurso
proferido2 seis meses depois pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, no dia 3 de outubro de 2007, no Teatro Nacional de Brasília, por ocasião do
lançamento do Programa de Aceleração da Cultura, PAC, ou Programa Mais Cultura 3.
2
A íntegra do discurso do presidente Luiz Inácio da Silva está disponível no site
http://www.info.planalto.gov.br/download/discursos/[email protected], acessado em 16 de abril de 2008
3
O Programa de Aceleração da Cultura (PAC) ou Mais Cultura dá sequência às políticas públicas para o
setor em implantação desde 2004, por meio do Programa Cultura Viva, que conjuga ações de Cultura e
Cidadania (fomento à cidadania, às identidades e à diversidade), Cidade Cultural (centrado na
qualificação do ambiente social e no direito à cidade) e Cultura e Renda (que focaliza a ocupação, a renda
e o financiamento da Cultura).
18
Disse ele: o Brasil, lamentavelmente, nunca teve política cultural. Tinha ações de
ministros que atendiam determinados públicos, às vezes, muito seletivos. A política
cultural do país não é mais apenas responsabilidade do Ministério da Cultura, é
responsabilidade do presidente da República e dos 190 milhões de brasileiros que
ajudaram a construí-la (sic).
O tom do discurso e a mensagem nele contida nos induzem a pensar na existência de
uma complexidade de relações intraministeriais na esfera pública do poder constituído,
com o Ministério da Cultura buscando um maior protagonismo político pela
incorporação de conteúdos sociais à sua agenda. Esses conteúdos, além de tematizarem
a descentralização das políticas, a necessidade de parcerias com a sociedade civil e a
auto-sustentabilidades econômica das políticas culturais, também passam a confrontar e
a delimitar as políticas culturais entre um passado elitista (neoliberal) com um presente
popular (democrático). E nessa confrontação não bastam causas justas e mensagens
atrativas. Era uma disputa argumentativa, na qual era necessário marcos referenciais
significativos.
Em 2002, quando o Partido dos Trabalhadores apresentou seu conteúdo programático
para as políticas federais da cultura, vazados nas experiências de gestão de governos
municipais e estaduais – A imaginação a serviço do Brasil: programa de políticas de
cultura– já estava pré-configurada essa proposta de demarcar um diferencial da
orientação neoliberal existente - no período dos dois governos de FHC- por meio de
convocação à participação das organizações não governamentais e de movimentos e/ou
grupos configurados no âmbito da cultura popular e comunitária na futura gestão da
cultura.
Sob o aspecto do protagonismo, essa proclamação não se diferia das postas pelas
gestões anteriores, que também clamavam por mais verbas, maior visibilidade e
transversalidade dentro do próprio governo. A Cultura era um ministério com raso lastro
econômico e político, que circulou e foi oferecido, muitas vezes, como moeda de baixo
valor nas composições políticas e partidárias. O diferencial político estava numa
interpretação quase demiúrgica do Brasil, justificada com argumentos incisivos para sua
própria valorização e consolidação.
19
Nessa mesma cerimônia de lançamento do PAC ou Mais Cultura, as falas do então
ministro da Cultura, Gilberto Gil, e de seu secretário-executivo, Juca Ferreira, também
traziam afirmações paradigmáticas e corroboraram na conformação de uma nova
moldura social para o Ministério da Cultura. Ao também criticar a omissão e a
insensibilidade cultural e social das gestões passadas, o ministro Gil associa as novas
ações de gestão à promoção de um estado de bem-estar social.
Disse o ministro:
Há muito ansiávamos por este dia: o momento em que o Estado
brasileiro, pela primeira vez em sua história, incorpora a cultura como
dimensão essencial ao ser humano e como uma política pública
essencial ao desenvolvimento [...] o que representa hoje para o Brasil
e para o mundo a palavra Cultura não é nada menos que a aspiração
clara por um mundo de bem-estar e felicidade plenos [...] hoje também
essa palavra evoca um novo sentido para o “bem-estar social”. [...] A
omissão do Estado, por tantos anos, gerou um cenário [...] de
separação entre a cultura e a rede de proteção social. Um cenário de
separação entre cultura e cidadania. O Mais Cultura cristaliza o novo
patamar de importância que a cultura passou a ter na agenda social do
Governo brasileiro [...] Ao incorporar a dimensão cultural em sua
plenitude, a política social deste governo reforça sua capacidade de
contribuir para que nossa sociedade se reinvente. [A íntegra do
discurso do ministro Gilberto Gil está disponível no site:
http://www.cultura.gov.br/noticias/discursos/index.php?p=30210&mo
re=1&c=1&pb=1, acessado em 16 de abril de 2008]
Juca Ferreira, então secretário-executivo, confirmava que os compromissos assumidos
por essa agenda social não se chocavam com a missão constitucional do Ministério da
Cultura, ao contrário, dava-lhe nova dimensão e funções: Afirmou ele:
O Programa Mais Cultura marca o início de uma nova etapa na
relação do Estado com a cultura no Brasil. [...] O que fizemos:
alargamos o conceito de cultura; introduzimos o conceito de política
pública de cultura. [...] Este programa é parte da Agenda Social do
Governo [...] consolidamos a incorporação da Cultura como um vetor
do desenvolvimento do país e como uma necessidade básica e um
direito de todos os brasileiros, como a alimentação, a saúde, a
moradia, a educação e o voto. [...] A cultura contribui e agrega valor a
outras dimensões da agenda social brasileira, qualifica os ambientes
sociais e as relações humanas, reduzindo a violência, produzindo
qualidade de vida, cidadania, enfim, capacitando a todos os brasileiros
a realizarem plenamente sua condição humana e criando as condições
para que a nossa sociedade possa enfrentar nossas mazelas históricas e
os desafios do Século XXI. [...] O Programa Mais Cultura vem
ampliar a ação do Ministério da Cultura, dar escala, e não se choca
com as demais ações do MinC. Continuaremos em todas as frentes da
cultura, do audiovisual ao teatro, do apoio às manifestações
tradicionais, do apoio aos povos indígenas, a musica, aos direitos
autorais e a toda a economia da cultura. O compromisso do Ministério
da Cultura do governo Lula é com todas as dimensões da cultura
brasileira.
20
[A íntegra do discurso do secretário-executivo Juca Ferreira está
disponível
no
endereço
http://www.cultura.gov.br/noticias/discursos/index.php?p=3029
acessado em 16 de abril de 2008].
1.4 Políticas Culturais: avaliações contemporâneas
Passado esse período de grandes enunciados e entusiasmos a partir da assunção e a
permanência do Partido dos Trabalhadores à frente do Governo, algumas avaliações
começam a ser postas no campo dos estudos culturais. Muitas delas, conforme
afirmamos no inicial desse capítulo, apresentadas em artigos escritos por palestrantes
dos seminários de políticas culturais organizados pelo Setor de Políticas Culturais da
Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Dos vários artigos apresentados nos seminários
que tratam de questões culturais contemporâneas, vamos destacar mais dois, cujas
analises tem como recorte os mais recentes programas e projetos do Ministério da
Cultura.
Em Política cultural no Brasil contemporâneo: percursos e desafios, Bezerra e Weyne
(2013) indagam sobre avanços e desafios e buscam uma reflexão crítica das políticas
públicas que estão sendo construídas de forma plural e democráticas, mas submissas e
conformadas aos protocolos internacionais.
O ponto de partida da reflexão é a gestão de Gilberto Gil “inaugurando uma nova fase
na política cultural do país”, com a ampliação do conceito de cultura pelo viés
antropológico, para revelar os Brasis profundos e múltiplos, e a retomada do papel ativo
do Estado na formulação das políticas. Nessa intenção, destacam as autoras, são criadas
e ampliadas as secretarias do MINC; lançados os Programas Cultura Viva – o mais
destacado da gestão Gil - e o PROCULTURA, que enfeixa várias ações, sendo a
principal, um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, para alterar os
mecanismos de incentivo e financiamento por meio da Lei Rouanet; e o lançamento de
editais voltados para vários segmentos culturais, em acordo com os protocolos
assinados com a UNESCO.
21
No entanto, indagam as autoras: como criar bases sólidas para a consolidação dessas
políticas democráticas e pluralistas e enfrentar o desafio de um aprofundamento em suas
dimensões políticas e criativas. A dimensão criativa defendem “não pode e não deve se
enquadrar em projetos e ser submetida, em última instância, ao uso utilitário como
recurso para inclusão e do desenvolvimento social”, se juntada às vozes e ao coro
formado por vários autores, entre os quais, Miller e Yúdice (2004) e Alves (2011).
É necessário argumentam retomar a proposta de Celso Furtado (2012): uma política
cultural da criatividade – estímulo organizado a formas criativas que enriqueçam a vida
dos membros da coletividade e ampliem as possibilidades dos seres humanos em seus
múltiplos aspectos.
O aprofundamento ou radicação da dimensão política, prosseguem, seria a “construção
de espaços de participação políticos que possibilitem o embate político, os dissensos, os
conflitos e os antagonismos”. E mais: que o consenso e a hegemonia obtidos pelo
MINC na execução de programas como o Cultura Viva neutralizou as diferenças e
resultou em ausência ou falta de política, que é uma característica das democracias
liberais. As políticas plurais e democráticas só se potencializam quando há conflito e
dissensos.
Ao fim, citando Rancière (1996), Bezerra e Weyne, preconizam abertura de espaços
para as forças criativas não conformadas com objetivos pré-definidos e mensuráveis de
projetos e programas de políticas culturais. Uma política cultural “não engessada pelo
aparato burocrático, que se move dinâmica, orgânica, que possibilite a ligação entre
política e novas éticas, e estimule a cultura da diferença, nas possibilidades de criação e
interação, e a convivência com as diferenças”.
Em outro artigo recente, Regina Helena Alves da Silva e Roger Andrade Dutra abordam
um tema recorrente nessa análise das políticas culturais. Em A agenda transnacional da
UNESCO e as políticas públicas de cultura do MINC (2003-2010), os autores
identificam traços de continuidade entre as gestões de FHC e Lula: a manutenção do
mesmo modelo das Leis de Incentivo (LI); a condução de programas por meio de
editais; e a adoção de políticas de cultura concebidas pela UNESCO, especialmente, seu
perfilhamento à economia da cultura e ao mercado globalizado de produção de bens
culturais.
22
Além de criticar a manutenção nos dois mandatos de Lula do mesmo modelo neoliberal
das Leis de Incentivo (LI), os autores fazem restrições às chamadas políticas de editais
que se tornaram permanentes em todas as ações do MINC criados sob o pretexto de
expandir as políticas para além dos interesses das grandes empresas, por meio do
fomento direto a pequenos e médios projetos.
Lançando vários editais públicos, o MinC transferiu recursos públicos
para o financiamento de centenas de projetos culturais e terceirizou as
avaliações de mérito dos projetos, contratando avaliadores ad hoc,
traço comum entre a política de editais e o modelo das LI. O papel do
Estado foi praticamente confinado à seleção cartorial de projetos
segundo critérios formais de proposição e à fiscalização frágil da
execução dos planos de trabalho. É importante salientarmos que
ambas as dimensões da atuação do Estado, nos dois mandatos de Lula,
promoveram projetos estanques e descontínuos. Sintomaticamente,
vários editais para pequenos e médios projetos exigiam o
desenvolvimento de módulos de rede e outras formas de digitalização
de produtos, esperando que algum vínculo orgânico espontâneo
surgisse entre os diferentes grupos e propostas, algo como uma mão
invisível digital complementando a mão invisível mercantil. (ALVES
DA SILVA e ANDRADE DUTRA 2013).
Para efeito de ilustração, um edital para microprojetos culturais para a região do
semiárido destinou quantias entre R$ 10 mil a R$ 15 mil entre os agraciados.
Segundo os autores, após a posse da presidenta Dilma Rousseff, o MINC modificou, em
parte, a orientação das políticas públicas de cultura. No entanto, a política de editais não
só foi mantida, como conformou um grupo político que desenhou as políticas públicas
de cultura com uma mentalidade de corte neopatrimonialista, assim apontados no artigo:
movimentos sociais beneficiados com transferência direta de recursos públicos, o mais
das vezes a fundo perdido.
Os nominados de neopatrimonialistas são instituições e movimentos criados de forma
açodada para atender as demandas dos editais formatados em acordo com os protocolos
internacionais ou aquelas organizações remanescentes do período do neoliberalismo,
entre 1990 e 2000, sobre os quais a crítica de esquerda foi particularmente hostil quando
denunciou a proliferação dos diversos mecanismos de privatização das políticas
públicas por meio de ONGs, Oscip e contratos de gestão com instituições nacionais e
internacionais para atividades ou projetos. “Por isso, hoje, causa maior estranheza que
vários de seus membros, em nome de um pragmatismo militante ou em nome do
progressismo, acomodem-se com tanta facilidade à mesma dinâmica, aderindo ao
modelo neoliberal” (ALVES DA SILVA e ANDRADE DUTRA 2013)
23
Segundo eles, foi a partir desses modelos de gestão neoliberal que surgiu a economia da
cultura, “produto da miséria da discussão conceitual sobre a cultura brasileira e afim ao
caráter colonialista e etnocêntrico das políticas transnacionais de cultura elaboradas em
organismos internacionais, como a UNESCO ou a OMC”. Assim, a economia da cultura
tornou-se o eixo diretor das políticas públicas de cultura.
“Empobrecida, reduzida a instância indutora da geração de produtos culturais voltados
para o mercado cultural globalizado, a ação pública estatal brasileira na área da cultura
praticamente inexistiu como tal. Este modelo implantou um pseudomercado de produtos
“culturais” de qualidade duvidosa e atrelou inúmeros grupos aos editais de distribuição
de pequenas verbas para uma espécie de cultura de subsistência” (ob. cit. pág. 3).
Durante os oito anos do governo Lula prossegue a ideia de cultura-padrão, eixo
sustentáculo da Convenção para a Diversidade Cultural, foi reproduzida no fomento à
proliferação dos projetos de “identidade cultural” que pipocaram.
A própria noção de visibilidade, tão presente nos discursos
justificadores dos editais e projetos culturais, trai a intenção
subjacente de “ser visto”, isto é, ser percebido para além das fronteiras
“locais”; mas ser visto traduz uma existência política passiva, para não
dizer nula. O jovem pobre residente em “áreas de elevado risco
social”, não por acaso o alvo mais frequente dos projetos culturais, é
encorajado a almejar uma visibilidade temporária no mercado dos
produtos culturais exóticos, tal como a empregada doméstica ou o
trabalhador manual de baixa qualificação, que almejavam um
emprego seguro que legitimasse sua circulação pelas áreas urbanas
privilegiadas das grandes cidades. Uma mentalidade do final do século
XIX, que via na rápida qualificação profissionalizante um modo de
atribuir ocupações aos jovens pobres (no duplo sentido de trabalho e
atividade que lhes toma o tempo), foi reproduzida nas atuais políticas
públicas de cultura de um governo orgulhoso de seu progressismo (ob.
cit. p. 4)
À UNESCO é atribuída a normatização do que vem a ser a cultura numa moldura
integral, na qual são conjugados e abrangidos valores culturais pessoais, sociais,
comunitários com os econômicos. A cultura passa a ser vista como um fator de
enriquecimento. Por seu lado, o MINC passa a entender a economia da cultura como um
vetor de desenvolvimento qualificado; os editais vinculam as atividades culturais à
erradicação da pobreza; o Cultura Viva se faz para consolidar identidades e construir
cidadania. É dessa maneira, dizem os autores, que o MINC deixa de ser um órgão
24
viabilizador de uma política cultural para o país, substituindo-a por uma política social,
baseada na economia da cultura, politicamente apoiada por grupos que passaram a viver
dos editais de capacitação e formação de práticas e manifestações tidas por populares.
Sendo ainda enfáticos, pela política transnacional da UNESCO.
25
Capítulo 2 - VSA Brasil e as políticas públicas educacionais
Súmula
As atividades da Associação VSA Brasil no campo das políticas públicas educacionais;
a arte como linguagem de inclusão expressão e emancipação de alunos e pessoas com
deficiência.
2.1 . Arte e Educação Especial, os pioneiros
Na trajetória de lutas pelos direitos civis, políticos, sociais e culturais das pessoas com
deficiência é importante situar a Constituição de 1988 como um marco. Foi por meio
dela que teve início uma nova forma de relação entre o Estado e a sociedade civil pela
institucionalização de uma série de procedimentos que ampliaram as possibilidades de
participação dos cidadãos e entidades representativas nos processos decisórios em
distintas esferas de governo.
Está gravado no Artigo 215 da Constituição, que o Estado garantirá, a todos, o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
No que diz respeito à sociedade civil, nos anos seguintes, ela caminhou e abriu novos
caminhos. Observou-se, por exemplo, o surgimento de novos atores na esfera pública,
com formas de mobilização menos institucionalizadas, exemplificados, entre outros,
pelos grupos organizados por pessoas com deficiência, que até então viviam sob uma
invisibilidade política e social, ou quando muito sob a penumbra do paternalismo e do
assistencialismo.
É seguro afirmar que a Arte na Educação Especial iniciou-se com as idéias da
educadora russa Helena Antipoff, que chegou ao Brasil, em 1929, com o objetivo de
reorganizar a Educação em Minas Gerais, proposta que se estendeu a outros estados,
constituindo o Movimento Escola Nova.
Psicóloga e pedagoga, Helena cursou universidade na própria Rússia, depois em Paris e
Genebra. Pesquisadora e educadora da criança com deficiência, Helena Antipoff foi
pioneira na introdução da educação especial no Brasil, onde fundou a primeira
Sociedade Pestalozzi, iniciando o movimento pestalozziano brasileiro
26
A Sociedade Pestalozzi de MG foi pioneira no trabalho sistemático em Arte para
pessoas com deficiência. A Fazenda do Rosário, criada por Helena Antipoff, em 1942,
tornou-se um importante lugar para as criações artísticas, que mais tarde serviram de
referências multiplicadoras a outras instituições. Esse trabalho hoje é continuado pela
Fundação Helena Antipoff, situada na mesma Fazenda Rosário, na cidade de Ibirité, que
integra a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
No final da década de 1940, surgiu o Movimento Escolinhas de Arte que incluía no seu
projeto pedagógico o ensino de Arte para as pessoas com deficiência. A destacar os
trabalhos de Augusto Rodrigues, Lúcia Valentin e, especialmente, de Noêmia de Araújo
Varela. Em 1948, foi criada no Rio de Janeiro a primeira Escolinha de Arte do Brasil.
Também no Rio de Janeiro, em 1954, decorrência do trabalho iniciado por Helena
Antipoff, em Minas Gerais, foi fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE) do Brasil. A nova instituição passa também a realizar um
trabalho pedagógico sistemático com Arte, que culminou quatro décadas depois na
criação de numa Coordenação de Arte no âmbito da Federação Nacional das APAEs e a
realização, a partir de 1995, dos Festivais Nossa Arte, com a participação de alunos e
usuários da entidade.
Esse relato sumário cometeria uma grave omissão se não citasse a doutora Nise da
Silveira, que implantou a partir de 1946, no Centro Psiquiátrico Pedro II, também do
Rio de Janeiro, o Serviço de Terapêutica Ocupacional. Na ocasião, o Centro
Psiquiátrico tinha aproximadamente 1500 internos, em sua maioria esquizofrênicos
crônicos. Lá foram criados ateliês de pintura e modelagem, permitindo aos internos uma
nova forma de expressão e tratamento psiquiátrico, ainda inédito no Brasil.
No acervo do Museu contam 53 mil obras, entre as quais, Adelina Gomes, Carlos
Pertuis, Emygdio de Barros, Fernando Diniz e Octávio Inácio, tombadas pelo IPHAN.
Em 2002, celebrando o cinquentenário do Museu de Imagens do Inconsciente, parte
significativa do acervo foi exibida pela primeira vez fora do Rio de Janeiro, na Galeria
Genesco Murta, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, por ocasião do 1º Festival
Internacional de Arte sem Barreiras.
27
2.2 Direitos sociais e pessoas com deficiência
Se no campo da arte e da pessoa com deficiência temos essas importantes referências,
no campo dos direitos, podemos afirmar, grosso modo, que até o final da década de
1980, as ações do Estado brasileiro em relação às pessoas com deficiência eram
esporádicas, sem continuidade, desarticuladas e apenas centradas na educação. Não
existiam políticas públicas amplas e abrangentes.
Numa linha de tempo, em se tratando de legislação sobre e para pessoas com
deficiência, nunca é desnecessário lembrar alguns fatos e documentos marcantes dessa
trajetória, a começar por outra decisão histórica da ONU ao declarar 1981 como o Ano
Internacional da Pessoa Deficiente.
Como decorrência, ao longo da década 80, vários documentos foram produzidos pela
ONU sobre o tema. Declarações sobre a deficiência mental, sobre a pessoa com
deficiência física, culminando na década seguinte com um Plano de Ação Mundial
(1993) prevendo equiparação de oportunidades. Tratava-se de uma proposta de política
de equidade, que também inseria na sociedade políticas de ações afirmativas na área do
trabalho e dos benefícios sociais.
No plano nacional, a Declaração da ONU de 1981 ensejou o fortalecimento de várias
entidades pioneiras no país como as Pestalozzi e APAEs, no segmento mental, e a
criação de outras, especialmente, no segmento da mobilidade física, como o Centro de
Valorização da Vida (CVI), e cultural, Very Special Arts do Brasil, sob inspiração de
entidades congêneres norte-americanas. Conforme Maior (2009:51) depois do Ano
Internacional, o movimento das pessoas com deficiência assumiu seu protagonismo e as
próprias pessoas com deficiência ganharam voz e começaram a falar e a participar em
espaços públicos.
As primeiras mudanças sistêmicas ocorrem com a criação da Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), em 1986, e da Política
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em 1989. A CORDE
decorre dos trabalhos empreendidos pelo Comitê Nacional para a Educação Especial
encerrados com a publicação do Plano Nacional de Ação Conjunta para a Integração da
Pessoa com Deficiência, em 1° de julho de 1986. A criação da CORDE deu-se por meio
do Decreto n° 93.481, de 29 de outubro de 1986, assinado pelo presidente José Sarney.
28
Sua efetivação, no entanto, ocorreu apenas em 1989, com a Lei n° 7.853, que dispunha
sobre a integração social das pessoas com deficiência. A lei também estabeleceu as
responsabilidades do Poder Público para o pleno exercício dos direitos básicos das
pessoas com deficiência, inclusive definindo aspectos específicos dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à
maternidade.
A CORDE deveria elaborar seus planos, programas e projetos considerando a Política
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que, no entanto, somente
foi instituída quatro anos depois, por meio do Decreto n° 914, de 06 de setembro de
1993, cujo princípio era a ação conjunta do Estado e da sociedade civil na criação de
mecanismos que assegurassem a plena integração da pessoa com deficiência em todos
os aspectos da vida em sociedade. A Lei n° 7.853 foi, posteriormente, regulamentada
pelo Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que também alterou a Política
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Foram coordenadoras da CORDE: Teresa Costa d’Amaral (1986-1990); Maria de
Lourdes Canziani (1990-1997); Tânia Maria Silva de Almeida (1997-2000); Ismaelita
Maria Alves de Lima (2000-2002); Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior, a primeira
pessoa com deficiência a assumir esse cargo, a partir de setembro de 2002.
Em 1999, criou-se um Conselho Deliberativo, o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE (Decreto n° 3.076, de 1° de junho de
1999) com as seguintes atribuições: zelar pela implantação da Política Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; acompanhar o planejamento e avaliar a
execução das políticas setoriais relativas à pessoa portadora de deficiência; zelar pela
efetivação do sistema descentralizado e participativo de defesa dos direitos da pessoa
portadora de deficiência; propor a elaboração de estudos e pesquisas; propor e
incentivar a realização de campanhas visando à prevenção de deficiências e à promoção
dos direitos da pessoa portadora de deficiência; aprovar o plano de ação anual da
CORDE; entre outras. Em 2003, o CONADE deixou a estrutura administrativa do
Ministério da Justiça e passou a ser órgão colegiado da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos
Desde 2003, as políticas para as pessoas com deficiência estão vinculadas diretamente à
Presidência da República, por meio da Secretaria de Direitos Humanos. Em outubro de
29
2009, a CORDE foi elevada a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da
Pessoa com Deficiência. Mais recentemente, em agosto de 2010, alcançou o status de
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
2.3. Educação, Arte e pessoas com deficiência
Nossa narrativa agora se volta para as lutas e as conquistas das pessoas com deficiência
no campo das políticas públicas da Educação. Vamos destacar algumas atividades da
Associação VSA Brasil no campo das políticas educacionais e a introdução da arte
como linguagem de inclusão, expressão e emancipação de alunos e pessoas com
deficiência.
No campo governamental da Educação Especial, aqui é importante destacar a criação,
em 1973, do Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, junto ao Ministério de
Educação, com a finalidade de promover em todo território nacional a expansão e
melhoria do atendimento aos excepcionais. Em 1985, o Decreto Presidencial n° 91.872,
instituiu um Comitê Nacional [...] para traçar uma política de ação conjunta, destinada a
aprimorar a educação especial e a integrar; na sociedade, as pessoas com deficiências,
problemas de conduta e superdotadas.
Foi esse Comitê que sugeriu a transformação do CENESP, em Secretaria de Educação
Especial – SESP. Um ano depois, em 1986, durante o Governo Sarney, foi criada a
Secretaria de Educação Especial – SESP e a já citada Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE. Em 1990, no Governo Collor,
com a reforma no MEC, se extingue a SESP ficando a Secretaria Nacional de Educação
Básica – SENEB responsável pela educação especial. Em 1992, no Governo Itamar
Franco, com nova reforma do MEC, o órgão de educação especial foi reconduzido à
categoria de secretaria, com a sigla SEESP.
São essas duas instituições, SESP e CORDE, que vão promover em 1989 um encontro
pioneiro da Educação Especial com a Arte. Foi o Ministério da Educação, por meio da
Secretaria de Educação Especial, SESP, que patrocinou e organizou o Encontro
Nacional entre Arte e Educação Especial, com dirigentes e educadores especiais, e ao
que nos interessa, de representantes, à época, de uma comissão de trabalho para a
implantação da representação do Very Special Arts no Brasil. Além de representações
30
das diversas instituições que trabalhavam com pessoas com deficiência, conforme
veremos no capitulo terceiro.
Em 1993, em Pernambuco, a Associação VSA Brasil estabeleceu parceria com a
Federação de Arte-Educadores do Brasil (FAEB). Essa parceria foi retomada em maio
1998, no SESC Pompéia, em São Paulo, quando da realização I Congresso e Festival
Latino-Americano de Arte Sem Barreiras.
A FAEB não só colaborava na realização de congressos e festivais, mas na
fundamentação de conceitos. Por meio de instrumental teórico e demonstrações
artísticas, a proposta era ampliar o entendimento da sociedade brasileira sobre essas
novas expressões para dissolver barreiras culturais e sociais, e inserir o fazer artístico da
pessoa com deficiência à contemporaneidade estética do país.
Em 1994, a Declaração de Salamanca – Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área
das Necessidades Educativas Especiais proporcionou uma nova perspectiva e mudanças
nas concepções do trabalho com pessoas com deficiência. No cenário nacional, as ações
convergem em direção a uma Educação para todos, proposta adotada pelo Ministério
da Educação.
Tal orientação foi acolhida pelo VSA do Brasil que passou a agregar, a seus festivais de
arte, os congressos de Educação e Arte, para promover o debate e a difusão de
conhecimentos e de experiências com as linguagens da arte na educação especial.
O primeiro Festival e Congresso já com esse novo formato foram realizados nesse
mesmo ano de 1994, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) iniciando uma
parceria com departamentos de Educação e de Arte de universidades, secretarias de
Educação estaduais e municipais, e entidades da sociedade civil que desenvolviam
trabalhos com as linguagens da arte com e para pessoas com necessidades especiais.
Os festivais e congressos nacionais de Arte Sem Barreiras realizados em 1995
(Natal/RN), em 1996 (Curitiba/PR), 1997 (Manaus/AM) e o Latino-Americano, em
1998 (São Paulo/SP), foram fundamentais para aproximar educadores especiais e arteeducadores das questões da arte realizada por e com pessoas com deficiência.
Em 1999, ainda em decorrência dos postulados da Educação para todos ocorreu o
Encontro de Pirenópolis, realizado pela Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação (SEESP/MEC). Além de abrir os horizontes para ações conjuntas com
31
entidades não governamentais atuantes no campo da arte, como o VSA Brasil, a reunião
resultou como proposta, gravada na Carta de Pirenópolis, na garantia da inclusão da
Arte no projeto político-pedagógico e nas políticas públicas de Educação. É um
documento fundamental que selou a parceria entre Educação Especial e Arte.
Em Pirenópolis (GO), no período de 14 a 18 de junho de 1999, a SEESP/MEC
promoveu o Encontro de Educação Especial: Uma Escola de Qualidade para todos
Respeita a Diversidade reunindo dirigentes da Educação Especial e Ensino
Fundamental, ONGs, e cerca de 50 representantes dos comitês estaduais e municipais
do VSA/ Arte Sem Barreiras. Um encontro inédito entre 250 especialistas em Artes e a
Educação Especial.
Durante uma semana de colóquios, grupos de estudos e plenárias- considerando os
princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Educação para Todos
foi redigida a Carta de Pirenópolis, na qual ficaram gravadas proposições e
compromissos e priorizadas ações no âmbito da SEESP e do Ministério da Educação.
Entre elas, uma conquista importantíssima: no texto da carta, em razão das discussões e
propostas levantadas pelo VSA/ Arte sem Barreiras no âmbito de um dos cinco
principais grupos de estudo proposto pelos organizadores do Encontro- A arte
viabilizando a educação para a inclusão social– foi inserida em seu item onze, a
garantia de inclusão no projeto político e pedagógico do MEC da arte-educação e da
atividade motora, como dimensões curriculares. Abaixo a íntegra da carta
Carta de Pirenópolis 1999
"Nós, Dirigentes de Educação Especial e de Ensino Fundamental de Organizações
Governamentais e não - Governamentais, membros do Fórum das Instituições de
Ensino Superior e UNDIME, reunidos no Encontro de Educação Especial: "Uma
Escola de Qualidade para todos Respeita a Diversidade ", em parceria com a UNESCO
e o FUNDESCOLA, em Pirenópolis, no período de 14 a 18 de junho de 1999,
considerando os princípios Universais dos Direitos Humanos; as análises e debates
ocorridos neste Evento e as proposições e compromissos definidos pelos participantes,
em nível Estadual, reafirmamos o princípio filosófico da "Educação para Todos", e
priorizamos as seguintes ações:
1- Articular órgãos governamentais, organizações de defesa e de direito, órgãos não
governamentais de e para pessoas com deficiência, e instituições de ensino superior,
visando à implementação da prática de inclusão; 2- Acompanhar e orientar, de forma
articulada, as ações dos municípios na política de educação especial; 3- Comprometer
e responsabilizar todo o sistema educacional público e privado, na garantia do
atendimento aos alunos com necessidades especiais a partir de uma política de
inclusão social; 4- Dotar as unidades escolares de materiais, equipamentos e
32
mobiliários adaptados; 5- Construir e manter indicadores confiáveis que permitam
análise da qualidade e planejamento das ações relativas à política de inclusão; 6Tornar públicas ações, informações e recursos como uma das dimensões de suporte às
práticas da educação especial e ao exercício do direito do cidadão; 7- Garantir
acessibilidade por meio da adequação dos espaços físicos nas unidades escolares onde
os educandos com necessidades educacionais especiais estejam inseridos. Garantir
também, que as novas construções obedeçam às normas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas(ABNT); 8- Implantar e/ou implementar suporte e atendimento escolar
de forma a garantir o pleno desenvolvimento humano para todos; 9- Estabelecer
parcerias, prioritariamente, entre a educação, assistência social e saúde, envolvendo as
três esferas de governo; 10- Orientar e assessorar a construção e/ou reconstrução do
projeto político pedagógico, fundamentado no princípio de uma escola para todos;. 11Garantir a inclusão, no projeto político pedagógico, da Arte- Educação e da Atividade
Motora, como dimensões curriculares; 12- Garantir a formação inicial e continuada da
comunidade escolar, com vistas à inclusão das pessoas com necessidades especiais e o
efetivo atendimento à diversidade; 13- Definir uma política de educação profissional,
de forma participativa, orientada pelos princípios da inclusão;14- Estabelecer
estratégias de discussão do atual modelo de avaliação para definir a questão do
diagnóstico, assim como a sua finalidade e efeitos. No cumprimento ao que determina a
Constituição Federal, a LDB- Lei9394/96 e o Plano Nacional de Educação” (CARTA
DE PIRENOPOLIS, 1999, acervo do autor).
Sublinhamos a importância dessa conquista pelo seguinte: pela primeira vez a arteeducação foi oficialmente incorporada ao projeto pedagógico das políticas públicas de
Educação de um Governo Federal. Uma proposta que o VSA/Arte Sem Barreiras
defendia e divulgava há muito tempo. Em decorrência do Encontro, surgiram
solicitações de consultorias e parcerias praticamente de todas as entidades lá presentes,
como o Fórum das Faculdades de Educação das Universidades Federais, União de
Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), secretários e/ou representantes da área
de educação especial de todos os estados, além de entidades não governamentais, como
a Federação
Pestalozzi e APAEs, entre tantas outras, além, é claro, da própria
Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.
Ainda em 1999, o MEC iniciou o processo de distribuição da versão final das
adaptações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a Educação de alunos
com necessidades especiais 4. A orientação geral era a mesma dos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino fundamental: formar indivíduos para o exercício da
cidadania.
A proposta apontava para uma tendência irreversível: a da integração dos alunos com
necessidades especiais à rede regular de ensino. A estratégia do MEC é “fazer com que
4
No texto sempre será reproduzida a nomenclatura da época.
33
não seja mais o portador de necessidades especiais que precise se adequar ao sistema
educacional, e sim o contrário” – afirmava a então secretária de Educação Especial,
Marilene Ribeiro dos Santos. Segundo ela, os serviços educacionais especiais, embora
diferenciados, não podiam ser desenvolvidos isoladamente, mas deviam fazer parte de
uma estratégia global de Educação e visar às suas finalidades gerais.
Os PCN preconizavam a atenção à diversidade da comunidade escolar e baseiam-se no
pressuposto de que as adaptações curriculares podem atender a necessidades
particulares de aprendizagem dos alunos. E essa diversidade deve se concretizar em
medidas que levem em conta não só a capacidade intelectual e os conhecimentos dos
alunos, mas também, seus interesses e suas motivações.
O que se pretendia com essa atenção à diversidade era a melhoria da qualidade de
ensino e de aprendizagem para todos, irrestritamente, e novas perspectivas de
desenvolvimento e socialização. A escola deveria buscar o respeito às diferenças, não
ser um obstáculo para o cumprimento da ação educativa, mas um fator de seu
enriquecimento.
A Política Nacional de Educação Especial na virada do século XX para o XXI definia
como aluno portador de necessidades especiais aquele que “por apresentar necessidades
próprias e diferentes dos demais alunos de sua idade, requer recursos pedagógicos e
metodologias educacionais específicas”. A classificação desses alunos englobava os
portadores de deficiência mental, visual, auditiva, física e múltipla; os portadores de
condutas típicas (problemas de conduta); e os portadores de altas habilidades. As
classificações costumam ser adotadas para dar dinamismo aos procedimentos e facilitar
o trabalho educacional, conquanto isso não atenue os efeitos negativos do seu uso. O
importante era enfatizar, primeiramente, as necessidades de aprendizagem.
Identificar as necessidades educacionais de um aluno como sendo especiais implicava
em considerar que essas dificuldades são maiores que as do restante de seus colegas,
depois de todos os esforços empreendidos para superá-las, por meio dos recursos e
procedimentos usuais adotados na escola. A concepção especial está vinculada ao
critério de diferença significativa do que se oferece normalmente para a maioria dos
alunos da turma no cotidiano da escola.
Em outubro de 1999, o informativo quinzenal Carta Sem Barreiras, do Programa Arte
Sem Barreiras publicou o artigo Inclusão nas escolas brasileiras, de Maria Teresa Eglér
34
Mantoan, - professora da Faculdade de Educação da Unicamp, e diretora do Laboratório
de Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência (LEPED)
-, no qual o tema da inclusão escolar foi posto da seguinte forma:
(...) A escola para a maioria das crianças brasileiras é o único espaço de acesso aos
conhecimentos universais e sistematizados, ou seja, é o lugar que vai lhes
proporcionar condições de se desenvolver e se tornar cidadão, alguém com identidade
social e cultural.
Melhorar as condições da escola é formar gerações mais preparadas para viver a vida
na sua plenitude, livremente, sem preconceitos, sem barreiras. A inclusão escolar
remete a escola a questões de estrutura e de funcionamento que subvertem seus
paradigmas e que implicam em um redimensionamento de seu papel, para um mundo
que evolui a bites.
O movimento inclusivo nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado, pelo
caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio educacional, é
irreversível e convence a todos pela sua lógica, pela ética de seu posicionamento
social. A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho e o novo na
instituição escolar brasileira.
(...) Assim sendo, o futuro da escola inclusiva está, a nosso ver, dependendo de uma
expansão rápida dos projetos verdadeiramente embuídos do compromisso de
transformar a escola, para se adequar aos novos tempos. Se hoje ainda são
experiências locais, as que estão demonstrando viabilidade da inclusão, em escolas e
redes de ensino brasileiras, estas experiências têm a força do óbvio e a clareza da
simplicidade e só essas virtudes são suficientes para se antever o crescimento desse
novo paradigma no sistema educacional. Não se muda a escola com um passe de
mágica. A implementação da escola de qualidade, que é igualitária, justa e acolhedora
para todos, é um sonho possível.
A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, ou seja, essas experiências locais que
têm sido suficientes para enfrentar o poder da máquina educacional, velha e
enferrujada, com segurança e tranqüilidade. Essas iniciativas têm demonstrado a
viabilidade da inclusão escolar nas escolas brasileiras.
As perspectivas do ensino inclusivo são, pois, animadoras e alentadoras para a nossa
educação. A escola é do povo, de todas as crianças, de suas famílias, das
comunidades, em que se inserem.
Crianças, bem–vindas a uma nova escola!
(Carta sem barreiras, Nº 6, 1º de outubro de 1999. Acervo do autor)
2.4
Brasília, 2000. V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola Para
Todos e VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras
Essa possibilidade integrar num mesmo evento educadores especiais, dirigentes de
educação de municípios brasileiros e de universidades com artistas e arte-educadores,
começou a ser estudada um ano antes, durante o encontro de Pirenópolis (GO).
Entre 6 e 9 novembro de 2000, em Brasília, ocorreu o primeiro grande evento resultante
da parceria entre a SEESP/MEC e o VSA/Brasil: o V Congresso Nacional de Arte-
35
Educação na Escola para Todos e o VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras, que
ocupou simultaneamente o Centro de Convenções Ulysses Guimarães e Teatro Nacional
Cláudio Santoro.
A realização desse V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola Para Todos e do
VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras, reunindo educadores especiais, arteeducadores e artistas, um ano e meio após o encontro de Pirenópolis, foi um assumir
efetivo desse compromisso e um reconhecimento da Arte como linguagem de
integração e superação de barreiras e de aproximação dos diversos grupos culturais
visando uma sociedade inclusiva.
O texto de convocação ao Congresso e Festival, divulgado a partir de setembro de 2000,
foi escrito por mim e aprovado pela direção do VSA/Brasil. Em resumo, era o seguinte:
O tema geral deste Congresso e Festival é a diversidade. Mas como falar em
diversidade e multiculturalidade num mundo que hoje se apresenta globalizado?
Uma globalização que pressupõe unicidade de idéias e de ações, derradeira tentativa
de homogeneizar a tudo e a todos. Um mundo pós-moderno onde lidamos mais com
signos do que com coisas. Um ambiente onde a imagem substitui ao objeto, o simulacro
ao real. Onde o mundo que aparece na TV apaga a diferença entre o real e o
imaginário, entre o ser e a aparência. Existem, porém, maneiras diferentes de se pensar
e ver a globalização.
O ambiente globalizado significa que entre nós e o mundo estão os meios de
comunicação.
São eles que refazem e ampliam o conhecimento do mundo,
transformando-o num permanente espetáculo que, ao contrário de uma pressuposta
homogeneidade, celebra e dá publicidade à diversidade.
Nunca, em nenhuma outra época da humanidade, deu-se tanta publicidade à própria
humanidade, à sua universalidade e diversidade e à heterogeneidade dos povos. Esse
novo mundo repercutido na mídia se fez mais próximo de todos.
Até bem pouco tempo, as questões envolvendo as pessoas portadoras de deficiência *
(nota nomenclatura em uso na época) eram desconhecidas pela mídia. Portador de
deficiência não era notícia. Seus direitos e reivindicações mais elementares passavam
36
despercebidos. Vivíamos constantemente enfrentando atitudes que juntavam num
mesmo discurso a intolerância e o preconceito.
Dizer, agora, nesses tempos de forte intervenção da mídia em nossas vidas, que tudo
mudou pode parecer precipitado. Mas estamos convencidos de que o olhar da
sociedade para o deficiente mudou. E mudou para melhor.
Espelho dessa transformação são as inserções quase que diárias em TVs e jornais de
reportagens abordando temas sobre e com portadores de deficiências. É como se o país
houvesse descoberto intempestivamente - numa espécie de mea culpa tardia – a
existência desses 16 milhões de outros brasileiros.
A vasta cobertura pela mídia da recente Paraolimpíada, realizada em Sidney,
repercutindo o êxito de nossos atletas, entre outras tantas considerações, é um
reconhecimento de que a deficiência é fonte permanente para criação de novas
possibilidades no esporte, na arte e na vida.
Lembro aqui que na história da arte brasileira dois artistas com deficiência são
fundamentais. O primeiro emulou os conceitos de arte e cultura brasileiras no século
XVIII, exprimindo o auge e a síntese do Barroco. Falo da obra do mineiro Antônio
Francisco Lisboa, dito Aleijadinho, nascido em 1738 e que passou a sofrer, a partir dos
40 anos, de atrofia, o que lhe causou a perda de pés e mãos. Com instrumentos atados
aos braços criou até o fim de sua vida, em 1814, pobre, discriminado e totalmente cego.
O segundo artista é Arthur Bispo do Rosário. Nascido em Sergipe, em 1911, com
sofrimentos mentais * ( nomenclatura em uso na época). De sua vida, sabe-se que foi
fuzileiro da marinha e pugilista, chegando a campeão latino-americano na categoria
peso-leve. Foi detido várias vezes por insubordinação e acabou se desligando da
Marinha de Guerra em 1933. Em 1938 foi preso e internado no Hospital Psiquiátrico
Pedro II, no Rio de Janeiro, após delirar durante dois dias na rua.
Em 1939, apresentava um quadro de vivências místicas – teria visto Jesus Cristo
acompanhado de anjos azuis; dizia ser são José. Transferido para a Colônia Juliano
Moreira, passou a desenvolver seu processo criativo utilizando-se dos materiais
simples que dispunha em tais circunstâncias. Sua necessidade de expressão era tão
intensa que desfiava roupas para executar seus bordados. Sua obra, inspirada por
37
“anjos e pela Virgem Maria”, seria apresentada ao Todo-Poderoso, “no dia do Juízo
Final”.
Ele nunca se considerou um artista. A viagem estética de Arthur Bispo do Rosário era
uma missão ditada pelo além. Quando alguém perguntava sobre sua origem ele
desviava o assunto: era um enviado dos Céus.
Em 1989, após sua morte, aconteceu a primeira exposição de suas obras que, nos anos
seguintes, transpôs as fronteiras do hospício, chegando à Europa, onde, em 1995,
participou da Bienal de Veneza. Morreu aos 78 anos, de infarto do miocárdio e
arteriosclerose, na enfermaria da Colônia Juliano Moreira.
Em 2000, Arthur Bispo do Rosário foi um dos destaques na Bienal de São Paulo na
mostra
Redescobrimento. A peça central de seu imenso fazer artístico é o Manto da
apresentação, confeccionado para o seu encontro com Deus no dia do Juízo Final. No
interior do manto, os nomes de centenas de conhecidos estão bordados. Bispo se
perfilaria diante do Criador como Procurador de muitos compatriotas. No seu exterior,
luzindo no tecido vermelho, ardem fios amarelos capazes de ofuscar o tribunal divino.
Hoje, Arthur Bispo é considerado o estilista maior da arte cristã do fim do milênio, e
seu Manto da apresentação um ícone da arte contemporânea brasileira.
Quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou este ano a sua
Campanha da Fraternidade, o tema escolhido foi a inclusão - o direito de todos os
brasileiros a uma cidadania plena e substantiva. E, pela primeira vez, a Campanha
envolveu outros credos, expressando a imperiosa necessidade de atitudes ecumênicas,
de união de todas as forças para alcançarmos nossos objetivos comuns.
Esse súbito destaque dos deficientes na mídia não deve ser visto apenas como um ato de
benevolência dos meios de comunicação. Antes, é consequência de atitudes e lutas
conjuntas, de conquistas que emergiram de entidades públicas e privadas, para
sensibilizar todo um coletivo. Assim foi nos primórdios da República, a luta das
mulheres pelo direito ao voto. Assim foi nas últimas três décadas, a luta dos afrobrasileiros, dos homossexuais e dos idosos, contra a discriminação e odiosos
preconceitos.
A década que agora se apresenta, coincidindo com o novo milênio, coloca na cena
nacional e de maneira definitiva a pessoa com deficiência. Abrem-se, assim - como
38
agora neste Congresso e Festival de Arte Sem Barreiras –, novos caminhos para que as
sementes já lançadas desse diálogo estendam raízes profundas e frutifiquem na
sociedade brasileira.
E que essa luta seja estendida com grandeza cívica a 16 milhões de brasileiros,
cidadãos que clamam por trabalho, por saúde, por transporte e - na parte em que
estamos compromissados – por educação e cultura.
Teremos nesses quatro dias, aqui em Brasília, cerca de duas mil pessoas, entre artistas
e educadores, vindos das mais distintas regiões do país e que atenderam a esse
chamamento para uma reflexão sobre e com a pessoa com deficiência. Que este
Congresso e Festival nos inspire a perceber uma nova ordem de relações entre
diferentes.
O tema central do V Congresso e VI Festival foi Arte-Educação em diálogo com a
diversidade, com os seguintes eixos temáticos:
Arte na perspectiva da inclusão;
globalização e multiculturalidade; arte, educação, saúde e qualidade de vida;
acessibilidade aos espaços artísticos e culturais.
As finalidades eram: discutir a heterogeneidade e a multiculturalidade da sociedade
brasileira na perspectiva da inclusão do portador de necessidades especiais; inclusão de
alunos e artistas às atividades regulares de suas áreas de interesse e atuação de acordo
com suas habilidades e capacidades. Os objetivos do evento eram amplos, como
aprofundar o diálogo entre a Arte e a Educação Especial; promover e estimular o
conhecimento em Arte revelando novas linguagens comunicativas e expressivas;
apresentar e discutir experiências bem sucedidas na articulação entre Arte e Educação
Especial; fomentar a importância da Arte e da Educação para a Saúde enquanto
melhoria da qualidade de vida; promoção e difusão de experiências estéticas em
processo e de artistas e/ou grupos profissionais e a sua inserção no mercado de trabalho.
Ao final do evento, os participantes distribuíram um documento com as seguintes
considerações no sentido de dar prosseguimento a essa parceria e diálogo da Educação
com a Arte, com a abertura de novos espaços ou eventos para aprofundamento das
discussões ao longo do ano de 2001. Posteriormente esse documento foi publicado num
CD-ROM com toda a programação educacional - conferências, palestras, posters,
mesas-redondas e oficinas- e cultural do evento – shows musicais, apresentações de
dança e teatro e exposições de artes visuais-, e recebeu o nome de Anais V Congresso
39
Nacional de Arte-Educação na Escola para Todos e o VI Festival Nacional de Arte Sem
Barreiras distribuído a todos os participantes. Abaixo trechos do documento de
avaliação:
O tema abordado no V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola para Todos e
no VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras - Arte-Educação em diálogo com a
diversidade foi uma reflexão e busca de subsídios junto à sociedade para o processo de
integração e superação de barreiras e de aproximação dos diversos grupos e /ou
entidades socioculturais no contexto de uma sociedade inclusiva.
O eixo norteador foi a comunicação, entendida como a melhor forma de manifestação
cultural e representação do sujeito – seus sentimentos, anseios e buscas. Foi o desvelar
do ser/estar no mundo. O sentimento existencial “estar presente”, significou a
possibilidade de um novo paradigma ao diálogo, cujo movimento de explicitação foi a
arte. Os ideais extrapolaram os símbolos e significados, reconstruindo um ser humano
mais humano;
Na temática Arte-Educação em diálogo com a diversidade ficou evidenciada as
diferentes possibilidades de culturas em suas diferentes formas de manifestação. A arte
também é fruto da diversidade; diante disso, o diálogo entre a arte e o ser humano
constitui o segundo desafio: respeitar as diferentes condições humanas dos sujeitos
presentes na sociedade. Os nossos propósitos avançaram em direção à superação de
barreiras respeitando as diferenças; nesse sentido, a realização deste evento
proporcionou o estreitamento de relações entre a arte e a sociedade para superação de
barreiras;
As conferências proferidas por especialistas das diversas linguagens tiveram como
temas: Arte e Educação em diálogo com a diversidade; O reencontro do feminino com o
masculino na arte de educar; A estética de uma ética sem barreiras, cujas abordagens
contribuíram para localizar a arte nos seus diversos contextos;
As mesas redondas apresentaram temas com a participação de especialistas onde foram
enfocadas as temáticas: Refletindo sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais; Arte na
Perspectiva da Inclusão; Teoria e Prática em Arte-Educação Inclusiva; A Arte: limites e
possibilidades; A Mídia em diálogo com a diversidade; e Cultura Popular e Inclusão. As
abordagens feitas permitiram momentos de reflexão entre o prático e o teórico
possibilitando a troca de experiências;
40
O Painel com o tema Acessibilidade aos espaços artísticos e culturais levantou a
reflexão em torno do acesso do deficiente aos espaços educacionais, artísticos e
culturais, permitindo assim uma leitura crítica das políticas públicas adotadas para a
inclusão do deficiente na sociedade;
O Núcleo Interativo de Criação foi um espaço que permitiu o contato dos participantes
com artistas portadores e não-portadores de deficiência, com arte-educadores e
educadores especiais, todos envolvidos com ações de arte-educação.
O Espaço Café com Arte, sediado no Teatro Nacional, permitiu nos finais de tarde
outros momentos de reflexão sobre as temáticas debatidas no dia no Congresso. As
apresentações de pôsteres e vídeos permitiram a visualização de experiências artística e
pedagógicas desenvolvidas em diversas regiões do país. As comunicações orais
permitiram aos seus autores a oportunidade do diálogo com seus interlocutores a partir
das suas experiências pedagógicas. Durante o evento, ocorreram, ainda, duas outras
importantes reuniões: das instituições que trabalham com arte e Educação Especial e o
VII Fórum Nacional do Ensino de Arte, este última promovida pela Federação dos ArteEducadores do Brasil (FAEB);
Sobre os resultados do VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras, foram postas as
seguintes considerações pela direção do VSA Brasil:
Foi um Festival diferente. Ao contrário dos anteriores, voltados para o que se
convencionou chamar de “público geral”, este VI Festival foi estruturado como um
evento-demonstração para educadores especiais e arte-educadores;
Essa opção justificou-se: pela primeira vez na história dos festivais tivemos a presença
significativa de educadores que atenderam ao chamamento para, no âmbito do
Congresso de Arte-Educação, que ocorreu conjuntamente ao Festival, realizarem uma
reflexão com e sobre o fazer artístico da pessoa com deficiência;
Dessa maneira, o Festival foi um espaço para um amplo visionamento dos vários
processos e experiências estéticas implantadas ou em desenvolvimento em dezenas de
instituições do país, propiciando a educadores e artistas interação e diálogo com essa
diversidade. Uma demonstração de que a arte independe e supera qualquer deficiência.
Na organização desse VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras buscou-se na seleção
41
de grupos e de artistas uma representação plural e significativa em duas vertentes:
processo e produto.
Na vertente de experiências estéticas em processo, vale assinalar, entre tantas outras, as
presenças do Projeto Luz do Sol, da cidade de Nossa Senhora da Glória, em Sergipe,
com apresentações de música, dança, teatro e trabalhos em artes plásticas; do Centro de
Criatividade de Goiânia, também com trabalhos nas várias linguagens artísticas; dos
grupos de dança Helena Holanda, de João Pessoa, Esplendor, de Juiz de Fora, das
APAE de Feira de Santana (BA) e de Olímpia (SP), do Hospital Sarah, de Brasília,
perfazendo cerca de quarenta grupos.
Uma grande coletiva de artes visuais, que ficou sediada no Centro de Convenções
Ulysses Guimarães, durante os três dias do Congresso. Sobre ela, podemos assegurar
que foi a mais abrangente entre todas já realizadas no âmbito dos festivais. Nessa
coletiva tivemos cerca de cinquenta artistas, num total aproximado de quatrocentos
trabalhos, entre pinturas, cartuns, esculturas e outros
objetos tridimensionais que
envolvem expressões artísticas integradas.
Aqui é importante que se diga que a linguagem visual foi a que apresentou maior
número de inscrições ao Festival. Não foi uma surpresa. Historicamente, a pintura e a
escultura preludiaram todas as demais linguagens no trabalho com portadores de
deficiência. Hoje, mesmo levando em conta que essa primazia a fez constante,
observamos o crescente interesse por outras expressões, como pela música e pelas
linguagens cênicas, o teatro e, notadamente, a dança no gênero contemporâneo.
Entre tantos expositores, destacamos os desenhos do cartunista capixaba Ricardo Ferraz,
cujo tema geral é os portadores de deficiência e as barreiras que eles enfrentam na
sociedade; as paisagens do carioca Marcelo Cunha, tetraplégico que pinta com a boca;
os desenhos executados com os pés pelo jovem Averaldo Júnior, 11 anos, paralisado
cerebral, indicado pelo Comitê do Very Special Arts do Sergipe; e, ainda, dezenas de
trabalhos dos artistas usuários do Projeto Estação Especial da Lapa, ligado ao Centro de
Convivência e Desenvolvimento Humano do Governo do Estado de São Paulo.
Na vertente profissional, vale assinalar, as presenças do pianista Angelin Loro, de Porto
Alegre, dos músicos Pedro Matheus, violonista, da cantora e compositora Cristina
Gomes, os dois do Rio de Janeiro, do soprano Maria do Socorro e do Grupo Surdodum,
ambos de Brasília, e do coral do Instituto de Cegos São Rafael, de Belo Horizonte.
42
Nas apresentações dos grupos de dança, tivemos o Corpo e Movimento, da ANDEF, de
Niterói, Ekilibrio, de Juiz de Fora, as Cia Roda Viva e Anjori, de Natal, a Limites, de
Curitiba e a estreia da Pulsar Cia de Dança, do Rio de Janeiro.
Como convidados e atrações especiais desse VI Festival, tivemos as presenças das
cantoras Zezé Gonzaga, Maria Lúcia Godoy e Leci Brandão, do compositor Nando
Cordel e do dançarino Carlinhos de Jesus - artistas que trabalham na perspectiva da
inclusão do portador de deficiência.
Exposições individuais
Para celebrar os dez anos de implantação do Programa no Brasil, foram selecionados
dois artistas, com trajetórias existencial e artística exemplares na superação de barreiras.
O primeiro foi o arquiteto e pintor cearense, radicado em Brasília, Assis Aragão, que
teve uma retrospectiva abrangendo seus 25 anos de atividades. O segundo foi fotógrafo
e cineasta esloveno, professor de Estética da Sorbonne, em Paris, Evgen Bavcar, cego
desde os 11 anos. Em suas fotos, Bavcar expressa o olhar daqueles que perderam a
visão convencional e uma aguda capacidade de percepção das coisas do mundo. As
duas exposições ficaram em cartaz no período de 6 a 20 de novembro, no Saguão do
Teatro Nacional Cláudio Santoro. (Anais, Brasília, SEESP/MEC, 2000. Acervo do
autor).
A publicação e difusão desses Anais representou um passo adiante na trajetória do
VSA/Brasil. Pela primeira vez, um evento reunindo Congresso e Festival foi avaliado
integralmente por todos os participantes, educadores e artistas
2.5. A conquista de legislações educacional
Seguindo historiando essa trajetória da Educação Especial e os movimentos das pessoas
com deficiência, cabe assinalar outra conquista muito significativa: o direito à educação
de crianças e jovens com deficiência e seu convívio com os demais alunos nas escolas
regulares legitimado pela da Resolução nº 2 CEB/CNE de setembro de 2001, que
estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Essa Resolução veio a ser um marco na história da Educação Especial no Brasil. Um
avanço na perspectiva da universalização do ensino com atenção à diversidade na
educação brasileira.
43
Segundo o Art. 2 da Resolução “os sistemas de ensino devem matricular todos os
alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para a
educação de qualidade para todos”5.
À época, segundo estimativas do Ministério da Educação, eram seis milhões os
brasileiros em idade escolar com deficiência. Desses, menos de 10% - 404 mil/ censo
escolar 2001- estava regularmente matriculado no ensino de primeiro grau. No
segmento de segundo grau, eram cerca de três mil, sendo que no ensino superior, a
quantidade de alunos não chegava a duas centenas. Tais números evidenciavam um
modelo de exclusão no sistema de ensino brasileiro e colocam para toda a sociedade o
desafio de construir coletivamente as condições para atender a essa diversidade. É
seguro afirmar que esses números, ao longo dessa primeira década do século XXI,
foram bastante alterados e de forma bastante positiva no sentido da inclusão.
O livro Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001)
trazia na capa um desenho com um detalhe de uma sala de aula. A professora de pé,
sorridente, atrás de uma mesa com o quadro negro ao fundo, distribui material escolar
para uma aluna. Sentados, em suas respectivas carteiras escolares, um aluno cego lê seu
material em Braille. Ao seu lado, um colega cadeirante e uma aluna sem deficiência.
O desenho, sendo óbvio, sugeria que a presença de alunos com deficiência nas salas de
aula do ensino regular deveria ser encarada com um fato tranquilo e amoroso pela
comunidade escolar.
A partir de outubro de 2001, centenas de milhares desses livros
contendo as Diretrizes foram distribuídos a todas as escolas do Brasil, no âmbito de
uma proposta de que a partir do ano letivo de 2002, todas as escolas já iriam matricular
e receber alunos com deficiência.
As reações a essa proposta foram muitas e radicais. Professores e dirigentes da
Educação de várias partes do país, representados por suas entidades e secretarias,
argumentavam que as escolas careciam de adequações arquitetônicas, instrumental e
material didático específico para os alunos com deficiência. E mais grave: os
professores não estavam aptos para acolher esses alunos numa sala de ensino básico
regular onde a grande maioria não era deficiente.
5
Diretrizes nacionais para Educação Especial na Educação Básica. Brasília, SEESP/MEC, 2001, 79 págs.
Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf nota sobre publicação.
44
Entre as entidades segmentadas, a APAE Nacional - com centenas de afiliados em
estados e cidades do país - destacou-se pelas críticas ao MEC/SEESP e a CORDE.
Criticava o governo por legislar e impor regras a um segmento sobre o qual “não tinha
conhecimento e tradição”. No fundo, era um discurso e reação a uma iminente perda
para as escolas públicas de uma fatia desse “mercado de ensino especial” onde as
APAEs detinham grandes percentuais.
Às críticas, o governo reagiu com várias medidas emergenciais e pontuais. Além do
início de obras de readequações do espaço escolar, fez imprimir, pela primeira vez em
grande escala, material didático em Braille. Também distribuiu regletes e punções para
exercícios de escrita em Braille, realizou cursos de capacitação em LIBRAS, entre
outras tantas providências.
No início de 2002, foi estabelecida outra importante parceria entre VSA Brasil e
SEESP/MEC. A proposta era capacitar milhares de professores da educação básica no
uso das linguagens artísticas em sala de aulas com alunos com deficiência. Em agosto,
foram realizados cursos nos estados polos de Santa Catarina (Sul), Sergipe ( Nordeste),
Minas Gerais( Sudeste), Pará ( Norte) e Distrito Federal (Centro-Oeste), representando
as cinco regiões do país. Nos meses seguintes, as regiões e os professores capacitados se
tornaram outros polos e agentes multiplicadores.
A publicação e a distribuição de cinco mil exemplares do livro Estratégias e
orientações sobre artes – respondendo com Arte às necessidades especiais (VSA
Brasil, 2002), representou uma síntese do conjunto dessas ações, resultado do intenso
processo de discussão e de vivências, ocorrido durante as capacitações. Foi na
ambiência dos cursos que se desenharam as linhas norteadoras para a elaboração final
das estratégias. O documento constituído refletiu as contribuições diretas e indiretas de
600 profissionais da educação.
“Um dos aspectos mais relevantes ocorridos nessas capacitações” diz
Marilene Ribeiro dos Santos, então secretária de Educação Especial
do MEC, “foi a utilização de novas metodologias experimentais, que
possibilitaram aos professores cursistas sentirem, pensarem, refletirem
e, sobretudo, vivenciarem o processo de inclusão escolar e social dos
alunos com necessidades educacionais especiais. É importante
salientar que este documento não é uma proposta fechada, e que a
fundamentação conceitual, metodológica e legal para o ensino da Arte
é aquela estabelecida nos Referenciais Curriculares para a Educação
Infantil e nos Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental e
Médio. (...) [Que] sirva como complemento do componente curricular
Arte, seja indutor de novas discussões e experiências num contexto
inclusivo em sala de aula e que subsidie o professor na promoção de
45
adequações necessárias as aulas de Arte, contribuindo assim para o
desenvolvimento das potencialidades dos alunos...” (ob. cit. pág. 5).
Além de atividades práticas, como cursos e oficinas, os professores e dirigentes
educacionais cursistas demandavam por mais informações, especialmente, por estudos e
pesquisas que pudessem suprir carências e aportar conhecimentos no campo da Arte e
da Educação Especial.
Em atendimento a esse público foi lançado em agosto de 2012, o primeiro volume dos
Cadernos de Textos Educação Arte Inclusão reunindo artigos de arte-educadores como
Alice Martins, Fernando Antônio G. Azevedo, Roberta Puccetti Bueno, Aída Ferrari e
Elisa Campos, e artistas como o bailarino e coreógrafo Henrique Amoedo, entre outros.
Entre os temas abordados nos sete ensaios estava a alfabetização estética; a prática da
educação do olhar; conteúdos e linguagens de percepção; a consciência do mundo
através da multiculturalidade e da inclusão. No texto de apresentação, assinado por
Albertina Brasil, reitera que desde a edição das Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica, em setembro de 2001,
sentimos a necessidade de estarmos colaborando no processo de
implantação da Arte na educação inclusiva - em todas as etapas da
educação básica-, sensibilizando e aproximando os educadores das
questões da arte realizada por pessoas com necessidades especiais. Por
essa razão, o convite da secretária de Educação Especial do Ministério
da Educação, Marilene Ribeiro dos Santos, para participarmos desse
processo- iniciando os primeiros Cursos de Capacitação em Educação,
Arte, Inclusão para professores do ensino fundamental em cinco
estados brasileiros-, foi recebido por nós como uma missão, que
queremos compartilhar com todos os educadores e artistas
comprometidos com a Declaração Mundial de Educação para Todos,
firmada em Jomtien, Tailândia, em 1990, e com os postulados de
Salamanca, em 1994, durante a Conferência Mundial Sobre
Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade (Cadernos
de textos nº1, Educação Arte Inclusão, setembro-agosto, 2002).
Dois outros volumes dos Cadernos de Textos, sob a coordenação editorial do autor
desta monografia, foram publicados, respectivamente, em dezembro de 2002 – reunindo
as palestras, conferências e mesas redondas apresentadas no Congresso Internacional
realizado na PUC Minas, e o terceiro, em dezembro de 2003. Na apresentação,
Albertina Brasil, comenta as características da publicação, os autores e os ensaios.
Chega às suas mãos, o terceiro número de Educação, Arte Inclusão, nosso Caderno de
textos, mas que também poderia ser nomeado, sem nenhum demérito para os que nele
colaboram de um trabalho em progresso. No cruzamento de conhecimentos que
envolvem a Educação e Arte, e a questão principal, que é a inclusão, muito ainda é
rascunho e arruídos, quando não, o silêncio. Ana Mae Barbosa, mais uma vez aqui
46
presente, com texto e carinhos, ao fazer um levantamento e analisar mais de cem
dissertações e teses de doutorado realizadas em diversas universidades estaduais e
federais no período de 1981 a 1993, e que tiveram como objeto da pesquisa a arteeducação e áreas afins - Arte-educação: leitura no subsolo-, notou que apenas duas
tratavam da produção artística de pessoas com deficiência. Foi sobre essa escassez de
trabalhos e a falta de difusão de conhecimentos sobre a Arte e as pessoas com
deficiência que conversamos em Belém, em novembro de 2001, por ocasião da 1º
Mostra Amazônica de Arte Sem Barreiras. Na ocasião, nosso argumento, com o qual
Ana Mae concordava, era de que as universidades pouco haviam produzido nesse
campo, apesar da inclusão ser tema de há muito colocado à discussão para a sociedade.
Outra argumentação: se a Arte institucional brasileira teve na sua fase inaugural a
presença de um Antônio Francisco Lisboa e no findar do século XX, um Artur Bispo
do Rosário — cujo Manto da apresentação fez-se mais que um ícone da produção
plástica contemporânea —, seria possível e permitido imaginar a existência de uma
relação da deficiência com a produção estética? Por que não? – respondeu Ana,
entusiasmada. E foi na mesma ocasião, em Belém, que o poeta e mestre da educação da
sensibilidade pela arte, João de Jesus Paes Loureiro, lançou A Estética de uma Ética
Sem Barreiras, iluminando e balizando essa e muitas outras questões que nos
inquietava. O texto do professor Paes Loureiro, aqui reproduzido, sendo obra inaugural
na abordagem do tema, fez-se clássico e deu-nos um norte e, por ventura amazônica,
inspirou a criação e lançamento, no ano seguinte, dessa publicação. Diz João de Jesus:
“Podem as pessoas, portadores de necessidades especiais ou não, agirem nos momentos
decisivos do processo artístico como conhecer, fazer e experimentar. Na relação
produtiva da arte com os portadores de necessidades especiais não há impedimentos,
seja como processo criador ou de participação.” Sobre esse fazer e experimentar, sem
impedimentos, publica-se nas páginas seguintes, ensaios, artigos e relatos de artistas,
educadores especiais e arte-educadores, que vêm se dedicando e conjugando ações
pioneiras no campo da Arte e da Inclusão. Que sua leitura e análise seja rica e
proveitosa em suas vidas e atividades, como tem sido nas nossas. Dezembro de 2003.
(Cadernos de textos nº3, Educação Arte Inclusão, dezembro de 2003)
Por certo, foi este o terceiro e último número da publicação, e também o derradeiro
texto assinado por Albertina Brasil, que veio a falecer, um mês depois, em janeiro de
2004, em circunstâncias que veremos no capítulo terceiro. Sobre as três edições dos
Cadernos de Textos, resta acrescentar que foram publicados cerca de 80 artigos inéditos
que, à época, tornaram-se uma referência para os estudos sobre a Arte e as pessoas com
deficiência.
A parceria entre VSA Brasil e SEESP/MEC, teve outra sequência, em novembro de
2002, na realização do 1º Festival e Congresso Internacional de Arte sem Barreiras, em
47
Belo Horizonte, que teve a participação direta de três mil pessoas, entre artistas,
educadores e dirigentes educacionais, do Brasil e do exterior. Os inscritos no
Congresso, realizado durante uma semana na PUC MG e o público presente nas dezenas
de eventos artísticos somou oito mil pessoas.
No material de divulgação enviado a imprensa se afirmava que o evento mineiro, a
exemplo do Festival e Congresso Latino-Americano de Arte Sem Barreiras, realizado
em 1998, em São Paulo - e que se tornou um paradigma para ações e projetos sobre
inclusão sociocultural em todo o país – teria como principal eixo temático Arte,
Educação e Inclusão. Além das várias atividades artísticas e discussões acadêmicas da
programação, uma proposta inédita no âmbito dos eventos do VSA Brasil: uma
avaliação das políticas públicas de Educação e Cultura desenvolvidas no decênio 19922002.
Na documentação pesquisada para esta monografia não encontramos nenhuma outra
informação sobre a ocorrência dessa avaliação. No entanto, no âmbito da programação
de dança do Festival, teve lugar Teatro Luiz de Camões, no SESC Venda Nova, um
Colóquio Internacional de Dança, com debates, oficinas e apresentação de espetáculos
com a participação de bailarinos e coreógrafos das companhias presentes. Esse colóquio
foi organizado pela então consultora e curadora de dança do VSA Brasil, Andrea
Chiesorin Nunes.
Em resumo, a programação do festival teve 60 espetáculos de música, teatro e dança, 12
exposições de artes plásticas individuais e coletivas em diversos espaços culturais de
Belo Horizonte – teatro e galerias do SESIMINAS, teatros Marília, Francisco Nunes,
Luiz de Camões, Serraria Souza Pinto, Palácio das Artes, Escola Guignard-, além de
uma dezena de oficinas de arte em todas as linguagens artísticas, na PUC Minas e
UFMG, lançamento de livros e mostras de filmes. A programação se estendeu às
cidades Betim e de Ouro Preto, com debates e visita guiada a exposição no Museu do
Aleijadinho e Museu da Inconfidência.
A partir de 2003, com a posse do novo governo e a nomeação para SEESP da professora
Cláudia Dutra - esposa do recém-eleito deputado federal, Paulo Pimenta (PT/RS)
cessaram, repentinamente, as relações entre o VSA/BRASIL e o MEC. Apesar de
inúmeras tentativas para agendar reuniões e a formalização de convites a participar dos
48
vários festivais e congressos realizados ao longo de 2003- por conta de parcerias com
outros entes públicos e privados- nenhuma solicitação foi atendida.
Estava desfeita sem explicações ou justificativas a mais importante parceria do VSA/
Brasil com o MEC. A única, aliás, que o MEC manteve durante 14 anos com uma
instituição de Arte.
Ao repassarmos por esse período e eventos, levantamos aqui a hipótese de que o
VSA/Brasil, por conta dessa parceria histórica, tenha atuando com mais intensidade no
campo das políticas públicas da Educação. As que tiveram lugar e foram desenvolvidas
no campo da Cultura foi uma decorrência, tamanho o imbricamento entre um e outro no
âmbito das atividades do Arte sem Barreiras. Essa questão, no entanto, será mais bem
desenvolvida no capítulo seguinte, que se volta para narrar a trajetória da instituição
VSA Brasil e o Programa Arte Sem Barreiras.
Durante a feitura deste capítulo, fizemos uma pesquisa no site do MEC para se informar
em que lugar de seu organograma estava colocada a Secretaria de Educação Especial e
se atualizar sobre as políticas e atividades de sua competência. O que apuramos foi o
seguinte: em maio de 2011, foi feita uma nova reestruturação do MEC. No
organograma, de igual forma ao ocorrido no Ministério da Cultura, foram incorporados
os postulados da Convenção sobre Proteção e Promoção sobre a Diversidade das
Expressões Culturais, da UNESCO.
Com as mudanças, o MEC passou a ter duas novas secretarias: Regulação e Supervisão
da Educação Superior e Articulação com os Sistemas de Ensino. Na reforma, o MEC
também extinguiu dois departamentos: a SEED, Secretaria de Educação a Distância e a
SEESP, Secretaria de Educação Especial.
Os programas da educação inclusiva foram incorporados à SECADI, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, que anteriormente se
chamava SECAD, sem o I, pois não mais abarcava a Inclusão.
A atual SECADI tem quatro diretorias: Políticas para a educação no campo e
diversidade; Alfabetização e educação de jovens e adultos; Direitos humanos e
cidadania; e, por fim, Educação especial. No site ela apresenta o seguinte enunciado:
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI) em articulação com os
sistemas de ensino implementa políticas educacionais nas
49
áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos,
educação ambiental, educação em direitos humanos,
educação especial, do campo, escolar indígena,
quilombola e educação para as relações étnico-raciais. O
objetivo da SECADI é contribuir para o desenvolvimento
inclusivo dos sistemas de ensino, voltado a valorização
das diferenças e da diversidade, a promoção da educação
inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade
sócio-ambiental visando a efetivação de políticas públicas
transversais e interssetoriais6.
6
consulta feita ao site mec.gov.br, acessado em janeiro de 2014
50
Capítulo 3 - A Trajetória da Associação Very Special Arts e Programa Arte sem
Barreiras
Súmula
Criação da Associação VSA Brasil feito a partir de pesquisa de documentos primários e
em arquivo; a intervenção nas instituições culturais durante o governo Collor de Melo;
breve perfil da professora Albertina Brasil. Memorial com projetos e atividades
realizadas entre 1990 e 2005; interpretação e análise de legislação e das políticas
públicas para cultura e para os artistas com deficiência.
3.1 Primeiros atos, primeira Ata
“Aos vinte e dois dias do mês de março do ano de mil novecentos e noventa, às vinte
horas e trinta minutos, no salão de reuniões do Edifício Estrela do Leme, sito à Rua
Roberto Dias Lopes, número cem, na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de
Janeiro, realizou-se uma sessão solene, sob a presidência da professora Albertina Brasil
Santos, atual coordenadora do comitê Very Special
Arts Brasil, para ratificar e
homologar o Estatuto da referida Associação Brasileira Vida Sensibilidade e
Arte(VSA), Very Special Arts/Brasil, bem como, para dar posse às pessoas que
integrarão a sua diretora. Esteve presentes o bacharel Raimundo Furtado de Mendonça,
representando o Dr. Tertuliano dos Passos, presidente do Instituto Municipal de Arte e
Cultura, Rio Arte; Marcelo Ferreira Cavalcanti e Ritamaria Silva de Aguiar, ambos
representando o Centro de Integração e Educação de Surdos; professora Dora Borges
Ferreira, Glória Stefanini, Martha Fellows, presidente da APAE - Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais- Niterói; professora Marta Coelho, representando o Instituto
de Ação Comunitária Tristão de Athayde; musicoterapeuta Marco Antônio dos Santos,
coordenador do Curso de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música; Carlos
Alberto Góes, presidente do CEIS, Centro de Educação e Integração dos Surdos e
presidente do CISACEN, Centro de Integração dos Surdos nas Artes Cênicas; e outros
participantes que constam na lista de presenças. Inicialmente, fazendo uso da palavra, a
professora Albertina Brasil Santos traçou as linhas gerais da filosofia que norteia a
proposta e os objetivos da Associação Very Special Arts Brasil (...) Ato contínuo (...)
apresentou o organograma que traduz as diretrizes da associação, bem como a divisão
da estrutura básica prevista no Estatuto da Associação, enfocando duas vertentes: arte-
51
processo e arte-produto (...) Em seguida, Marta Coelho levou a efeito a apresentação da
chapa, citando nominalmente as pessoas que passariam a compor a primeira diretoria da
Associação (....) aprovada por aclamação (...) Aberta a palavra, a Dra. Olivia Ferreira
parabenizou a diretoria enfatizando a importância das diversas áreas.
Em seguida, Ritamaria Silva Aguiar colocou para os presentes a mensagem enviada por
Noêmia Varela7 na qual ela destacou a importância da iniciativa do comitê Very Special
Arts/Brasil, colocando como dado relevante a troca, a nível intercontinental de
experiências oriundas de diversos trabalhos realizados por profissionais e artistas, além
da troca de materiais literários entre as demais associações, o que veio a respaldar os
dispositivos previstos no Estatuto (...) sic.
Essa primeira ata, aqui resumida, assinada durante e, posteriormente, à Assembléia por
55 pessoas, ocupa as primeiras três páginas do Livro de Atas da Associação Very
Special Arts Brasil8.
Ao longo de 14 anos, esse mesmo livro de capa escura, páginas amareladas, e,
felizmente, infrequentes de traças e cupins, registra outras 20 atas, sendo que a última,
com cinco páginas, refere-se a Assembleia Geral Extraordinária, no dia 31 de maio de
20049. Essa última assembléia, sendo tão importante quanto à primeira, marcou o
rompimento da parceria que a Associação manteve com a FUNARTE durante quase
uma quinzena de anos. Está composta por cinco páginas e assinala a lista dos 13
presentes na página 36. Alguns trechos serão citados e inseridos nos subcapítulos
seguintes para alicerçar, numa linha de tempo, a trajetória e as atividades da Associação.
É importante assinalar que essa reunião que resultou na criação oficial da Associação
VSA Brasil não foi a primeira promovida entre aquele grupo de pessoas lá presentes.
Pesquisa realizada pelo autor na documentação primária da entidade revela que ela foi
precedida de outros encontros que remontam a 1988.
7
Noêmia Varela (1916) Pernambucana, pedagoga, arte-educadora, pioneira no trabalho com Arte na
Educação Especial. No Rio de Janeiro, integrou o Grupo de Estudos Junguianos, coordenado pela Dra.
Nise da Silveira. Fundou a Escolinha de Arte do Recife em 1953, juntamente com artistas como Aloísio
Magalhães e Augusto Rodrigues. Foi diretora geral da Escolinha de Arte do Brasil de 1959 a 1982.
Participou da formação de toda uma geração de arte-educadores no Brasil e na América Latina.
8
Livro de Atas, acervo da Associação Very Special Arts. Pesquisa do autor. Essa primeira Ata foi
republicada, com ligeiras alterações no livro Subsídios para implantação de comitês estaduais e
municipais. Brasília, Ed. Very Special Arts, Brasília, 1990, págs. 56 e 57.
9
As atas das assembléias 21º (2008), 22º (2012) e 23º (2014) não foram anotadas no livro.
52
Desses, o mais significativos, em razão dos desdobramentos posteriores, transcorreu em
agosto, quando a professora Albertina Brasil, ao encerrar uma pós graduação em
Maryland, sob os auspícios da entidade Companheiros da América - Partners of
América - avistou-se em Washington, com Susan Flowers, então diretora-executiva do
Programa Very Special Arts Internacional. O encontro ocorreu no Kennedy Center
Performing Arts, complexo cultural que até hoje abriga a sede da entidade.
Desse encontro resultou uma carta de 25 de outubro de 1988, assinada pela própria
Susan, endereçada ao Ministério da Educação e à Secretaria de Educação Especial10,
informando da reunião na capital norte-americana e do interesse do VSA Internacional
em estabelecer um comitê no Brasil. Para tal, solicitava ao ministério apoio para que a
iniciativa prosperasse.
Um relatório de 10 de janeiro de 1989, cujo cabeçalho sublinhado o identifica como 1ª e
2ª reuniões do VSA/Brasil, endereçado “aos colegas” diz tratar-se de “uma síntese de
nossas reuniões e alguns informes necessários à continuidade de nossos trabalhos sobre
a Comissão do VSA Brasil” 11.
Ou seja, antes da criação oficial da Associação e sua afiliação ao VSA Internacional,
uma comissão de trabalho foi instalada e funcionou durante todo o ano de 1989 em
encontros regulares e extraordinários, como, por exemplo, o ocorrido em outubro,
quando da passagem pelo Rio de Janeiro de Trino Rojas, então coordenador para a
América do Sul do VSA Internacional. Nesse encontro estiveram presentes
representantes da CORDE/Ministério da Justiça, Ministério da Educação, Ministério da
Cultura/Funarte e instituições de atendimento e representação na área das deficiências.
Essa busca inicial de entendimentos e entrosamento entre entidades públicas e privadas
para futuras parcerias vai estar gravada no Estatuto do VSA Brasil, como veremos
abaixo. Sendo pertinente, vale destacar, que mesmo sendo uma entidade da sociedade
civil, ela vai atuar com mais intensidade na área pública como se fosse um ente público,
tamanho o volume de ações de políticas públicas desenvolvidas nas áreas da cultura,
educação e direitos humanos.
Além da constatação de que à época inexistiam políticas públicas culturais relacionadas
a artistas e grupos com pessoas com deficiência, também adensa e facilita essa
10
11
Carta de Susan Flowers, acervo da Associação Very Special Arts. Pesquisa do Autor.
Acervo da Associação Very Special Arts. Pesquisa do Autor.
53
proximidade, o fato da Associação funcionar “oficiosamente”, a partir 1991, numa sala
do 5º andar do Palácio Gustavo Capanema, sede da Funarte. Sem se esquecer, do mais
justificável para essa adjacência: a professora Albertina Brasil integrou a equipe de
implantação da Funarte, durante a gestão de Roberto Parreiras12.
A leitura de trechos da Ata de fundação revela algumas características e princípios que
serão marcantes na trajetória da entidade. A arte e os artistas em suas “diversas áreas” é
uma prerrogativa, acrescida de uma proposta de trocas de experiências “a nível
intercontinental” de trabalhos literários realizados por profissionais, professores e
pesquisadores, e também entre entidades similares ou congêneres. A presença nesse ato
inaugural de representantes do Rio Arte, - à época, destacada fundação cultural da
cidade do Rio de Janeiro e do Conservatório Brasileiro de Música (CBM-RJ) denotam
que a arte é a principal vertente de atuação elegida pela Associação. É para também se
notar a presença de entidades com um lastro histórico em atividades segmentadas com
pessoas com deficiência, como APAE e FENEIS.
Será marcante na trajetória da
Associação essa diretriz de congregar em suas atividades, seja em festivais ou em
seminários, entidades públicas e privadas atuantes em distintos segmentos das pessoas
com e sem deficiência.
O primeiro Estatuto da entidade teve seu registro a 18 de junho de 199013, era composto
por 37 artigos, divididos em três capítulos, a saber: Capitulo I, Denominação, Foro e
Finalidade; Capítulo II, Da Constituição; e Capítulo III, Das Disposições Gerais.
Dos três, vamos nos fixar em alguns artigos do 1º e do 2º Capítulos que melhor
traduzem as propostas e características da entidade naquele início dos anos de 1990.
Esclarecemos que ao longo dos anos esse estatuto sofreu algumas alterações,
ampliações ou reduções, seja por exigência legal ou exigências outras quando da
assinatura de convênios com entes públicos e privados. O Artigo 2º do Capítulo 1º diz
que a “a Associação tem por finalidade viabilizar a participação do artista portador de
12
Gestor público com passagens por outros importantes órgãos públicos federais, como Embrafilme e TV
Educativa. Na década de 1990, foi assessor e, em seguida, chefe de gabinete do então vice- presidente da
República, senador Marco Maciel.
13
Acervo Associação Very Special Arts/pesquisa do autor. Republicado no livro Subsídios para
implantação de comitês estaduais e municipais. Brasília, Ed. Very Special Arts, Brasília, 1990, págs. 51 a
56.
54
deficiência14 nas atividades artísticas que ocorrem no País e no exterior,
especificamente:
I – Incentivando e promovendo pesquisas, levantamento, debates, cursos, seminários
centrados na arte, sempre com a participação de pessoas portadoras de deficiência;
II – promovendo festivais, mostras, debates e outros eventos que priorizem a arte da
pessoa portadora de deficiência;
III – Buscando a integração de entidades públicas e privadas vinculadas às áreas de artes
e às pessoas portadoras de deficiência e bem dotados, sempre com o objetivo de
viabilizar programações artísticas para e com pessoas portadoras de deficiência;
IV – apoiando e incentivando programas de treinamento e profissionalização de artistas
portadores de deficiência que lhes facilite novas opções no mercado de trabalho;
V – integrando-se a programas da área da educação artística buscando novas formas de
ação.
No Capítulo 2ª, Da Constituição, a Seção VI, Da Divisão de Promoção Artística, e a
Seção VII, Da Divisão de Educação Artística, os artigos 22 a 27 merecem transcrição
pela já manifesta vontade da Associação em promover atividades associando Arte e
Educação. Senão vejamos.
Art. 22. A Divisão de Promoção Artística é integrada pelos seguintes setores artísticos:
I - artes cênicas; II – artes Visuais; III – Música; IV - Literatura; V- Fotografia, cinema
e vídeo; VI- Cultura popular; VII – Interartes.
Parágrafo único: a Divisão de Promoção Artística será coordenada por pessoa escolhida
pelos setores artísticos.
14
Nomenclatura usada na época para se referir a pessoa com deficiência. Evgen Bavcar, o fotógrafo cego
e professor de História da Sorbonne e colaborador do VSA Brasil, ao cruzar os vários arquétipos do
deficiente na história ocidental, afirmava: “a palavra deficiente, bem como a proliferação das expressões
mais contemporâneas que a substituem, testemunham os esforços da humanidade para dissimular a
verdadeira substância que estas palavras designam, isto é, o corpo. O corpo que possuímos está sempre
em desnível em relação àquele que imaginamos ter”. Bavcar, Evgen. O corpo, espelho partido da
história – in: O homem máquina. São Paulo, Cia das Letras, 2002.
55
Art. 23. Compete a Divisão de Promoção Artística o assessoramento dos programas
artísticos, a colaboração na avaliação da Associação e o planejamento e execução de
Festivais e Mostras de Arte.
Art. 24. Compete a setores artísticos a execução de programa da Associação e da
Divisão de Programação Artística
Da divisão de Educação Artística
Art. 25 A Divisão de Educação Artística será constituída pelos Setores de Cursos,
Seminário e Simpósios, do Setor de Apoio ao Treinamento e do setor InterInstitucional.
Art. 26. Compete à Divisão de Educação Artística coordenar as atividades ligadas a
programas de arte educação.
Art. 27. O setor de cursos, o setor de Apoio ao Treinamento, e o Setor Interinstitucional,
serão executores de programas e projetos visando à realização de seminários, simpósios,
treinamento de pessoas portadoras de deficiência na área artística e projetos que
objetivam o incremento do ensino e a prática das artes voltadas também à
profissionalização nas instituições de atendimento às pessoas portadoras de deficiência
buscando apoiar aquelas dotadas de talento artístico, propondo a troca de experiências
entre elas.
A transcrição de vários trechos do Estatuto presta-se para informar, o quanto era
abrangente as finalidades e propostas dessa entidade apenas enunciadas na cerimônia de
fundação, três meses antes, num Salão de Festas de um edifício em Copacabana, no Rio
de Janeiro. Prédio modesto para os padrões arquitetônicos e estético das construções
circunvizinhas. Era lá que residia a madre, professora, assistente social por formação,
mas gestora cultural por vocação e paixão, Albertina Brasil Santos.
A leitura desse primeiro Estatuto da entidade confirma que sua publicação foi
antecedida por muitos encontros e debates, pela constituição de um grupo predecessor que se transformou numa Comissão de Trabalho -, tantos são os temas e desafios postos
como meta. O que salta aos olhos nas nove páginas do Estatuto são as imbricações
desejadas e claramente manifestas nas atribuições da Divisão de Promoção Artística.
Diz da promoção e da profissionalização do artista e de sua produção estética, por meio
56
de mostras e festivais. O objetivo é a inserção com regularidade dos artistas na
programação cultural de entidades congêneres, públicas e privadas.
De igual modo, nas atribuições da Divisão de Educação Artística, que vai se dedicar à
pesquisa, à realização de cursos e seminários, a coordenar as atividades e programas na
área de arte-educação, mas de forma interinstitucional. Ou seja, a proposta é promover
no âmbito de tantas atividades listadas, o congraçamento de instituições de atuação até
então segmentadas. No Estatuto da Associação, nos idos daquele março de 1990, a Arte
é o argumento que prevalece e tenta enternecer e convencer a todos, associados e
simpatizantes. No entanto, é um mês marcante e traumático para as entidades culturais
brasileiras.
3.2 O desmonte collorido
O que surpreende e causa espanto, quando nos detemos em outros fatos ocorridos nesse
mesmo mês de março de 1990, é, que ao contrário das propostas e objetivos da recém
criada entidade de arte e cultura da sociedade civil, a ambiência cultural, naquele
momento, era uma das piores em toda a história do país.
O ex-governador das Alagoas, Fernando Collor de Melo, fora eleito presidente da
República, em segundo turno, em novembro de 1989. Era uma candidatura quase que
avulsa, alheada dos partidos e dos movimentos que se consagraram na luta pela
redemocratização do país. Voluntarioso, insolente e sagrado na mídia durante toda a
campanha eleitoral como o caçador de marajás - alusão a funcionários públicos com
salários imorais, como os existentes nas Alagoas-, raros foram os artistas que estiveram
ao seu lado na jornada e, mais escassos ainda, ou quase inexistentes, o apoio ou a
companhia de entidades representativas da classe artística e do movimento cultural do
país.
Uma das exceções era o cineasta paraibano Ipojuca Pontes, um dos poucos embarcados
de primeira hora na nau capitânia da campanha. Se posicionando como um cruzado
dessa nova era collorida, Ipojuca se manifestou durante quase todo o ano de 1989 nas
páginas de O Estado de São Paulo, escrevendo dezenas artigos, em que atacava e
denunciava pessoas e instituições culturais do país, especialmente, as que estavam
afeitas às atividades cinematográficas.
57
Valia-se do fato que no final dessa década, eram visíveis a redução da capacidade de
investimento do Estado diante da crise econômica dos anos 1980.
No setor das
atividades cinematográficas, para citar um exemplo, as produções estavam dolarizadas
com custos muito aquém da capacidade de investimento dos produtores nacionais.
Aliados e para agravar esse aspecto econômico, observava-se o progresso técnico do
cinema estrangeiro, notadamente dos Estados Unidos, e sua maior agressividade na
conquista de mercados na América Latina; o amplo desenvolvimento das tecnologias de
comunicação de massa e, para remate dos males, a buliçosa campanha de denúncias na
imprensa – como a perpetrada por Ipojuca-
dirigida a Embrafilme, acusada de
clientelismo, má administração, desperdício e corrupção. A repercussão na opinião
pública contribuiu para a aceitação de que o cinema [e por extensão, outras atividades
artísticas] não devia ser matéria de governo (REGADAS LUIZ, 2007, p. 2).
Eram falas viperinas, não só contra a Embrafilme, mas contra o Ministério da Cultura
como um todo, tornadas a cada vez mais altissonantes e graves à medida que a
campanha avançava e Collor de Melo amealhava eleitores em grotões, cidades e em
distintas classes sociais rumo à vitória que veio em segundo turno, em novembro de
1989.
Uma vitória sem sobressaltos e atropelos, sem debates abertos, sem a participação do
povo, ausência de passeatas e supressão de comícios de rua. Uma campanha eletrônica,
ardilosamente engendrada por marqueteiros políticos – foi a estreia triunfal dessa nova
profissão no país - e com o apoio decisivo e desavergonhado da Rede Globo de
Televisão.
Triunfaram os vitupérios lançados a todos e a tudo, o embuste, o gestual teatralmente
ensaiado para cada palavra e movimento, os olhos rútilos e esbugalhados, o destempero
e o destemor movido por doses de estimulantes químicos que criaram um Collor de
Mello, parte Nosferatu, monstro atraente e ameaçador, parte super-herói, um enviado da
Galáxia de Gutemberg para fundar uma nova era, um novo país.
Em situação de palanque, presencial ou eletrônico, Collor de Melo encarnava outros
tantos personagens, sem perder, no entanto, o estilo, a arrogância e a prepotência da
capangagem alagoana que o embalou desde o berço.
Era um exterminador de
adversários e de instituições. Foi essa a sua primeira missão presidencial e ele soube
cumpri-la à risca.
58
No dia seguinte à posse, a 16 março de 1990, Collor assinou e faz publicar no Diário
Oficial da União, o Decreto Lei nº 8.028 extinguindo o Ministério da Cultura e todas as
fundações e empresas a ele vinculadas, entre elas, a Fundação Nacional de Arte,
Funarte, a Fundação Nacional de Artes Cênicas, Fundacen, a Fundação Cinema
Brasileiro, FCB, e a famigerada EMBRAFILME.
O poeta e tradutor Sebastião Uchôa Leite à época funcionário do Setor de Edições da
Funarte é autor de um contundente e imprescindível artigo, Governo Collor: os dez
meses que assolaram a cultura (Revista Piracema, 1993) sobre o que ocorreu nas
instituições e nas políticas culturais durante esse período15.
Assim ele abre o seu texto:
O início do governo de Fernando Collor de Melo em 1990
desencadeou uma verdadeira fúria contra as instituições culturais
federais do país. Como se não bastasse a desarticulação nunca vista da
máquina administrativa, determinou-se, através de medida provisória,
o fim das fundações culturais – Funarte, Fundacen e Fundação do
Cinema Brasileiro (FCB), além da Embrafilme. Os dez meses entre
essa medida e a instalação do Instituto Brasileiro de Arte e Cultura
(IBAC) constituíram o campo para uma política de “terra arrasada”
uma destruição até hoje inexplicável de entidades em pleno
funcionamento. Cabe aos filósofos explicarem o porquê dessa fúria e
aos pesquisadores detalharem um mapa dessa devastação (1993: 121).
Tal como o Ministério da Cultura foi reduzido ao status de Secretaria, diz Uchôa Leite,
as três fundações foram reduzidas ao status de um instituto único. (...)
Para a devastação ser completa instalou-se na Secretaria de Cultura
um ressentido, vindo da área de cinema com bagagem cultural ínfima
[o acima citado, Ipojuca Pontes, observação do autor] o qual pareceu
ter prazer pessoal com a liquidação total da Embrafilme e a redução
drástica de ouras áreas (op. cit. Pág. 123).
A etapa seguinte prossegue o poeta em tom desolado,
foi a do desmantelo dos programas dos órgãos reunidos no IBAC pelo
corte sistemático de verbas, programas que estavam praticamente
suspensos no “terror” de nove meses, no qual o primeiro secretário da
Cultura veio a público dizer que o governo estava fazendo “uma
revolução sem fuzilamentos”. (Op.cit. pág. 123)
15
Sebastião Uchoa Leite (1935-2003), poeta, tradutor e ensaísta. Em 1980, ganhou os prêmios Jabuti de
poesia (1980), e de tradução, em 1998 e 200. Traduziu obras de vários autores como Júlio Cortázar,
Lewis Carroll, A. M. Krich, Ângelo M. Ripellino, Stendhal, Octavio Paz e François Villon.
59
Assim, com uma diferença de poucos dias, menos de uma semana, anotamos esse
paradoxo no campo das políticas culturais do Brasil: o desmonte e a liquidação de uma
dezena de instituições públicas, em contraponto com a criação de uma entidade cultural
da sociedade civil com foco na arte e na produção artística a ser realizada por pessoas
ou grupos integrados por pessoas com e sem deficiência.
Aqui, é seguro afirmar, que no campo das políticas culturais do país, naquele mês de
março de 1990, não ocorreu acontecimento tão contrastante. De um lado, a Funarte, às
vésperas de completar o seu primeiro jubileu sob a intervenção de um liquidante; de
outro, a Associação Very Special Arts Brasil, tramitando documentos para se legalizar e
organizar um encontro para democratizar e compartilhar seu funcionamento por meio de
comitês de voluntários.
Não por coincidência, nos anos seguintes e por mais de uma década as duas entidades
vão soerguer-se num caminhar em paralelo, mas juntas. Parceria só interrompida
quando uma tenta incorporar a outra de forma abrupta e petulante, usurpando sua
história e patrimônio, intervindo para liquidar, reproduzindo a lição apreendida com o
jagunço das Alagoas. Parte desse lamentável desenlace será narrado nas conclusões
finais.
3.3 Albertina Brasil Santos, breve perfil
Nascida em Pouso Alegre, Minas Gerais, em 1925, Albertina graduou-se em Serviço
Social na PUC Campinas. Realizou pós-graduação nos EUA em Administração de
Programas Sociais e Lideranças Comunitárias nas Universidades de Chicago, Pittsburgh
e Saint Louis. Madre na Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado, ordem
religiosa caracterizada por forte atuação no campo social, foi fundadora e diretora da
Faculdade de Serviço Social de Sergipe (1954-1959), onde criou e dirigiu o Centro de
Cultura e Arte e o Centro de Extensão Comunitária.
Em 1960, transferiu-se para Minas Gerais, assumindo a direção da Faculdade de Serviço
Social da Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF, de 1960 até 1966, ano em que
voltou a Sergipe, por determinação da Congregação - diante das pressões do general
Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e detonador do Golpe Militar de 1964- ,
que a acusava de abrigar e proteger professores e estudantes “comunistas” na Faculdade
de Serviço Social.
60
De volta a Sergipe, idealizou e dirigiu os Festivais de Artes de São Cristóvão de 1968 a
1973, que se rivalizava em importância cultural e política ao de Ouro Preto - que se
transformaram em pontos de contestação ao regime militar vigente, com mais ênfase
após a edição do AI-5. Presidiu a Aliança Francesa de Sergipe e foi vice-presidente do
Conselho Estadual de Cultura de Sergipe, de 1974 a 1978, ano em que deixou o hábito
da Ordem das Missionárias. Recebeu o título de cidadã Honorária do Estado de Sergipe
e da Capital, Aracaju. Em 1998, recebeu do Conselho Universitário da Universidade de
Sergipe o título de Professora Emérita, pelos relevantes serviços prestados ao ensino
universitário. Em 1979, integrou-se à equipe da Fundação Nacional de Arte, sendo
diretora adjunta até 1981. Em 1989, com bolsa de estudos da Universidade de
Maryland, conheceu Jean Kennedy Smith, irmã do presidente J.F. Kennedy, que
fundara em 1975, o Programa Very Special Arts voltado para a promoção e a inserção
sociocultural de artistas com necessidades especiais. Em 1990, obteve a afiliação e
trouxe o VSA para o Brasil - adotando também o nome de Programa Arte Sem
Barreiras, por ser uma entidade nacional-, ainda num contexto social e cultural de
extrema rejeição e de incompreensão com as pessoas deficiência.
Por sua orientação, e de forma pioneira em todos os 86 países onde, à época, o VSA se
fazia presente, o Programa Arte Sem Barreiras passou a trabalhar de uma forma
inclusiva, unindo e promovendo o diálogo estético entre deficientes e não deficientes,
conjugando em seus eventos mostras de arte, Festivais, e Congressos, para fomento e
divulgação de conhecimentos no campo da arte-educação e inclusão.
Desde quando implantou e assumiu a direção da Associação VSA Brasil, Albertina
convivia com uma retinose degenerativa, que ao longo dos anos progrediu e reduziu em
apenas 10% seu campo da visão. Faleceu a quatro de janeiro de 2004, no Hospital
Felício Rocho, em Belo Horizonte, em decorrência de graves ferimentos em um
acidente de trânsito, ocorrido três dias antes, quando estava no interior de um táxi
abalroado por um outro veículo. Foi sepultada no dia seguinte em sua cidade natal,
Pouso Alegre.
3.4 Ação nacional, criação dos comitês estaduais e municipais
Ao pesquisarmos os documentos e procedimentos para a implantação da Associação
VSA Brasil, nos deparamos com a necessidade de situar esse processo no campo das
61
políticas públicas de cultura. Mas por conta das especificidades e abrangência
constantes em seu Estatuto e, especialmente, em razão dos fatos e eventos que
originaram e impulsionou a trajetória da Associação, esse campo de estudo foi alargado
para as áreas da educação especial e os direitos humanos, conforme está posto no
Capítulo segundo.
Foi esse tripé formado pela conjugação e o entrelaçamento de
políticas públicas de Cultura, Educação e Direitos Humanos que nortearam os caminhos
da entidade.
Nos procedimentos iniciais, tanto o Ministério da Educação, por meio da então
Coordenação de Educação Especial, COEE/MEC, como a Coordenadoria Nacional para
a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, CORDE, à época, na estrutura do
Ministério da Assistência Social, MAS, conjugaram esforços e recursos para os
encontros da Comissão de trabalho que precedeu e, em seguida, implantou a entidade.
São essas duas instituições, COEE/MEC e CORDE, que vão apoiaram, por exemplo, a
realização nos dias 27, 28 e 29 de agosto de 1990, na Escola de Administração
Fazendária, em Brasília, do 1º Encontro Nacional do Very Special Arts – Brasil para a
criação dos Comitês Estaduais. A proposta do evento era reunir representantes das
secretarias de Educação dos estados, instituições privadas e pessoas interessadas para
apresentar as diretrizes e políticas da Associação Very Special Arts/Brasil, visando à
criação de comitês estaduais. A meta desse encontro “era descentralizar as ações da
Associação Very Special Arts disseminando os objetivos e filosofia do Comitê Nacional
e internacional e valorizando o artista portador de deficiência”.
A publicação sobre o evento16, não traz apenas a sua programação, cuja abertura, aliás,
contou com a presença do então ministro da Educação, Carlos Chiarelli. No texto da
apresentação, Albertina Brasil, diz que o Encontro teve como um dos seus principais
objetivos o de preparar e orientar representantes do movimento na criação de Comitês
Estaduais do Very Special Arts- Brasil. Os comitês, diz ela, sentinelas avançadas do
VSA, têm a missão específica de executar as ações definidas pela Diretoria Nacional,
adaptando-se às peculiaridades locais de cada estado e de todos os seus municípios. (...)
16
Subsídios para implantação de comitês estaduais e municipais. Brasília, Ed. Very Special Arts,
Brasília, 1990.
62
Esses Comitês, irão prioritariamente, buscar os meios necessários ao desenvolvimento
artístico das pessoas com necessidades especiais”17.
O livro, com 62 páginas, foi editado após o evento18. Ele traz um perfil mais amplo da
Entidade, com mais especificações daquelas postas na primeira Ata e no Estatuto. Faz
também um retrospecto da entidade que “apesar de jovem, já dispõe de um número
significativo de realizações” 19.
Nesse perfil mais detalhado, consta a informação de que a Associação VSA Brasil, Very
Special Arts, Vida Sensibilidade e Arte20 “criada oficialmente em 1990, vem
funcionando através de um Comitê desde o final de 1988. Constitui-se como uma
Associação não governamental, sem fins lucrativos, afiliada ao Very Special Arts
Internacional, do Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington.
“Nasceu da consciência que têm seus associados de que a luta dos artistas portadores de
deficiência é ainda mais difícil que a dos artistas em geral, devido não só a
incompreensão que muitas vezes acompanha os artistas, como também ao preconceito
dos muitos que veem apenas as limitações do corpo, dificultando-lhes assim a afirmação
da sensibilidade e da arte, indiferentes aos exemplos de deficientes famosos como Goya,
Toulouse-Lautrec, Beethoven, Ray Charles, o nosso Aleijadinho e muitos outros.
Foram considerações como essas que definiram os objetivos da Associação de trabalhar
para viabilizar a participação do artista portador de deficiência em atividades artísticas.
O VSA Brasil vem, assim, suprir uma grande lacuna, pois até a sua criação existiam
17
ob. Cit. Pág.5.
Na primeira folha de rosto da publicação está escrito; esse documento foi elaborado conforme as
conclusões dos trabalhos realizados no Encontro Nacional para Criação dos Comitês Estaduais do
Programa Very Special Arts Brasil, realizado em Brasília, em agosto de 90.
19
ob. Cit. Pág. 14.
20
Ob. Cit. Pág. 13. - É o primeiro documento em que o acróstico/acrograma Associação VSA Brasil
aparece em sua tradução brasileira, Associação Vida, Sensibilidade e Arte. Suponho que tal iniciativa
ocorreu para reiterar o caráter brasileiro da entidade, afastando a falsa idéia de que a Associação era uma
filial (e não afiliada/ associada) de uma entidade norte-americana. Não foi poucas vezes, que Albertina
ouviu insinuações que o VSA era uma cunha para consolidar o domínio ianque do Brasil. Eu mesmo ouvi,
em certa ocasião, de um artista em uma excursão no exterior a expensas do Programa, que VSA “era parte
de um complexo de espionagem da CIA”. No tópico dedicado à Avaliação Final do Encontro, está
registrado dissensões nos debates: quanto às discussões, registraram-se algumas divergências em relação
a certas posturas da Associação VSA, mas de um modo geral, houve reconhecimento das realizações
administrativas, técnicas e plena aceitação da filosofia de ação que tem norteado o VSA Brasil. No
entanto, sublinha o texto, tudo isso aconteceu num clima de harmonia intelectual e afetiva.
18
63
poucas iniciativas isoladas, na área das artes, para atender as necessidades e os direitos
das pessoas portadoras de deficiências” 21.
Afinal, quais os motivos das dissenções registradas na avaliação? Por certo, devido à
presença e a um percentual maior de professores no Encontro. São eles, afinal, que
serão eleitos e irão ocupar em maioria a coordenação dos comitês municipais e
estaduais: “esclareceu-se, enfaticamente, que um artista pode e deve ocupar o cargo de
coordenador desse movimento, desde que possua o sentido da liderança aliado à
capacidade administrativa e habilidade de entender as diferenças22.
Aqui é importante esclarecer que o trabalho do coordenador e de sua equipe era feito de
forma voluntária, sem qualquer tipo de retribuição ou remuneração financeira. Em 2003,
uma relação com os 32 comitês da Associação VSA Brasil, estaduais e municipais,
contavam cerca de 600 voluntários.
3. 5 Memorial, 1990 a 2005
Em 1990, quando foram iniciadas as atividades do Programa Very Special Arts no
Brasil, a expectativa e o compromisso - tomando como referência outros países onde o
VSA Arts existia há mais tempo - era a realização de um Festival Nacional de Arte a
cada dois anos. E assim foi nos primeiros anos.
No entanto, com o avanço do Programa e a constituição de comitês em várias regiões do
país, a demanda por festivais e congressos cresceu, e a opção por um evento anual se
deu naturalmente. A partir de 1994, os festivais nacionais ganharam essa periodicidade
anual, afora outras dezenas de mostras regionais e municipais, que se prestava para
estimular e legitimar artistas e grupos locais com potência criativa e estética. Valiam
também para dar visibilidade local e regional de forma que esses artistas fossem ser
inseridos em programas e atividades culturais regulares de organismos municipais e
estaduais de Cultura.
Na primeira versão do Festival de Arte sem Barreiras, realizado em 1991, no Rio de
Janeiro, ainda persistiam muitas dúvidas sobre como mostrar a arte do portador de
21
Ob. Cit. Pág. 13. Sobre os participantes, grande parte provinha da área de educação e da educação
especial, embora, com uma representação menor, os arte-educadores, artistas e administradores da
cultura, marcaram presença, ajudando a definir a especificidade artística do trabalho proposto.
22
Ob. Cit. Pág. 39
64
deficiência a uma plateia, às vezes leiga, não segmentada, e mais, como fazê-la
diferenciar um trabalho em processo - arte bruta e virgem, usando aqui conceitos de
Mário Pedrosa - de outros trabalhos realizados por artistas com (in)formação e pleno
domínio de suas técnicas e de seu produto final. O postulado do Programa era mostrar a
arte, e não a deficiência do artista.
No festival seguinte, realizado em 1994, em Juiz de Fora, foi agregado no âmbito do
Festival, um Congresso Nacional de Arte-Educação Especial, com a proposta de
sensibilizar e de aproximar educadores especiais e, principalmente, arte-educadores, das
questões da arte e produção estética realizada pelos artistas e grupos com deficientes.
Essa conjunção de artistas com educadores, conforme foi descrito no capítulo 3, se
mostrou bastante enriquecedora para o Programa Arte Sem Barreiras. Essa relação abriu
diálogos e da troca de experiências que resultaram em renovação de diretrizes,
especialmente, sobre como expor o fazer do artista deficiente. Desde então, os festivais
passaram a ser realizados em conjunto com os congressos nos quais as atrações
artísticas eram vistas sob duas vertentes: a que foi denominada processo, que eram
experiências estéticas ainda em desenvolvimento sob a orientação de artistas e/ou arteeducadores; e a vertente profissional, que contemplava aqueles grupos de artistas cujos
trabalhos mostravam-se em condições e com potência estética para circular por espaços
culturais não-segmentados.
A seguir, uma breve cronologia das atividades do Programa
1990 a 1993
Instalação, em março de 1990, do Programa Very Special Arts Brasil, com a presença
de cinqüenta pessoas, eleição de sua diretoria e estabelecimento de metas, entre as quais
realização anual de um festival ou mostra de arte. Instalação no Brasil, na cidade de
Niterói, do primeiro tear especialmente adaptado para portadores de deficiência, através
da instituição Saori, filiada ao VSA/ Japão. Criação dos primeiros comitês estaduais,
com apoio da Secretaria de Ensino Especial e do Ministério da Ação Social. Em 1992, o
Programa realizou seu I Festival Nacional de Arte Sem Barreiras, no Espaço Sérgio
Porto, no Rio de Janeiro, e seus primeiros encontros estaduais, em Rondônia e Rio de
Janeiro.
1994
65
Realização do II Festival Nacional de Arte Sem Barreiras e I Congresso Nacional de
Arte-Educação Especial, no período de 4 a 6 de novembro, em Juiz de Fora, com apoio
do Instituto de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Palestras, mesasredondas e shows musicais com delegações de dez estados da federação.
1995
Lançamento, em março, com apoio do Programa e parceria com a Universidade Federal
do Espírito Santo, da revista de quadrinhos Gazoo, de autoria de Wellington Torres, a
primeira publicação nacional cujo personagem central é um portador de deficiência.
Realização em Natal (RN), no período de 3 a 6 de outubro, do III Festival Nacional de
Arte Sem Barreiras e do II Congresso Nacional de Arte-Educação Especial, executado
em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Escola Técnica
Federal. Palestras, mesas-redondas, oficinas, com a participação de 550 congressistas
representando 15 estados da federação.
1996
Realização do IV Festival Nacional de Arte Sem Barreiras e o III Congresso Nacional
de Arte-Educação Especial, no período de 25 de novembro a 2 de dezembro, em
Curitiba, com a participação de cerca de 1.200 pessoas entre educadores e artistas de
várias regiões do país. Locais: Teatro Guaíra, Ópera do Arame e Universidade Federal
do Paraná (UFPR)
1997
Julho - Participação brasileira no I Festival Internacional de Dança em Cadeiras de
Rodas, que teve lugar em Boston, no período de 11 a 15 de julho. A delegação brasileira
foi representada pelos grupos Limites Cia de Dança, de Curitiba, e Roda Viva Cia de
Dança, de Natal.
Agosto - I Festival Amazônico de Arte Sem Barreiras e de Arte-Educação Inclusiva que
teve lugar em Manaus, no período de 29 a 30 de agosto. Participou do encontro cerca de
50 artistas e 230 professores de educação especial de vários estados da Região Norte.
1998
Nesse ano, todas as ações do Programa Arte Sem Barreiras foram concentradas no
planejamento e execução do I Festival Latino-Americano de Arte Sem Barreiras e do I
66
Congresso Latino-Americano de Arte-Educação Inclusiva, que teve lugar no SESCPompéia, em São Paulo, no período de 27 a 30 de maio.
Durante quatro dias, cerca de duas mil pessoas, entre artistas, arte-educadores e
representantes de dezenas de entidades do Brasil e de 22 países, se fizeram presentes em
São Paulo, participando dos dois eventos que estabeleceram um novo patamar
educacional e artístico nas relações portadores de deficiência e sociedade. O presidente
mundial do VSA, John Kemp, esteve presente nos dois eventos e coordenou reunião de
avaliação do programa na América Latina com a presença de representantes do Very
Special Arts de vinte países do continente.
1999
Março - I Encontro Regional de Arte Sem Barreiras do Estado de Goiás, em Goiânia.
Palestras com arte-educadores de Goiás e de outros estados, oficinas de artes plásticas
(com exposições dos trabalhos), de teatro, música e dança no auditório da Reitoria e na
Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Goiás (UCG), além de
apresentações no Centro Livre de Arte de Goiânia. Apoio UCG, secretarias municipais
de Educação e de Cultura e Goiânia Shopping.
Maio - Art & Soul Festival 1999, em Los Angeles, Califórnia, celebrando os 25 anos de
criação do VSA Internacional. Participaram do Festival cerca de mil pessoas
representando os 86 países filiados, entre os quais o Brasil, com uma delegação artística
composta por: violonista Nenéu Liberalquino (PE), Grupo Limites de Dança (PR) e
artista plástico e arquiteto Assis Aragão, de Brasília.
Junho - Encontro de Educação Especial, sob o lema “Uma escola de qualidade para
todos respeita a diversidade”, organizado pela Secretaria de Educação Especial
(SEESP), do Ministério da Educação, que teve lugar na cidade de Pirenópolis (GO) no
período de 14 a 18 de junho. Presentes vinte representantes regionais e dois municipais
do Programa, além da direção e equipe executiva nacional Funarte/VSA que atuaram
ativamente em toda a programação do Encontro - plenárias, colóquios, grupos de
estudos- que resultou na Carta de Pirenópolis – ver Capítulo 3 – na qual ficaram
gravadas proposições e compromissos, e priorizadas ações no campo da Arte no âmbito
da Secretaria e do Ministério da Educação.
67
Agosto - Encontro Nacional de Arte Sem Barreiras de Belo Horizonte, 25 a 28 de
agosto, organizado pelo VSA/MG, sob patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura,
entre outras entidades, com ampla agenda de shows, exposições, oficinas e seminários.
Outubro - V Festival Nacional de Arte Sem Barreiras e o IV Congresso Nacional de
Arte-Educação Inclusiva, realizado em João Pessoa (PB), no período de 20 a 23 de
outubro, com apoio das Secretarias de Estado e Municipal de Cultura e Educação,
Secretaria de Turismo, SESC/PB e Secretaria de Educação Especial do Ministério da
Educação.
2000
Abril - Apresentação de Brasil, 5oo anos de tradição, espetáculo da Companhia de
Dança Inclusiva Anjori, no Teatro Alberto Maranhão, em Natal.
Agosto -First International Disability Special Arts Festival Izmir – Turquia – de 14 a 22
de agosto de 2000. Realizado na cidade de Izmir, o First International Disability Arts
Festival recebeu delegações de artistas da Alemanha, Brasil, Bélgica, Bulgária, Cuba,
Espanha, Egito, Holanda e Itália, além de representantes de comunidades do país
anfitrião. Apresentações do pianista gaúcho Angelin Loro, do violonista pernambucano
Nenéu Liberalquino e da Companhia Limites de Dança, de Curitiba.
Setembro - Mostra de Arte Sem Barreiras, no âmbito da V Semana Municipal da Pessoa
Portadora de Deficiência, em Juiz de Fora, de 17 a 23 de setembro, organizada pelo
Comitê Municipal do VSA Arts Apoio: da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, da
Prefeitura da Cidade de Juiz de Fora.
Outubro - Lançamento do CD De mãos dadas, com músicas compostas e interpretadas
por Leci Brandão e Pedrinho Sem Braço. Apoio: Comitê Paraolímpico Brasileiro
Novembro - Realização do V Congresso Nacional de Arte-Educação na Escola Para
Todos e do VI Festival Nacional de Arte Sem Barreiras. Período: 6 a 9 de novembro de
2000
Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães e Teatro Nacional Cláudio Santoro
Brasília/Distrito Federal
68
Tema central do Congresso e Festival: Arte-Educação em diálogo com a diversidade
Eixos temáticos: Arte na perspectiva da inclusão; globalização e multiculturalidade;
arte, educação, saúde e qualidade de vida; acessibilidade aos espaços artísticos e
culturais.
Parcerias: Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação; Funarte, do
Ministério da Cultura; CETEFE; UNESCO; Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – FNDE; Caixa Econômica Federal; Federação Nacional das APAEs –
FENAPAEs; Federação dos Arte-Educadores do Brasil – FAEB; Governo do Distrito
Federal através da Agência de Desenvolvimento do Turismo do Distrito Federal –
ADETUR; da Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal; da Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal; e da Secretaria de Esporte e Lazer (DEFER) do
Distrito Federal; Coordenadoria Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de
Deficiência (CORDE) da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da
Justiça e Comitê Paraolímpico Brasileiro.
Dezembro -
Concerto Natalino com 80 vozes com a participação da Sociedade
Filarmônica de Sergipe (SOFISE), na Igreja de São Salvador, em Aracaju, reunindo
alunos de três instituições que trabalham com reabilitação: Projeto Luz do Sol, Clínica
Escola de Reabilitação Rosa Azul e CAP. Promoção: Vsa Arts de Sergipe.
2001
Março/julho - Exposição das obras do fotógrafo Evgen Bavcar Local: Centro Cultural
Nansen de Araújo/SesiMinas, Belo Horizonte (março/abril), Ouro Preto (maio),
Mariana (junho) e Congonhas do Campo (julho). Apoio: SESIMINAS e Centro de
Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte.
Julho - Oficina de Férias de Técnicas Circenses Local: Escola Nacional de Circo Rio de
Janeiro. Grupos participantes: Pulsar Cia de Dança (RJ) e Corpo e Movimento ANDEF (Niterói) sob a supervisão dos coreógrafos Teresa Taquechel e Carlinhos de
Jesus. Apoio: Funarte/ Escola Nacional de Circo.
Agosto- Encontro Nacional de Dança para Portadores de Deficiência, em Macaé, RJ.
Período: 05 a 08/7. Participação de 10 Companhias. Coordenação: Comitê Estadual
VSA/Rio de Janeiro e Comitê Municipal do VSA/Macaé. Apoio: Funarte, Petrobrás,
69
Prefeitura de Macaé (Sec. Municipais de Educação e de Cultura) e Centro de Vida
Independente (CVI –Macaé)
Projeto musical/ Arte Sem Barreiras - Local: Rio de Janeiro Sala Funarte/ um show
mensal Período: junho a dezembro. Apoio: Coordenação de Música/ Sala Funarte.
Itinerância da exposição do fotógrafo Evgen Bavcar. Locais: Porto Alegre, Pelotas e
Caxias do Sul (RS). Período: 01/07 a 30/09. Abertura da itinerância: dia 5 de julho na
Casa de Cultura Mario Quintana. Coordenação: Comitê Estadual do VSA RS. Apoio:
Funarte, UFRS/Memorial do Rio Grande do Sul, Casa de Cultura Mário Quintana (Sec.
de Estado da Cultura/RS) e Prefeituras Locais
Pesquisa de linguagem: Grupos de teatro e dança. Local: Teatro Cacilda Becker (RJ)
Grupos: Pulsar Cia de Dança (RJ), Teatro do Sol (Niterói). Período: julho a dezembro,
sempre às sextas feiras. Coordenação: comitê VSA/RJ. Apoio: Coordenação de
Dança/Deacen/Funarte e Faculdade Angel Viana
Apresentação do Projeto–Piloto Prevenção, Escola e Comunidade. Lançamento do
Projeto-Piloto (com realização de oficinas) Local: Aracaju e Nossa Senhora da Glória
(SE) Período: 28/07 a 03/08 Local: Nossa Senhora da Glória (SE). O Projeto envolveu
cerca de 8.800 alunos de várias escolas dos municípios de Sergipe. Coordenação:
Comitês Estadual do VSA/Brasil de Sergipe e Municipal de Nossa Senhora da Glória
(SE). Apoio: Funarte, Secretaria de Educação Especial/FNDE/MEC
I Congresso/Festival Nordestino de Arte Sem Barreiras (SE). Local: Aracaju e N. S. da
Glória. Período: 25 a 28/07 Coordenação: Comitês Estadual do VSA/Brasil de Sergipe e
Municipal de Nossa Senhora da Glória (SE). Apoio: Funarte, Secretaria de Educação
Especial/MEC, Universidade Federal de Sergipe, Prefeituras de Aracaju, Nossa Senhora
da Glória, Areia Branca, Estância, Capela, Nossa Senhora das Dores, Rosário do Catete,
através de suas secretarias de Educação, Saúde e Cultura, Associação de Pais e Amigos
do Banco do Brasil (APABB/ SE), Café Maratá, entre outras entidades e empresas.
Agosto - II Anual Turkey International Special Arts Festival
Local: Istambul – Turquia Período: 14 a 19/08 Patrocínio: Governer of Istanbul,
Association Of Phisically Disability; Turkish Confederation of the Disability, Its
Federations and Associations; Ministério das Relações Exteriores, Assembléia
70
Legislativa do RJ; Governo do Estado do RN, Governo do Estado de MS. O Brasil foi
representado por 17 artistas/grupos (músicos e grupos de dança)
Setembro - II Mostra de Arte Sem Barreiras de Juiz de Fora (MG) e Seminário de Arte,
Educação, Cultura e Diversidade Local: Juiz de Fora. Período: 14 a 16/9. Coordenação:
Comitê Municipal VSA de Juiz de Fora. Apoio: Funarte, UFJF, Funalfa, Sec. Municipal
de Educação de Juiz de Fora
Outubro - Itinerância da exposição do fotógrafo Evgen Bavcar Local: Goiânia – GO
Período: 01 a 31/10. Coordenação: Comitês Estadual do VSA/Brasil de Goiás. Apoio:
Funarte, Secretarias de Estado de Educação e de Cultura, Universidade Federal de Goiás
e Instituições locais; 7ª Mostra de Artes Sem Barreiras de Bauru (SP) Local: Bauru.
Período: 11 a 13/10. Coordenação: Comitê Municipal VSA/Brasil de Bauru Apoio:
Funarte: Secretaria M. de Cultura de Bauru e Universidade do Sagrado Coração; I
Congresso/Festival Centro–Oeste de Arte Sem Barreiras. Local: Goiânia – GO. Período:
22 a 26/10. Coordenação: Comitês Estadual do V.S.A/Brasil de Goiás e do Distrito
Federal. Apoio: Funarte, Sec. Est. Cultura, Sec. Est. Educação e empresas locais.
Novembro - XIII Congresso Nacional da Federação de Artes Educadores do Brasil e I
Festival Sul e Sudeste de Artes Sem Barreiras. Local: Campinas – SP. Período: 05 a
07/11 Coordenação: Federação de Arte–Educadores do Brasil, Comitê Municipal do
V.S.A/Brasil de Campinas, Estadual de São Paulo e Municipal de Bauru. Apoio:
Secretaria de Educação Especial/MEC, PUC Campinas, FAEB, Prefeitura Municipal.
Itinerância da exposição do fotógrafo Evgen Bavcar. Local: Belém – PA. Período:
24/11 a 30/12. Coordenação: Comitês Estadual do V.S.A/Brasil do Pará. Apoio:
Funarte, Instituto de Artes do Pará e Governo do Estado do Pará
I Congresso/Festival Amazônico de Arte Sem Barreiras Local: Belém – PA. Período: 26
a 30/11. Coordenação: Coordenação: Comitês Estadual do V.S.A/Brasil do Pará. Apoio:
Funarte, Instituto de Arte do Pará e Governo do Estado
2002
Novembro - 1º Congresso Internacional de Arte Sem Barreiras e 1º
Festival
Internacional de Arte Sem Barreiras Educação, Arte, Inclusão. 17 a 23 de novembro de
2002. Belo Horizonte/ Minas Gerais Locais: Pontifícia Universidade Católica de Minas
71
Gerais (PUC Minas); Centro Cultural Nansen de Araújo/SESIMINAS; Teatro Francisco
Nunes; Teatro Marília; Teatro do Instituto São Rafael; Galerias de Arte do Palácio das
Artes, SesiMinas, Sec. Municipal de Cultura.
Patrocínio: Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, FNDE,
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e Centro Cultural
Nansen de Araújo/CIRA/SESI-DR-MG/FIEMG, Prefeitura de Belo Horizonte, através
das secretarias municipal de Cultura, Educação e Belotur
Setembro e outubro - Cursos de capacitação em Educação, Arte, Inclusão para
professores do ensino fundamental realizados pela Associação, Vida, Sensibilidade e
Arte/ Very Special Arts do Brasil nos estados de Minas Gerais, Pará, Santa Catarina,
Sergipe e Distrito Federal. Lançamento dos Cadernos de Textos nº1, reunindo artigos
sobre o tema Educação, Arte, Inclusão e lançamento do documentário Possibilidades
Estéticas na Diferença. Apoio: Secretaria de Educação Especial/MEC
Abril a dezembro 2002 - Projeto musical/ Arte Sem Barreiras. Local: Rio de Janeiro
Sala Funarte/ dois shows mensais. Apoio: Coordenação de Música/ Sala Funarte
Pesquisa de linguagem: Grupos de teatro e dança. Local: Teatro Cacilda Becker (RJ).
Grupos: Pulsar Cia de Dança (RJ), sob a supervisão Teresa Taquechel e Teatro do Sol
(Niterói),
sob
a
supervisão
de
Rubem
Gripp.
Apoio:
Coordenação
de
Dança/Deacen/Funarte e Faculdade Angel Viana
Junho - Estreia do espetáculo da Ekilibrio Cia de Dança Inclusiva Local: Teatro
SESIMINAS/ Juiz de Fora.1 a 23 de junho de 2002 .Patrocínio: Belgo Mineira/ ABC –
Atacado
Brasileiro
da
Construção.
Apoio:
Fiemg/SESI,
Prog.
Arte
Sem
Barreiras/Funarte, Sec.Cultura de Minas Gerais/ Lei de Incentivo a Cultura/ MINC.
Cantares de Minas, lançamento do CD de Maria Lúcia Godoy. Local: Rio Scenarium (
RJ). Dia 4 de junho de 2002, no âmbito das comemorações do centenário de Juscelino
Kubitscheck. Apoio: Funarte/Rio Scenarium/ TVE; Arte de ver com as mãos Exposição da ceramista Jussara Cedro. Local: Beira-Mar Shopping, Florianópolis (SC),
10 a 16 de junho. Apoio: Comitê VSA Arts de Santa Catarina. Pulsar - Estréia do novo
espetáculo da Pulsar Cia de Dança Inclusiva. Local: Teatro Nelson Rodrigues/ Conjunto
Cultural da Caixa Econômica (RJ). Temporada de 28 de junho a 7 de julho. Patrocínio:
Caixa Econômica Federal. Apoio: Governo do Estado do RJ/ Prog. Arte Sem
Bareiras/CASACA
72
2003
Janeiro – Exposição de artes plásticas - Museu Chácara Dona Catarina –
Cataguases/MG. Obras de Eliane de Oliveira, Jorge Botelho, Marcelo Cunha e Virgínia
Vendramini. De 10 de janeiro a 9 de março.
Fevereiro – 1º Encontro de Arte Sem Barreiras de Cataguases. Centro Cultural
Humberto Mauro. De 13 a 15 de fevereiro.
Maio/Junho – Mostra de Arte Sem Barreiras de Muriaé (MG). De 29 de maio a 1º de
junho
Sara Bentes vence concurso Rosemary Kennedy. Selecionada pelo VSA Brasil, a
cantora Sara Bentes, de Volta Redonda (RJ), concorrendo com representantes de 86
países filiados ao VSA Internacional, foi a vencedora da versão 2003 do certame.
Agosto – Mostra e seminário de Artes Sem Barreiras de Niteroi.
Outubro – IX Mostra de Artes Sem Barreiras de Bauru; International Arts Festival
South Africa, 15 a 19 de outubro, Cape Town, com apresentação da Cia Arte de Viver,
Santos.
Novembro – Curso de Musicografia em Braille, de 12 a 13 de novembro, Conservatório
Brasileiro de Música, RJ; 1ª Jornada Catarinense de Inclusão, de 26 a 29 de novembro,
Blumenau, SC; VII º Festival Nacional, IIº Congresso e Festival Nordestino de Arte
sem Barreiras e Iº Seminário Nacional de Gestão Cultural e Inclusão, de 23 a 30 de
novembro, em Aracaju, Itabaiana e Nossa Senhora da Glória.
2004
Março – Abertura do Ano Ibero-americano da Pessoa com Deficiência. Teatro Plínio
Marcos, Brasília, de 24 a 25 de março. Apresentações de música, teatro, dança e artes
plásticas. Público presente: 1.800 pessoas. Durante o evento, destacaram as presenças
do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; ministro da Cultura,
Gilberto Gil; ministro Direitos Humanos, Nilmário Miranda; embaixadores dos países
73
ibero-americanos; parlamentares e dirigentes de instituições que executam políticas para
as pessoas com deficiência.
Junho – VSA ARTS Festival 2004. De 9 a 12 de junho, em Washington. Participação
dos grupos Pulsar Cia de dança (RJ) e Forró no Escuro (BH).
Setembro – 1º Mostra mineira de artes sem barreiras. Juiz de Fora, de 15 a 30 de
setembro.
3.6 – 2005, Celebração 15 anos de atividades
Mostra Arte, Diversidade e Inclusão Sociocultural
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro.
Ao longo de 15 anos de atividades, o VSA Brasil atuou formulando e propondo novos
conceitos no campo dos direitos humanos e da pessoa com deficiência, transformando o
que poderia ser mais uma entidade com características paternalista e assistencialista,
num projeto com sólida fundamentação teórica e uma práxis renovadora.
Fundamentação teórica, aportada por educadores, críticos e historiadores da Arte,
artistas e gestores culturais, por meio de dezenas de congressos realizados nesse período
em todo o Brasil, e que resultaram em igual número de artigos, ensaios, teses e relatos
de experiências, sempre inéditas. Posteriormente, publicadas, disseminaram propostas
sobre as possibilidades estéticas e o direito do fruir artístico das pessoas com
deficiência.
Praxis renovadora, pela proposta de experimentação em fazeres estéticos singulares,
demonstrada e ampliada em centenas de festivais e mostras de arte sobre todas as
expressões artísticas. O Arte Sem Barreiras e uma marca que passou a identificar
nacionalmente todas as ações da Associação Very Special Arts Brasil
Arte Sem Barreiras significava: promover e levar a plateias não segmentadas a
expressão de artistas com pleno domínio técnico da sua linguagem; a inserção de
artistas no campo das discussões da arte contemporânea, indo muito além de recepções
simpáticas e de atitudes solidárias;
estabelecimento de alianças, formação de
consciências e compromissos para uma
necessária e urgente desconstrução de
74
preconceitos entranhados na sociedade brasileira; e, por fim, sinônimo de um fazer
artístico e teórico com qualidade.
A culminância dessas idéias e práticas deu-se, exatamente, no ano em que a Associação
Vida, Sensibilidade e Arte- Very Special Arts Brasil completou 15 anos de existência
com a Mostra Arte, Diversidade e Inclusão Sociocultural, realizada durante todo o mês
de maio de 2005, no mais importante e dinâmico espaço cultural do país, o Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro.
Nesse evento, formulado e desenvolvido com um ano de antecedência, o VSA Brasil,
objetivou uma realização cidadã com a inclusão de todos, artistas e público, um marco
na produção de eventos para pessoas com e sem deficiência. Inicialmente realizando um
treinamento com dois meses de antecedência de todos os 400 funcionários do CCBB
para atendimento a artistas e ao público com e sem deficiência; obras de adequação e
acessibilidade nos espaços internos do CCBB e em todas as ruas e avenidas próximas;
treinamento de monitores e inserção de toda a programação da Mostra no Programa
Educativo do CCBB, que recebe diariamente centenas de crianças e jovens de escolas
públicas e privadas da cidade; capacitação de 16 monitores para atendimento
preferencial à comunidade surda, cega e com dificuldades de locomoção; obras de
adequação e acessibilidade para artistas e público no teatro, e nas salas de exposição, de
seminários, cursos e fórum; tradução em libras, em tempo real, de todos os espetáculos
cênicos, de palestras e cursos; edição em tinta e em Braille de todas as peças de
divulgação - convites, folders e catálogos.
Pagamento de cachês e pró-labores a todos participantes, em valores superiores aos
praticados no mercado, para a valorização e incentivo à profissionalização de artistas e
grupos; debates com de 45 entidades atuantes na área da arte e da defesa dos direitos da
pessoa com deficiência; realização de 18 oficinas de dança para bailarinos e coreógrafos
contemplando distintas técnicas; lançamento de publicações e livros sobre temas afins
entre dezenas outras atividades.
Como resultado, no mês do evento, a presença auditada de 70 mil pessoas, parte
considerável de pessoas com deficiência que nunca havia freqüentado o CCBB/RJ.
Em termos de divulgação, uma mídia espontânea e gratuita em jornais, revistas e TVs
de todo o país, valorada por técnicos do CCBB em R$ 8 milhões, uma das maiores
75
obtidas nos eventos realizados pela instituição durante o ano. O valor recebido em mídia
correspondeu a exatos 4% do investimento realizado pelo Banco do Brasil na Mostra.
Ainda sobre a divulgação, vale destacar, que no período da Mostra, além de três
inserções noticiosas no Jornal Nacional da TV Globo, diversas apresentações e
entrevistas de artistas com deficiência na novela América, de Glória Perez, que foi ao ar
durante o período do evento, e cujo entrecho abordava questões sobre pessoas com
deficiência.
As avaliações positivas feitas por artistas, grupos, conferencistas e demais pessoas
envolvidas na produção e realização da Mostra, deu-nos a certeza de que esse algo novo
e radical foi realizado com pleno sucesso. Foi um avanço e um marco e espelho traduz e
reflete, com exatidão, nossos ideais e compromissos nessa jornada de 15 anos pelos
direitos e a inserção sociocultural das pessoas com deficiência.
Mas o ano que celebrava os 15 anos de atividades do VSA Brasil não se encerrou em
maio, no CCBB-RJ. Teve seqüência no período de agosto e outubro, quando foi
realizada a III Mostra em Niterói, também com uma ampla programação. No final de
dezembro, auspiciosa notícia. A cantora e instrumentista paulista, Giovanna Maira foi
vencedora do Concurso Rosemary Kennedy 2006, realizado nos Estados Unidos.
O concurso organizado anualmente pelo Very Special Arts Internacional seleciona
jovens músicos e instrumentistas com deficiência e idade até 25 anos, entre os países
filiados, para apresentações durante a primavera norte-americana. Selecionada na fase
nacional pelo VSA Brasil para representar o Brasil, a artista de 19 anos, que concorreu
com representantes de 86 países, foi aclamada pelo júri internacional, que se reuniu no
final do ano em Washington. Além da passagem aérea e a estadia, Giovanna recebeu
prêmio no valor de U$ 5 mil, para custear a continuidade de seus estudos. Sua
apresentação se deu no dia 23 de maio de 2006, no John F. Kennedy Center for the
Perfoming Arts, em Washington. Foi a segunda vez que o VSA Brasil indicou
candidaturas ao prêmio e nas duas ocasiões saiu vencedor. Em 2003, a premiada foi a
cantora Sara Bentes, da cidade de Volta Redonda.
3. 7 Um período de recesso para um balanço e reflexões
Ao encerrar o ano de 2005 e as celebrações dos 15 anos de atividades do VSA Brasil,
um período de recesso se impôs naturalmente ao coletivo de artistas que haviam
76
assumido a direção do VSA Brasil. Eram muitas as questões que precisavam ser
debatidas, desde a organização e administração da entidade até estratégias de inserção
nos novos modelos de políticas culturais públicas praticados pelo Ministério da Cultura.
Fazendo uma digressão sobre a trajetória de lutas pelos direitos civis, políticos, sociais e
culturais das pessoas com deficiência é importante situar a Constituição de 1988 como
um marco. Foi por meio dela que teve início uma nova forma de relação entre o Estado
e a sociedade civil pela institucionalização de uma série de normas que ampliaram as
possibilidades de participação dos cidadãos e entidades representativas nos processos
decisórios em distintas esferas de governo.
Ao pleitearem o reconhecimento e uma melhor qualidade vida, esses grupos se uniram a
outras frentes que se organizavam contra os preconceitos sociais, étnicos e de gênero. E
foi sob esses novos horizontes e caminhos, que surgiu em março de 1990, o Programa
Arte Sem Barreiras, que desde o seu início- e de forma pioneira no mundo- decidiu
realizar ações e projetos de forma não-segmentada. Inclusão era a palavra- chave que
abriu portas para a realização de um diálogo cultural e estético entre pessoas com e sem
deficiência.
Entre as propostas iniciais que nortearam as ações do Arte sem Barreiras, destacamos a
difusão de conhecimentos e a troca de experiências para assegurar os direitos e o
exercício pleno da cidadania e a inclusão sociocultural das pessoas com deficiência; a
promoção e o entrelaçamento da produção artística de pessoas com e sem deficiência,
por meio festivais, mostras e exposições de arte resultando em intercâmbios e diálogos
estéticos; estimulo a artistas, educadores e investigadores da sensibilidade para se
lançarem em pesquisas e à produção de conhecimentos no campo da arte e da pessoa
com deficiência.
A intenção do VSA Brasil, gravado em seu Estatuto, era ampliar o entendimento da
sociedade brasileira sobre essas novas expressões para dissolver barreiras estéticas e
sociais. E, como consequência, inserir o fazer artístico da pessoa com deficiência à
contemporaneidade estética do Brasil.
A partir de 1990 - com o início do processo de eleições diretas e a assunção de novos
partidos, isolados ou coligados ao governo-, representantes de movimentos
reivindicantes alçados à esfera pública governamental, criam e desenvolvem programas
direcionados às instituições e aos movimentos reivindicantes de sua origem.
77
O Very Special Arts do Brasil/ Programa Arte Sem Barreiras, por exemplo, associou-se
à oficiosamente à Fundação Nacional de Arte, Ministério da Cultura, no período de
1992 a 2004, formulando e implementando políticas públicas culturais educacionais
para as pessoas com deficiência. Em junho de 2004, essa parceria com a Funarte foi
interrompida que forma traumática para os destinos da entidade.
A trajetória do Very Special Arts do Brasil está associada a muitas conquistas no campo
das legislações sobre direitos culturais e educacionais das pessoas com deficiência, entre
as quais cabe assinalar uma muito significativa, conforme descrita no Capítulo 3: o
direito à educação de crianças e jovens com deficiência e seu convívio com os demais
alunos nas escolas regulares legitimado pela da Resolução nº 2 CEB/CNE de 2001, que
estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Essa
Resolução veio a ser um marco na história da Educação Especial no Brasil. Um avanço
na perspectiva da universalização do ensino com atenção à diversidade na educação
brasileira.
3.8 Cidadania cultural das pessoas e artistas com deficiência
No campo da legislação cultural, vale assinalar que, em março de 2004, o Programa
Arte Sem Barreiras, então representante do Ministério da Cultura no Conselho Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, CONADE, enviou uma série de sugestões ao
MINC, que dois anos depois foram incorporadas ao Decreto Lei 5. 761, de 27 de abril
de 2006 - que fez adendos e deu nova redação à Lei 8.313/91, conhecida como Lei
Rouanet-, especialmente no artigo 27, que passou a ter a seguinte redação:
Art. 27. Dos programas, projetos e ações realizados com recursos incentivados, total ou
parcialmente, deverá constar formas para a democratização do acesso aos bens e
serviços resultantes, com vistas a:
I - tornar os preços de comercialização de obras ou de ingressos mais acessíveis à
população em geral;
II - proporcionar condições de acessibilidade a pessoas idosas, nos termos do art. 23 da
Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, e portadoras de deficiência, conforme o
disposto no art. 46 do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999;
78
III - promover distribuição gratuita de obras ou de ingressos a beneficiários previamente
identificados que atendam às condições estabelecidas pelo Ministério da Cultura; e
IV - desenvolver estratégias de difusão que ampliem o acesso.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura poderá autorizar outras formas de ampliação
do acesso para atender a finalidades não previstas nos incisos I a IV, desde que
devidamente justificadas pelo proponente nos programas, projetos e ações culturais
apresentados.
A partir desse Decreto, todos os projetos analisados pelo Programa Nacional de Cultura,
PRONAC/MINC, passaram a ter essa exigência. Os produtores sejam pessoas físicas ou
jurídicas, são obrigados a assinalar e a especificar que medidas serão adotadas para
cumprimento do Art. 27. Caso contrário, o projeto não é aprovado.
Verificou-se, no entanto, uma confusão de conceitos na execução desse Decreto. O que
se chamava de democratização cultural e acesso, na verdade, tratava-se da
popularização dos projetos, por exemplo, preços e locais mais acessíveis para o público,
quando o correto seria associar democratização a controle social - accountability por
parte da sociedade civil. Acesso ou acessibilidade é um conceito historicamente adstrito
à área da pessoa com deficiência, e diz respeito à mobilidade física, à fruição estética e
direitos às tecnologias assistivas.
Essa controvérsia conceitual sobre democratização e acessibilidade só foi resolvida em
2012 com a edição pelo Ministério da Cultura da Instrução Normativa Nº 1/2012 que no
seu Artigo 3º diz que na aplicação desta Instrução Normativa, serão consideradas as
seguintes definições:
Inciso XI - medidas de acessibilidade: intervenções que objetivem priorizar ou facilitar
o livre acesso de idosos e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, assim
definidos em legislação específica, de modo a possibilitar-lhes o pleno exercício de seus
direitos culturais, por meio da disponibilização ou adaptação de espaços, equipamentos,
transporte, comunicação e quaisquer bens ou serviços às suas limitações físicas,
sensoriais ou cognitivas de forma segura, de forma autônoma ou acompanhada, de
acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada
pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.
79
Em acordo com essa mesma IN Nº1/2012, Art. 71, Inciso VII, na etapa de prestação de
contas “comprovação das medidas pelo proponente para garantir a acessibilidade e
democratização do acesso, nos termos aprovados pelo Ministério da Cultura. De igual
forma, proporcionar condições de acessibilidade nos termos do Art. 23 da Lei 10.
741/2003; Art. 46, Decreto 3.298/1999”.
E o conceito de democratização? No Inciso XII, da citada IN assim está posto.
Democratização do acesso: medidas que promovam acesso e fruição de bens, produtos e
serviços culturais, bem como ao exercício de atividades profissionais, visando à atenção
às camadas da população menos assistidas ou excluídas do exercício de seus direitos
culturais por sua condição socioeconômica, etnia, deficiência, gênero, faixa etária,
domicílio, ocupação, para cumprimento do disposto no Art. 215 da Constituição
Federal.
É importante assinalar que essa mudança e reorientação conceitual sobre acessibilidade
e democratização no âmbito da lei de incentivo federal foi sugerida em 2008 durante a
realização da Oficina Nacional para Indicação de Políticas Públicas Culturais para
Inclusão de Pessoas com Deficiência, organizada pela então Secretaria da Identidade e
da Diversidade Cultural/MINC.
Em 2 dezembro de 2004, foi assinado o Decreto Lei 5.296, regulamentando as Leis
Federais (Leis 10.048 e 10.098/2000) que tratam da acessibilidade de pessoas com
deficiência ou mobilidade reduzida no Brasil;
A regulamentação dessas leis foi um passo decisivo para a cidadania de crianças,
jovens, adultos e idosos com deficiência ou mobilidade reduzida, fazendo com que a
escola, a saúde, o trabalho, o lazer, o turismo e o acesso à cultura sejam elementos
presentes na vida destas pessoas.
O decreto de regulamentação representou uma demanda histórica dos movimentos
sociais ligados à área e era aguardado desde o ano 2.000 pelas entidades de e para
pessoas com deficiência. Legislações anteriores, como a Lei nº 10.048, de 08 de
novembro de 2000, determinava o atendimento prioritário às pessoas com deficiência e
a acessibilidade em sistemas de transporte. Já a Lei nº 10.098 tratava da acessibilidade
ao meio físico - edifícios, vias públicas, mobiliário e equipamentos urbanos etc. -, aos
sistemas de transporte, de comunicação e informação e de ajudas técnicas.
80
A elaboração desse Decreto ocorreu um processo de diálogo com a sociedade civil
sendo fruto de um trabalho intersetorial. Com sua edição, tornou-se possível às
associações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, públicas e privadas,
implementar, fiscalizar e/ou aplicar sanções pelo descumprimento das determinações
legais. Apesar de sua importância e abrangência, e perto de completar 10 anos, é
lamentável constatar sua baixa aplicabilidade e uma prorrogação excessiva dos prazos
estabelecidos, notadamente, no diz respeito a tecnologia assistiva.
Entre tantos artigos, parágrafos e incisos que estabeleceram normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida, aqui vamos destacar apenas o Artigo 23.
Art. 23.
Os teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, casas de
espetáculos, salas de conferências e similares reservarão, pelo menos, dois por cento da
lotação do estabelecimento para pessoas em cadeira de rodas, distribuídos pelo recinto
em locais diversos, de boa visibilidade, próximos aos corredores, devidamente
sinalizados, evitando-se áreas segregadas de público e a obstrução das saídas, em
conformidade com as normas técnicas de acessibilidade da ABNT.
§ 1º Nas edificações previstas no caput, é obrigatória, ainda, a destinação de dois por
cento dos assentos para acomodação de pessoas portadoras de deficiência visual e de
pessoas com mobilidade reduzida, incluindo obesos, em locais de boa recepção de
mensagens sonoras, devendo todos ser devidamente sinalizados e estar de acordo com
os padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT;
§ 2º No caso de não haver comprovada procura pelos assentos reservados, estes
poderão excepcionalmente ser ocupados por pessoas que não sejam portadoras de
deficiência ou que não tenham mobilidade reduzida;
§ 3º Os espaços e assentos a que se refere este artigo deverão situar-se em locais que
garantam a acomodação de, no mínimo, um acompanhante da pessoa portadora de
deficiência ou com mobilidade reduzida;
§ 4º Nos locais referidos no caput, haverá, obrigatoriamente, rotas de fuga e saídas de
emergência acessíveis, conforme padrões das normas técnicas de acessibilidade da
ABNT, a fim de permitir a saída segura de pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida, em caso de emergência;
81
§ 5º As áreas de acesso aos artistas, tais como coxias e camarins, também devem ser
acessíveis a pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida
§ 6º Para obtenção do financiamento de que trata o inciso III do art. 2o, as salas de
espetáculo deverão dispor de sistema de sonorização assistida para pessoas portadoras
de deficiência auditiva, de meios eletrônicos que permitam o acompanhamento por meio
de legendas em tempo real ou de disposições especiais para a presença física de
intérprete de LIBRAS e de guias-intérpretes, com a projeção em tela da imagem do
intérprete de LIBRAS sempre que a distância não permitir sua visualização direta.
§ 7º O sistema de sonorização assistida a que se refere o § 6o será sinalizado por meio
do pictograma aprovado pela Lei no 8.160, de 8 de janeiro de 1991.
§ 8º As edificações de uso público e de uso coletivo referidas no caput, já existentes,
têm, respectivamente, prazo de trinta e quarenta e oito meses, a contar da data de
publicação deste Decreto, para garantir a acessibilidade de que trata o caput e os §§ 1º a
5º.
Em outubro 2008, por meio da Secretaria da Diversidade Cultura do Ministério da
Cultura, SID, o VSA Brasil, foi convidado a participar da Oficina Nacional de Indicação
de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência, realizada nos
dia 16 a 18 de outubro de 2008, no Rio de Janeiro. Desse encontro, do qual participaram
mais de 100 artistas de todas as partes do Brasil ligados ao Very Special Arts, resultou a
seguinte carta-documento, que transcrevemos na íntegra:
Carta do Rio de Janeiro
Os participantes da Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para
a Inclusão de Pessoas com Deficiência debruçaram-se sobre a tarefa de formular
propostas de diretrizes e ações para que possam ser incorporadas à Política Nacional
de Cultura, que se encontra em fase de elaboração/revisão. E nesta tarefa, estiveram
orientados por alguns princípios e pressupostos:
Em primeiro lugar, tratou-se de insistir na necessidade de que as políticas, ações e
comportamentos devem pautar-se pela compreensão e pelo acolhimento das pessoas em
suas identidades múltiplas e diversificadas, partindo-se do princípio de focar os olhar
na pessoa, e não na deficiência.
82
Em segundo lugar, houve consenso geral da existência de um marco legal bastante
avançado, tanto no âmbito nacional quanto internacional, que afirma e visa promover e
garantir os direitos das pessoas com deficiência. Fazem parte dele a Declaração de
Salamanca (1994), a Carta de Pirenópolis (1999), a Convenção de Guatemala(2001), a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e o Plano Nacional
de Cultura. Entretanto, os participantes da oficina reiteraram que o grande desafio é o
de fazer cumprir essa legislação, seja por parte do Estado brasileiro, seja pelas
organizações privadas e pelas sociedade civil em geral.
Por fim, reafirmando o sentido do lema "nada sobre nós sem nós", os participantes
estiveram orientados pela perspectiva de promover o controle social, através do
fomento e da ampliação da participação das pessoas com deficiência, como sujeitos de
direitos, na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de cultura.
DELIBERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OFICINA
A partir das várias diretrizes e ações propostas nos quatro temas, os integrantes da
oficina deliberaram a indicação de prioridades para o Ministério da Cultura, de modo
a sinalizar as urgências na sua implementação.
No tema Fomento, o debate esteve orientado para propostas que estimulassem a
criação, a promoção e o desenvolvimento de propostas criativas, estéticas, artísticas e
culturais por parte das pessoas com deficiência. A prioridade apontada foi a de
garantir incentivos e recursos orçamentários para formação de profissionais com ou
sem deficiência na área da cultura e para implantação e/ou implementação de
manutenção de grupos, companhias, projetos artísticos e culturais com pessoas com
deficiência.
No tema da Acessibilidade, o enfoque foi o da promoção e o da garantia do direito das
pessoas com deficiência a fruírem, contemplarem e vivenciarem as diferentes
manifestações artísticas e culturais e experiências estéticas. As prioridades definidas
foram duas: i) Garantir que todas as políticas, programas, projetos, eventos e espaços
públicos no campo artístico e cultural sejam concebidos e executados de acordo com a
legislação nacional já existente que garante acessibilidade e conforme disposto na
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU); ii) Promover o
reconhecimento profissional das pessoas com deficiência e o seu acesso à formação
artística e profissional.
83
No tema Patrimônio, o desafio foi o de formular propostas de diretrizes e ações que
promovessem: i) a acessibilidade de todos os setores da população às instituições
materiais relacionadas às pessoas com deficiência que tenham uma representação
política e simbólica; ii) o reconhecimento e preservação do saber, da produção
imaterial, da subjetividade, da cultura, das identidades e da produção artística e
cultural das pessoas com deficiência. A prioridade definida foi a de localizar,
conservar, pesquisar, editar e difundir o patrimônio material, imaterial, intelectual e
cultural dos artistas e das pessoas com deficiência, de modo a promover o seu
reconhecimento como patrimônio brasileiro.
Em relação ao tema da Difusão, os debates tiveram por foco a socialização e a
divulgação da produção artística e cultural das pessoas com deficiência: i)
Recriação/criação de instância para difusão da produção artístico-cultural de pessoas
com deficiência nos 03 níveis de governo, sendo que no nível federal propõe-se que seja
na FUNARTE; ii) Garantir a participação das pessoas com deficiência na formulação e
implementação das políticas de difusão.
Ao longo de 2009 a 2013, o VSA Brasil e o Programa Arte Sem Barreiras participou e
divulgou os vários eventos, em especial, os editais de apoio e patrocínio a grupos de
teatro e dança patrocinados pela Funarte e Caixa Econômica Federal. Entre os grupos
premiados, grupos que contam com atores e bailarinos com deficiência, como os
Grupos de Dança Gira de Natal, RN e Pulsar Cia de Dança, RJ.
Por meio da professora Dolores Tomé, voluntária do VSA Brasil, em Brasília, teve
início em 2007 – e de forma pioneira na América do Sul-, experiências de áudio
descrição em cinema no âmbito do 38º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais
antigo evento cinematográfico do país.
No ano seguinte, a experiência foi expandida com treinamento e formação de equipe,
consagrando-se em 2009 com o lançamento do livro Cinema para Cegos durante a 40º
edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O livro resume uma década de luta
da professora Dolores Tomé pelo direito de fruição audiovisual e musical da pessoa
cega. São mais de 15 milhões de brasileiros cegos ou com deficiência visual no país, por
causas múltiplas. A presença da pessoa cega nas salas de cinema [filmes e salas dotadas
com aparelhos de áudio descrição] representa não só o resgate de direitos culturais da
cidadania, mas uma segura iniciativa para ampliação de público.
84
Em julho de 2009, então secretária de Inclusão Social do GDF, Dolores Tomé abriu
cursos para formação de jovens especialistas em áudio descrição para que atuarem - por
meio de gravações prévias e/ou ao vivo e a cores - em cinemas e teatros. Nesse mesmo
ano, sob patrocínio da Petrobrás, lançou com o professor Antônio Borges
(COPPE/UFRJ) o software Musibraille [intervox.ufrj.br/musibraille], uma iniciativa
que ampliava as possibilidades para deficientes visuais terem acesso ao estudo da
música e capacitação de profissionais para desenvolvimento de ações nessa área. O
Musibraille é o primeiro software da língua portuguesa para a transcrição de partituras
em Braille. O Musibraille visa melhorar e ampliar as possibilidades do músico cego no
mercado de trabalho, inclusive lecionando, e permitir a troca de conhecimento. As obras
poderão ainda ser divulgadas por meio da biblioteca musical Braille, na página da
Internet
onde
o
programa
ficará
disponível
para
cópia
gratuita
(http://intervox.nce.ufrj.br/musibraille/). O compositor ou arranjador cego também será
beneficiado na medida em que suas obras poderão ser geradas na forma bi-modal (em
Braille e em tinta) sendo consumidas também por músicos que não dominam a técnica
Braille. A inclusão cultural é uma das principais resultantes do projeto.
85
4. Considerações finais
Foram muitos – e ainda persistem - os entraves para a aplicação da legislação cultural
para pessoas com deficiência, no caso, o inteiro teor do Decreto Lei 5.296/ 2004. De
igual modo, as Resoluções da Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas
Culturais para a Inclusão de Pessoas com Deficiência, ocorrida em outubro de 2008 na
cidade do Rio de Janeiro, gravadas na Nota Técnica nº 001/209, da SID/MINC. É
seguro afirmar que as Resoluções ainda permanecem desconhecidas pelos próprios
gestores culturais do ministério que as editou. A exceção fica por conta nas mudanças
obtidas na Lei Rouanet.
Em 2009, após três anos de intensas tratativas entre governo e representantes da
sociedade civil, o Estado brasileiro por meio do Decreto-Lei 6.949 publicado Diário
Oficial da União, a 26 de agosto de 2009, tornou-se signatário da Convenção
Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada em 2006 pela
Organização das Nações Unidas, ONU.
É o documento legal mais recente que reafirmou direitos gravados no Decreto- Lei
5.296/2004, ainda hoje a mais abrangente legislação do país por ter incorporado as Leis
Federais nº 10.048/2000 e 10.098/2000 que tratavam sobre a acessibilidade de pessoas
como deficiência ou mobilidade reduzida. Sob o aspecto da legislação, é seguro afirmar
que o Brasil encontra-se entre os países que lograram maiores avanços nos últimos vinte
anos no campo dos direitos das pessoas com deficiência.
O inverso ocorre no campo das políticas públicas culturais para as pessoas com
deficiência, onde há oito anos inexistem propostas ou projetos. Desde 2004, com o
rompimento da parceria entre o Programa Arte Sem Barreiras e a Funarte, poucas ações
de políticas públicas são notadas. A Secretaria da Identidade Cultural (SID), criada em
2003, incorporou em 2007 o segmento da pessoa com deficiência entre suas ações
adotando com referência a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais.
Entre os 18 segmentos socioculturais formadores da identidade e diversidade cultural
brasileira lá representados estavam grupos e mestres das culturas populares, indígenas,
ciganos, movimento LGBT, idosos, pessoas com deficiência, comunidades tradicionais
86
de terreiro, imigrantes, produtores da cultura da infância, jovens do movimento hip hop,
pessoas com transtorno mental, mulheres e trabalhadores formais e informais da cidade
e do campo.
A SID foi a organizadora da já citada Oficina Nacional de Indicação de Políticas
Públicas Culturais. Foi a SID, agora em parceria com a Oscip Escola de Gente, que
também lançou em março de 2010, durante a II Conferência Nacional de Cultura o
Edital Arte e Cultura Inclusiva em Brasília. O edital, em resumo, assim foi alardeado no
site da OSCIP:
“Com patrocínio da Petrobras e apoio da Lei de Incentivo Fiscal do Ministério da
Cultura, o Edital Arte e Cultura Inclusivas oferecerá um total de R$ 375.000,00
(trezentos e setenta e cinco mil reais) a 30 iniciativas vencedoras, que receberão o
prêmio Albertina Brasil nas categorias: teatro, dança, música, literatura, artes visuais e
outras formas de expressão artística; também serão premiados produtos ou ações
culturais com acessibilidade. O edital é uma realização da SID/Minc e da Escola de
Gente em parceria com a Subsecretaria para a Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência da Secretaria Especial de Direitos Humanos (Corde) e a Fundação Nacional
de Arte – Funarte”.
Seis meses depois, a Escola de Gente, desistiu de gerenciar o edital e o devolveu a SID
que o repassou a outra ONG. Depois de muitas atribulações, o resultado do Edital foi
publicado em janeiro de 2012. Do total projetos inscritos, 213 foram habilitados pela
comissão, que selecionou ao final os 30 projetos vencedores, cada qual premiado com a
quantia R$ 12,5 mil. Em cinco anos, compreendidos entre 2007 e 2012, foi a única
ação direta do MINC para artistas ou pessoas com deficiência.
Em 31 de maio de 2012, por meio do Decreto 7.743/2013, a SID foi substituída pela
Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC) com as seguintes atribuições
postas no Art. 13. À Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural compete:
I - planejar, coordenar, monitorar e avaliar políticas, programas, projetos e ações para a
promoção da cidadania e da diversidade cultural brasileira;
II - promover e fomentar programas, projetos e ações que ampliem a capacidade de
reconhecimento, proteção, valorização e difusão do patrimônio, da memória, das
identidades, e das expressões, práticas e manifestações artísticas e culturais;
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III - reconhecer e valorizar a diversidade das expressões culturais e a criação artística,
individual ou coletiva, de grupos étnicos e suas derivações sociais;
IV - promover e fomentar o acesso aos meios de produção, formação, fruição e difusão
cultural, e o reconhecimento dos direitos culturais;
V - promover ações que estimulam a convivência e o diálogo entre diferentes, a prática
da interculturalidade, o respeito aos direitos individuais e coletivos, a proteção e o
reconhecimento da diversidade simbólica e étnica;
VI - fortalecer a integração e a complementaridade de ações no Ministério e suas
entidades vinculadas para fomento, articulação e pactuações em prol da cidadania e da
diversidade cultural;
VII - cooperar com órgãos e entidades públicas e privadas na efetivação de políticas,
programas e ações em prol dos direitos humanos, da ética, da cidadania, da diversidade
cultural, da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável;
VIII - disponibilizar informações sobre os programas, projetos e ações, e fomentar o
registro, o intercâmbio e o acesso ao conhecimento sobre expressões culturais,
cidadania e diversidade cultural;
IX - instituir programas de fomento às atividades de incentivo à diversidade e ao
intercâmbio cultural como meio de promoção da cidadania;
X - fomentar o intercâmbio, a participação e o controle social, e a gestão participativa
de programas, projetos e ações;
XI - valorizar a diversidade e promover o exercício da cidadania cultural no
fortalecimento das relações federativas e na implementação da Política e do Plano
Nacional de Cultura;
XII - zelar pela consecução das convenções, acordos e ações de cooperação nacional e
internacional, com destaque para a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, em conjunto com a Diretoria de Relações
Internacionais e com o Sistema Federal de Cultura;
XIII - planejar, coordenar, acompanhar e avaliar a implementação dos instrumentos
necessários à execução dos programas, projetos e ações da Secretaria;
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XIV - planejar, coordenar e implementar ações para receber, analisar, monitorar e
avaliar projetos culturais de incentivo, no âmbito de sua área de atuação;
XV - subsidiar a Secretaria de Políticas Culturais no processo de formulação das
políticas públicas da área cultural relacionadas à sua área de atuação; e
XVI - planejar ações relativas a celebração e a prestação de contas dos convênios,
acordos e instrumentos congêneres, que envolvam a transferência de recursos do
Orçamento Geral da União, no âmbito de sua área de atuação. (8)
A leitura de todo o Artigo 13 nos permite afirmar que as expressões Arte e Pessoa com
Deficiência desapareceram no campo oficial das competências da SCDC, embora a
titular da Secretaria venha participando e apoiando algumas ações, algumas
remanescentes do Programa Arte Sem Barreiras como a Mostra de Albertina Brasil de
Arte Sem Barreiras, em Sergipe, que em 2013 chegou a sétima edição, e a Mostra de
Arte Sem Barreiras de Bauru, em sua 19º edição.
No entanto, há que se destacar, que embora a SCDC tenha voluntaria ou
involuntariamente excluído expressões Arte e Pessoa com Deficiência do campo oficial
suas competências, é ela a parceira principal da UFRJ na realização em 2013 deste
curso de Especialização em Acessibilidade Cultural, com carga horária de 360 horas.
Essa Especialização, conforme termos do edital, objetiva formar especialistas em
acessibilidade cultural para atuar no campo das políticas culturais, orientando e
implementando
conteúdos, ferramentas,
e tecnologias de acessibilidade que
proporcionem fruição estética, artística e cultural para todas as condições humanas a
partir do enfoque da deficiência.
Uma primeira decorrência desse curso no campo das políticas públicas foi a publicação
da Portaria interministerial nº 3, de 19 de setembro de 2013, que dispõe sobre a
constituição de Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com o objetivo de elaborar
estudos e propostas de ações de promoção de acessibilidade em projetos culturais
financiados com recursos públicos.
O GTI terá as seguintes competências: I - identificar as ações de promoção da
acessibilidade já desenvolvidas pelo Ministério da Cultura (MinC) e suas entidades
vinculadas, recomendando eventuais aprimoramentos; II - propor novas medidas para a
promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, no que concerne aos projetos
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culturais financiados pelo MinC e suas entidades vinculadas; III - articular políticas de
acessibilidade e inclusão social com o Grupo Interministerial de Articulação e
Monitoramento do Plano Viver sem Limite, instituído pelo Decreto nº 7.612, de 2011,
visando à integração das ações de governo. Os membros do Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) serão indicados pelos titulares dos respectivos órgãos e entidades,
no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da publicação desta Portaria e designados
por ato da Ministra de Estado da Cultura. Em acordo com o Artigo 4º, o GTI deverá
apresentar relatório de suas atividades no prazo de 90 (noventa) dias, podendo ser
prorrogado pelo mesmo período, que deverá conter: I - estudo das ações de
acessibilidade já desenvolvidas no âmbito do Ministério da Cultura e de suas entidades
vinculadas, acompanhado de análise comparativa a partir de experiências internacionais
sobre o tema novas ações a serem implementadas; III - metas a serem fixadas,
relacionadas ao Plano Nacional de Cultura (PNC) e ao Plano Viver sem Limite; IV análise de impacto sobre os agentes econômicos, com respectiva ponderação dos ônus e
benefícios; e V - estimativas de impacto orçamentário, de cronogramas de execução e
de mecanismos de acompanhamento e avaliação das ações propostas.
Em 2014, ano de redação desta monografia, é pertinente admitir a intenção
governamental de se reconstruir políticas públicas culturais para o fazer e fruir estético
de artistas, grupos e pessoas com deficiência, seja pelo viés acadêmico, ou pela intenção
da SEDH e do MINC em articular políticas de acessibilidade e inclusão social,
revivendo uma parceria histórica,
No ensaio A estética de uma arte sem barreiras (2003), Paes Loureiro lembra que na
relação produtiva da arte e as pessoas com deficiência não há impedimentos seja como
processo criador ou de participação como personagem. A questão, portanto, é menos no
campo da estética e mais no da ética. Porque é uma decisão de caráter ético que permite
a um grupo social usufruir as possibilidades do estético. Uma sociedade vista
esteticamente, possibilita que a inclusão se estenda como simetria e garanta condições
para que os excluídos tenham oportunidades sociais de exercer o seu talento pessoal.
A igualdade de oportunidades, a diferença entendida como valor próprio, a inclusão
como o equilíbrio diante do desequilíbrio dissimétrico da exclusão. Uma arte sem
barreiras não pode existir como apenas sonho, refém das utopias pessoais. Precisa
concretizar-se no chão das relações sociais, no que a quebra da exclusão é um
90
gigantesco passo. A produção artística, ainda que pessoal é parte do processo social e,
por isso, a inclusão artística é intercorrente com a inclusão social (Paes Loureiro, 2001)
Esse relato sumário dos anos iniciais de funcionamento e sobre a trajetória de uma
entidade cultural da sociedade civil se prestou a nos colocar diante da principal proposta
desse estudo que era o de situar a atuação da Associação VSA Brasil no período de
1990 a 2004 no âmbito das políticas públicas de cultura desenvolvidas no Brasil.
Como observamos, o início das atividades da Associação ocorreu num período de
extinção e desmonte dos órgãos culturais do país, situação que gerou um paradoxo: o
atordoamento pela suspensão e a redução abrupta das ações culturais, especialmente,
aquelas que se faziam com financiamento estatal, não impediu que pesquisadores,
artistas e as entidades que os representavam se lançassem em discussões para analisar e
repensar as políticas públicas de cultura para o artista com deficiência.
Ou seja, apesar de uma ambiência cultural improdutiva, a Associação VSA Brasil
logrou avançar em seus propósitos por conta e valendo-se de proposituras que foram
alargadas e estendidas ao campo dos Direitos Humanos e das políticas públicas de
Educação. Foram entidades com esse perfil que alicerçaram e mantiveram o Programa
por 14 anos. As contribuições das entidades culturais, desde o Minc/Funarte, passando
por secretarias de Estado e municipais de Cultura foram residuais.
Nesta conclusão ressalvo e alerto para o fato, de que há 10 anos, portanto, desde 2005,
mantive uma distância, digamos, obsequiosa da história do Arte sem Barreiras. Nesse
tempo, mesmo quando indagado - seja por colabores e colegas de jornada na Associação
ou por pesquisadores acadêmicos -,a responder sobre alguns “comos” e “por quês” da
trajetória de 1990 a 2005 do Arte sem Barreiras e, especialmente, sobre as causas do
rompimento de sua parceria com a Funarte, respondia sucinto ou sumariamente, já que
para as muitas indagações não existiam respostas, e quando as havia, eram
incompreensíveis para a audição de quem as solicitava, notadamente, para os que foram
alçados à condição de diretores e gestores de instituições públicas de cultura,
interessados que estavam em “retomar” o Arte Sem Barreiras.
Essa expressão retomar, que ouvi várias vezes ao longo desses 10 anos, no entanto, não
mais soava como estímulo, uma proposta de reconstrução, ou mesmo de reparar um
91
“mal feito”, mas como uma ameaça de reocupação de um território já arrasado. Não se
retoma vazios, da mesma forma que não se tece com fios invisíveis. Quem o intenta,
como na fábula de Andersen, se sujeita ao ridículo.Na História, aquilo que foi encerrado
de forma trágica, só se repete como farsa, observou Marx na apresentação do 18
Brumário de Luiz Bonaparte.
O Prêmio Albertina Brasil Santos, por exemplo, única ação concreta realizada em oito
anos pelo Ministério da Cultura voltada para o artista com deficiência foi a expressão
máxima de uma farsa, um escárnio à memória da homenageada e aos grupos e artistas
que se habilitaram a láurea. No processo de intervenção e de ocupação do Programa
Arte Sem Barreiras pela então direção da Funarte, a partir de junho de 2004,
vivenciamos, com igual intensidade, a violência administrativa e institucional
promovida por Collor de Mello, em março de 1990. Foram acontecimentos indizíveis,
incompreensíveis e inacreditáveis para diretores, associados e voluntários da
Associação. Igual perplexidade e desconforto manifestaram também alguns militantes
do partido governante, próximos que estavam da entidade, colaboradores e
conhecedores de sua história.
Após dois anos de intervenção, o saldo foi um redundante fracasso, um irresponsável
desmonte e a destruição de uma proposta sem precedentes no Brasil. E o mais grave: ao
se intrometer no presente e tentar apagar um passado, comprometeram o futuro não
apenas de uma entidade, mas a trajetória profissional de centenas de artistas e grupos
que tinham no Arte Sem Barreiras uma importante referência. Foi uma intromissão
administrativa e política obscena, inominável, que não se prestou para nada.
Uma reflexão derradeira sobre esse ato político obsceno nos levou a uma busca sobre o
étimo dessa palavra. O que descobrimos nesse percurso, é surpreendente e desafiador,
um chamado ao enfrentamento de novas ações, agora e para sempre ações ob-cenas.
Beldades entram na passarela. Misse Brasil 2001 declara que se submeteu a oito
cirurgias plásticas antes de abiscoitar o cetro. O gênero da atual misse França é
colocado sob investigação. Serão mesmo mulheres ou androides?
Na TV, uma reportagem sobre a fome no Nordeste brasileiro é mostrada de maneira
espetacular, seduzindo e fascinando, para ao final, quem sabe, nos indignar. É esse o
ambiente da pós-modernidade, um mundo de simulacros, de pastiches, com as
tecnologias de comunicação mediando a relação entre nós e o mundo.
92
A pós-modernidade não se situa aqui nem lá, mas na fronteira, num território de
passagens, dissolvendo antigas barreiras e prolongando-se em redes virtuais que
desconhecem rios e montanhas, obstáculos naturais e históricos. É o fluxo do
imperfeito, do procedimento nômade, que escapa do instituído para criar novas
possibilidades de expressão. Na pós-modernidade lidamos mais com os signos do que
com as coisas, com imagens ao invés de objetos, pois já não há diferenças entre o real e
o imaginário, entre o ser e a aparência. Somos pós-modernos sem querer ou saber.
Mas afinal, quando é que começou essa época? O pós-modernismo surge com as
sociedades pós-industriais baseadas na informação. Difícil estabelecer datas e fatos que
a precisem. Verdades e mentiras (F for fake, 1974), de Orson Welles, sobre um
falsificador de quadros, capaz de iludir e de nos convencer de que afinal todos os Pablos
Picassos são falsos, ainda permanece como um dos paradigmas da época pós-moderna.
Na pós-modernidade, segundo Lyotard (1990), a ob-cena vem à cena.
A ob-cena era aquilo que não podia ser visto no espetáculo. Eram as trocas de roupa, as
roldanas, as cordas, os artifícios e mecanismos - não por acaso a contra-regra - que
criavam a ilusão da cena. É essa ob-cena que agora interessa mostrar, o que se fez
oculto, saber onde o mistério do oculto se escondeu como cantou Caetano Veloso
Durante, 15 anos o Programa Arte Sem Barreiras da Funarte, por meio de ações obcenas, realizou procedimentos com Arte para pessoas com deficiência, artistas ocultos,
hóspedes das fronteiras – os que saem do chão e sobem nos telhados e se expressam
contra as regras.
O programa foi uma terceira margem de um rio, trabalhando com o imperfeito, com o
corpo enquanto fluxo contínuo da expressão estética, com o desequilíbrio enquanto
movimento e dança, com o inacabado, pois outra não é a destinação dos homens.
Precisamente por ser imperfeito, o ser humano tem uma grande vantagem sobre os anjos
que são perfeitos: poder aperfeiçoar-se sempre, infinitamente.
93
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