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Biblioteca Basílio Catalá Castro
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LA ESPECIALIZACIÓN Y LA NECESIDAD
DEL PERIODISMO CIENTÍFICO
Lisandro Diego Giraldez Alvarez
09
CULTURA E IDENTIDADES NO RÁDIO
Daniela Souza
23
MODELOS COMPARATIVOS
DE JORNAL-LABORATÓRIO ON-LINE
André Fabrício da Cunha Holanda
39
PRODUÇÃO, CONSUMO E IDENTIDADE
NO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
Augusto de Sá Oliveira
59
DESAFIOS DA ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:
A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE
E SEUS REFLEXOS NOS DIREITOS HUMANOS
Rommel Robatto
77
GESTÃO DA INFORMAÇÃO EM SERViÇOS DE SAÚDE:
O FLUXO INFORMACIONAL NO SEGMENTO DOS LABORATÓRIOS
DE ANÁLISES CLÍNICAS EM SALVADOR
Ricardo C. Mello
103
EXPERIÊNCIA COLABORATIVA COM AMBIENTE
DE APOIO A INTERAÇÃO
Jaqueline Souza de Oliveira Valladares
125
O USO DO MOODLE COMO REFORÇO NO ENSINO
DE ENGENHARIA ELÉTRICA EM CURSOS PRESENCIAS
Roberto da Costa e Silva
139
O TABULEIRO DA BAIANA DA SENZALA À MESA DO BRANCO
Sebastião Heber Vieira Costa
147
10 DEMOCRACIA, CIDADANIA E SOCIEDADE
Jorge Lisboa de Paula
163
11 40 ANOS DO MAIO DE 68:
ECOS DE UMA DÉCADA DE RUPTURAS
Gustavo Roque de Almeida
181
12 TODO CAMBURÃO TEM UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO:
POSSÍVEIS ANALOGIAS ENTRE O CAPITÃO DO MATO E O POLICIAL
Eliezer Santos - Jordânia Freitas - Shagaly Araujo
193
SUMÁRIO
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No período de 2002 a 2008 o número de revistas científicas brasileiras indexadas
na base de dados internacional cresceu 205%. Contudo, tal variação percentual
não representa um grande feito. Haja vista que isto só propiciou o aumento da
produção científica nacional, em igual período, em 56%, variação considerada
pequena, pois só permitiu ao País passar da 15ª para a 13ª colocação no ranking
mundial de artigos publicados em revistas especializadas.
Com o total de 30.021 artigos científicos publicados em 2008, o Brasil se
mantém, por exemplo, atrás de países como a Índia (38.366 artigos) e a China
(112.318 artigos), conforme os dados constantes da pesquisa realizada pela
Thomson Reuters, que analisou as 10.500 principais revistas científicas do
mundo. A produção brasileira significou 2,6% do volume de 1.136.676 artigos
publicados, enquanto a dos Estados Unidos da América alcançou 29%, com
332.916 artigos publicados pelos seus pesquisadores.
A Thomson Reuters ao analisar a produção científica brasileira destaca que os
investimentos em pesquisa e desenvolvimento no País eram, em 2007, menores
que 1% do PIB, proporção inferior aos cerca de 2% aplicados nos Estados Unidos
e na média dos países desenvolvidos. Ainda que acima de outros países latinoamericanos. O Brasil tem 0,92 pesquisador para cada mil trabalhadores – índice
bem abaixo da média de seis a oito pesquisadores por mil trabalhadores dos
países do G7.
Um dos entraves para o crescimento e enriquecimento da pesquisa nacional
reside na falta de estímulo por parte das Instituições de Educação Superior (IES)
em atividades no País. E isto não se limita apenas à rede privada. Nas públicas,
embora haja incentivo, sobeja a falta de equipamentos e de infraestruturas
adequadas para atender aos projetos. Alie-se ainda a burocracia e o excesso
de formalidades exigidas da parte dos órgãos financiadores de pesquisas no
Brasil, além da exiguidade dos recursos disponibilizados para este fim pelos
governos federal e estaduais.
A comprovação disto, como diz o gerente da Thomson Scientific para a
América do Sul, José Claudio Santos, é que o aumento da produção e
das revistas científicas brasileiras na verdade não é um fato próprio do
Brasil. O que aumentou, de acordo com Santos, foi a presença latinoamericana na base de dados e o Brasil liderou esse processo de crescimento, independente do nível de investimentos do governo em ciência,
porque os investimentos continuam insuficientes para alterar esta realidade.
A despeito das adversidades do momento, a Faculdade 2 de Julho não tem evitado esforços no sentido de estimular a pesquisa e a produção de seus docentes
e discentes. Para tanto, a Faculdade mantém a Revista Independência (além
da Jurídica, especifica do curso de Direito), também aberta a profissionais de
outras IES, que visa levar para além dos muros da academia a produção científica, contribuindo para a melhoria da qualidade da educação e da formação
dos professores e estudantes, bem como dos índices da pesquisa nacional.
EDITORIAL
NA PRODUÇÃO, A DENÚNCIA
DO INVESTIMENTO INSUFICIENTE EM PESQUISA
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Ano 3, n. 3, Agosto de 2010
LA ESPECIALIZACIÓN Y LA NECESIDAD
DEL PERIODISMO CIENTÍFICO
LISANDRO DIEGO GIRALDEZ ALVAREZ
Pós-doutor en Neurociências, doutor en Fisiologia e Diretor da Agenciencia
Comunicación Científica.
Email: [email protected]
Resumen
Este artigo presenta algunos elementos fundamentales para debatir la necesidad de la especialización en distintas áreas del conocimiento, en este caso
el Periodismo Científico y la Divulgación de la Ciencia. Actualmente, en el
mundo se produce una cantidad impresionante de conocimiento que determina, casi obligatoriamente, que tengamos que concentrarnos en algunas líneas
concretas de investigación o de la contrario difícilmente podremos divulgar
seriamente información científica. Ante la falta de dicha especialización,
encontramos en los medios de comunicación con material de divulgación
científica de una calidad que deja mucho que desear, basta recordar, por
ejemplo, el tema de la gripe porcina, que ha ganado una importancia mediática desproporcional frente a los brotes permanentes de enfermedades
típicas de los países en vías de desarrollo. Aunque las estadísticas señalan
el interés de la sociedad por las noticias de ciencia y técnica, las empresas
de comunicación no dejan de imitar el modelo de desinterés de los países
desarrollados hacia la especialidad del Periodismo Científico, fomentando la
difusión de noticias científicas desde una perspectiva policial, siendo sin la
menor duda, el “Periodismo Científico” que no debe ser incentivado
Palabras-clave
Ciencia. Divulgación. Periodismo Científico. Especialización.
Resumo
Este artigo apresenta alguns elementos fundamentais para debater a necessidade da especialização em diferenes áreas do conhecimento, neste caso
particular em Jornalismo Científico e Divulgação da Ciência. Atualmente,
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é produzida no mundo uma quantidade expressiva de conhecimento que
determina, quase que obrigatoriamente, que tenhamos que nos concentrar
em algumas linhas concretas de investigação ou, pelo contrário, dificilmente
poderemos divulgar seriamente a informação científica. Diante da falta de
especializações, encontramos nos meios de comunicação material de divulgação científica de qualidade duvidosa, bastando lembrar, por exemplo, a gripe
suína, que ganhou destaque midiático desproporcional frente à proliferação
de epidemias típicas dos países em desenvolvimento. Ainda que as estatísticas
assinalem o interesse da sociedade pelas notícias de ciência e tecnologia, as
empresas de comunicação não deixam de imitar o modelo de desinteresse
dos países desenvolvidos no que diz respeito à especialização em Jornalismo
Científico, mais do que isso, incentivando a difusão de notíicias científicas a
partir de uma perspectiva policial, sendo, sem dúvida, o “Jornalismo Científico” que não deve ser fomentado.
Palavras-chave
Ciência. Divulgação. Jornalismo Científico. Especialização.
El fenómeno de la especialización está presente en prácticamente todas
las profesiones; pensemos en la medicina, la ingeniería, la biología,
la química, las ciencias sociales, etc. Esa situación justifica que cada
día sea más necesario estar especializado en áreas del conocimiento
específicas.
Si analizamos, por ejemplo, solo la biomedicina, el número de trabajos
que se publican todos los años supera la capacidad humana para dar un
seguimiento estricto de los mismos. Sin ir más lejos, la principal base
de datos bibliográficos PubMed nos muestra que en el año 2008 fueron
publicados 737.753 trabajos, considerando solamente los biomédicos,
un volumen que es absolutamente imposible de seguir detalladamente. Esa cantidad impresionante de conocimiento generado todos los
años implica, de alguna manera, que tengamos que concentrarnos en
algunas líneas concretas de investigación o de la contrario difícilmente
podremos divulgar seriamente información científica.
Si de especializaciones hablamos, podemos decir que el Periodismo
Científico es una especialización del periodismo, y sin duda también
es una especialización de la ciencia. Esta gran división no termina ahí.
Dentro del Periodismo Científico podemos establecer por lo menos las
siguientes subdivisiones: el Periodismo Ambiental, el Periodismo Médico
y el Periodismo Tecnológico. Cada una es arbitraria y realmente podríamos considerarlas dentro del Periodismo Científico, estableciendo esta
división justamente en el sentido de marcar una tendencia en la especialización de los temas que serán tratados en nuestra profesión.
La especialización, o canibalización del conocimiento, fue acentuada
después de la Segunda Guerra Mundial, que es cuando comienzan a
surgir las carreras con nombre y apellido: las especializaciones como
la Química Biológica, la Física Nuclear, la Biofísica, el Periodismo Económico, el Periodismo Ambiental o la Medicina Nuclear.
Históricamente, el profesional era periodista, químico, físico, médico,
jardinero o militar. Normalmente las personas que se dedicaban a estas
profesiones poseían una amplitud de conocimiento bastante, claro que
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en esos casos el conocimiento disponible en el mundo era bastante más
limitado que el caudal que poseemos en nuestros días. En el siglo XIX
el médico era clínico, el médico de la familia. A medida que surgían
más datos y se generaban más conocimientos, el médico comenzó a
especializarse en el corazón, en los pulmones, en las infecciones, en
la anestesia, etc.
En el caso de la ciencia, la situación no era muy diferente ya que el
científico era obligado a superar individualmente muchas de las barreras
que se le presentaban en su trabajo sin poder esperar las respuestas
Para esta especialización, contribuyeron considerablemente los avances de las comunicaciones, los viajes y el contacto personal entre los
grupos de trabajo que lentamente ampliaron los horizontes temáticos
y la forma de desarrollar la profesión. El periodismo no podía permanecer ajeno.
Con el desarrollo de la tecnología y de la velocidad en la transmisión de
los conocimientos, el investigador consiguió concentrarse principalmente en su área de interés y resolver las preguntas que se le presentaban
con la ayuda de colegas que ya estaban trabajando en el tema de forma
más avanzada. En este punto, podemos ver que la evolución de las
comunicaciones estuvo íntimamente ligada a la evolución tecnológica
y científica y de ahí a la especialización, sólo resto un paso.
Rensberger se remonta hasta el primer “escritor científico”
moderno, H. G. Wells, que ya a fines de siglo XIX reclamaba la
especialidad como un medio indispensable para transmitir la
ciencia al público, tendiendo puentes entre la cultura científica
y literaria: “Los principios fundamentales que subyacen a historias como ‘Los asesinatos de la calle Morgue’, de Poe o la serie
‘Sherlock Holmes’ de Conan Doyle son precisamente aquellos que
deberían guiar al escritor científico” (NATURE, 2009, p. 1055).
El periodista era el profesional que conocía de todo y “no sabia de
nada”; en realidad esa era una de las habilidades más reconocidas de
los buenos periodistas, incluso una habilidad que es considerada hasta
nuestros días. El profesional era el que podía escribir una noticia sobre
política, economía, meteorología, medicina, tecnología ferroviaria,
o notas sociales como el casamiento o el bautismo de un miembro de
la sociedad. Esta situación no sólo era posible por el profesionalismo
de los periodistas, sino también gracias al volumen relativamente
pequeño de noticias generadas y a los tiempos que demoraban para
circular desde el lugar donde se producían los acontecimientos hasta
llegar al medio de difusión.
Ese cuadro se mantuvo prácticamente hasta la invención del telégrafo.
En este sentido, piensen lo que implica el uso de Internet en la velocidad
para comunicarnos prácticamente en forma instantánea, así podemos
interactuar con nuestro colega que está del otro lado del mundo, y
fuera del planeta si es necesario.
12
de un colega que por más próximo que viviera, el tiempo para obtener
una respuesta dependía directamente de la velocidad de los medios
de comunicación.
Justamente, la velocidad en las comunicaciones permitió una mayor
concentración en un trabajo específico, llegando hoy por hoy a la “ultra
especialización globalizada”. Especialización porque el investigador
estudia un sujeto particular de análisis, y globalizada porque al mismo
tiempo sabe en que trabaja el colega que está a 10 mil kilómetros de
distancia, y no solo sabe los detalles concretos, sino que en muchos
casos se establecen colaboraciones altamente productivas. Se puede
estar trabajando “on line”, compartiendo datos, analizándolos o
enviando resultados en forma instantánea. En ese sentido es bueno
recordar que los sistemas de Mensajeros (MSN, Twitter Skype, etc.) no
sólo sirven para pasar el tiempo, sino como herramientas de trabajo
esenciales.
El hecho que nos concentremos en un punto muy determinado de estudio
no implica que nos desconectemos completamente del contexto global
de la investigación. Por el contrario. Nos concentramos en un tema
determinado, sí, pero con visión global o como algún colega expresa:
una visión holistica de la ciencia.
Las ciencias de orientación serán aquellas que, debido a las evoluciones históricas, abren nuevos horizontes del conocimiento. Por
ejemplo, alrededor del año de 1500, tiempo del cual partimos,
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la geografía en conjunto con la geografía cultural era una clase
de ciencia de orientación. Hoy, son esencialmente las zonas limiares de la biología, de la química, de la medicina, de la física,
de la ingeniería y de la ética. Así, mismo con los pensamientos
estimulantes de Marquard, la mentalidad de separación no nos
ayuda. No se puede imaginar ningún sistema de tareas claramente
separadas (WUTTKE, s/d.).
El periodismo científico
Consideremos esa visión holistica y pasemos para la definición de Periodismo Científico. Normalmente, establecer definiciones depende de
varios factores: de nuestra formación, de nuestras ideas y prejuicios
respecto a un determinado tema. En el caso del Periodismo Científico
la situación no es muy diferente y va a depender de cada autor y de su
propia opinión no sólo en lo referente al periodismo sino también en
lo referente a la ciencia; todo depende de los orígenes y formación de
la persona. De todas maneras y para concentrarnos, vamos a presentar una de las mejores definiciones que es la establecida por Manuel
Calvo Hernando, un prestigioso impulsor del periodismo científico en
Iberoamérica y que nos dice: “El periodismo científico es la difusión,
de forma comprensiva, de noticias científicas y tecnológicas en medios
de comunicación masiva” (2004, p. 75).
Podemos coincidir con esa visión, pero veamos un ejemplo. Imaginemos
un accidente aéreo donde un avión choca en el aire con otro sobre el
Amazonas. ¿Sería una noticia General?, ¿Policial? de ¿Ciencia? Otra vez
depende del momento, del enfoque. Perfectamente podríamos desarrollar la materia como una noticia de tecnología y abordar el accidente
desde una explicación de cómo funcionan todos los sistemas de vuelo,
como funciona un radar, una torre de control, etc. Obviamente que en
el momento en que se produce el accidente, difícilmente las personas
quieran saber porque los aviones vuelan; la mayoría va a desear saber
datos sobre los familiares, el número de víctimas, la forma de ayudar,
etc. En etapas sucesivas ya se podrá pensar en usar el tema del accidente para preparar un trabajo de tecnología, por ejemplo.
14
Analizando estos temas también podemos preguntarnos si un periodista
científico tiene que ser formado en periodismo o en ciencias. Entonces
vamos a pensar la siguiente cuestión:
Un periodista científico es ¿Científico o Periodista?
La respuesta a esta pregunta, es que ambas formaciones profesionales
son posibles y cada una de ellas nos dará un punto de vista diferente
para la construcción de esta disciplina.
Realmente deben existir muy pocas dudas respecto a la función y el
trabajo que debe desarrollar un periodista; la gran mayoría de las
personas piensan que su función es la de difundir informaciones de
los acontecimientos que suceden en el mundo a través de los medios
masivos de comunicación en forma procesada o pre-digerida.
Profesionalmente, el periodista recibe una formación orientada a
analizar, procesar y transmitir las noticias de un modo general. Dentro
de ésta transmisión de información existe, sin dudas, un importante
componente interpretativo y educativo dirigido al receptor de la información.
Un periodista busca lo nuevo, lo inmediato, lo que “sucedió mañana”,
el ganar al colega de la competencia; el científico también se encuentra
en una carrera para ganar al laboratorio vecino con sus publicaciones,
pero normalmente tiene otros ritmos de producción - más lentos,
más repetitivos - y un trabajo que está sometido a varios sistemas de
control previos antes de que el trabajo vea la luz o en algunos casos
la oscuridad, como cuando un trabajo es rechazado por el editor de la
revista científica en la que se desea publicar.
Románticamente hablando, el científico tiene una formación orientada
a la búsqueda de respuestas frente a determinados problemas que se
le presentan a la sociedad, aunque en realidad y en la mayoría de los
casos, simplemente su función es responder a preguntas de distinto
grado de complejidad, algunas de las cuales pueden ser de gran impacto
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social y otras contribuyen para el mantenimiento de la pirámide del
sistema científico.
La relación entre ciencia y periodismo no es muy simple; mejor dicho,
la relación entre periodistas y científicos no siempre se ha caracterizado por transcurrir pacíficamente “en las aguas del Mediterráneo”, en
muchos casos transcurren dentro de un “Tsunami”. Las discrepancias
son normales. El científico considera que las informaciones transmitidas
por los periodistas están fuera de contexto o son mal interpretadas; el
periodista, por su parte, considera que el científico no sabe transmitir
en forma simple toda la información que puede ser útil para el público,
algo que es bastante concreto.
Para la mayor parte de la gente, la realidad de la ciencia es
aquella presentada por los medios. El público, en general,
conoce la ciencia menos por medio de la experiencia directa o
de la educación previa que a través del filtro del lenguaje […]
Muchos científicos desconfían de los periodistas y critican sus
reportajes por infidelidad, simplificación exagerada o eventual
sensacionalismo. Los propios periodistas critican, muchas veces,
la manera como la ciencia es representada por los medios. Sin
embargo, tienden a responsabilizar sus fuentes – científicos, universidades e instituciones técnicas por disponibilizar información
muy intricada o inadecuada. El propio público frecuentemente
reclama porque la información científica disponible en los medios
es incompleta o incomprensible (EPSTEIN, 2002, p. 82).
Todos tienen su parte de razón, pero no todo es “blanco” o “negro”;
hay que considerar una gama de “gris” y por eso debería quedar claro
que para hacer Periodismo Científico es tan importante ser periodista
como científico. Cada uno podrá aportar un punto de vista interesante
a un trabajo que si es realizado en conjunto, mejor será el producto
final.
Doble función del Periodismo Científico: formar e informar.
El Periodismo Científico es una especialización del Periodismo, del mismo modo que existe el Periodismo Político, el Periodismo Económico, el
Periodismo Cultural, el Periodismo Deportivo, el Periodismo de Moda.
Vamos a coincidir que la profesión “madre” es la del periodista, sin
16
duda, sólo que existen temas que profesionalmente pueden resultar
mas atractivos o mas interesantes para el desarrolla profesional, en
este caso específico el tema de la ciencia y la tecnología.
Entonces, ¿Que es ser un periodista científico? En líneas generales,
consiste en informar noticias de ciencia y tecnología que normalmente
son generadas en Centros de Investigación o Universidades. Transmitir
ese conocimiento transformador a la sociedad es parte del papel que
el periodista debe tener. Hay que considerar que no siempre tiene
que ser así, y los límites de la profesión pueden ser establecidos con
cierta flexibilidad.
Lo que vamos a encontrar entre los distintos autores, es la idea o el
concepto de que el periodista científico no sólo informa al público sino
que también cumple la función de formador y de mediador. Así, también el Periodismo Económico forma, el Cultural, y hasta el Deportivo
que puede ayudar, por ejemplo, a crear una mayor conciencia sobre
el cuidado del cuerpo y la salud. Por eso, este tipo de discusión o enfoque no tiene mucho sentido ya que realmente todo periodista puede
cumplir la función de informar y al mismo tiempo de formar y educar.
Que se cumpla una función u otra se debe principalmente a la línea
editorial que se quiera ofrecer en el medio de comunicación aunque
cualquier periódico, TV o radio está formando permanentemente, por
acción o por omisión.
El escritor de ciencia se torna parte de un sistema de educación y comunicación tan complejo como la ciencia moderna y
la sociedad más amplia… Como intermediarios, los redactores
de ciencia deben esclarecer para si mismo, sus editores y su
público, algunas ideas y conceptos que no son tan claros mismo
para muchos científicos (BURKETT, 1990, p. 6).
A partir de los criterios de actualidad, universalidad, periodicidad y
difusión - fundamentales al periodismo – el periodista (en este caso el
científico) se debe constituir en mediador del dialogo entre el lector y
el científico, presentando una visión variada, basada en el criterio de
la información con veracidad.
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El teórico de la comunicación Donald Shaw afirma que los medios
ofrecen mucho más que la noticia. De acuerdo con el, los medios de
comunicación ofrecen también las categorías en las que los destinatarios
pueden fácilmente ubicarlas de forma significativa.
[...] las personas tienden a incluir o excluir de los propios conocimientos lo que los medios incluyen e excluyen del propio
contenido. Además de ello, el público tiende a conferir a lo que
los medios incluyen una importancia que reflecte de cerca el
énfasis atribuido por los medios a los sucesos, a los problemas,
a las personas […] (SHAW apud WOLF, 2003, p.143).
Para Wolf, las audiencias (receptores) dependen cada vez más de los
medios para formar sus imágenes de la realidad, en especial de aquella
realidad que no pueden ver directamente. Como las representaciones
mediáticas no son automáticamente transportadas para el conocimiento de los destinatarios, siempre se debe considerar como variable la
competencia en el tratamiento de las informaciones. Wolf afirma aún
que los medios destacan un acontecimiento, una acción, un grupo una
personalidad etc., de manera que pasa para primer plano.
Felipe Pena coincide y avanza: “A mídia é a principal ligação entre os
acontecimentos do mundo e as imagens desses acontecimentos em
nossa mente (2006, p. 142)”. Los medios, para este autor, funcionan
como agentes modeladores del conocimiento.
Sin embargo, la sociedad contemporánea, aparentemente bien informada - justamente por ese permanente “bombardeo de informaciones”-,
parece todavía padecer de la desinformación en muchos aspectos.
Desde el punto de vista científico y tecnológico, o de los conocimientos
producidos en los ámbitos de la ciencia y la tecnología, todo indica que
la información todavía es un privilegio de una minoría.
Aunque la ciencia sea un hecho social, eso es del conocimiento de pocos, ya que no se divulgan los conocimientos producidos en el ámbito
de la ciencia, lo que hace con que la mayoría de los individuos se encuentren completamente ajenos a la connotación pública que debería
dar al campo científico.
18
Pero, sobre este aspecto Bueno señala que es imperativo reconocer
también que
no es tarea fácil traer temas complejos de ciencia y tecnología
para el cotidiano de las personas, especialmente cuando ellas
no están familiarizadas con los conceptos básicos del área,
pero eso es posible con esfuerzo, talento y capacidad. Es sobre
todo factible cuando periodistas/divulgadores y científicos/
investigadores trabajan en comunidad y están empeñados en
cumplir adecuadamente este papel […] Sin una divulgación y un
Periodismo Científico cualificados, la ciencia y la tecnología [...]
que, muchas veces, compiten, con las realizadas en los países
llamados hegemónicos, seguirán distantes de los ciudadanos, de
las autoridades, de los parlamentarios de la sociedad de manera
general (BUENO, s/d).
Además, es necesario comprender que, “en cuanto instancia orientadora en particular para problemas complejos, la ciencia no es confrontada
exclusivamente con las llamadas cuestiones de hecho, pero también
con cuestiones de metas y de normas sociales y con los problemas de
su validación” (HESSE, JANICH et al, 1996, p. 35).
Obviamente que la selección de una noticia u otra depende de miles
de factores, incluyendo la formación del editor responsable y, en muchos casos, las noticias o programas que los medios diseminan también
pueden ser determinadas por el público receptor. Podemos entonces
preguntarnos:
¿Qué tipo de Periodismo Científico hacer?
Seria redundante destacar la importancia que tiene la ciencia y la
tecnología para la sociedad.
Los científicos han cambiado nuestra forma de vida más drásticamente que las estrellas de televisión, los hombres de Estado
y los generales, pero el público conoce poco sobre ellos mas
allá de la caricatura del ermitaño sin pasiones luchando con
intrincados problemas que no puede explicar sino en una jerga
incomprensible […] (PERUTZ, 1990, p. 17).
Sin embargo, debemos recordar que la actividad científica y la divulgación de sus descubrimientos son parte de un importante mercado
económico del cual el periodismo científico es una parte fundamental,
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a pesar de que algunos medios, nacionales e internacionales no consideren esa situación.
En contraste con América Latina, África y Medio Oriente - en donde cada
vez hay mas interés por las noticias de ciencia y tecnología -, en los
Estados Unidos y en la Unión Europea, el número de periodistas científicos que trabajan para los periódicos está disminuyendo drásticamente
al punto, que algunos medios de comunicación están suprimiendo sus
departamentos de ciencia. La cadena nacional de televisión estadounidense CNN recientemente cerró su unidad de medio ambiente, ciencia y
tecnología, al mismo tiempo que la sección científica del Boston Globe’s
está siendo gradualmente eliminada (AISLING, 2009).
No deja de ser contradictorio, que a pesar de esta tendencia mundial,
la mayoría de las noticias de divulgación científica difundidas en el
Brasil y en América Latina tengan su origen en agencias de noticias,
localizadas precisamente en los países calificados como del Primer
Mundo. Siendo así, no es sorprendente encontrarnos con material de
divulgación científica de una calidad que deja mucho que desear. Entre
ese material podemos recordar, por ejemplo, el tema de la gripe porcina, que ha ganado una importancia mediática desproporcional frente
a los brotes permanentes de enfermedades típicas de los países en vías
de desarrollo como el Dengue, la enfermedad de Chagas o la Malaria
que afecta, por ejemplo, a cerca de un millón de brasileros por año.
Aunque las estadísticas señalan el interés de la sociedad por las noticias
de ciencia y técnica, las empresas de comunicación no dejan de imitar
el modelo de desinterés hacia la especialidad del Periodismo Científico adoptado actualmente por los así llamados países desarrollados,
como los Estados Unidos y la Unión Europea. Antes que un Periodismo
Científico “que divulga de forma comprensiva, noticias científicas y
tecnológicas en medios de comunicación masiva”, lo que predomina
es la difusión de noticias científicas desde una perspectiva policial, y
ese estilo sin la menor duda, es el Periodismo Científico que no puede
ser fomentado.
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Referências
BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo Científico e Democratização do
conhecimento. Portal do Jornalismo Científico. Disponíble en:
http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/artigos/
jornalismo_cientifico/artigo27.php
BURKETT, Warren. Jornalismo Científico: como escrever sobre ciencia,
medicina e alta tecnologia para os meios de comunicação. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1990.
CALVO HERNANDO, Manuel. Diccionario de términos usuales en el
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EPSTEIN, Isaac. Divulgação Científica – 96 verbetes. São Paulo: Pontes,
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HESSE, Reinhard, JANICH, Peter, et al. Por uma Filosofia Crítica da
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IRWIN, Aisling. Auge del periodismo científico en países en desarrollo.
Red de Ciencia y Desarrollo Noticias, opiniones e información sobre
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Disponible en: http://www.scidev.net/es/news/-auge-del-periodismocient-fico-en-pa-ses-en-desar.html
NATURE. Reino Unido: Macmillan Publishers Limited. 25 June 2009.
PENA, Felipe. Teorias do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2006.
PERUTZ, Max F. ¿Es necesaria la ciencia?. Madrid: Espasa, 1990.
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CULTURA E IDENTIDADES NO RÁDIO
DANIELA SOUZA
Mestranda em Cultura e Sociedade (UFBA), especialista em Docência do Ensino Superior e em Jornalismo Cultural (F2J), graduada em Jornalismo e em
Direito (FCS), professora do curso de Jornalismo da F2J.
Email: [email protected]
Resumo
Este artigo apresenta o rádio como uma criação da cultura humana. Indica
que ele é explorado e vivenciado a partir dela e passa integrar os rituais de
identidade e identificações. O leitor ainda encontra um breve resumo da
história do rádio e a chegada dele ao Brasil. As considerações foram realizadas tendo em vista o rádio e as emissoras brasileiras, não se fixando em
um período de tempo específico, mas localizando algumas experiências que
cruzaram rádio e identidade.
Palavras chave
Rádio. Cultura. Identidade.
Resumen
El presente artículo presenta la radio como una creación de la cultura humana. Indica que es explorada y vivenciada a partir de esta creación y pasa a
integrar rituales de identidades e identificaciones. El lector encuentra también un breve resumen de la historia de la radio y de su llegada a Brasil. Las
consideraciones fueran realizadas teniendo en cuenta la radio y las emisoras
brasileñas, sin fijarse en un período de tiempo específico, pero ubicando
algunas experiencias que cruzaron radio e identidad.
Palabras-clave
Radio. Cultura. Identidad.
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RÁDIO E CULTURA
A palavra rádio designa o equipamento de irradiação de sons e paisagens sonoras, mas também, sem excluir outras compreensões, é uma
metonímia para duas concepções do conceito de radiodifusão, ambas
ligadas a uma recepção contínua, simultânea e heterogênea, como
explicita o Dicionário de Comunicação:
[...] Serviço prestado mediante concessão do Estado, que o
considera de interesse nacional, a emissora de rádio deve operar
dentro de regras estabelecidas em leis, regulamentos e normas.
A legislação brasileira admite exploração comercial (emissora
comercial) ou sua utilização para fins exclusivamente educativos
(emissora edutativa) [...] Atividade artística, informativa e educativa desenvolvida nas emissoras de radiodifusão [...]. (RABAÇA
E BARBOSA, 2001, pp.615-616)
Portanto, rádio significa o suporte de transmissão do conteúdo, o rádio
(1), o sistema de transmissão, corporificado nas emissoras, ou seja, as
rádios (2), e os conteúdos veiculados e irradiados, os programas (3).
Este tripé, aqui separado pela necessidade, chega para nós, pelo menos
para a maioria, de forma simultânea e imbricada. Por isso, às vezes
desconsideramos que seus processos e desenvolvimentos ocorreram e
ocorrem, concomitantemente ou não, em concurso ou não, simultaneamente ou não. E que, apesar de entrelaçados, no mais das vezes em
uma relação de causa e efeito – não há como existir uma legislação de
rádio antes da invenção do aparelho – os procedimentos e progressões
do artefato, do sistema e dos produtos artístico-informativos sobrevêm
de momentos e sujeitos históricos diferentes e representam conteúdos
culturais distintos, complementares, difusos e diversos. O rádio que
conhecemos e ouvimos hoje não é o mesmo do início do século XX,
mas em princípio é o mesmo. Para propagar as informações, o rádio (a
televisão, os celulares e as conexões sem fio) usa(m) as ondas eletromagnéticas que se alastram em decorrência da relação entre as propriedades elétricas e magnéticas da matéria, captadas em parâmetros
da amplitude ou frequência (GREF, s/d).
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Seria difícil indicar o ponto inicial dos eventos e inventos da história e qual o primordial ensaio, a experiência científica original que
deu sequência aos episódios que levaram à invenção do rádio. Essas
ocorrências podem ser explicadas pelo processo acumulativo, criativo
e revolucionário da elaboração cultural (LARAIA, 2002) ou pelo Zeitgeist1, apontado aqui como “[...] o clima intelectual, moral e cultural,
predominante em uma determinada época” (CALDAS, 2004, p. 70).
Sabemos que eventos e inventos iguais ou similares podem ocorrer em
lugares diferentes, promovidos por pessoas diferentes e com diferentes
objetivos e interesses. Entretanto, a história ocidental prescinde de
origem, de um momento inicial, de uma pessoa ou grupo como aqueles
que iniciaram estes fatos. Conhecer e determinar o início faz parte da
nossa preocupação cultural.
Sendo assim, os estudos sobre o eletromagnetismo começaram, em
tese, com o escocês James Clerk Maxwell (1864-1879), foram testados e
provados pelo alemão Heinrich Rudolf Hertz (1857-1894) e concretizados
no aparelho radiofônico do italiano Guglielmo Marconi (1874-1937),
com contribuições de outros cientistas como Graham Bell (1847-1922) e
Samuel Morse (1791-1872), e outros. Fruto do inefável Zeitgeist ou dos
modos de produção da sociedade e sua respectiva evolução técnica, o
rádio foi explorado comercialmente primeiro pela indústria da guerra
e depois pela do entretenimento.
Podemos dizer que o rádio se desenvolveu em dois sentidos complementares, um escorado nos avanços tecnológicos, outro fincado nos
conteúdos, formatos e formas de irradiação. O rádio-equipamento é
um artefato fruto de uma cultura, o rádio-veículo de comunicação de
massa é o meio e a expressão de divulgação dela, como indicamos no
tripé do início do texto. Neste último sentido, o rádio é um mass media
1 Zeit em alemão é tempo, época ou período; Geist é espírito, mente (fonte: Dicionário
Michaelis online). O que produz muitas vezes o conceito do espírito de uma época, ou
“espírito do tempo”. Para Dario o uso mais corriqueiro do termo está nos mass media
e define o que está “no ar”, ou seja, é sinônimo de contemporâneo. Entretanto, o
próprio autor salienta que há uma utilização fora do âmbito do senso comum que inclui
as orientações de Goethe, Schopenhauer e Hegel. Para o último é o espírito imanente
às coisas.
26
que influencia audiências e grupos e é influenciado por eles, mudando
em decorrência da cultura, mas, também, em consequência do desenvolvimento tecnológico – é impossível desconsiderar que a radioweb e
o rádio digital2 mudaram, e vão mudar ainda mais, a nossa maneira de
lidar, usar e caracterizar o veículo indicado.
Os estudos sobre o artefato e o veículo de comunicação de massa
começaram no final do século XIX, consolidaram-se no século XX e se
espalharam pelo mundo. A partir de 1920, a radiodifusão se disseminou
pelos continentes. O último empecilho foi o custo do aparelho receptor
que, paulatinamente, foi vencido.
Destarte, as ondas sonoras conquistaram os lares de empresários, profissionais liberais, campesinos e trabalhadores urbanos. A partir daí a
recepção estava garantida a um vasto número de pessoas. O controle
da produção dos conteúdos, não obstante, ficou reduzido ao grupo de
poder local (ORTRIWANO, 1985). A implicação foi a falta de espaço para
as “falas culturais” variadas e a criação de um novo espaço privilegiado
de locução, um local de poder. O equipamento técnico foi globalizado
com muita presteza, mas os valores empregados e divulgados foram
os locais, o que leva a consideração de que “[...] os elementos não
simbólicos (técnicos e materiais) de uma cultura são mais facilmente
transferíveis que os elementos simbólicos (religiosos, ideológicos, etc.)”
(CUCHE, 2002, p. 119).
A tecnologia rádio foi exportada pelo mundo eurocêntrico do início
do século XX, processada pela cultura estadunidense e incorporada
pelo ocidente e oriente. Mas a inscrição cultural do veículo em cada
país levou a caminhos diferentes, incluindo-se aí as escolhas para os
sistemas de posse e uso. Ainda que o rádio fosse algo absolutamente
inédito, desconhecido e inovador, os sistemas culturais de cada gruponação, não. Dito isto, fica claro que a fala foi garantida para quem já
2 Raweb é um sistema de transmissão via Internet que tem como configuração as impressões, características e formatos do rádio, aqui chamado, de rádio convencional. O
rádio digital é aquele em que as informações trafegam pelas ondas eletromagnéticas em
códigos binários, usado em substituição ao atual processo analógico.
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tinha fala. A exploração do rádio foi questionada por Bertold Brecht
(1898-1956) em seu texto Teoria de Rádio (1927-1932).
criadas para dar às comunidades e também aos grupos minoritários um
canal de expressão, são deixadas a mercê da sorte e não contam com
Todas nuestras instituciones ven su misión principal en mantener
intrascendente. El papel de las ideologías, de acuerdo, con un
concepto de cultura según el cual la configuración de la cultura
ya está determinada y la cultura no tiene necesidad de ningún
esfuerzo creador continuado. No pertenece aquí analizar en
interés de quién repercuten estas instituciones intrascendentes,
pero cuando se halla una invención técnica de una utilidad tan
natural para distintas funciones sociales con un esfuerzo tan
angustioso por quedarse intranscendentemente en pasatiempos
cuanto más inofensivos mejor, entonces surge incontenible la
pregunta de si no existe ninguna posibilidad de evitar el poder e
la desconexión mediante la organización de los desconectados.
(BRECHT, 1932, p. 10)
uma política de subsídios. Em função do abandono e da falta de apoio
institucional, estes veículos são encampados por microempresários da
comunicação, por assim dizer, e por políticos de menor “calibre”, como
os vereadores e deputados estaduais. E são subvertidos de canais de
expressão popular para canais de expressão populista.
A forma como o rádio foi explorado pelos países, bem como as consequentes legislações sobre o tema, já denotavam as culturas impressas
naqueles lugares. A exploração pública ou privada do veículo rendeu
discussão no início da década de 20, no século XX, e mobilizou os países
para a adesão a um ou outro sistema. Mas a discussão pela democratização ficou adiada.
Evidentemente os veículos de massa não são capazes de abrir, nem
quando utilizam ferramentas chamada interativas, um canal comunicativo que permita um fluxo informativo do tipo estímulo-resposta.
Todavia, é preciso tentar criar espaços de aproximação e feedback
(retroalimentação). Entre as muitas definições dadas à comunicação,
Rabaça e Barbosa (2001) conceituam como palavra derivada do latim
communicare, cujo significado seria “tornar comum”, “partilhar”,
“repartir”, “associar”, “trocar opiniões”, “conferenciar”. Implica
participação, interação, troca de mensagens, emissão e recebimento
de informações novas (p. 155-156).
O primeiro era centrado na estreita ligação entre o rádio, a educação nacional e o controle estatal (este o caso da maioria dos
países europeus na primeira metade do século XX). O segundo,
estritamente comercial e para o qual o sistema norte-americano
serve de paradigma, era formado por um conjunto de emissoras
voltadas para o interesse do mercado e financiadas pela verba
de venda de publicidade (CALABRE, 2003, p. 162).
Atualmente, contamos com algumas formas híbridas de financiamento
dos veículos de comunicação, em especial o rádio. No Brasil, temos
canais que são explorados comercialmente e outros destinados a instituições escolares, leiam-se universidades, e aqueles submetidos aos
governos, direta ou indiretamente, organizados e geridos por secretarias ou por fundações. Eles estão organizados, de qualquer sorte, em
monopólios ou oligopólios que representa uma cultura e um grupo de
poder.
Para dirimir estas distorções foram criadas as Rádios Comunitárias.
Não vamos nos estender sobre este tópico, mas as referidas rádios,
28
Logo, o rádio é um local privilegiado de fala onde a maioria não participa; chamado de veículo de comunicação quando de fato não permite
o diálogo, como salienta Brecht (1932), que permite o estar-com-outro
(TRABER, 2008).
A comunicação é um estar-com-outro, é um encontro que, no mundo
contemporâneo urbanizado, é inevitável, ligeiro, impessoal e, na maioria das vezes, mediado. Por isso os veículos de massa são tão importantes, pois simulam este estado. Eles são um simulacro comunicativo.
Desse contato, surge uma cultura específica, chamada amplamente
de cultura de massa. Nomenclatura também contestada por Adorno e
Horkheimer por induzir a ideia de participação popular, de um sujeito
comunicativo, que espontaneamente propaga e consome aquilo que
produz. Para Adorno, apud Rabaça e Barbosa (2001), “as massas são
meros ‘acessórios’ da máquina. O consumidor não é o rei, como pretende a indústria cultural; não é sujeito, mas seu objeto” (p. 173). Este
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conceito já foi relativizado, pois a cultura excluída, em tese, também
se apropria do que é forjado fora dela, ou seja, do que é elaborado
por quem aparentemente está fora do poder midiático.
A cultura de massa é produzida então em simulacro comunicativo como já foi indicado -, que inclui o popular e o massivo. Para Peruzzo
(2004), três correntes indicam quais seriam as definições de popular,
entre elas o popular-massivo, entendido como restrito âmbito da indústria cultural3:
[...] pautando-se os estudos em três linhas, definidas como
cada um vê o popular: a) na apropriação e incorporação das
linguagens, da religiosidade e de outras culturas do povo pelos
meios de comunicação de massa; b) nos meios massivos e em
certos programas de elevado poder de penetração, influência e
aceitação, a exemplo dos “fenômenos de audiência” [...]; c) em
programas massivos sintonizados com as problemáticas de bairro
ou comunitárias, os quais, entendidos em geral como de utilidade pública, abrem espaço para as pessoas fazerem denúncias,
pedirem esclarecimento ou externarem reivindicações quanto as
questões que afetam interesses comum a determinados grupos
de pessoas (PERUZZO, 2004, p. 118).
Então os veículos de massa e seus produtos são influenciados pela população que os consome, sofre influência destes. É muito difícil precisar
quais são os graus e proporções entre um e outro, mas este também
não é o caso. De qualquer forma, ninguém escapa à mídia e ao “[...]
ambiente midiático cada vez mais insistente e intenso” (SILVERSTONE,
2002, p. 12).
De certo mesmo, é evidente que o rádio é fruto da cultura humana,
produz uma cultura de massificação, mas também é permeado por
várias culturas. Por fim, os discursos radiofônicos, assim com a escola
e a família, servem de mecanismo de endoculturação, servem à constituição de uma identidade. E são frutos dos valores inscritos em uma
cultura. O rádio é um retroalimentador que pode ou não amplificar
estes discursos, passível de ruídos comunicativos que podem até subverter as mensagens.
3 Os outros dois são o popular-folclórico e o popular-alternativo. O primeiro refere-se
às expressões e manifestações consideradas tradicionais. E o segundo é fruto dos movimentos populares.
30
A mídia agora é parte da textura geral da experiência. Se incluíssemos a linguagem como uma mídia, isso não mudaria e teríamos
de tomar as continuidades da fala, da escrita, da representação
impressa e audiovisual como indicadores do tipo de respostas
que procuro para minha pergunta, pois sem atenção às formas e
aos conteúdos, às possibilidades da comunicação, tanto dentro
do tido-por-certo de nossas vidas cotidianas como contra ele,
não conseguiremos compreender essas vidas (SILVERSTONE,
2002, p.14).
Mesmo que os grupos controladores do sistema privilegiem seus discursos e incorporem ou transformem os discursos populares e minoritários em uma apropriação que visa a manutenção do status quo, a
interpenetração das culturas e o jogo desequilibrado, não indicam o
apagamento de um dos lados. Nesse sentido, se evidencia o rádio como
um elemento cultural altamente complexo e que, mesmo comandado
por um grupo, não é unicamente determinado por ele.
Mídia e identidades
Quem ou o quê determina quem somos nós? Como e porquê somos como
somos? Em que medida fatores que consideramos fruto e consequência
de nossa condição biológica, e que estão naturalizados por força deste
argumento são impressões culturais de nossos grupos?
Laraia (2002) aponta que alguns comportamentos indicados como instintivos são de origem cultural, e indica, entre os exemplos, o instinto
materno. Para ele, a palavra instinto tem sido mal empregada ao
indicar padrões culturais de conduta em vez de biológicos. No mesmo
sentido afirma Cuche (2002): “A noção de cultura se revela então o
instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes
dos comportamentos humanos” (p. 10). Para os antropólogos, é perigoso
assumir o cultural como inato. Essa ideia pode levar à desvalorização
da cultura do outro, da qual eu me diferencio. Este outro, por sua vez,
está verticalmente submetido ao jogo de poderes e discursos.
Ainda que estivéssemos refletindo sobre aspectos puramente biológicos,
seria impossível separar o traço biológico da sua resposta, marcada-
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mente, cultural. Por exemplo: apesar de todos sentirem a necessidade
de alimento, os ritos que envolvem as refeições são diferentes entre
os grupos. Então, além da carga genética, outro aditivo indica o que
seremos, como seremos, o que significa que a carga cultural também
é relativamente hereditária, pois é menos fixa e mais polissêmica
(CUCHE, 2002).
Assim sendo, fatores biológicos e culturais concorrem para a formação
da identidade. Deixamos o paraíso em busca da satisfação da curiosidade e do desejo, somos seres que desejam, mas quem e o que desejamos, como e quando desejamos e por que desejamos, são impressões
culturais; um exemplo é a nossa busca contemporânea pela estética. E
mais: “A identidade cultural de um grupo só pode ser compreendida ao
se estudar suas relações com os grupos vizinhos” (CUCHE, 2002, p. 14).
Os choques de alteridades apontam na mesma direção ou em direções
opostas e, se não determinam, evidenciam e transformam as nossas
querências. Talvez por isso, para Cuche (2002), cultura e identidade
são termos que estão associados muitas vezes por certo modismo. De
acordo com o etnólogo francês, “há o desejo de se ver cultura em tudo,
de encontrar identidade para todos” (CUCHE, 2002, p. 14).
Claro que o cientista não exclui esta composição, tanto que dedica em
seu livro A noção de cultura nas Ciências Sociais (2002) um capítulo
para tecer a relação cultura e identidade. Para ele, alguns estudiosos
veem as crises culturais e identitárias como fruto do amortecimento
do Estado-nação, da globalização da economia e de uma integração
política cosmopolita e supranacional (CUCHE, 2002).
O texto ainda faz um alerta para a necessidade de não se confundir os
elementos de cultura e os de identidade cultural. Em suma, a cultura
pode ocorrer por processos inconscientes, inclusive de identidade, e
esta última “remete a uma norma de vinculação, necessariamente
consciente, baseada em oposições simbólicas” (CUCHE, 2002, p. 176).
Esta identidade cultural é marcada pela fluidez, que permite o câmbio,
a impermanência e a polissemia. Ela admite várias identificações, pois
32
parte do princípio de apropriação e reapropriação simbólica. Com isso,
a identidade cultural está conectada à identidade social que “se caracteriza pelo conjunto de vinculações em um sistema social: vinculação
a uma classe sexual (sic), a uma classe de idade, a uma classe social,
a uma nação, etc.” (CUCHE, 2002, p. 177).
A mídia também se aproveita dessas vinculações. Não é à toa que os
produtos e programas são elaborados para atingir um público específico
com o objetivo de sensibilizá-lo (RABAÇA E BARBOSA, 2001). No rádio,
a identificação do público é capital, inclusive porque o veículo, a partir
de 1980, dividiu as faixas do dial para atingir determinados grupos,
públicos, alguns excludentes, outros não. Se a diferença é marcada pela
identidade, mais do que a semelhança, o rádio é um espaço de identificações, de identidade cultural. Este perfil da audiência, a diferença,
condiciona as mensagens e define os conteúdos (ORTIZ e MARCHAMALO,
2005) e formatos radiofônicos. É o que ensina Ortriwano (1985):
A especialização, que de certa forma sempre existiu, uma vez
que é impossível cobrir bem todos os campos de atividade, apenas se acentuou, principalmente a partir da implantação e do
desenvolvimento das emissoras de FM, acabando por mostrar-se
uma fórmula eficaz para que o rádio pudesse encontrar outra vez
o caminho da expansão [...] E a especialização acabou ocorrendo
pela necessidade de atender ao mercado, onde existem diversas
faixas sócio-econômicas (sic) que precisam ser exploradas adequadamente (ORTRIWANO, 1985, p. 29).
Desde que conhecesse os símbolos e marcadores culturais da região Nordeste e do nosso País, um viajante que estivesse em Salvador não teria
dificuldade para identificar nas rádios em Frequência Modulada (FM) os
seus respectivos públicos. A seleção da música, o tipo de locução, os
textos e seus conteúdos, as vinhetas e os comerciais evidenciam os seus
destinatários, assim como tudo que fica de fora da programação. Para
exemplificar, enquanto na rádio popular o locutor pretende ser um velho
amigo a quem é possível confessar tudo, com quem se conta nas rádios,
para o público classificados como adulto contemporâneo as locuções
são econômicas e não simulam uma aproximação amistosa; o encontro
entre o ouvinte e o locutor é meramente casual. Metaforicamente, as
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rádios populares simulam as saudações e congratulações de dois amigos
enquanto as outras de conhecidos que se esbarram rapidamente. Outro
traço interessante é que as rádios populares são inclusivas, sempre
cabe mais um ouvinte, e as rádios de elite são exclusivas. Contudo, o
recorte de classe apresentado pelas rádios não é só econômico, existem
rádios só para jovens, para católicos, para mulheres, etc. Na Internet,
os canais de áudio, as netradios4, são mais segmentados, eles são hipersegmentados e servem de encontro para comunidades virtuais, um
bom exemplo de identificações pelas ondas sonoras.
Ouvindo rádio podemos deduzir sobre aspectos de um indivíduo ou
grupo, o nós/eles fica evidente e no rádio este embate é valorizado
e estimulado. A rádio é um mecanismo de identificações que denota
poder e disputa, não só pela audiência, todavia pelas classes, cultural
e identificações. Ela também organiza trocas entre estes setores que
se relacionam a partir da seleção da sintonia e do encontro com o
outro-midiático.
Não é sem razão a briga entre rádios convencionais, comunitárias e
piratas, cada uma argumentando em favor de seus interesses culturais,
sociais e econômicos. A luta pela reforma do espectro eletromagnético
é também jogo, ora de estigmatização, ora afirmação das forças simbólicas. Dar voz a quem não tem voz é só o início.
Nem todos os grupos têm o poder de nomear e de se nomear.
Bourdieu explica no clássico artigo “A identidade e a representação” (1980) que somente os que dispõem de autoridade
legítima, ou seja, de autoridade conferida pelo poder, podem
impor suas próprias definições de si mesmos e dos outros [...] A
autoridade legítima tem o poder simbólico de fazer reconhecer
como fundamentadas as suas categorias de representação da
realidade social e seus próprios princípios de divisão do mundo
social. Por isso mesmo, esta autoridade pode fazer e desfazer
os grupos (CUCHE, 2002, p. 186).
Estas autoridades também definem qual rádio é comunitária e qual
não é, sempre privilegiando as operações jurídicas formais ao invés
4 São rádios que só operam na Internet e não têm presença no espectro eletromagnético.
34
das informais e costumeiras. Voltando à questão da audiência, neste
território radiofônico, as faixas são classificadas levando em conta o
público e não os produtores dos conteúdos e os concessionários das
emissoras.
As consideradas populares são classificadas como aquelas destinadas
a um público subalterno, que no caso de Salvador está vinculado à
minoria-maioria negra e/ou afro-descente, aos moradores da periferia
e aos setores com baixa escolaridade. As músicas executadas nestas
rádios seguem os ritmos como a axé, o pagode, o samba, o forró e
seus derivados, classificados pela cultura hegemônica como construções menos complexas e de pior qualidade5. Até pela nomenclatura é
possível constatar as afirmações de identidades; em oposição às rádios
populares estão as rádios chamadas de “adulto-contemporâneo”. As
rádios identificadas com os grupos dominantes são adultas, ou seja,
demonstram que há um amadurecimento, um crescimento intelectual.
Pressupõe-se que os ouvintes destas emissoras tenham capacidade de
realizar algo a partir de uma reflexão e de maneira racional e equilibrada. Este público é ainda contemporâneo, ou seja, sintonizado com
as ideias de uma extensão supranacional e um consumo global. Curiosamente, excetuando-se as que só tocam música nacional ou transmitem
notícias, estes veículos são os que mais executam músicas estrangeiras,
mormente, o pop-rock e baladas. Seria a rádio/mídia um novo espaço
de colonização? Não é preciso dizer que sim, basta advertir que ela
é um espaço de luta simbólica de afirmação e reconhecimento. Concluindo, a divisão por gêneros é mais explorada em programas do que
em emissoras. A Rádio Metrópole, que opera na faixa de FM, na cidade
de Salvador, na frequência 101,3 Mhz6, tem um programa chamado
5 O samba e o maxixe também sofreram este tipo de preconceito logo que as Rádios
Clubes e Sociedades foram montadas no Brasil. Eles foram considerados ritmos inferiores. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundado por Roquette Pinto, era uma das que
preferia a música erudita em vez da popular. Não foram necessários dez anos para que
o Samba virasse sinônimo de Brasil e de brasilidade. Este tipo de classificação só serve
para definir as fronteiras do rádio e das culturas da nossa sociedade levando em conta
um conceito superado de alta e baixa cultura. Contudo, a classificação é usada pelo
mercado radiofônico mais preocupado com enquadramentos econômico-publicitário do
que com a expressão da cultura, ainda que sirva de canal para ela.
6 De acordo com o site da instituição também opera em AM – 1290 Khz
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Só para Mulheres, que promete, pelo menos em sua proposta geral,
cumprir o estereótipo do conteúdo para o público feminino brasileiro,
reverberando os valores culturais. O conteúdo é veiculado de segunda
a sexta, das 10h às 12h; são entrevistas, dicas de culinária, estética,
saúde e decoração7 no estilo talknews8.
veiculação baseadas no eixo-Rio/São Paulo. Este dado se verifica nas
pautas e conteúdos e também na locução. Recentemente, ouvi de
um estudante de jornalismo que os apresentadores da Bandnews São
Paulo não tinham sotaques. Só essa afirmação valeria uma reflexão
O rádio é o preferido pelos grupos políticos e religiosos porque tem alcance e grande capacidade de mobilização9. Antes da televisão, o rádio
foi, de fato, o único meio de comunicação capaz de chegar a qualquer
parte do Planeta. No Brasil, Getúlio Vargas tentou criar uma identidade
nacional a partir da irradiação de programas que exaltassem a solidariedade e a criatividade do povo brasileiro. Vargas fez isto encampando
a única rádio que tinha poder tecnológico de atingir praticamente todo
o território brasileiro. A Rádio Nacional10 foi um bom exemplo de forjar
uma unidade e uma identidade a partir do Estado-nação. Esta foi a
postura de monoidentificação (CUCHE, 2002) perpetrada pelo Governo
de Getúlio Vargas que, em 8 de março de 1940, incorpora a emissora
para criar uma opinião positiva do povo brasileiro ao mesmo tempo em
que administrava os valores do que seria brasileiro.
O rádio permite a dupla identidade, pessoas que são não necessariamente identificáveis com os conteúdos de uma emissora podem integrar estes valores como referência para seus grupos sociais e para si
mesmo. Por outro lado, com o jogo, a disputa, e os conteúdos culturais
estão disponíveis a todo e qualquer ouvinte, ainda que produzidos
majoritariamente por um deles. Mas como são obrigadas a seguir seus
públicos, as rádios abrem espaço controlados para valores e culturas
diferentes. Estes estratagemas permitem a construção, reconstrução
e desconstrução a partir do que indicam as situações e das oportunidades de hibridização. Ao sintonizar o rádio não passamos por estações,
mas por fronteiras de identidades que a qualquer momento podem se
descolar, podem ser questionadas e podem ser reconstruídas. Os meios
de comunicação de massa podem não normatizar os comportamentos
culturais, todavia, são um campo fértil para a descrição e reconstrução
destes.
[...] seja por reconhecer apenas uma identidade cultural para
definir a identidade nacional (é o caso da França), seja por definir uma identidade de referência, a única e verdadeiramente
legítima (como no caso dos Estados Unidos), apesar de admitir
um certo pluralismo cultural no interior de sua nação. A ideologia
nacionalista é uma ideologia de exclusão das diferenças culturais
(IDEM p. 188).
mais complexa.
Estas estratégias, comuns nas décadas de 1930 e 1940, estão presentes
no rádio contemporânea em programas como A voz do Brasil, obrigatórios e de divulgação dos trabalhos dos poderes Executivo, Legislativo,
Judiciário. A identidade como a nacional, para o rádio, é aquela de
7 Informações disponíveis no site da emissora: http://www.radiometropole.com.br/
portal2009/index_programas.php?id=VGtFOVBRPT0=
8 Misturando bate-papo e informação
9 O Brasil tem 6.218 rádios. Estima-se que 45% são de políticos, 35% de grupos religiosos e 20% de empresários. Fonte: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.
aspx?edicao=1894&pg=08
10 Fundada no Rio de Janeiro, no dia 12 de setembro de 1936.
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http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.php?option=com_
docman&task=doc_download&gid=132. Acesso em 28 de fevereiro de
2008.
3
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Ano 3, n. 3, Agosto de 2010
MODELOS COMPARADOS DE
JORNAL-LABORATÓRIO ON-LINE1
ANDRÉ FABRÍCIO DA CUNHA HOLANDA
Mestre e Doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA),
graduado em Comunicação - habilitação em jornalismo (UFBA). Professor
do curso de Jornalismo e coordenador da pós-graduação em Comunicação
Organizacional da F2J, diretor do POLICOM – Congresso de Comunicação Social e Políticas Culturais (F2J). Criador e editor executivo do Folha Salvador
(http://www.folhasalvador.com.br) e da revista on-line Lupa Digital (http://
www.lupa.facom.ufba.br).
Email: [email protected].
Resumo
A prática laboratorial em jornalismo on-line exige a seleção de ferramentas
eficientes e de baixo custo que proporcionem aos estudantes a competência
necessária ao uso dos sistemas de publicação e comunicação on-line, assim
como a compreensão dos dilemas e implicações sociais da produção noticiosa
no contexto das redes digitais. Mais do que meras ferramentas de publicação,
as soluções aqui apresentadas pretendem-se ambientes virtuais de interação
entre alunos, professores, fontes e público, constituindo-se como verdadeiros
ambientes integrais de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave
Jornalismo. Educação. Jornalismo on-line. Jornal laboratório on-line.
Resumen
La práctica laboratorial en periodismo online exige la selección de herramientas eficaces y de bajo costo que proporcionen a los estudiantes la
competencia necesaria al uso de los sistemas de publicación y comunicación
online, bien como la comprensión de los dilemas e implicaciones sociales
de la producción de noticias en el contexto de las redes digitales. Mas allá
de meras herramientas de publicación, las soluciones aquí presentadas pre1 Trabalho apresentado no GP Conteúdos Digitais e Convergências Tecnológicas do IX
Encontro dos Grupos/Núcleos de Pesquisa em Comunicação evento componente do
XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
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tenden ser ambientes virtuales de interacción entre alumnos, profesores,
fuentes y público, convirtiéndose en verdaderos ambientes integrales de
ensino-aprendizaje.
Palabras-clave
Periodismo. Educación. Periodismo en línea.
Periodismo de laboratorio en línea.
A generalização das tecnologias digitais e de meios de comunicação
on-line exigiu mudanças na formação do profissional de jornalismo.
Estas mudanças visam garantir, não só para que estes possam trabalhar
nos veículos da web, mas em todos os meios, que há muito utilizam
rotineiramente as tecnologias digitais para a pesquisa, apuração e,
eventualmente, para o contato e entrevista das fontes. Não se trata,
portanto, de submeter outras modalidades aos padrões do jornalismo
on-line.
As mudanças impostas ao ensino-aprendizagem do jornalismo on-line
foram exploradas por diversos pesquisadores, dentre os quais destacaremos como fundamentos principais para o presente trabalho, “O ensino
de jornalismo em redes de alta velocidade. Metodologias e softwares”,
organizado por Elias Machado e Marcos Palacios (2007) e “La enseñanza
del ciberperiodismo. De la alfabetización digital a la alfabetización
ciberperiodística”, de Santiago Tejedor Calvo (2007).
Ao explorarem o tema do jornalismo na web, outros trabalhos ajudaram
a estabelecer expectativas sobre o que significaria o bom uso desta
modalidade de jornalismo e, portanto, estabeleceram quais são as
capacidades esperadas dos egressos dos cursos de comunicação. Já em
2001, Pavlik insistia na necessária preparação dos estudantes para o no
novo ambiente (PAVLIK, 2001). Para citar uma breve lista não exaustiva
destes trabalhos, lembremos Díaz Noci (2002), Escudero (2008), Fidalgo
(2003), Salaverria (2005), Boczkowski (2004), Canavilhas (2007), Briggs
(2007), além dos manuais mais populares como Ward (2007), Pinho
(2003), Moherdaui (2002), entre muitos outros.
Um dos principais problemas a serem resolvidos no âmbito do ensino é
que a capacitação dos estudantes esbarra em um obstáculo considerável: as ferramentas profissionais de publicação, aquelas utilizadas nos
principais veículos jornalísticos, têm um preço tão elevado e oferecem
tal dificuldade de instalação que hoje é virtualmente impossível para
nossas faculdades de comunicação a oferta de treinamento nas plataformas efetivamente utilizadas no mercado de trabalho.
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Em compensação, a Internet oferece múltiplas ferramentas de baixo
custo e até mesmo gratuitas que podem ser utilizadas para propiciar
aos estudantes uma experiência instrutiva e realista dos procedimentos,
problemas e alternativas que encontrarão no mercado de trabalho. O
objetivo deste trabalho é relatar e discutir o uso de duas destas opções, ambas gratuitas, suas características, os problemas e limitações
encontradas, assim como os resultados observados na experiência.
Ensino-aprendizagem
do jornalismo em redes digitais
As competências que os estudantes precisam adquirir devem levar em
conta tanto os aspectos operacionais e técnicos, quanto os aspectos
sociais, críticos e éticos. Hoje existe um consenso tanto na academia
quanto no mercado de que não basta a mera instrumentação dos estudantes. Como veremos em detalhes mais adiante, o próprio mercado de
trabalho percebe que as ferramentas mudam tão rapidamente, que o
conhecimento operacional aprendido corre o risco de estar desatualizado antes da formatura dos alunos. Por esta razão, os veículos percebem
como mais importante uma alta capacidade de aprendizagem e de
adaptação a estas mudanças (MACHADO e PALACIOS, 2007, p. 69).
ta a necessidade de se compreender a adoção das tecnologias digitais
como “fator constitutivo do próprio ambiente de ensino-aprendizagem”
(MACHADO e PALACIOS, 2007, p. 12). É um chamado à recusa da adoção
meramente instrumental da tecnologia, tendência forte tanto entre os
defensores, quanto entre detratores da influência tecnológica.
As implicações éticas do impacto das novas tecnologias têm gerado estudos como, por exemplo, Online Journalism Ethics (FRIEND e SINGER,
2007), cujas opiniões convergem para a necessidade de formar crítica
e eticamente os estudantes para o trabalho em um campo comunicativo ainda não inteiramente balizado, como atestam os trabalhos de
Gillmor (2004) e Sorrentino (2006), entre outros. Também aqui se exige
mais adaptabilidade e autonomia crítica do que uma mera adequação
a regras preestabelecidas.
A necessidade de aliar teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem é outro ponto incansavelmente defendido, seja por pensadores
da educação (DEMO, 2005), seja por pesquisadores do campo da Comunicação (TEJEDOR CALVO, 2007; FIDALGO, 2003). Esta necessidade,
que vale para qualquer tipo de estudo, tem fundamental importância
em uma área ainda recente, que, de acordo com pesquisadores, como
Tejedor Calvo (2007), ainda exige uma “alfabetização”.
O professor Elias Machado em vários momentos (MACHADO, 2003),
(MACHADO e PALACIOS, 2007) tem advertido contra a percepção das
tecnologias digitais como mero instrumento de publicação e comunicação. O autor insiste em que se tenha em mente o surgimento de
uma nova modalidade de jornalismo, que exige adequação de procedimentos, linguagem e parâmetros éticos. A apreensão do fenômeno
como mera substituição de ferramenta tende a menosprezar a vasta
gama de consequências organizacionais, expressivas e sociais trazidas
pelas novas formas de comunicação em rede (CASTELLS, 1999, 2003);
(LEMOS, 2002) e (LEVY, 1999).
Aplicando este princípio à formação do jornalista, Elias Machado articula
esta sua crítica com o trabalho do educador Pedro Demo (2005) e ressal-
42
Competências projetadas pela academia
Apoiado em pesquisa realizada nas universidades espanholas, Santiago
Tejedor Calvo (2007) estabelece alguns valores e princípios do que
chama de alfabetização ciberjornalística. O primeiro ponto está nas
mudanças exigidas na formação: para o autor é necessário conscientizar os estudantes quanto ao alcance das mudanças experimentadas,
assim como quanto às características e possibilidades oferecidas dos
meios on-line.
O perfil desejado para este profissional seria alguém que conhece a
estrutura informativa on-line, produz informação em tempo real, é
capaz de assumir vários papéis na produção, domina a Rede como fonte
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informativa, é gestor de informação, competente para selecioná-la,
filtrá-la, armazená-la e distribuí-la, é redator ciberjornalístico, domina os códigos da narrativa hipermidiática, tem autonomia no uso das
ferramentas de software, é criativo e capaz de trabalhar em equipe,
Tabela 1 – Competências exigidas pelo mercado (fragmento)
Competências
GERAIS
explora a interação, e finalmente, está em contínua reciclagem formativa (TEJEDOR CALVO, 2007, p. 36).
“Cultura de Internet”: uso cotidiano e eficiente de
recursos variados oferecidos pela Rede (Advanced Digital
Literacy)
Conhecimentos básicos e utilização de programas
(softwares) de edição de texto, tratamento de imagem,
áudio, programação visual (Basic Digital Literacy)
Competências exigidas pelo mercado
Às exigências acadêmicas vêm juntar-se as demandas oriundas do
próprio mercado de trabalho. Elias Machado e Marcos Palacios (2007,
p. 61-83) apresentam os resultados de pesquisa realizada com o objetivo de definir, entre outros pontos, as necessidades profissionais
das empresas e o perfil profissional procurado por estas. Os resultados
atestam “a universalidade e naturalização da demanda por habilidades
e capacitações digitais” (ibidem, p. 67); como já havíamos adiantado, o
mercado anseia por flexibilidade e não por especialização funcional:
Alta capacidade de aprendizagem de uso de novos programas (Advanced Digital Literacy)
Conhecimentos básicos das diferentes “linguagens”:
texto, fotografia, vídeo, áudio, infografia
Conhecimentos teóricos sobre Redes e seu funcionamento
Percepção clara das especificidades do ambiente digital
enquanto espaço de criação de conteúdos midiáticos
distintos dos meios tradicionais
Conhecimentos de administração pública e privada,
legislação, direito autoral etc.
Houve forte convergência entre os entrevistados na percepção
de que, mais importante de que competências específicas em
manejo de equipamentos e softwares, são desejáveis a adaptabilidade e a capacidade de rápida aprendizagem, uma vez que as
mudanças ocorrem de maneira muito célere quanto a processos
e programas adotados (MACHADO e PALACIOS, 2007, p.69).
Outros pontos em que mercado e academia puseram-se de pleno acordo
foram: a) a exigência de uma formação não meramente tecnicista, mas,
sim, “numa formação humanística, ética e intelectual num sentido
amplo” (MACHADO e PALACIOS, 2007, p. 70); b) a exigência de algo
que os autores chamam de “Cultura da Internet”, competência referida
ainda como “ter trato com Internet” (ibidem, p. 71). As competências
componentes das demandas auferidas nesta pesquisa encontram-se
na tabela ao lado.
Uso básico do computador como ferramenta para busca,
avaliação e classificação de informação (Basic Digital
Literacy).
Noções sobre “modelos de negócios” para diferentes
ambientes midiáticos
Formação humanística sólida e bom conhecimento de
atualidades
Jornalismo (Competências gerais)
Alto domínio das técnicas de apuração, especialmente
em redes telemáticas
Clara percepção de critérios de noticiabilidade e hierarquização da informação
Conhecimento e manejo de técnicas narrativas que permitam produzir textos apropriados a diferentes suportes
midiáticos.
Capacidade para transitar entre diferentes gêneros
jornalísticos
“Texto Final”. Agilidade na produção de textos
Capacidade de edição final
Jornalismo On-line
Alta capacidade de apuração de informação através da
rede
Texto ágil, capacidade de síntese.
Fonte: (MACHADO e PALACIOS, 2007).
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Mesmo uma análise superficial das demandas estabelecidas neste estudo
mostra que a atividade laboratorial é o espaço privilegiado para atender a todas estas exigências. As práticas a serem desenvolvidas devem
compreender, para Santiago Tejedor Calvo (2007, p. 117), a criação
de mensagens, práticas de busca de informações na rede, práticas de
gestão de conteúdos, estudos de caso, manejo de software e desenho
e desenvolvimento de um cibermeio.
Outro ponto em que insiste o pesquisador espanhol é a possibilidade
de que o aluno assuma diversos papéis na redação, reportagem, edição, gestão de conteúdo etc. (TEJEDOR CALVO, 2007, p. 120). O que
significa que a escolha de um software de gestão de conteúdos para o
laboratório exige a possibilidade de atribuição de permissões de acesso
diferenciadas, o público pode ou não adicionar comentários, os alunos
serão redatores, revisores ou editores, tendo cada qual permissões
distintas para visualizar, alterar e publicar os conteúdos produzidos
por si ou pelos outros, conforme estas atribuições.
De acordo com Santiago Tejedor Calvo (2007, p. 80) e Elias Machado
(MACHADO e PALACIOS, 2007), a formação do novo perfil deve ser
transversal, mista, ou seja, deve combinar disciplinas específicas da
área com esforços transdisciplinares. Em ambas as iniciativas descritas
a seguir, isto ocorreu – em certa medida – através da colaboração com
professores ora das oficinas de redação jornalística, ora das matérias
de rádio, TV e impresso.
Folha salvador On-line
46
O Folha Salvador On-line é o webjornal da Faculdade 2 de Julho, cumprindo função de campo de estágio e de jornal laboratório. Nasceu
como versão interativa do impresso Folha Salvador, e responsável pela
convergência entre os diversos produtos comunicativos criados com o
empenho dos estudantes no âmbito de diversas disciplinas da grade.
Operando desde julho de 2008, o site tem em vista um público alvo
identificado com o jovem trabalhador e estudante da Região Metropolitana de Salvador.
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A missão do Folha Salvador On-line é estabelecer a marca da Faculdade
2 de Julho na Internet através de um veículo jornalístico multimídia,
complementar ao impresso, criando um espaço para a prática de estágio
e de publicação da produção estudantil. Como se vê, a atividade laboratorial não é sua única fonte de atualização. Desde seu surgimento,
um grupo de estagiários contribui diariamente com o intuito de manter
a atualização regular independentemente do ritmo de produção nas
disciplinas, onde o engajamento dos estudantes e dos professores não
pode ser constante, nem mesmo diário.
Infraestrutura e implantação
O site utiliza os serviços de hospedagem contratados conforme a
política da Faculdade, utilizando software gratuito para gerenciar a
publicação de conteúdo. Trata-se da plataforma Joomla, cuja escolha
foi ditada principalmente pela flexibilidade oferecida e pelo tamanho
da comunidade mantenedora do projeto. Em projetos de Software Open
Source (colaborativos e não comerciais), o tamanho desta comunidade
de colaboradores é fundamental para que os erros sejam encontrados
e corrigidos com velocidade (RAYMOND, 2000).
O Joomla oferece ferramentas eficientes de redação e gestão dos
conteúdos, controle dos usuários com diversas permissões de acesso
diferenciadas, ampla flexibilidade com utilização de plugins, para criar
galerias de fotos, visualização de vídeo, tocadores de arquivos sonoros.
Os pontos negativos seriam: a utilização exige um tempo razoavelmente
longo de adaptação, a ferramenta de gestão de imagens, apesar de
haver melhorado muito nas últimas versões ainda é desnecessariamente
complicada.
A instalação inicial do projeto contou com o trabalho voluntário do
professor responsável e do diretor administrativo do jornal, em colaboração com a equipe técnica da Faculdade, principalmente CPD e
Assessoria de Comunicação. O gasto total de implantação tendo sido
de US$ 40 referentes à compra de um modelo pronto de design profissional (template), mais os custos de registro do endereço eletrônico
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(R$ 30 por ano) e de hospedagem, custo inserido em contrato prévio
da faculdade ao qual não tivemos acesso. Um site semelhante pode
ser hospedado por algo entre R$ 30 e R$ 60 mensais.
Figura 1 - Evolução das visitas ao site Folha Salvador entre julho de 2008 e julho de 2009.
Funcionamento
O Folha Salvador On-line começou funcionado com um estagiário e um
editor. Só no ano de 2009 começou a integração das disciplinas de Oficina de Jornalismo Digital do 6º semestre (atualmente, Webjornalismo)
e Técnicas de Apuração e Edição em Jornalismo Digital, no 7º semestre,
nos turnos vespertino e noturno, somando cerca de quarenta alunos,
escrevendo uma vez por semana. Professores de outras disciplinas foram convidados a participar, ficando estes responsáveis pela correção
dos textos dos seus estudantes. Somava-se uma equipe composta por
três ou quatro estagiários, encarregados da atualização permanente,
inclusive aos finais de semana.
No seu âmbito laboratorial, as principais dificuldades encontradas foram
o volume de pautas a serem geradas, do conteúdo a ser corrigido e
comentado com as turmas a cada semana. Esta dificuldade inerente ao
trabalho de professor vem intensificada pela velocidade exigida pela
atualização do site. Esta insistência na atualização contínua, característica fundamental do webjornalismo, ainda trazia o problema de
entrar em choque com a qualidade do texto e da apuração.
Objetivos propostos e alcançados
Após pouco mais de um ano de funcionamento, o Folha Salvador On-line
superou a marca dos 135 mil acessos. O resultado de 2008 ajudou a
estabelecer como meta para o ano de 2009 uma média mensal superior
a 20 mil acessos. Resultado ainda não consolidado apesar do salto de
visibilidade conquistado neste ano (vide figura 2 logo abaixo). O que
mais atrapalhou na estabilização desta meta foi a alta rotatividade do
quadro de estagiários, desde quando eles passam a conseguir novos
estágios com rapidez imprevista.
48
Um elemento fundamental do projeto Folha Salvador é propiciar a
convergência midiática e a integração das operações em dois níveis: em
primeiro lugar os estudantes ganham espaço integrado de publicação,
em segundo lugar, a estrutura profissional do nosso jornal impresso
Folha Salvador pode ampliar o diálogo com a produção laboratorial,
constituindo-se como espaço privilegiado para o exercício acadêmico
dos nossos estudantes também na Internet, o que possibilita a publicação da nossa produção em rádio e TV digital. Este era o nosso primeiro
objetivo:
1. Possibilitar a criação de um laboratório multimídia convergente e interativo para a produção dos estagiários e alunos. Foi
atingido com possibilidades de progresso, graças à cooperação
com as professoras responsáveis pelas disciplinas de Rádio,
Daniela Souza; Telejornalismo e Convergência Digital, Cristina
Mascarenhas, que proveram o site com material em áudio e
vídeo. Além do professor Ivan Gargur com seu podcast sobre
economia. Pequenos ajustes, no sentido de aumentar a regularidade desta oferta de conteúdo, são necessários para que
atinjamos um nível ótimo neste quesito.
2. Ampliar o alcance do jornal impresso Folha Salvador, complementando a cobertura impressa. Parcialmente atingido: o modelo de preparação do jornal impresso, com múltiplas instâncias de
revisão e aprovação prévia, provou-se inadequado para o ritmo
de produção do site. Os dois veículos possuem ritmos muito
distintos e seria necessária uma maior integração das equipes
e uma maior independência na produção das matérias para que
a complementaridade fosse plenamente implantada.
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3. Ampliar o público, permitindo a transferência de atenção entre os veículos, reforçando-os mutuamente com a reputação e
presença da marca que cada um for conquistando. Atingido com
possibilidades de progresso. Outro fator positivo foi a transferência de público entre impresso e Internet. Os relatórios de
acesso mostram que as visitas ao site sofrem acentuado aumento
assim que o impresso sai às ruas. Seria ainda necessário criar
meios para medir se já se pode detectar o mesmo efeito no
sentido inverso.
4. Aumentar a visibilidade da marca da Faculdade 2 de Julho
chamando atenção para os diferenciais estratégicos e valores
principais da marca: o investimento na qualidade de ensino e
o compromisso com a modernidade. No aspecto temporal, encontramos dificuldades de implantação da atualização contínua,
questão nitidamente de limitação de recursos humanos. Não
precisamos de uma cobertura contínua 24 horas por dia, sete
dias por semana, no entanto, a estagnação do site durante os
finais de semana seria uma insuficiência a corrigir.
Desafios encontrados e próximos passos
Um efeito negativo da popularidade alcançado pelo site foi que nos
tornamos por duas vezes alvo de ataques de hackers, a primeira vez
no mês de agosto e novamente em outubro de 2008. Os efeitos dos
ataques foram revertidos graças à interferência da equipe do site juntamente com o CPD. Será necessário ainda contornar a irregularidade
da oferta de conteúdo multimídia. A produção transdisciplinar não pode
atrapalhar as disciplinas de Fotografia, Rádio e Telejornalismo. O Folha
fica, portanto, à disposição destas disciplinas para a publicação do seu
conteúdo e não o contrário.
O segundo semestre de 2009 trará a incorporação da produção laboratorial dos alunos da disciplina de 4º semestre Redação Jornalística
2. Este aumento na equipe de não estagiário ampliará a oferta de
50
conteúdo e, concomitantemente, o volume de trabalho dedicado à
elaboração das pautas, à correção dos textos e edição de matérias e
material multimídia. As medidas para o aprimoramento do jornal Folha
Salvador On-line deveriam ser:
•
Sistematização dos processos de produção de modo a garantir
a atualização contínua.
•
Sistematização da infraestrutura interna de produção multimídia. Com treinamento da equipe para produção e edição de
fotografias, áudio e vídeo. Dotando o veículo de autonomia para
a produção em todas as mídias.
•
Um responsável técnico designado para a manutenção e segurança do site de modo a liberar o professor André Holanda
destas tarefas.
Lupa Digital
A Lupa digital também surge de um veículo impresso, trata-se da revistalaboratório Lupa, projeto chefiado pelo Professor Giovandro Marcus
Ferreira (Diretor da Faculdade de Comunicação) e pela Professora
Graciela Natansohn, responsável pela Oficina de Jornalismo Impresso I.
A versão digital é um antigo projeto da equipe. Esta segunda fase fica
a cargo do professor responsável pela Oficina de Jornalismo Digital 6º
semestre. Colegas que ocuparam esta vaga anteriormente já haviam
tentado realizar este projeto, esbarrando sempre em dificuldades
técnicas na hospedagem e com o sistema de publicação.
A herança do projeto editorial da Revista Lupa impõe certas características: em primeiro lugar, o perfil de revista fortemente ancorada em
cultura e cotidiano da cidade de Salvador implica o abandono do paradigma de atualização contínua em favor de um modelo mais ancorado
em reportagens e personagens. Esta escolha propiciou possibilidades
mais interessantes de pautas, evitando a superficialidade da atualização contínua, advinda da proliferação das notícias curtas e de notas
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informativas fragmentadas. Fenômeno que, apesar de representar fielmente o trabalho nos veículos on-line, tende a empobrecer em muito
a experiência do laboratório e até mesmo o texto dos estudantes.
Da revista impressa trazemos ainda a projeção de público alvo composto
por jovens universitários de Salvador e Região Metropolitana. As áreas
temáticas são basicamente “educação”, “cultura” e “sociedade” e a
comunicação com o nosso público é feita através de texto inteligente,
informado e crítico. Este direcionamento, e a concentração temática
favorecem a ocupação de um nicho de mercado específico, um dos
modos mais eficazes para que veículos pequenos atraiam público na
internet.
Infraestrutura e implantação
A primeira decisão a ser tomada para esta nova empreitada foi a escolha da plataforma de publicação. Após análise das opções gratuitas
disponíveis, adotou-se o Joomla como sistema de gerenciamento de
conteúdos. A instalação do software sofreu atrasos sucessivos e, apesar
do acompanhamento de um técnico do CPD da UFBA, trouxe dificuldades
muito maiores do que as que costumam acontecer com a instalação
em provedor de hospedagem profissional como foi o caso do Folha. A
metade do primeiro semestre de 2008 foi gasto com a instalação, o
que obrigou a uma publicação em caráter experimental para toda a
turma 2008.1.
O segundo semestre de 2008 trouxe a colaboração do estagiário Patrick
Silva. Graças à qualidade de trabalhos anteriores deste estagiário com
o sistema do Wordpress, decidimos adotar esta solução que, apesar de
menos flexível e poderosa do que o Joomla, revelou ser mais simples de
instalar, manter e operar2. O Wordpress possui capacidades suficientes
de administração das permissões de acesso e através de plugins capacidades multimídia satisfatórias.
2 Note-se que aqui falamos do sistema de publicação que pode ser baixado e instalado
no seu provedor e não do serviço de blogs disponível em http://www.wordpress.com.
52
Esta mudança tirou a Lupa do estágio experimental e em julho de 2008
o novo site foi utilizado com sucesso na Oficina de Jornalismo Digital.
Neste semestre a produção manteve os níveis esperados com boa participação dos estudantes, qualidade do texto e de apuração bastante
satisfatórios, o aproveitamento de material em diversas mídias foi
muito bom, ficando prejudicado apenas pela dificuldade em liberar
para todos os estudantes a possibilidade de publicar vídeos.
Funcionamento
Tirando proveito da periodicidade que o projeto editorial da revista permite (podemos dizer que exige), na Lupa Digital não existe o imperativo
da atualização contínua e da cobertura noticiosa imediata do dia-a-dia.
Desta forma, todo o conteúdo da revista on-line tem sido atualizado
entre quatro e cinco vezes por semestre. Apesar desta periodicidade
muito marcada, não adotamos a edição por números por considerá-la
característica de outros meios e sem sentido na Internet.
A equipe de redação é composta por todos os alunos das duas turmas
de Oficina de Jornalismo Digital, somando em média 40 estudantes
por semestre. Espera-se que o volume publicado chegue a pelo menos
200 matérias aproveitadas, descartando-se as pautas canceladas ou
os conteúdos recusados devido à baixa qualidade. Outras atribuições
da equipe são: adaptar o conteúdo publicado na revista impressa para
a publicação na Internet, e interagir com os leitores através dos comentários no site.
Os redatores e repórteres dispõem de amplas liberdades criativas, críticas e opinativas. No caso da Lupa Digital os estudantes estão liberados
inclusive da regra do texto curto, direto e objetivo, valor tido às vezes
como sacrossanto pelo jornalismo on-line. Em laboratório este é um
tema de discussões periódicas. É a gramática do meio que o exige ou
trata-se de mais um efeito nocivo da nossa cultura periférica? Estas
discussões, assim como as questões éticas emergem regularmente do
trabalho conjunto, constituindo elemento fundamental do projeto.
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Objetivos propostos e alcançados
1. Propiciar o exercício e/ou a aquisição das competências exigidas
pelo mercado – atingido com possibilidades de progressos. A
periodicidade da atualização não reproduz condições realistas
de trabalho, o que dificulta a experiência do ritmo de produção
dos principais veículos. Esta dificuldade é compensada pela
qualidade de texto obtida, e pelas maiores possibilidade de
construção hipertextual e multimidiática.
2. Criação de um laboratório multimídia convergente e interativo
para a produção dos alunos. Atingido parcialmente: uma vez
que a produção do conteúdo nas diversas mídias fica a cargo dos
alunos, a quantidade e qualidade do material dependem quase
inteiramente da dedicação e do interesse apresentados pelos
estudantes nas disciplinas de Fotografia, TV e Rádio. A Oficina
de Jornalismo Digital não oferece nem tempo, nem recursos
para nivelar o desempenho dos estudantes nestas diversas
modalidades.
3. Complementar a atuação da revista impressa com seus potenciais multimídia. Foi Atingido parcialmente. Os planos de
integração de pautas entre os dois veículos precisam ser repensados, até porque os dois possuem periodicidades difíceis de
conciliar. A revista impressa é semestral: o número publicado em
um semestre foi na verdade elaborado pela turma do semestre
anterior, portanto, para que a publicação on-line não fure a
revista, uma colaboração entre as duas deixaria “na geladeira” a
produção dos estudantes do on-line até o semestre seguinte.
54
no servidor da universidade revelou-se muito mais difícil do que no
serviço pago. Esta dificuldade inviabilizou a utilização do software
originalmente selecionado, o Joomla, mas a adoção do Wordpress,
de mais simples operação e instalação proveu a tranquilidade para a
concentração na produção jornalística.
Uma qualidade da revista impressa que está ainda ausente no on-line
é a possibilidade de oferecer aos alunos oportunidades de ocuparem
diversos cargos na produção como defende a pesquisa de Santiago Calvo
(2007). No futuro seria enriquecedor criar um modelo em que os estudantes se sucedessem nas posições de pauteiros, editores, revisores,
editores multimídia etc.
A ausência do consagrado modelo de atualização contínua não chegou
a revelar-se um problema para o funcionamento do site. Em primeiro
lugar, por ser mais adequado aos horários de aula, além disto, por viabilizar a correção que de outra forma seria simplesmente impossível.
Apesar disto, um interessante desafio futuro poderia ser a cobertura
ao vivo de um evento acadêmico, de modo a, pelo menos desta forma
pontual, oferecer aos alunos uma experiência da cobertura em tempo
real característica do meio on-line.
Considerações finais
Desafios encontrados e próximos passos
Estes dois casos de webjornais-laboratórios chamaram a atenção para a
questão da temporalidade no trabalho do jornalismo on-line. Se o Folha
propicia a experiência da atualização permanente, isto se dá ao preço
do enfraquecimento do texto e do processo de apuração. O que pode
ser visto como um mal “produtivo”, uma vez que ajuda a preparar para
a realidade industrial do jornalismo na Internet e constitui elemento
para a crítica (informada) da produção atual.
A Universidade Federal da Bahia garante à publicação a hospedagem
e suporte técnico gratuitos, no entanto, em troca destas facilidades
perdemos a autonomia que teríamos com uma hospedagem comercial.
Ao contrário do que se poderia supor, a instalação das ferramentas
O caso da Lupa Digital não corre este risco e se beneficia de um tempo
confortável para o desenvolvimento de pautas, entrevistas e textos
mais interessantes, ampliando inclusive as possibilidades de narrativas
verdadeiramente hipermidiáticas. Por outro lado, a prática laboratorial
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deixa de reproduzir as condições reais de produção na maior parte dos
veículos on-line. A questão é: esta reprodução das coerções impostas
pela atualização contínua é desejável? Contribuiria mais na formação
do profissional do jornalismo da web do que a liberdade criativa do
modelo de revista on-line?
Uma possível solução adviria não de uma solução real, mas, antes,
da dissolução do problema, ou seja, o melhor seria oferecer as duas
experiências. Cobrando nas disciplinas laboratoriais tanto notícias de
atualização como reportagens de maior fôlego. Estas últimas trariam
a oportunidade de promover o desenvolvimento de narrativas hipermidiáticas mais elaboradas, com ampla utilização de material em
múltiplas mídias, que exigem um tempo de produção e edição nem
sempre compatível com a atualização contínua.
As principais dificuldades operacionais foram a dependência excessiva
do pessoal técnico, que nem sempre compreende bem as necessidades
específicas das disciplinas de comunicação, e que frequentemente
impõe censura a conteúdos que, exatamente por serem vistos como
perigosos ou proibidos, podem ser tema de reportagens. Outras dificuldades familiares ao professor são o volume de conteúdo a corrigir e a
dificuldade de construir colaboração transdisciplinar, parte integrante
do trabalho e que podem até ser contornadas com soluções criativas,
mas nunca definitivamente superadas.
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Ano 3, n. 3, Agosto de 2010
PRODUÇÃO, CONSUMO E IDENTIDADE
NO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
AUGUSTO SOUZA DE SÁ OLIVEIRA
Graduado em Economia, Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas,
Doutorando em Ciências Sociais (UFBA). Professor do curso de Comunicação
Social da Faculdade 2 de Julho , Pesquisador do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia, Política e Sociedade (CEPOS).
SALAVERRÍA, R. Redacción Periodística en Internet. Pamplona: Eunsa,
2005.
Email: [email protected]
SORRENTINO, Carlo. Il campo giornalistico. Nuovi orizzonti
dell’informazione. Carocci, 2006.
RESUMO
TEJEDOR CALVO, Santiago. La enseñanza del ciberperiodismo. De
la alfabetización digital a la alfabetización ciberperiodística. Sevilla:
Comunicación Social Ediciones, 2007
WARD, Mike. Jornalismo online. São Paulo: Rocca, 2007.
A discussão sobre a designação do cinema brasileiro contemporâneo como
cinema da “retomada” tem como pano de fundo uma contenda que a antecede, a de que o cinema brasileiro sempre foi feito de “ciclos”, ou seja, nunca
houve “a construção e o desenvolvimento de uma obra contínua”, conforme
Bernardet (2007). Assim, este artigo se propõe a abordar as diversas posições
sobre a polêmica questão do cinema da retomada, que envolve autores e
críticos que se debruçam sobre o tema, a exemplo de Butcher (2005), por um
lado, para quem, o termo denota a recuperação de um processo de produção
de filmes interrompido, primeiro com o esgotamento do modelo brasileiro
baseado na Embrafilme e, depois, e de forma mais contundente, com o fim
desta, do Conselho Nacional de Cinema (Concine) e da Fundação do Cinema
Brasileiro no governo Collor. Por outro lado, Oricchio (2003) afirma que nenhuma atividade pode ser retomada a vida toda e propõe que a “retomada”
seja considerada encerrada, tendo como marco simbólico o filme Cidade de
Deus, no ano de 2002. Dentro desse debate analisamos a questão do cinema
também como elemento de identificação de um povo, daí a importância de
todo este processo. Ademais, velhos problemas ainda emperram o crescimento
da produção cinematográfica que continua perdendo a luta contra a dominação
cultural, haja vista, sobretudo, as dificuldades de financiamento enfrentadas
pelos produtores cinematográficos nacionais. Enquanto não for desatado este
nó, são muito pequenas as possibilidades do surgimento de ousadias estéticas
e políticas, de novas vanguardas que criem uma nova identidade para o cinema
brasileiro contemporâneo, como fez o Cinema Novo.
Palavras-chave
Cinema de retomada. Cinema Novo. Identidade. Cultura.
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Resumen
El debate sobre el nombramiento del cine brasileño contemporáneo como
cine de “retomada” tiene como fondo una lucha que le precede, que el cine
brasileño se ha hecho siempre en “ciclos”, es decir, que nunca fue “la construcción y desarrollo de un trabajo continuo”, conforme Bernardet (2007). Así,
este artículo se propone discutir las diversas opiniones sobre la controvertida
cuestión de el cine de “retomada”, embasado en autores y críticos que tratan
el tema, como Butcher (2005), por un lado, para quienes el termo muestra
la recuperación de un proceso de producción de la película que se detuvo,
en primer lugar con el agotamiento del modelo brasileño basado en Embrafilme y posteriormente, y más convincente, a tal fin, el Consejo Nacional de
Cine (Concine) y Fundación del Cine Brasileño en el gobierno Collor. Por otra
parte, Oricchio (2003) reitera que ninguna actividad se puede retomada la
vida toda y propone que la “retomada” se considere cerrada, teniendo como
marco simbólico la película Ciudad de Dios, en el año 2002. Dentro de este
debate examinamos la cuestión de cine, también como el instrumento de
la identidad de un pueblo, de ahí la importancia de este proceso. Por otra
parte, los viejos problemas detienen el crecimiento de la cinematografía
que sigue perdiendo la lucha contra la dominación cultural, considerando
en particular las dificultades de financiamiento que enfrentan los cineastas
nacionales. En cuanto non desatar este nudo, son pocas posibilidades de la
aparición de audaces estéticas y políticas, de nuevas vanguardias que críen
una nueva identidad para el cine brasileño contemporáneo, como hay hecho
el Nuevo Cine.
Palabras-clave
Cine de retomada. Nuevo Cine. Identidad. Cultura.
Problematizando a noção de “retomada”
Para o estudioso do cinema brasileiro, Pedro Butcher (2005), Cinema
da “Retomada” é o nome que se dá ao cinema brasileiro hoje. Para
ele, o termo é virtuoso, pois denota a recuperação de um processo de
produção de filmes que foi interrompido, primeiro com o esgotamento
do modelo brasileiro com base na Embrafilme e, em seguida, e de forma
mais contundente, com o fim desta, do Conselho Nacional de Cinema
(Concine) e da Fundação do Cinema Brasileiro no governo Collor. Portanto, não sugere um renascimento, um ponto zero, mas uma continuidade.
O crítico Luiz Oricchio (2003), entre outros, vê problemas neste nome.
Em seu livro, Cinema de novo, ele afirma que nenhuma atividade pode
ser retomada a vida toda e propõe que a “retomada” seja considerada
encerrada, tendo como “epílogo simbólico de um ciclo” (2003, p. 24)
o filme Cidade de Deus, no ano de 2002. Deste ano em diante, sugere
o crítico, já seria “outra coisa” que ele não define.
A discussão que travamos acima, sobre a designação do cinema brasileiro contemporâneo como cinema da “retomada”, tem como pano
de fundo uma discussão que a antecede, a de que o cinema brasileiro
sempre foi feito de “ciclos”, isto é, nunca houve “a construção e o
desenvolvimento de uma obra contínua” (BERNARDET, 2007, p. 30).
Carlota Joaquina: um símbolo do início da “Retomada”
Lançado em janeiro de 1995, o filme, longa metragem de estréia da
diretora Carla Camurati, começou a sua carreira com apenas quatro
cópias que eram distribuídas pela própria diretora e sem contar com
qualquer programa de marketing e publicidade, sendo o primeiro filme
brasileiro, na era pós-Collor, a superar um milhão de espectadores
(ORICCHIO, 2003). O filme tinha tudo para ser um fracasso, mas “estourou”, sendo sucesso de público e bilheteria, marcando o retorno do
público brasileiro às salas de exibição de filme nacional. O filme retorna
ao passado do Brasil, à chegada da família real e sua vivência, por mais
de uma década, em terras brasileiras, a partir do olhar de um narrador
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estrangeiro – o filme é parcialmente falado em inglês. A abordagem da
família real de forma debochada, caricata, caiu no gosto do público que
andava descrente com o futuro do País e conciliou-se com a visão da
diretora Carla Camurati de encontrar na formação do Brasil colônia e
à frente da nossa independência política uma elite inepta, corrupta e
traiçoeira, representação que ainda hoje reflete a identidade nacional
na mentalidade popular. Mas, se a identidade nacional é esta, ou, esta
é uma das possíveis entre as diversas identidades nacionais, qual é a
identidade do cinema brasileiro contemporâneo? Faz sentido falar em
cinema brasileiro? E, em caso afirmativo, sua identidade é homogênea,
isto é, foi sempre a mesma na travessia do século XX?
Elementos de identidades no mundo contemporâneo
O sociólogo inglês Anthony Giddens, em seu livro Modernidade e
identidade, procura definir a modernidade como instituições e comportamentos estabelecidos na Europa depois do feudalismo e que,
após o século XX, se universalizou em seu impacto, sendo o ‘mundo
industrializado’ um dos eixos institucionais e o capitalismo o outro. A
principal “forma social”, para ele, é o Estado-Nação. Em síntese, a
modernidade é essencialmente uma “ordem pós-tradicional”, conforme
Giddens, enquanto a sociedade contemporânea é qualificada de “alta
modernidade” ou “modernidade tardia”. Para o autor, hoje é “lugar
comum” a idéia de que a modernidade fragmenta e dissocia, marcando,
no pensamento de alguns autores, o surgimento da “era pós-moderna”,
definição que ele rejeita.
O sociólogo inglês discute a “dialética do local e do global” como um
dos “principais argumentos” empregados no livro para sugerir que as
transformações na “autoidentidade” e a “globalização” são os dois pólos
desta dialética. Enfim, Giddens propõe uma redefinição do conceito de
identidade dentro da modernidade, conceito este caracterizado pelo
que o autor denomina de projeto reflexivo do eu, que, em situações
como o divórcio, mas não só, permitem que o sujeito refaça sua iden-
62
tidade pela revisão de comportamentos, atitudes e idéias e até mesmo
retomando idéias abandonadas. Assim, para Giddens, a identidade
nas sociedades tradicionais era determinada fundamentalmente pela
tradição, enquanto na modernidade é um projeto aberto que cabe ao
sujeito construir.
Manuel Castells, sociólogo espanhol, no livro O poder da identidade,
parte da trilogia A era da informação: economia, sociedade e cultura,
discute o que ele denomina de uma nova forma de sociedade, de um
mundo novo, a “sociedade em rede” (1999, p. 17). Este mundo novo
foi apanhado pelo “turbilhão” de tendências opostas, questionando
a própria existência do Estado-Nação, o que leva para o “epicentro
da crise a própria noção de democracia política, postulado para a
construção histórica de um Estado-Nação soberano e representativo”
(1999, p. 18). Este é o processo de globalização tecnoeconômica que
vem moldando nosso mundo, sendo contestado e que será transformado a partir de múltiplos fatores, pensa Castells. É nesse mundo que
ele define identidade como “o processo de construção de significado
com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos
culturais inter-relacionados, o(s) qual (ais) prevalece(m) sobre outras
fontes de significado” (1999, p. 22). Por significado, Castells entende
“a identificação simbólica, por parte de um ator social, da finalidade da
ação praticada por tal ator”. Para o autor, não há qualquer dificuldade
em aceitar que toda e qualquer identidade é construída. A questão é
como, a partir de quê, por quem e para quê isso acontece. Sua hipótese é de que “quem constrói a identidade coletiva, e para quê essa
identidade é construída, são em grande medida os determinantes do
conteúdo simbólico dessa identidade, bem como de seu significado
para aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem” (1999,
p. 23-4). Assim, ele distingue três formas e origens de construção de
identidades: legitimadora; de resistência; e de projeto.
Interessa-nos aqui a identidade de resistência, considerada por este
autor como provavelmente a mais importante em nossa sociedade.
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Castells afirma que esse tipo de identidade é criada por atores que se
encontram em posições ou condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação e que criam trincheiras para resistir e
sobreviver com bases em princípios diferentes ou mesmo opostos aos
que permeiam as instituições da sociedade. Não quero encerrar esta
pequena resenha sobre as idéias que Castells desenvolve a respeito da
identidade sem antes me reportar aos comentários que ele tece sobre
o conceito de “autoidentidade” de Giddens. Para Castells, Giddens
desenvolve “uma poderosa teorização cujas principais linhas encerram
idéias com as quais concordo” (1999; p. 26). Mas,
embora concorde com a caracterização teórica de Giddens
quanto à construção da identidade no período da ‘modernidade
tardia’, sustento (...) [que] exceto para a elite que ocupa o
espaço atemporal de fluxos de redes globais e seus locais subsidiários, o planejamento reflexivo da vida torna-se impossível.
Além disso, a construção de intimidade com base na confiança
exige uma redefinição da identidade totalmente autônoma em
relação à lógica de formação de rede das instituições e organizações dominantes. Sob essas novas condições, as sociedades civis
encolhem-se e são desarticuladas, pois não há mais continuidade
entre a lógica da criação de poder na rede global e a lógica de
associação e representação em sociedades e culturas específicas. Desse modo, a busca pelo significado ocorre no âmbito da
reconstrução de identidades defensivas em torno de princípios
comunais (CASTELLS, 1999, p 27).1
Brasil, Cinema Novo e identidade
64
tais como, geladeiras, televisores e automóveis; o crescimento de um
mercado de trabalho e de consumo para uma classe média urbana; o
crescimento de uma burguesia e um operariado nacionais. Todo este
movimento contribuiu para mudar o perfil da sociedade brasileira de
agrário-exportador para industrial.
Subsumido a este processo, o desenvolvimento de políticas populistas
encontravam amplo apoio na esquerda brasileira. A política populista
se consubstanciava, do ponto de vista ideológico, na defesa do desenvolvimentismo contra o subdesenvolvimento, da modernização contra
o atraso. O conservadorismo, representado pelas classes rurais e pelo
latifúndio, e o imperialismo, representado pelas grandes corporações
estrangeiras (em sua maioria, norte-americanas) eram os inimigos do
desenvolvimento “nacional autônomo e democrático”. Este capitalismo “autônomo e democrático” seria levado a termo pelas forças
progressistas compostas pela aliança entre a burguesia nacionalista,
o operariado urbano, os trabalhadores rurais e a classe média urbana,
composta por profissionais liberais, funcionários burocratas estatais,
pelos estudantes universitários e pelos intelectuais, a quem caberia a
formulação teórica e política, a conscientização das massas, da luta
pela independência do País, subordinado econômica, política e culturalmente ao imperialismo. A prioridade era, portanto, a luta nacional
e democrática formalizada na luta pelas “reformas de base”.
No contexto descrito acima, para quê se cogitava a formação de um
cinema brasileiro?
Na década de 1950 até meados de 1960, o Brasil passou por fortes
transformações econômicas, políticas e sociais. Um processo de industrialização acelerado e contraditório, sobretudo no governo de Juscelino
Kubitschek que prometeu desenvolver o país 50 anos em apenas cinco,
provocou enormes transformações sociais: um processo acelerado de
urbanização das nossas principais capitais com o deslocamento de massas rurais para os grandes centros urbanos, sobretudo Rio de Janeiro e
São Paulo; uma larga escala de produção de bens de consumo duráveis,
Exatamente para se inserir na “revolução brasileira”, na luta “nacional
e democrática”, na luta contra a dominação cultural, contra a imposição pelo imperialismo de “uma massa enorme de produtos importados
de péssima qualidade”, como afirmou Otto Maria Carpeaux2. Poucos
expressaram tão bem essa perspectiva de enfrentamento político no
campo cultural quanto Otto. Para ele, estava claro que
1 A obra de Anthony Giddens citada por Castells no trecho mencionado é: Modernity
and Self-identity: Self and Society in the Late Modern Age. Cambridge: Polity Press,
1991. Trata-se, portanto, da mesma obra que utilizamos na tradução para o português
pela Editora Jorge Zahar.
2 Afirmativa presente na orelha da 1ª edição de Brasil em tempo de cinema, reproduzida
na edição de 2007, Companhia das Letras, conforme nossas referências bibliográficas.
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a luta contra esse negócio abominável tem de ser travada no
campo econômico. Mas também já começou a batalha no terreno
estético e ideológico [pela] nova arte cinematográfica brasileira,
manifestação do mesmo idealismo combativo que hoje se insurge
contra a infame opressão estrangeira e contra os apoios dessa
opressão dentro do país (CARPEAUX, 2005).
Essa nova arte cinematográfica brasileira a que se refere Carpeaux é
exatamente o Cinema Novo. Foi encarando o Cinema Novo como um
“todo orgânico” e procurando identificá-lo com o “tempo nacional correspondente” que Jean-Claude Bernardet o definiu como obra produzida
pela “classe média … responsável pelo movimento cultural brasileiro”
(2007, p. 23). De acordo com Bernardet, no auge da primeira fase do
Cinema Novo, para o público brasileiro o “cinema, por definição, era
importado”, isto é, cinema “é cinema estrangeiro”3. Em sintonia com
Carpeaux, Bernardet parece atribuir uma clara função política e cultural
ao cinema brasileiro na luta contra a dominação cultural estrangeira
ao definir como
tarefa do cinema brasileiro, e das mais urgentes, conquistar
o público (...) Por isso, a conquista do mercado pelo cinema
brasileiro não é exclusivamente assunto comercial: é também
assunto cultural artístico [pois] sem o mercado à disposição
da produção brasileira, tudo é vão. Essa é a condição sine qua
non para que o cinema possa existir como arte e como negócio
(idem, p. 33-35).
Se aceitamos os termos de Carpeaux e Bernardet, podemos pensar, de
acordo com o conceito de Castells, em uma identidade de resistência,
uma identidade defensiva para o Cinema Novo. Para fugir à lógica
da dominação exposta acima, o Cinema Novo criou trincheiras com
valores opostos aos do cinema mainstream, para resistir e sobreviver
ao poderio deste. O “Glauber teórico”, sobretudo em seu manifesto
Estética da fome (2004), transforma a fraqueza em força. A fome que
atinge o latino-americano (“a nossa originalidade é nossa fome”) e que
deve ser tema dos cinemanovistas é também metáfora de “métodos de
produção” caracterizados pela falta de recursos técnicos.
3 Bernardet faz estas afirmações mesmo não desconhecendo que a Chanchada, que
antecede o Cinema Novo, obteve êxito de público durante um longo tempo.
66
Vidas Secas, o belo romance do nordestino Graciliano Ramos, adaptado
por Nelson Pereira dos Santos para o cinema com o mesmo título, e
considerado como um dos filmes de fundação4 do Cinema Novo, é um
filme sobre seca, fome e migração. Mas é também uma antecipação da
estética glauberiana antes que a expressão “estética da fome” fosse
cunhada pelo autor. A luz “inventada” pelo diretor de fotografia, Luiz
Carlos Barreto, a partir da incapacidade do cinema brasileiro de pagar
pelos watts de energia usados em Hollywood ou no cinema europeu é
um bom exemplo de um cinema com orçamento austero, improvisações
técnicas, estilo minimalista e agressividade vanguardista sobre uma
base neo-realista (SHOHAT e STAM, 2006, p. 372).
Mas, se por um lado, a tarefa do Cinema Novo era conquistar o público
e o mercado brasileiros, por outro, os cinemanovistas prezavam a liberdade do autor e não estavam dispostos a fazer concessões ao Estado ou
adular o público com a teoria populista de uma arte simplista, repetitiva
e fossilizada, para ser de fácil compreensão e aceitação pelo público,
enquanto este, por sua vez, não estava ansioso para “ver sua própria
pobreza na tela” (idem, ibidem). Como o cinema brasileiro contemporâneo lida com público e mercado, veremos mais adiante.
Características e identidade da nova produção
Alguns filmes brasileiros contemporâneos foram em anos sucessivos
indicados ao Oscar (O quatrilho; O que é isso, companheiro?; Central
do Brasil; Cidade de Deus), sugerindo uma estética mais familiar aos
críticos que compõem a Academia de Hollywood. Central do Brasil foi
sucesso no Festival de Berlim, recebendo o maior prêmio do Festival,
o Urso de Ouro, além da premiação à atriz Fernanda Montenegro. Carandiru (2003) é o filme que bate o recorde de bilheteria desta fase
da “retomada”, com 4,6 milhões de espectadores (BUTCHER, 2005, p.
62). Esta marca só foi superada por 2 filhos de Francisco, o filme que
conta a história do nascimento e sucesso da dupla sertaneja Zezé de
4 Juntamente com Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (1964), e Os fuzis,
de Ruy Guerra (1964).
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Camargo e Luciano. Carandiru, além do seu sucesso particular, participou também do chamado “ano histórico”. Neste ano – 2003, o cinema
brasileiro supera a casa dos 20% de ocupação do mercado nacional, com
22 milhões de espectadores para o filme brasileiro (BUTCHER, 2005, p.
65). Tal feito nem sequer se aproxima da fase áurea da Embrafilme que
alcançou os índices de 30,8%, em 1980, e 34%, em 1984, de participação
do filme brasileiro no mercado nacional (ORICCHIO, 2008, p. 141).
Para além do sucesso de público e bilheteria em alguns poucos exemplos, os estudiosos do cinema brasileiro têm discutido quais as características do filme nacional neste período. Há algum consenso que
não há no cinema brasileiro da “retomada” unidade temática nem
muito menos estética, tal como mostramos acima no Cinema Novo. O
que caracteriza esta fase é a presença de muitos diretores – talvez os
novos diretores sejam maioria – fazendo filme ao mesmo tempo e no
mesmo lugar (Brasil), mas sem qualquer preocupação de articular um
movimento cinematográfico, com manifestos e posturas claramente
definidas, o que seria o caminho consciente para a construção de uma
identidade para o cinema brasileiro contemporâneo.
Outra questão que tem chamado a atenção dos estudiosos é a tendência
a uma abordagem de viés melodramático a partir de problemas individuais. Entraria como exemplo maior, configurando esta situação, o filme
Central do Brasil. Nesta mesma perspectiva, alguns estudiosos apontam
para a presença das mazelas e contradições da sociedade brasileira,
mas apenas como moldura da trama a ser desenvolvida, sem jamais
ser realmente discutida com profundidade. Se, de fato, a realidade
brasileira, de alguma forma, está presente nos filmes da “retomada”,
ela nunca é pensada de maneira dinâmica, ela nunca é pensada como
realidade em movimento, movida por contradições internas.
A discussão de projetos alternativos para a sociedade brasileira que
ultrapassem, que superem as nossas carências econômicas, políticas,
sociais e culturais não esteve até agora presente no cinema da “retomada”. O cinema militante da década de 1960 e 1970 vai dar “lugar
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a uma atitude respeitosa com relação à cultura popular, uma atitude
não política, mas politicamente correta” (sic!) por parte do cinema
brasileiro contemporâneo (NAGIB, 2000, p. 120). O que este cinema
pretende é uma “isenção política”, limitando-se a uma “observação
respeitosa do outro (...) daquele de outra classe social” (idem, p. 125)
que aparece apenas como ser humano e o filme trata “sem julgamentos
e sem apresentar soluções” (idem, p. 126) para os seus problemas. Este
cinema é qualificado pela autora como “pós-utópico”, em uma nítida
referência ao que aparecia socialmente como a identidade do Cinema
Novo, um cinema forte e intencionalmente marcado pela utopia.
Por sua vez, o cinema “pós-utópico” não tem a pretensão de lutar a
favor de um objetivo ou de um ator social (uma classe, por exemplo),
tampouco combater inimigo(s) interno(s) e/ou externo(s). Assim, pensando a partir da contribuição teórica de Giddens, podemos afirmar
que o cinema brasileiro contemporâneo refaz sua identidade revisando
comportamentos, atitudes e ideias do Cinema Novo. Esta reconstrução
identitária se faz, muitas vezes, pela incorporação de temas caros ao
Cinema Novo como a pobreza, o sertão, a favela, a violência, etc. Mas,
mesmo nestes casos, a perspectiva adotada marca uma oposição, ainda
que de forma velada, em relação aos cinemanovistas.
As críticas e as contestações
Mesmo com todo o entusiasmo que o crescimento da produção cinematográfica, sobretudo da produção de longas metragens5, tem gerado no
Brasil entre a crítica e o público, a unanimidade acaba aí. Está presente
na trajetória do cinema brasileiro da “retomada”, contando mais de
dez anos, a existência de polêmicas travadas no espaço público. A
Universidade, os congressos ligados à área, os atores mais diretamente
envolvidos com o cinema e o audiovisual têm se manifestado publicamente. A mídia tem repercutido este debate e tem sido ela própria,
simultaneamente, geradora do mesmo.
5 A trajetória vai em um crescendo de 17 longas metragens, em 1995, até o recorde de
73, em 2006, conforme Luís Caetano (apud Oricchio, 2008, p. 143).
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Apesar do surgimento de muitos novos diretores, como nos mostra a
professora Lúcia Nagib (2002) em seu livro O cinema da retomada:
90 depoimentos, não tem havido unanimidade sobre a natureza deste
cinema, olhando-se a diversidade de depoimentos. Para alguns cineastas, o cinema da “retomada” é um cinema “asséptico, anódino e
descarnado politicamente”. Podemos perceber que tais críticas podem
muito bem ser derivadas daquelas características centrais do cinema
da “retomada” que apontamos acima. Outros, entretanto, pensam que
os novos diretores, sobretudo, estão menos preocupados com idéias
mais ligadas a um ideário político e mais focados na recepção pelo
público. Leia-se, uma preocupação com o mercado que, em verdade,
é uma questão polêmica para o Cinema Novo desde quando Gustavo
Dahl (1966/67) escreveu o artigo Cinema Novo e seu público.
Nesta discussão, é razoavelmente recente o artigo de um jornalista que
entrou no debate com um texto intitulado: Olga casa com o público e
se divorcia da crítica. Este título irônico refere-se ao filme Olga, de
Jaime Monjardim, que teve muito boa acolhida entre o público, mas
que a crítica recebeu com certo desprezo, particularmente, pelo fato
de Monjardim levar para o cinema uma linguagem televisiva. Um crítico
chegou a afirmar que Olga podia ser cinema, mas não era filme.
A professora Ivana Bentes (2001), do curso de Comunicação da UFRJ,
talvez tenha sido a crítica mais dura. Com o seu artigo publicado no
jornal do Brasil, intitulado Da estética à cosmética da fome, ela recuperou o já clássico manifesto A estética da fome, lançado em 1965 no
Festival do Cinema Latino-Americano, em Gênova – Itália, por Glauber
Rocha (2004), para retomar as questões propostas por ele, agora para
a análise do cinema da “retomada”. Em uma síntese muito rápida,
Bentes afirma que Glauber propôs uma questão ética (como retratar
os excluídos, os marginalizados, etc., sem cair no populismo nem na
pieguice?) e uma questão estética (como retratar a fome, a miséria, a
violência, estes elementos constituintes da sociedade brasileira, como
fazer deles elementos radicais para a construção de uma nova estética
em um novo cinema?), que não foram plenamente resolvidos no Cinema
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Novo. À abordagem dada à fome, miséria e, nomeadamente, à violência
pelo cinema brasileiro desta fase atual, a “retomada”, Bentes qualifica
como uma “cosmética da fome”, pois apenas estetiza, glamouriza,
espetaculariza a fome, a miséria, a violência, sem discuti-la em suas
origens, causas e consequências. Entendemos que este tipo de análise,
essa linha de argumentação reforça as ideias que desenvolvemos sobre
a construção identitária no cinema brasileiro contemporâneo.
Fernando Mascarello, professor e pesquisador da UNISINOS-RS, em
seu artigo O dragão da cosmética da fome contra o grande público,
apropria-se do título de um filme de Glauber Rocha, ironiza e discorda
de Ivana Bentes e aponta na crítica da professora carioca certo vício
no olhar da cultura e das obras de arte. Para Mascarello, a partir
principalmente das idéias de Pierre Bourdieu, a crítica de Bentes é
“elitista”. De acordo com o seu entendimento, o problema se desloca
da obra para um tipo de recepção enviesada feita por uma professora
cuja percepção das obras passaria por uma suposta espetacularização
(‘cosmetização’) do sertão e da favela brasileiros. Mascarello retoma,
portanto, o problema apontado por Ismail Xavier da questão entre “vanguarda x mercado”, implicando a primeira parte da equação em uma
prioridade para os elementos estéticos e políticos da obra enquanto a
segunda parte remete para uma preocupação com a “busca por plateias
mais numerosas” (MASCARELLO, 2004). Para Mascarello, o fato de que
a crítica da “cosmética da fome” tenha sido produzida na Universidade
faz com que esta seja vista pelos não acadêmicos como “um bloco único
e essencial de autocentramento e hermetismo” (idem), embora, ainda
de acordo com seu ensaio, as posições destes críticos não representem
majoritariamente os ‘estudos de cinema’ brasileiros.
Para além da questão estética e de público, outra questão que tem sido
alvo de grandes polêmicas nesta fase do cinema brasileiro é a questão
do financiamento da produção. Baseada na chamada Lei Rouanet (Lei
8.313/91)6 e, nomeadamente, na chamada Lei do Audiovisual (Lei
6 A Lei Rouanet, neste momento, está submetida a ampla consulta pública pelo Ministério
da Cultura com a finalidade de ser alterada, para corrigir seus defeitos e melhorar sua
performance.
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8.685/93), que permitem às empresas privadas descontar no Imposto
de Renda devido (renúncia fiscal) o valor aplicado em projeto cultural
(no caso da Lei 8.685/93, apenas no Audiovisual), o cinema brasileiro
tem seguido em frente. Contudo, não tem faltado ataques a esta forma
de financiamento que, conforme os diversos críticos, deixa a cargo
dos departamentos de marketing das empresas privadas a seleção dos
filmes que devem chegar ao público. Estes departamentos não têm
gente especializada na área e simplesmente subordina a escolha da
obra a ser financiada aos interesses de construção de imagem da própria empresa, e tudo isso com dinheiro público. Desta forma, obras de
vanguarda no aspecto estético ou político (ou de ambos) dificilmente
são acolhidas pelos departamentos de marketing das empresas e, portanto, não chegam ao público.
ANCINAV
O governo Lula, desde seu primeiro mandato, tentou criar a Agência
Nacional do Cinema e Audiovisual (ANCINAV) em substituição à Agência
Nacional do Cinema (ANCINE), criada no governo anterior. O projeto
que “vazou” e veio a público através da imprensa em agosto de 2004
pretendia que a ANCINAV tivesse poderes para fiscalizar, regular e
buscar novas formas de financiamento para o Cinema e Audiovisual. A
cobrança de um percentual sobre a publicidade divulgada na TV (taxa
sobre a publicidade) era uma dessas formas. A ANCINAV teria poderes
bem maiores que a atual ANCINE.
Atacado violentamente pelas empresas de comunicação, particularmente pelas redes de televisão e, entre estas, em especial pela rede
Globo, que acusavam o projeto de “dirigismo estatal”, de ser um “retorno à censura” no País, o projeto foi esvaziado, perdeu substância
e finalmente morreu. O governo tirou o assunto da agenda pública, as
camadas sociais interessadas no projeto abdicaram de lutar por ele,
omitindo-se completamente, e os nichos de poder incrustados nas grandes empresas de mídia no País, que inviabilizaram o projeto, cuidam de
72
criar o silêncio dos cemitérios em torno de qualquer ideia que possua
conteúdos semelhantes. Hoje, nenhum segmento social discute mais
a ANCINAV ou qualquer coisa parecida e que possa resgatar as idéias
centrais presentes naquele ambicioso e modernizante projeto.
O projeto sobre a Lei Geral do Meios de Comunicação de Massa, também
gestado no Ministério da Cultura, que pretendia disciplinar e ordenar
o funcionamento dos meios de comunicação de massa no País, como
ocorre na Europa Central, nos EUA, no Japão, foi igualmente abandonada pelo governo que se resigna a fazer apenas o que as grandes
empresas de comunicação brasileiras aceitam.
Conclusão: Retomamos, mas os problemas continuam!
À guisa de conclusão, faremos algumas considerações sobre as questões
abordadas acima.
É verdade que surgiram muitos novos cineastas e que a produção se
recuperou, embora em um patamar muito inferior ao pico que alcançou na fase áurea da Embrafilme. Isto significa que ainda há muito
espaço para crescimento. Contudo, os problemas de financiamento da
produção continuam como apontamos acima. A questão da distribuição
praticamente não foi alterada na fase da “retomada”. Embora tenha
aumentado o número de salas no País, elas se concentram principalmente nas grandes cidades e, nestas, dentro dos shoppings centers.
De acordo com o IBGE, apenas 7% dos municípios brasileiros (menos de
500 em 5.565 municípios) têm salas de cinema.
A relação do Cinema X TV não está resolvida no Brasil, como vimos na
fracassada tentativa de criação da ANCINAV. No entanto, ela é fundamental para a estratégia do cinema moderno no mundo inteiro. Esta
questão não será resolvida enquanto o País não tiver uma Lei Geral dos
Meios de Comunicação de Massa moderna e consistente, que entenda
as diferentes mídias (TV incluída) não como aparelhos técnicos, mas
como produtores e difusores de cultura e identidade.
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Para finalizar, vimos acima como as questões estéticas e políticas do
cinema da “retomada” ainda estão amarradas a uma forma de financiamento público que submete aos departamentos de marketing das
empresas a seleção de quais filmes devem ser financiados ou não, isto
é, quais filmes poderão ser assistidos pelo público. Enquanto não for
desatado este nó, são muito pequenas as possibilidades do surgimento
de ousadias estéticas e políticas, de novas vanguardas que criem uma
nova identidade para o cinema brasileiro contemporâneo, como fez
o Cinema Novo, que vá além do fato de ser um “cinema novinho” e
“pós-utópico”.
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do Brasil, de 08/07/2001.
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grande público: Uma análise do elitismo da crítica da cosmética da
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DESAFIOS DA ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA: A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO
DA MORALIDADE E SEUS REFLEXOS
NOS DIREITOS HUMANOS
ROMMEL ROBATTO
Professor do Curso de Direito da F2J, Mestre em Direito Público (UFPE), Doutorando em Direito (UAL), Especialista em Direito Administrativo e Constitucional
(UFPE) e Direito Civil (UFBA), Bacharel em Direito (UCSal), Especialista em
Docência do Ensino Superior (F2J).
Email: [email protected]
Resumo
O presente artigo mostra os desafios da ética como formadores de cultura
humana e jurídica no nosso ordenamento, com o fito de proporcionar a aplicabilidade e efetividade dos institutos jurídicos, coibindo qualquer forma de
ofensa ao princípio reitor da Constituição Federal — a moralidade. Objetiva o
presente estudo, retratar e reforçar a análise criteriosa da ética nas condutas
dos agentes frente à máquina administrativa, com o desiderato de alertar
a sociedade de modo com relação às improbidades e desvios de finalidade
cometidos pela Administração Pública.
Palavras-chave
Ética. Moral. Direitos Humanos. Princípios. Administração pública.
Resumen
Este artículo muestra los desafíos de la ética como forjadores de la cultura
humana y en nuestro ordenamiento jurídico, con el objetivo de proporcionar
a la aplicabilidad y eficacia de las instituciones jurídicas, la reducción de
cualquier forma de insulto a los principios rectores de la Constitución - la
moralidad. El presente estudio tiene como objetivo describir y reforzar el
análisis crítico de la ética en la conducta de los agentes frente a la máquina
administrativa, con el desiderátum de proteger a la sociedad de forma más
amplia y efectiva de malversación y apropiación indebida y la desviación del
propósito perpetrados por la Administración Pública.
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Palabras-clave
Ética. Moral. Derechos Humanos. Princípios. Administración pública.
Ética – palavras iniciais
A Ética, ethos, em grego, em primeiro lugar significa morada. Daí se
dizer o significado de “morada do ser”. A ética sublima a consciência
dos homens, seu conhecimento com o mundo que o cerca com a realização do bem.
Não se pode esperar que a ética seja realizada como instrumento para
julgar o pensar e o fazer humanos, mas uma maneira de propor o que
eles devem fazer e não fazer. Designa a reflexão filosófica sobre a
moralidade, isto é, sobre as regras e os códigos morais que norteiam
a conduta humana. Sua finalidade é esclarecer e sistematizar as bases
do fato moral e determinar as diretrizes e os princípios abstratos da
moral. Neste caso, a ética é uma criação consciente e reflexiva de um
filósofo sobre a moralidade, que é, por sua vez, criação espontânea e
inconsciente de um grupo.
Portanto é uma questão ética o desenvolvimento das potencialidades
humanas, um aprimoramento de suas virtualidades.
Explica, com propriedade, Adeodato (2002, p. 139):
O conceito de ética sofreu profundas modificações desde então e tem quase tantas definições quantos são os autores que
examinam. Sua aplicabilidade prática, porém, permanece fiel
ao sentido original de hábito, uso, costume, direito. De uma
perspectiva pragmática, as normas éticas preenchem a mesma
função vital: reduzem a imensa complexidade das relações humanas e ajudam o ser humano a decidir sobre como agir. E é a
decisão que neutraliza o conflito.
A ética serve para revelar padrões de conduta compatíveis com o
bem comum, não se presta a justificar ou referendar atos humanos
incompatíveis com a razão, aos seus semelhantes e à natureza que os
circunda.
A esse respeito, argumenta Lima Vaz (1993, p. 13): “O domínio do physis
ou o reino da necessidade é rompido pela abertura do espaço humano
do ethos no qual irão inscrever-se os costumes, os hábitos, as normas
e os interditos, os valores e as ações”.
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A ética, em uma perspectiva tradicional, é compreendida como um
estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente teológica, sobre os costumes ou as ações humanas.
Assim, pode-se extrair que a ética tem como preocupação o comportamento do homem e desenha-se nos princípios gerais que regem este
tipo de comportamento, como e o porquê os homens agem de acordo
ou não com a moral, discutindo, argumentando, problematizando e
interpretando a mesma.
Daí, observa-se o caráter filosófico da ética, que possui uma amplitude
globalizante para com a Moral, o Direito, a Política, dentre outras.
A ética pode ser vista, do prisma de diversas teorias: substâncias,
preconizada pelo pensamento metafísico, desde Platão (428-347 a.C.),
dividia o mundo inteligível do sensível, o mundo real do ideal, que por
certo, foi objeto de críticas pelos Sofistas, que preconizavam que o
“bom e o belo” não passam de mera convenção. Platão expõe no Mito
da Caverna, realidades distintas. Para ele, a ética é substancial, sendo
o bem algo valorado.
Os consequencialistas, Karl Marx (1818-1883), Max Weber (1864-1920),
entendiam que a ética kantiana não avaliava as ações, posto que, conforme a ótica de Kant (1724-1804), mentir não passa de um imperativo
categórico, e isto não satisfaz aos consequencialistas, posto que mentir
não é um mal, a depender de suas consequências. Partindo deste raciocínio, a teoria analítica se preocupa com o ser e as consequências do
agir deste ser. Surgem, após o emotivismo para o qual o fundamento
da vida moral não é a razão, mas a emoção.
Os sentimentos humanos são causas das normas e dos valores éticos, que
pregam a dependência da ótica do indivíduo em perceber tais valores
e o relativismo, que propugnam pela separação de fato e valor, pois
ambos são relativos à luz da ótica de cada um.
Neste sentido, leciona Adeodato (1996, p. 129):
A preocupação de Kant é estabelecer uma ética autônoma, cujo
fundamento de validade não viria de fora, mas sim de postulados
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estabelecidos pela própria razão prática. Por isso o sujeito e sua
consciência sempre preponderam sobre o conteúdo e os efeitos
da ação, sobre o objeto, que assume papel secundário.
Mais modernamente, os utilitaristas, em uma vertente da ética consequencialista, calcada em se perceber utilidade como sinônimo de prazer
e bem estar (utilidade=prazer=bem-estar). Assim, para se determinar
se uma ação é boa, deve-se analisar os ganhos ou perdas obtidos;
destaca-se, nesta vertente, a esfera econômica. Os utilitaristas fazem,
por certo, um cálculo custo/benefício que resultam em um sacrifício
e são insensíveis à distribuição equitativa no caso de Justiça. Temos
como defensor da teoria utilitarista John Stuart Mill (1806-1873).
Desse modo, pode-se perceber que o interesse da ética é o ser humano, é a pessoa em todas as suas dimensões, perfazendo, porém, uma
unidade no seu ser e no seu dever ser. Assim, pode-se afirmar que a
ética é um comportamento interior, reflexões acerca de valores, e, por
conseguinte, uma tomada de posição em relação a estes valores.
Muitos autores, por vezes, diferenciam ética de moral, usando uma
perspectiva didática e separatista; outros englobam os conceitos por
uma visão indissolúvel. De fato, não é a moral o mesmo que ética,
embora o que há de mais importante é que a moral é um fundamento
da ética.
A ética não cria a moral. Enquanto a primeira é filosófica e especulativa, esta última é normativa, embora existam correntes que pensem
ser a ética uma ciência dogmática. Para que haja uma conduta ética,
faz-se necessário que se exija agente consciente, ou seja, aquele que
sabe discernir sobre o certo e o errado. Atrelada aos conceitos de certo
e errado está a concepção da consciência moral dos indivíduos. Esta
consciência moral é aquela voz interior que diz a cada um que se deve
fazer o bem, em todas as ocasiões e evitar o mal.
A consciência moral reconhece a diferença entre o bem e o mal, sendo
capaz de julgar o valor dos atos e condutas e de agir de acordo com os
valores morais; assim o indivíduo é responsável por suas ações e sentimentos no mundo social. Sánchez Vásquez (2001, p. 83) preleciona:
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A moral é um fato social. Verifica-se somente na sociedade, em
correspondência com necessidades sociais e cumprindo uma
função social. A moral é uma forma de comportamento humano
que compreende tanto um aspecto normativo (regras de ação)
quanto um factual, atos que se comportam num sentido ou no
outro com as normas mencionadas.
O campo ético é formado por obrigações e valores que constituem
o conteúdo das condutas morais-virtudes, realizadas pelo sujeito ou
agente moral, principal integrante da existência ética. Para que exista a conduta ética, é necessário que o agente seja consciente, quer
dizer, que possua capacidade de discernir entre o bem e o mal (cabe
observar agora que agir eticamente é ter condutas de acordo com o
bem. Todavia, definir o conteúdo desse bem é problema à parte, pois
é uma concepção que se transforma pelos tempos).
Este agente pode ser passivo ou ativo. Passivo, quando se deixa arrastar
e governar por seus impulsos, inclinações e paixões, não exercendo
sua própria consciência, liberdade e responsabilidade; ativo e virtuoso,
quando capaz de controlar interiormente seus impulsos, discutindo
consigo e com os demais o sentido dos valores e dos fins estabelecidos,
consultando sua razão e vontade antes de agir, sendo responsável pelo
que faz e não se submetendo à vontade de terceiros.
A ética pode ser vista, neste sentido, como uma educação interior do
caráter do sujeito moral para dominar racionalmente seus impulsos
e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, para
formá-lo como membro da coletividade sociopolítica. Sua finalidade
é a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos, pois, encontrados nos seres
racionais.
Com sua clareza peculiar Saldanha (1998, p. 7) salienta:
De fato a ética — com ethos — se refere aos seres humanos e
não abrange os animais (como certos estóicos tendiam a pensar),
nem obviamente aos possíveis seres — humanos, deuses e anjos.
Nesse sentido, toda teoria ética pressupõe uma antropologia
filosófica.
82
Um outro elemento consciente do campo ético são os meios para que o
indivíduo atinja seus fins. A afirmação que os fins justificam os meios,
em ética, deixa de ser óbvia. Chauí (1995, p. 341) afirma que usar
meios imorais para chegar a um fim ético não é correto, porque esses
meios desrespeitam a consciência e a liberdade da pessoa moral, que
estaria agindo por coação externa e não por reconhecimento interior
do fim ético. Fins éticos exigem meios éticos.
A moral é o aspecto subjetivo da ética, o que vale dizer que ela é
bilateral e autônoma, ou seja, impõe uma obrigatoriedade de suas
normas do interior para o exterior, por meio de uma livre iniciativa,
inteira e total convicção individual do sujeito, em que a única pena
para a possível violação é o remorso.
Para que não ficasse a moral apenas como sugestão de comportamento,
o direito, por ser bilateral e coativo, impõe a obrigatoriedade de suas
normas, do exterior para o interior, independentemente da convicção
individual do agente, através do Estado, com a garantia da força.
Saliente-se que a moral é lastro de criação para um feixe de normas
jurídicas. Enfim, tanto a moral, como o direito, integram a ética.
Maia (2000, p. 111) comenta a ética da tolerância em uma perspectiva
ontológica:
Como forma de coadunar os problemas gerados pela ontologia,
e efetuar sua respectiva junção com a retórica, Adeodato surge
com a proposta de uma ‘ética da tolerância’, que busque exatamente respeitar a diversidade servindo as normas do direito
positivo como forma de auferir a segurança necessária ao direito,
e os espaços argumentativos como claramente existentes em
respeito à diversidade de formas de percepção do jurídico.
E continua Maia (2000, p. 111) em sua elucidativa explicação: “[…]
Enfim a ética da tolerância seria uma maneira de não fixar na ontologia
generalizante dos jusnaturalistas e positivismos até então imperantes
na filosofia do direito”.
Muito embora seja uma forma de ética, respeitar a diversidade cultural
do direito, embora tenha críticas levantadas pelo autor, entende-se,
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que o direito não pode ficar engessado a um tipo de defesa argumentativa, devendo respeitar as diversas correntes do pensamento humano
e promover cultura e senso ético, mesmo que tolerável.
A dissociação entre direito e ética não pode ser admitida. Lembra Adeodato (1996, p. 200-201) que essa separação somente é admissível como
“[…] artifício metodológico e pragmático […]”, não expressando “[…]
qualquer ‘realidade em si’, ontológica, que pudesse vir a ser erigida
em paradigma científico”.
Ética: uma abordagem historicista resumida
No Ocidente, o estudo da ética inicia-se com Sócrates (468-406 a.C.),
que, ao percorrer as ruas de Atenas, perguntava aos atenienses o
que eram os valores nos quais acreditavam, respeitavam e agiam. As
perguntas socráticas terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora
ensinado desde a infância.
Os atenienses sentiam-se embaraçados ou mesmo irritados com as
perguntas, por perceberem que confundiam valores morais com os
fatos constatáveis da vida cotidiana, e também porque tomavam os
fatos da vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes. Desse
modo, Sócrates ao fazer uso da maiêutica (“a arte de parir ideias”),
permitindo aos atenienses o refletir sobre os costumes de Atenas que
seguiam e não sabiam o porquê, torna-se uma persona non grata à
ordem social, por questionar valores que nunca foram ou não deveriam
ser questionados.
Em resumo, os atenienses confundiam fatos e valores, pois ignoravam
as razões ou causas porque valorizavam certas coisas, pessoas ou ações
e desprezavam outras.
A indagação ética Socrática dirige-se à sociedade e ao indivíduo. As
questões socráticas inauguram a ética ou a filosofia moral, porque
definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser esta-
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belecidos, ao encontrar o início, isto é, a consciência do agente moral.
É o sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece
o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos
valores morais.
Outros filósofos influenciaram sobremaneira na ética, Platão (427-347
a.C.), com a ética platônica apoiada a aspectos metafísicos, epistemológicos, políticos. Já Aristóteles (384-322 a.C.), entendia que a finalidade
da ética era descobrir o bem absoluto que chamava de felicidade. A
virtude era preciosa de acordo com o pensador, vista como um justo
meio entre os vícios extremos, por exemplo, avareza e prodigalidade.
Importante acrescentar que para se conhecer, com profundidade, a
ética aristotélica há necessidade de se estudar três livros: a Nicômaco,
a Ética eudemia e a Moral magna.
Não podemos deixar de registrar a ética epicurista, fonte de influência
dos hedonistas na atualidade, a ética estóica lastreada pela virtude
e natureza.
Santo Agostinho (354-430) viveu durante os anos de declínio do Império
romano, foi o maior teólogo de sua época. Seus trabalhos influenciaram profundamente as doutrinas e as atitudes cristãs por toda a Idade
Média, o que, na verdade, ainda se mantém hoje. A base de gravitação
da moral agostiniana são o amor e a vontade.
Santo Tomás de Aquino (1225-1274) redescobriu o pensamento aristotélico e napoleônico. Surge o tomismo sendo considerado a doutrina
de maior influência da Igreja, só a fé salva, só a fé pode salvar. Temos
neste período a fortificação da moral cristã, que reforça na atualidade
com vistas à prática mercantil.
Na Idade Média, as concepções éticas vincularam-se aos valores religiosos, o que resulta na identificação do homem moral com o homem
temente a Deus. O cristianismo considera que o ser humano é, em si
e por si mesmo, incapaz de realizar o bem e as virtudes, introduzindo
uma nova ideia na moral: a ideia do dever. Mas, as mudanças socioculturais e econômicas da Idade Moderna trouxeram novos conceitos
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de moral e ética que se voltaram, principalmente, para a autonomia
moral do indivíduo.
O Iluminismo, por seu turno, conforme Aranha (1993, p. 284), mostra
que ser religioso não é condição sine qua non para ser moral: “Ser
moral e ser religioso não são pólos inseparáveis, sendo possível que
um homem ateu seja moral, e ainda, que o fundamento dos valores
não se encontre em Deus, mas no próprio homem”.
Contudo, a ideia do dever permanecerá como uma das principais características da concepção ética ocidental.
Entrementes, como falar em comportamento ético por dever, já que
este seria um poder externo, que impõe suas leis, forçando o indivíduo a
agir em conformidade com regras vindas de fora de sua consciência?
Um dos filósofos que procurou resolver essa dificuldade foi o francês
Jean Jacques Rousseau (1712-1778), no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos. O homem nasce puro
e bom; o dever é uma forma de ele recordar essa natureza originária
e, portanto, só em aparência é imposição exterior.
Obedecendo ao dever, está o homem obedecendo a si próprio, aos
seus sentimentos e não à razão, pois esta é responsável pela sociedade
egoísta e perversa.
Uma outra resposta, também no final do século XVIII, foi trazida por
Immanuel Kant (1724-1804). Opondo-se a Rousseau, Kant volta a afirmar
o papel da razão na ética. Por natureza, diz Kant, o homem é egoísta,
ambicioso, destrutivo, agressivo e cruel.
Assim, é através do dever que o homem se torna um ser moral. O dever, longe de ser uma imposição externa feita à vontade e consciência
humanas, é a expressão da lei moral no ser humano, manifestação mais
alta da humanidade em cada indivíduo.
Os ideários da Revolução Francesa firmam-se como uma nova ética
do absoluto para o coletivo, rompendo-se várias fronteiras do poder
total.
86
Obedecer à moral é obedecer a si mesmo. O homem se faz autônomo à
medida que obedece a si mesmo, isto é, aos valores, à moral. Rousseau
e Kant procuraram conciliar o dever e a ideia de uma natureza humana
que precisa ser obrigada à moral.
Já no século XIX, as relações entre capital e o trabalho fizeram surgir
os movimentos de massa e a tentativa de teorização desses fenômenos. Nesse sentido, Karl Marx se destaca, observando que onde existe
sociedade dividida em classes, a moral da classe dominante predomina
sobre a classe dominada e torna-se um instrumento para manter a
dominação. Portanto, as condições da moral verdadeira só existiriam
na sociedade sem Estado e sem propriedade privada.
A tradição filosófica examinada até aqui constitui o racionalismo ético,
pois atribui à razão humana o lugar central na vida ética.
Há, ainda, outra concepção ética, francamente contrária à racionalista (e por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que contesta
a razão, o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões,
identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante.
Essa concepção encontra-se em Friedrich Nietzsche (1844-1900) e
em vários filósofos contemporâneos. Para esses filósofos, que se pode
chamar de antirracionalistas, a moral racionalista ou dos fracos e ressentidos que temem a vida, o corpo, o desejo e as paixões é a moral
dos escravos, dos que renunciam à verdadeira liberdade ética.
Contra a concepção dos escravos, afirma-se a moral dos senhores ou a
ética dos melhores, a moral aristocrática, fundada nos instintos vitais,
nos desejos e naquilo que Nietzsche chama de vontade de potência,
cujo modelo se encontra nos guerreiros belos e bons das sociedades
antigas.
A teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939) veio trazer uma
nova concepção de moral, fundamentada no inconsciente. A descoberta
de que existe na base de todo comportamento humano, um mundo
oculto de pulsões, desejos, sexualidade e agressividade, ajudou na
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superação de preconceitos, bem como na valorização do corpo e das
paixões, orientando a moral cada vez mais na direção do homem
concreto.
forma de pensar e atuar das pessoas; a ética, neste diapasão, pode ser
flexível e por vezes volátil. Resultado: os riscos de quebra de conduta
ética são ainda maiores.
A guerra de 1939-1945 dissolveu os últimos grandes impérios coloniais,
A velocidade, que é defendida por muitos no mundo empresarial, sob
fazendo eclodir neste sistema os Estados Unidos da América e a União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com o advento da Guerra Fria
se fez diminuta as esperanças de paz no mundo ocidental e oriental.
Vários fatores no que tange à conduta humana surgiram, também, a
partir da queda do muro de Berlim e paulatinamente à formação de
blocos econômicos dominadores de tecnologia.
pena de não se adequar ao mercado e perder clientes, no que concerne
às questões éticas é um complicador. Em geral, as pessoas precisam
de tempo para tomar decisões e pensar o que vão fazer quando se
deparam com um dilema ético. A ética no mundo virtual é por demais
complexa, impondo, inclusive, regras especiais para padronizar o comércio eletrônico.
Direitos Humanos e a Ética
Os direitos humanos ficaram em segundo plano pelas nações imperialistas e por países emergentes em face ao ganho do capital.
A globalização e os direitos humanos estão cada vez mais sendo discutidos porque a sociedade exige mais transparência e mais respeito.
Vive-se em um mundo de muitas diversidades e principalmente desigualdades sociais, culturais e econômicas, criando-se uma indignação do
comportamento humano, mormente no que se refere aos dominadores
de tecnologia que se utilizam da moeda como fator de escravidão —
“Capitalismo Selvagem’’.
Adicione-se ainda o fato de que a ascensão do capitalismo e o avanço
da globalização fizeram com que a cultura ocidental de valorização do
consumo se expandisse por todo o mundo, criando a noção de que para
se obter respeito é necessário ter determinados símbolos de poder que
representam o ‘vencedor’, todos eles adquiridos com muito dinheiro.
O terrorismo, infelizmente, é expressão deste colapso. A tecnologia
eletrônica, a Internet estão mudando o comportamento ético das pessoas; distanciando cada vez mais os seres humanos.
A Internet atua em uma velocidade estúpida, pondo mudanças no dia a
dia sobre os fatos e acontecimentos, o que inegavelmente, modifica a
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Todo ser humano sente a necessidade de se firmar perante a sociedade
e, para tanto, estipula condutas internas que se exteriorizam face à
comunidade, muitas vezes, criando larga aceitação. Dessa aprovação
social surgem valores coletivos que aproximam os homens e atenuam
conflitos.
Tais condutas em uma sociedade representam e pressupõem observância
a determinados valores que os subordinam entre si. É claro que das
condutas coletivamente aceitas, surgem valores sociais que podem ser
normatizados pelos Estados, ou integrados nos costumes e tradições
de um povo.
Assim é que a ética, uma vez reconhecida como uma adesão voluntária,
fez surgir os códigos de ética de cada grupo social que o reconheça ao
seu modo e à sua experiência.
Desta forma, nos diferentes segmentos da organização social, quer nos
aspectos familiares, quer nos aspectos obrigacionais, políticos ou empresariais, urge imperiosamente a elaboração normativa de disposições
jurídicas afinadas aos reclamos éticos proclamadores do código.
Para a ética, não basta que exista um elenco de princípios fundamentais e direitos definidos nas constituições. O desafio ético para
uma nação é o de universalizar os direitos reais, permitindo a todos a
cidadania plena.
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Pode-se indagar: os que mentem ou trapaceiam vivem de acordo com
patrões éticos? Singer (1998, p. 17) enfrenta o tema da seguinte ótica:
Os que mentem trapaceiam, mas não acreditam que é errado o
que fazem, podem estar vivendo de acordo com padrões éticos.
Podem acreditar, por alguma dentre inúmeras razões possíveis,
que é correto mentir, trapacear, roubar etc. Não estão vivendo
de acordo com padrões éticos convencionais, mas podem estar
vivendo de acordo com outros tipos de padrões éticos.
Insta observar que a citação acima, mesmo existindo razão lógica de
ser é passível de críticas, todavia, não se pode deixar de mencionar
que a ética em uma visão da Administração Pública deixa poucos espaços vazios para atuar, e quando os deixa jamais se pode perder de
mira a legalidade e finalidade pública. Outrossim, sem induzir uma raiz
meramente dogmática à ética, convém lembrar que, hodiernamente,
muitas das condutas humanas estão visivelmente estipuladas em normas
deontológicas, tais como observar-se-ão quando da análise do código
de ética profissional.
Importante considerar o aspecto da ética social como dimensão da
ética, como aduz Bezerra (2001, p. 27):
Ninguém é ético para si mesmo, mas em relação aos outros e
ao mundo exterior. Portanto, a ética nunca é exclusivamente
individual; refere-se pelo menos a uma pessoa em interação
com outra. Somos seres éticos em relação a alguém. Esta é a
ética das relações interpessoais, chamada microética. A microética abre-se à macroética ou à ética das ações coletivas,
onde o sujeito não é o indivíduo mas um grupo, a associação e
a comunidade política.
A proteção da moralidade administrativa
O administrador público está sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, sob pena de praticar ato inválido e expor-se
às responsabilidades administrativa, civil e criminal.
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A Constituição Federal em vigor assumiu postura firme, visando coibir
a prática de atos de improbidade, mencionando os princípios da moralidade e da probidade.
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Moreira Neto apud Ives Gandra Martins (1999, p. 106) faz um belo
retrospecto histórico acerca do princípio da moralidade:
No estudo dessas relações, desde logo encontramos o magno problema da distinção entre os dois campos, da moral e do direito, e
destacadamente, duas geniais formulações a respeito: primeiro,
no início do séc.XVIII, de Christian Thommasius, e, depois, já
no fim desse século, de Immanuel Kant. Thommasius delimitou
as três disciplinas da conduta humana: a Moral (caracterizada
pela idéia do honestum), a política (caracterizada pela idéia
do decorum), e o Direito (caracterizado pela idéia do iustum),
para demonstrar que os deveres morais são do ‘‘foro íntimo” e
insujeitáveis, portanto, a coerção , enquanto os deveres jurídicos
são externos e, por isso, coercitíveis. Immanuel Kant, sem, de
todo, abandonar essa linha, ao dividir a metafísica dos costumes
em dois campos,distinguiu o da Teoria do Direito e o da Teoria
da Virtude (moral); as regras morais visam garantir a liberdade
interna dos indivíduos, ao passo que as regras jurídicas asseguram
a liberdade externa na convivência social.
E continua Moreira Neto apud Ives Gandra Martins (1999, p. 109):
caberia um pouco mais tarde, a Maurice Hauriou introduzir, sem
vacilar, enfrentando a dura crítica de então, notadamente de seu
amigo Leon Dugui, o deão de Bordéus, o conceito de moralidade
administrativa. A literatura jus-naturalista registra, a propósito,
como primeira menção à moralidade administrativa, as anotações
de Hauriou às decisões do Conselho de Estado Francês proferidas
no caso ‘Gommel’ em 1914.
Moreira Neto alerta para o conceito de moralidade (2001, p. 58):
”Para bem compreender essa apertada síntese conceitual de Hauriou
— conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração, é mister precisar o alcance de certas premissas que nela
se subentendem”
A moralidade administrativa constitui, também, pressuposto de validade
de todo ato da Administração Pública, que deverá obedecer a ética.
Carvalho Filho (2003, p. 15) ensina:
O princípio da moralidade impõe que o administrador público
não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em
sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência,
oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o
que é honesto do que é desonesto.
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Moreira Neto (2001, p. 49) reforça ao afirmar: “A expressão admissão
to o chefe do Poder Executivo (em qualquer dos níveis federativos),
do princípio da moralidade administrativa no texto da constituição de
1988 provocou, como seria de prever, um ressurgimento dos estudos
do tema ético no Direito e na Administração Pública”.
como os senadores, deputados, vereadores, ocupantes de cargos ou
empregados públicos da administração direta ou indireta, inclusive
empresas públicas e sociedades de economia mista, concessionários e
permissionários de serviços públicos, os requisitados, contratados sob
o regime de locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos
e também os ocupantes do terceiro setor.
Assim, o princípio da moralidade orienta a atuação do agente da
Administração em direção à ética profissional, devendo agir com honestidade, quanto aos motivos, ao conteúdo e aos fins. Trata-se, aqui,
de moralidade administrativa e não da moralidade comum, isto é, da
avaliação entre o honesto e o desonesto, mas na órbita da Administração Pública.
Este princípio consagra, ainda, que não basta que a atuação do administrador seja legal, ela deve ser concomitantemente moral. Por
isso, incorre o ato em desvio de finalidade aquele que não respeitar à
moralidade administrativa, entendida da melhor maneira técnica como
a ética profissional, pois o administrador deve atender a princípios
básicos tais como: honestidade, zelo com a coisa pública, sigilo quando necessário, competência, prudência, humildade, imparcialidade,
lealdade, boa-fé objetiva e tantos outros.
Um administrador público, no desempenho de suas funções, deve ter
muitas qualidades e atributos, alguns indispensáveis para desenvolver
seu mister. São essas qualidades ou virtudes que vão traçar o perfil de
um administrador ético.
Virtudes básicas profissionais são aquelas indispensáveis,
sem as quais não se consegue a realização de um exercício ético competente, seja qual for a natureza do serviço
prestado. (SÁ, 1996, p. 151).
Um profissional comprometido com a ética não se deixa
corromper em nenhum ambiente, ainda que seja obrigado
a viver e conviver com ele. (SÁ, 1996, p. 162).
Assim, todo aquele que desempenha funções admitidas pelo regime
jurídico administrativo é um agente público e deve prescrevê-las
com a conduta ética. Pela sua manifesta generalidade, esse conceito
abrange um leque bastante amplo de manifestações, englobando tan-
92
Sérgio Andréa Ferreira apud Moreira Neto (2001, p. 90) preleciona:
Cognato com a legalidade e a legitimidade é a moralidade administrativa, que, elencada com o princípio do caput do art.
37, é erigida em interesse social juridicamente tutelado, na
medida em que o art. 5º, LXXIII, faz da lesão a ela, fundamento
fático- jurídico e hábil a se inserir na causa pretendida da ação
popular. É a moralidade juridicizada: o princípio ético tornado
princípio e interesse juridicamente significativos. Na realidade,
não basta, conforme salientado, que o administrador se atenha
ao restrito cumprimento da legalidade, devendo o exercício de
seus direitos, poderes e faculdades ser balizado por parâmetros
de razoabilidade e justiça, fazer-se de modo regular, sem abuso,
tudo isso informado pelos princípios éticos.
É cediço lembrar que a moralidade é um tema de projeção internacional, não estando afeto apenas ao Brasil. Urge enfocar que o Estado
Democrático de Direito como é o Brasil, só pode sobreviver se proteger
dentre outros institutos jurídicos, o da moralidade e, para tanto, deve
se precaver através de normas jurídicas de cunho, inclusive punitivo,
para os algozes da imoralidade. Outrossim, mister se faz referir, neste
momento, que uma vez agredida a moralidade, por via transversa ou
oblíqua, agredida está a legalidade.
A esse respeito cabe citar Moreira Neto (1999, p. 91): “A moralidade
será poderosa aliada na busca da finalidade do ato, na busca do interesse público, no contraste do ato discricionário, na análise de possíveis
desvios de finalidade”.
Fazzio Junior (2002, p. 19) leciona: “A valoração moral é atributo de
pessoas físicas, uma vez que as pessoas jurídicas e suas atividades não
têm discernimento ético; são avaliados objetivamente”.
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Moreira Neto (2001, p. 51) salienta, ainda, a respeito do cuidado com
a moralidade pelos integrantes dos três Poderes e as consequências
para o sistema representativo:
Moralidade tem sido cada vez mais cobrada dos parlamentares,
dos juízes e dos administradores, na medida em que aumentam
as decepções populares com a conduta de seus dirigentes. O
descrédito dos políticos, como não poderia deixar de ocorrer,
se tem comunicado às próprias instituições, abalando-as profundamente nos seus alicerces, tantas vezes tão laboriosamente
plantados pelos povos.
Percebe-se, no estudo da moralidade, que sua violação consiste muitas
vezes da participação direta ou indireta de um terceiro, por vezes,
Conclusão
Durante todo este estudo se percebe que os valores éticos têm que ser
resgatados, mantidos e defendidos por toda a coletividade.
Nesse pensar é que se defende a ética em uma perspectiva de valores
e costumes válidos perante o Direito, com posição de destaque no
mundo contemporâneo e que a ciência jurídica se utiliza com constância para compreender o comportamento humano, suas nuanças e
reflexos sociais que cada vez mais ganham terreno nas relações dos
Direitos Humanos.
parente, “amigo” ou até mero conhecido, posto que estas figuras
Assim, não se pode deixar de declinar da importância sólida e efer-
rasteiras se aproximam daqueles que estão no poder e depois, ine-
vescente também na filosofia, ora refletindo e iluminando os diversos
gavelmente os denunciam. Tem-se, mormente, nesta década, vários
fenômenos sociais, ora teorizando interpretações e reflexões seguras
casos que poderiam ser narrados neste trabalho, todavia como muitos
para o melhor convívio dos povos.
ainda não foram transitados em julgado, por respeito a este princípio,
A ética é um guia seguro que os homens possuem para tornar respeitosas
não se cita nomes ou fatos. Oxalá, que casos terríveis e escandalosos
e aceitáveis o seu convívio. Não se pode deixar de analisar os passos
não mais ocorram.
éticos de qualquer ação e em qualquer campo de pensamento sempre
Importante destacar que para se alcançar a governabilidade, efetivi-
com base no respeito aos direito humanos.
dade integral das normas jurídicas, bem assim, a segurança jurídica,
Importante ressaltar que na clássica expressão — interesse público —,
precisa-se, indubitavelmente, promover uma mudança substancial nas
repousa valores de ordem ética, moral, religiosa, enfim, uma amplitude
condutas destes agentes, com moderação e equilíbrio em respeito aos
de fatores internos que repercutem externamente por toda a sociedade.
direitos e garantias constitucionais.
Daí a importância da ética, como uma proteção do indivíduo contra os
O desvio de finalidade, importante reprisar, ocorre toda vez que a
desmandos de quem quer que seja, bem como, um freio seguro contra
autoridade pratica um ato visando atingir um fim diverso daquele pre-
as tentações do mundo moderno.
visto em lei, ou não destinado a atender ao interesse público, ou, até
A conduta criminosa cresce alarmantemente no Brasil, fruto talvez do
mesmo, quando o ato objetivamente indique atendimento ao interesse
contexto histórico de exploração e submissão, bem como, da presença
público, mas subjetivamente tenha o escopo de satisfazer interesse
marcante da ideia de impunidade.
privado (da própria autoridade ou de terceiros); configurar-se-á, desse
modo, o desvio de finalidade.
De fato a sociedade mudou, clonou e conectou seus alicerces morais
e ideológicos a uma nova ordem mundial, que domina a todos pela
tecnologia. A pessoa teve que mudar, seus valores foram esquecidos e
não exercidos, a luta pela sobrevivência induz à prática desordenada
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de desconsiderações e atitudes insulares. O ganhar não se trata mais
de um objeto de desejo é, ao revés, verdadeira obsessão.
É necessário o incentivo à cultura do espírito ético no que se refere à
preservação dos direitos individuais, coletivos e, sobretudo, os direitos
humanos e difusos. Assim, agindo de forma globalizada e com vista à
efetividade dos mecanismos judiciais que são colocados à disposição da
sociedade brasileira, unindo forças em princípio, os poderes clássicos
do Estado, a sociedade politicamente organizada, bem como os integrantes das funções essenciais da justiça e segurança pública, tesouro
etc., poder-se-á mudar os rumos deste País, respeitando os homens de
bem e punindo severamente os dignos de má fé.
Pode-se mencionar como exemplo a participação fundamental do Ministério Público, através do uso da ação civil pública; o cidadão através da
ação popular e sempre denunciando os corruptos; o povo de um modo
geral, elegendo aqueles compromissados com a ordem e o progresso
nacional e senso ético no atuar.
A educação é peça essencial na medida que forma opinião e senso
crítico da população. Mister se faz que seja incluída a disciplina ética
geral nas escolas de Ensino Médio e Fundamental. É de nosso instinto
e natureza sermos seres de sentimentos dos mais diversos que atuam
sobre a nossa índole e produz efeitos diversos na nossa vontade, de
tal sorte que é imprescindível uma educação em nossa vontade. A
educação em nossa vontade nos ajuda a escolher de forma racional
entre o melhor caminho para o bem.
Faz-se necessário a preservação dos direitos humanos e a fortificação
dos princípios da dignidade da pessoa humana, bem como a solidariedade entre os povos. Assim, não se deve tratar a pessoa como objeto de
direitos e sim sujeito de direitos, posto que, qualquer violência neste
sentido é aética e comprometedora da humanidade. A ética sustenta
que nenhuma autoridade é legítima se for despótica.
A saúde, a erradicação da fome, melhor distribuição de renda são requisitos de elevada importância e mantenedores da cidadania.
96
O respeito aos princípios explícitos da legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade e eficiência na atual Carta política brasileira
deve ser aplicado em todos os níveis da Administração Pública, sem
espaço de interpretações indultoras de ilicitudes.
O papel do Estado para a garantia da ordem econômica e social do povo
brasileiro não se resume a harmonizar os interesses particulares em
prol dos coletivos. Para que haja mais equidade, justiça social e melhor
distribuição de renda, faz-se necessário uma maior conscientização
das pessoas, o que se dá através de um processo longo e demorado,
porém eficaz, de educação geral que, indubitavelmente, possibilita o
exercício contínuo da cidadania.
É forçoso acentuar, a importância dos sobredireitos que pertencem a
todos e de modo com a solidariedade, aliada com a presença marcante
da dignidade da pessoa humana, fatores estes que contribuirão velozmente para a preservação humana.
É latente a tese que o direito jamais poderá se divorciar da ética; são
aspectos da mesma engrenagem de paz social.
A ética tem uma ênfase marcante em todos os campos do conhecimento
humano seja no direito, na economia, no trabalho, no meio ambiente,
na história, na política, na filosofia, nas ciências sociais, humanas e
biológicas, exatas; enfim, não há limites de observação.
No que concerne à normatização de condutas éticas, pode-se observar uma melhora considerável, a ética ganha terreno e concretude, a
exemplo dos diversos códigos de éticas que nós temos. Todavia, tais
normas necessitam de propaganda educativa e construtivista no nosso
meio, de nada adianta ter normas se não pudermos refletir acerca
dos mesmos. É preciso muita campanha neste sentido. Desta forma, a
inclusão e destaque da ética como princípio explícito da Carta Magna
é imperioso.
Aspectos preocupantes quando encontramos, setorialmente, ausência
de ética na Administração Pública de todos os poderes. Tal reflexo é
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extremamente negativo ao cidadão, o que na maioria das vezes gera
violência, insegurança e descredibilidade. Os problemas se acentuam
pela falta de maior esclarecimento ao verdadeiro titular do poder
constituinte que, indignado, rompe com a solidariedade.
A ética não é “óptica” do egoísmo, reflete sim, solidariedade para com
o bem comum. Não se pode conceber a ética sem consciência, liberdade
e decisão justa. Por isso que, além da educação dos valores, é imperioso
o controle direto e indireto das condutas administrativas.
A imprensa realiza um papel importante como forma de controle externo. É imperioso alertar que limites devem existir para que não se fulminem as garantias constitucionais adquiridas ao longo dos séculos.
Não é retórico o alerta de que os operadores do direito, neste diapasão,
devem atuar com ética, sobretudo aos mandamentos sagrados de suas
profissões, hoje já codificados. Assim, o juramento é ato simbólico que
só terá razão de existência se o profissional atuar com vistas ao bem
comum. A ética não impõe neutralidade, os desafios são romper esta
neutralidade, descortinando, revelando e, eventualmente, punindo
quaisquer transgressões ao convívio social.
As condutas dos profissionais de todo o setor público globalizado devem
ter como mira o respeito aos princípios gerais e específicos de todo o
sistema jurídico, sua redefinição de liberdade com vistas às condutas
decisórias lastreadas ao interesse público, transparente e legítimo,
servem de paradigma ao bom atuar do administrador.
Não podemos nos esquecer que o interesse público tem como base sua
esfera privada. Afinal, a esfera pública é dotada de elementos formadores que migraram da esfera privada. Fomentar, desde cedo, que o
homem não é uma ilha, é um ser gregário e que em última análise a
sociedade moderna impõem este ajuntamento, não podemos deixar de
externar que a ética é o elo entre o Estado e o cidadão.
Eis alguns dos desafios.
Insta observar que os filósofos gregos consideravam o homem como a
medida de todas as coisas; hoje, o que se observa é que as “coisas”
criadas pelo próprio homem é que dominam. É necessário que se
reflita que a ética não passou por um processo de vulgarização como
muitas vezes é noticiada. A ética passa, isto sim, por uma crise de
ordem institucional, mormente nas administrações públicas de todos
os poderes.
Soluções são impostas de todos os ângulos e maneiras, mais o que nos
parece primordial, no exemplo brasileiro, além de práxis educacionais,
não podemos deixar de elevar o conteúdo ético com preceito expresso
na nossa carta magna. É evidente que se está vivendo no império de
anomias e antinomias, mas mesmo diante desta cultura eurocêntrica
é imperiosa, neste primeiro estágio, a criação legislativa de normas
éticas cada vez mais evoluídas para com a nossa realidade.
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Referências
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GESTÃO DA INFORMAÇÃO EM SERVIÇOS
DE SAÚDE: O FLUXO INFORMACIONAL
NO SEGMENTO DOS LABORATÓRIOS
DE ANÁLISES CLÍNICAS EM SALVADOR
RICARDO C. MELLO
Mestre em Ciência da Informação (UFBA), graduado em Administração de
Empresas (UFBA), Professor Assistente da UFBA e da pós-graduação da F2J.
Consultor nas áreas de Tecnologia e Gestão de Projetos.
Email: [email protected]
Resumo
Gestão da Informação em Serviços de Saúde: O Fluxo Informacional no Segmento dos Laboratórios de Análises Clínicas em Salvador investiga sobre a
utilização das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTIC) em
laboratórios de análises clínicas de natureza privada na cidade do Salvador.
O artigo aborda a adoção da tecnologia no gerenciamento de informações,
revendo o impacto nos processos organizacionais no relacionamento da
organização com os seus diversos públicos. O tema é apresentado a partir
de revisão de literatura, procurando caracterizar a atual orientação com os
imperativos contemporâneos organizacionais.
Palavras-chave
Gestão da Informação. Saúde. Novas Tecnologias.
Resumen
Gestión de la Información en Servicios de Salud: El Flujo Informativo en el
Segmento de los Laboratorios de Análisis Clínicos de Salvador investiga el uso
de las Nuevas Tecnologías de la Información y de la Comunicación (NTIC) en
laboratorios de análisis clínicos privados en la ciudad de Salvador. El artículo
aborda la adopción de la tecnología en la gestión de informaciones, revisando
el impacto en los procesos organizacionales en la relación de la organización con sus diversos públicos. El tema es presentado a partir de revisión de
literatura, buscando caracterizar la actual orientación con los imperativos
contemporáneos organizacionales.
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Palabras-clave
Gestión de la Información. Salud. Nuevas tecnologías
Nos serviços de saúde não é metafórico afirmar que a informação é um
aspecto vital, na medida em que dizem respeito a aspectos relativos à
saúde dos pacientes envolvidos. Neste contexto, destaca-se a importância das NTICs – Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação,
na otimização da gestão do fluxo informacional, pelas características
intrínsecas relacionadas à área de saúde.
As NTICs podem trazer inúmeros ganhos ao segmento da saúde. Em
microescala, podem permitir que médicos tenham, por exemplo, acesso
à informação sobre seus pacientes em tempo real. Em macroescala,
as NTICs possibilitam o acesso à informação técnico-científica que
contribuem para o desenvolvimento e a prática do profissional na área
de saúde. Além disso, servem de apoio aos processos de tomada de
decisão na planificação, formulação e aplicação de políticas públicas
para a saúde, coadunando-se ao desenvolvimento econômico e social
do país.
Avaliando o conceito de dado na área de saúde, observa-se que pode
ser considerado como um elemento peculiar – idade, sexo, etnia, ou
valores numéricos específicos resultantes de exames tais como níveis
de triglicerídeos no sangue de determinado paciente, entre outros
fatores – em um tempo específico (data do exame) (VIEIRA et al.,
2000). Os autores destacam ainda que os dados em saúde permitem
livres interpretações, pois, dependem dos conhecimentos prévios e
experiência do interpretador.
O conceito de informação em saúde resulta da análise e combinação
de vários dados que podem levar a diversas impressões acerca do estado de determinado paciente ou de determinada população. Vieira
et al. (2000) afirmam que a informação em saúde somente existe na
interpretação dos dados que devem estar constantemente disponíveis
e atualizados para permitir novas interpretações e evitar erros diagnósticos ou terapêuticos.
Em macroescala, um exemplo de informação em saúde relaciona-se à
mortalidade e desnutrição infantil de uma região ou camada da populaRevista Independência
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ção, obtidas a partir de dados colhidos em uma determinada pesquisa.
Em microescala, os dados presentes em um hemograma.
portentosos para o arquivo e a armazenagem, tornando o acesso às
informações registradas lento e/ou dificultoso.
Vale frisar que a informação em saúde está também suscetível a múlti-
Com o crescente desenvolvimento e uso das NTICs tem se otimizado
a coleta, o armazenamento e a difusão de dados e de informações,
que podem ser agrupados e organizados, agilizando a consulta para o
estudo, a pesquisa e a terapêutica epidemiológica (CHEN et al., 2000).
Conforme Sigulem (1997) o desdobramento do uso das novas tecnologias
na prática da medicina é surpreendente, na medida em que
plas variáveis – o que reforça a importância de contextualização – e que
quase sempre se refere a dados relativos à melhoria, ou manutenção,
da qualidade de vida, ou ao óbito de indivíduos. É um dos principais
recursos, senão o principal, que um médico necessita ter em mão para
o exercício profissional com eficiência e qualidade. O acesso ou não à
informação, bem como à tecnologia (MOURA, 2004), pode representar
o sucesso ou insucesso na adoção de práticas terapêuticas ou algum
cuidado a ser prestado ao paciente.
Moraes (1994) define o Sistema de Informação em Saúde (SIS) como o
conjunto de componentes (estruturas administrativas e unidades
de produção) integradas e articuladas que atuam com o propósito
de obter e selecionar dados e transformá-los em informação, com
mecanismos e práticas próprias. (apud BISPO JÚNIOR; GESTEIRA,
2004, p. 06).
Sigulem (1998) enfatiza que a principal missão dos sistemas de informação eletrônicos é dar assistência eficiente e com alta qualidade aos
procedimentos informacionais, tornando-os mais rápidos e eficientes.
Sem um sistema adequado de informações eletrônicas, as organizações
tendem a desembolsar ineficazmente recursos para criar, armazenar e
recuperar informações dos pacientes. Entre outros desdobramentos, a
ineficácia da gestão informacional se traduz na redundância de tarefas
e no alto dispêndio de tempo na tomada de decisões.
As aplicações da tecnologia da informação na saúde
Até a década de oitenta do século XX, predominava o registro das informações em saúde em papel, dificultando o armazenamento e acesso
por médicos e outros profissionais da saúde (VIEIRA et al., 2004; CHEN
et. al, 2000). Nos hospitais, consultórios e até mesmo nos laboratórios
de análises clínicas, a resultante era um enorme volume de papel, de
fichas, prontuários, exames e laudos, o que demandava espaços físicos
106
as técnicas não invasivas de produção de imagem, como a ultrasonografia, a medicina nuclear, a tomografia e a ressonância
magnética, alteram sensivelmente o processo de diagnóstico
médico. Novos equipamentos de monitorização de pacientes,
como videolaparoscopia e analisadores automáticos de eletrocardiogramas, fluxos sangüíneos e gasosos, globais e regionais,
oferecem informações vitais que auxiliam o médico, seja no
tratamento eficaz do paciente, seja no apoio à pesquisa (SIGULEM, 1997, s/p).
De acordo com o autor, os sistemas de informação em saúde podem
favorecer o processo de assistência à saúde e aumentar a qualidade
da assistência ao paciente. São representativas as contribuições no
processo de diagnóstico ou na prescrição da terapia, na inclusão de
lembretes clínicos para o acompanhamento da assistência, na emissão
de avisos – sobre interações de drogas, sobre tratamentos duvidosos
e sobre desvios dos protocolos clínicos –, e na interconexão com laboratórios para o acesso rápido a exames, entre outras (HERSH apud
SIGULEM, 1997).
a Sociedade da Informação, nesta fase pós-industrial, exige que a
medicina moderna seja orientada pela ‘qualidade’ o que implica,
basicamente, o gerenciamento racional da informação. Como a
medicina aumenta a sua complexidade (devido a novos métodos
de investigação ou tratamento e à diversidade de organizações da
saúde, como indivíduos trabalhando sozinhos, pequenas clínicas,
ambulatórios especializados, hospitais secundários e hospitais
de alta complexidade, componentes estes que, para adequado
suporte ao paciente, necessitam trabalhar em conjunção), a
informática médica é um agente indispensável para a descentralização e a integração. Ela ajuda a superar as limitações
humanas de memória ou processamento de informações. Com a
implementação das redes de comunicação, a informática ajuda
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a trazer o médico para mais perto do paciente (por exemplo,
através da telemedicina) e facilita o acesso à informação necessária ao cuidado ótimo (por exemplo, através do acesso ao
prontuário eletrônico do paciente, a bases de conhecimento,
ao uso de sistemas especialistas, resultados laboratoriais ou à
realização de trabalho cooperativo) (DEGOULET & FIESCHI apud
SIGULEM, 1997, s/p).
Vieira et al. (2000), por outro lado, assinalam que o tempo perdido
com a documentação de dados em prontuários de papel é dez vezes
superior ao tempo gasto para examinar os pacientes.
Outro estudo citado pelos autores demonstra que 10,3% dos erros médicos que conduziram a eventos adversos em pacientes hospitalizados
resultaram do desconhecimento de resultados de testes e de achados
laboratoriais. A literatura médica confirma a mesma probabilidade para
a ocorrência do chamado “falso positivo” em exames, o que impele
à indicação no próprio laudo de que sejam feitas investigações mais
aprofundadas, mas nem sempre inteligíveis pelo usuário, considerando
o uso de terminologia técnica (INVERTIA, 2005). Todavia, Moura (2004)
aponta outros fatores concorrentes para o erro médico, entre eles, a
baixa capacitação tecnológica dos profissionais em saúde.
Os sistemas clínicos, como os de apoio à decisão e os prontuários eletrônicos, devem ser ferramentas úteis na melhoria da qualidade do
serviço e na redução de gastos. Porém, é difícil quantificar os benefícios
financeiros proporcionados (VIEIRA et al., 2000).
Sigulem (1997) aponta outras investigações sobre as necessidades de
informação dos médicos durante o atendimento a pacientes em diferentes tipos de ambientes, ressaltando os contratempos da não informatização em saúde. O autor indica o levantamento de, pelo menos
uma dúvida, a cada encontro do médico com o paciente.
Questiona ainda se a falta de informação, ou a dificuldade de acesso
à informação, impacta de sobremaneira no atendimento ao paciente.
Conclui que sim, ao referendar estudos que demonstram haver prescrição inadequada de medicamentos e de tratamentos em até 84% dos
108
casos. Ressalta que um dos efeitos mais imediatos do acesso eletrônico
às informações sobre o paciente é o aumento de segurança na obtenção da informação e a rapidez de se poder prescrever o tratamento
adequado a cada caso.
Estando a informação necessária ao médico disponível instantaneamente, ou podendo ser impressa de forma resumida a partir do prontuário
eletrônico, os erros tendem a diminuir consideravelmente. Neste caso,
o problema passaria a ser a segurança no sistema e a disponibilidade
de terminais para o acesso ao sistema.
A Tecnologia da Informação usada em um sistema de informação hospitalar tende a proporcionar confiabilidade, agilidade e racionalização
de procedimentos, ou seja, resultados efetivos para as instituições da
área da saúde.
Sigulem (1997) comenta que os resultados da introdução de um Sistema
de Informação (SI) informatizado em hospitais obtêm vantagens através
do uso de prontuários de papel, pelo fato de a tecnologia disponibilizar
as informações necessárias em 99% das vezes contra 72%, quando o
registro ocorria somente em papel.
Cumpre mencionar que são diversos os sistemas de informação em saúde
disponíveis com base em NTICs. Entre eles estão os sistemas financeiros
de atendimento, de administração, de telemedicina, os destinados à
pesquisa, de informação em saúde pública, de educação médica e os de
gerenciamento clínico. Sigulem et al. (1998) organiza esta diversidade,
em caráter estritamente didático, conforme expresso a seguir.
• Ferramentas para o tratamento da informação. SI que se destinam a organizar e facilitar a recuperação da informação médica.
Os sistemas gerenciadores de consultórios e de laboratórios, os
livros eletrônicos, os sistemas de auxílio à recuperação bibliográfica, como o Medline, pertencem a esta categoria.
• Ferramentas de focalização da atenção. SI que monitoram
dados através da emissão de alertas. O autor exemplifica relacionando os sistemas de interação de drogas e os sistemas de
laboratório clínico que emitem avisos na presença de valores
discrepantes daqueles esperados nos exames.
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• Ferramentas específicas para consultas. SI destinados a apoiar o
profissional da saúde na área afim. Enquadram-se nesta categoria
os sistemas especialistas de apoio ao diagnóstico.
O processo de incorporação das novas tecnologias da informação em
saúde tem transformado uma antiga relação um para um (a relação
médico-paciente) em uma relação um para muitos, na qual os dados
podem ser produzidos não apenas no hospital, mas também na casa
do paciente, no consultório, nos laboratórios de análises clínicas e em
outras centrais diversas de realização de exames (VIEIRA et al, 2000;
LOPES, 2004). O novo padrão de relacionamento interligado requer um
maior compartilhamento de informações.
Vieira et al. observam ainda que
os sistemas de informação na área da saúde devam ser direcionados para o gerenciamento global das informações médicas e
administrativas; nesse contexto, os principais objetivos desses
sistemas ficam sendo a melhora da qualidade de atendimento e
o controle de custos (2000).
O quadro 1 elenca os objetivos principais que devem nortear os SI
em saúde, assim como também as contribuições derivadas a serem
alcançadas.
QUADRO 1 - Objetivos Atuais dos Sistemas de Informação em Saúde.
OBJETIVOS PRINCIPAIS
Melhorar qualidade de atendimento
Controlar custos
OBJETIVOS CONTRIBUINTES
Melhorar comunicações
Reduzir tempo de espera
Auxiliar o processo decisório
Reduzir número de dias de hospitalização
Diminuir sobrecarga administrativa
Diminuir despesas com pessoal
Fonte: VIEIRA et al., 2004.
Contudo, apenas o desenvolvimento de ferramentas de gerenciamento de informações clínicas – registro computadorizado de pacientes,
sistemas de apoio à decisão, gerenciamento de imagens médicas etc.
– não é suficiente. A necessidade de eficiência exige que a informação
médica esteja presente no local de atendimento e no momento certo
para atingir a melhor resposta clínica, utilizando a menor quantidade
110
possível dos (escassos) recursos disponíveis. Assim, o grande desafio
no uso das NTICs é não apenas a criação de SI adequados, mas a interligação entre os sistemas.
Neste contexto, Vieira et al. (2000) assinalam que o atendimento de
saúde não é exclusivo das instituições hospitalares. Em oposição ao
antigo modelo “hospitalocêntrico”, cujos ambientes eram centralizados nos grandes computadores exclusivamente dessas instituições,
os autores afirmam a necessidade de que “os diversos sistemas sejam
abertos o suficiente para permitir a livre comunicação entre os diversos
sujeitos que participam do atendimento à saúde” (VIEIRA et al., 2000,
s/p). A busca da qualidade no atendimento, portanto, deve abranger
todos os elementos da rede, sejam laboratórios de análises clínicas,
sejam consultórios médicos particulares.
Assim sendo, a Internet se destaca entre as NTICs pelas múltiplas
possibilidades que oferece. Nenhum meio de comunicação, até hoje,
pôde propiciar, como ela o faz, uma “via” que torna praticamente disponível em qualquer lugar uma série de informações e serviços antes só
presentes nos grandes centros. Das NTICs, a Internet é a que traz mais
possibilidades para a questão da difusão da informação em saúde, por
suas características próprias de interatividade e interconectividade.
Entre outras facilidades, a Internet possibilita aos profissionais da saúde
acessar, em qualquer lugar, milhares de bancos de dados em universidades e centros de pesquisa, ler jornais e revistas eletrônicos, comprar
produtos, trocar informações e opiniões com colegas da área das mais
diversas partes do país e do mundo, obter exames e se comunicar à
distância com laboratórios, telemonitorizar aparelhos, enviar e receber
correio eletrônico, além de veicular diversas informações sobre as mais
diversas doenças e estado de pacientes.
Chen et al. (2000) aborda as vantagens e utilidades da Internet na
área de saúde, que vão desde facilidades, como o prontuário informatizado do paciente, passando por informações relacionadas à gestão
do serviço.
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Outra vantagem trazida pela Internet, para a outra ponta da cadeia
formações, entretanto não era possível fazer registros no prontuário
(no caso os pacientes), é que informação pode estar distribuída em
do paciente.
múltiplos servidores e bancos de dados. Um estrato de pacientes está
familiarizado com as opções da Internet e pode, assim, usufruir das
vantagens proporcionadas, o que torna a informação em saúde mais
democratizada. Os pacientes têm, pois, a possibilidade de estarem mais
bem informados, podendo avaliar e questionar as condutas médicas.
O processo de incorporação de novas tecnologias na saúde
112
O sistema não dispunha ainda de tecnologia para interligar equipamentos e sistemas dentro e fora da instituição, o que somente ocorreria na década de 80 através dos Sistemas Distribuídos, baseados na
tecnologia de comunicação em rede que originou a Internet (PONTES
et al., 2000).
O uso da Internet como ferramenta na saúde era praticamente um
processo inevitável. O crescimento exponencial das técnicas médicas
Por volta de meados dos anos 50 do século XX, nos EUA, iniciou-se a
de investigação e de tratamento conduziu à reorganização dos serviços
introdução de computadores na área de saúde direcionada à realização
de saúde, visando o controle do custo e da qualidade de atendimento,
de análises médicas estatísticas, ao controle de material e da folha de
redundando na necessidade crescente de maior compartilhamento de
pagamento (HANNAH apud SIGULEM, 1997).
informações (LOPES, 2004). Apenas o desenvolvimento de ferramentas
Vieira et al. (2000) comentam que os primeiros sistemas de informação
de gerenciamento de informações clínicas – registro computadorizado
nos serviços de saúde foram desenvolvidos, porém, somente em meados
de pacientes, sistemas de apoio à decisão, gerenciamento de imagens
da década de 1960. Seguia-se, então, a tendência geral de evolução
médicas etc. – não se mostrava mais suficiente; o grande desafio pas-
nos sistemas de computação, com a implementação de arquiteturas
sou a ser a interligação, a interconectividade e interatividade entre
centralizadas integrando todas as funções. Esse modelo era de grande
os locais de origem de dados com os locais de utilização (VIEIRA et al.,
utilidade para os administradores, uma vez que permitia o controle
2000; SANTOS e BERAQUET, 2001).
simples de toda a instituição. Os SI caracterizavam-se, primariamente,
Todas essas transformações se refletiram na crescente demanda por
como gerenciadores de contas a pagar e de cobrança.
NTICs iniciada em meados da década de 80 do século XX. A necessidade
Em 1962 foi desenvolvido o primeiro projeto de informatização em um
de eficiência exige que a informação médica esteja presente no local de
hospital nos EUA que, dado o êxito, foi rapidamente replicado pelo
atendimento e no momento certo para atingir a melhor resposta clínica,
setor (SIGULEM, 1997).
utilizando a menor quantidade possível dos recursos disponíveis.
A década de 70 representa um período de esforços contínuos para
Vieira et al. (2000) defendem que o ritmo de instalação dos sistemas de
automatizar vários departamentos hospitalares e sistemas financeiros
informação, apoiados nas NTICs, nas organizações tem-se revelado em
(PONTES et al., 2000). Devido à estrutura elementar do banco de dados
uma tendência crescente nos últimos anos. Os sistemas de informação
e à onerosa do hardware, as iniciativas foram limitadas. Só no final
vêm sendo incorporados à gestão do fluxo informacional gradativamen-
da década de 70 é que surgiram os Sistemas Modulares, permitindo
te podendo-se prever a utilização em níveis cada vez mais elevados
o compartilhamento dos dados entre diferentes módulos instalados.
nos próximos anos. A introdução crescente e maciça da tecnologia da
Conforme os autores, cada módulo continha elementos básicos de in-
informação segue um curso inexorável.
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Um estudo realizado por Dorenfast (1995, apud SIGULEM, 1997),
abrangendo os 2.938 hospitais americanos com mais de 100 leitos,
constatou que, já naquela época, 100% dos hospitais contavam com SI
administrativos e 77,6% já possuíam algum tipo de gerenciamento clínico – geralmente pedidos de exames, resultados de exames e registro
resumido dos dados de pacientes internados.
Lopes (2004) contata a emergência, por conseguinte, de um novo
paradigma em saúde, no que se refere à manipulação da informação
em todos os seus estágios, desde o emissor até o receptor. Para a
autora, a Internet – a Web – constitui-se em um dos temas de maior
repercussão em saúde, pois modifica a forma de acesso, produção e
disseminação de informação em larga escala, revolucionando toda a
estrutura em vigor.
Cumpre lembrar que no Brasil o acesso à tecnologia (de ponta) é privilégio de classes sociais mais elevadas. Mesmo as aplicações menos
sofisticadas são de difícil e lenta apreensão pela grande parte da população, em função da existência de uma série de indicadores de subdesenvolvimento, como o analfabetismo, a má distribuição de renda e
a precariedade da infraestrutura dos serviços básicos, entre outros.
Em contraposição, na área de saúde a tecnologia é usada com muita
frequência – majoritariamente em hospitais, clínicas, laboratórios e
consultórios particulares. Em alguns segmentos, como a medicina investigativa, de imagem ou laboratorial, faz-se necessário que o profissional
esteja constantemente atualizado sobre as inovações tecnológicas e
sobre as novas técnicas terapêuticas e de diagnose.
Uma representativa parcela de laboratórios e hospitais (e mesmo clínicas e consultórios) utiliza a Internet e a tecnologia de rede (Intranet)
para conduzir eletronicamente os processos e trabalhos, conectando
todas as instâncias dos procedimentos internos e entre si, de modo a
facilitar e agilizar a troca de informações.
O uso crescente das NTICs no setor de saúde e, em específico no
segmento de análises clínicas, não é, porém, um processo uniforme.
114
Algumas instituições ainda resistem à implementação, principalmente
as micro e pequenas empresas (ALVIM, 1998).
Uma das dificuldades enfrentadas neste processo é, muitas vezes, o alto
custo da informatização, associado à dificuldade de manejo – por haver
um grupo restrito de pessoas com conhecimento necessário para o uso
da informática –, e à resistência (cultural) em incorporar a informática
à prática médica (SIGULEM, 1997).
Observa-se que o custo de um software, tanto para o desenvolvimento
como para a manutenção, representa parcela crescente dos gastos em
informática de uma organização e, algumas vezes, sobrepuja o valor
de um equipamento (hardware). “O crescimento destes investimentos
deve-se em grande parte à maior complexidade dos problemas a serem
resolvidos e à maior exigência dos usuários” (VIEIRA et al., 2000).
Os autores ressaltam que os sistemas de informação na área de saúde
têm sido revestidos de uma complexidade maior. Assim, perpassam a
função de controle financeiro e colaboram no gerenciamento de toda
a informação administrativa e assistencial no âmbito da organização, o
que torna difícil a tarefa de se estimar os custos de instalação, operação
e de se quantificar os ganhos advindos pela adoção da TI.
O segmento de análises clínicas e a gestão da informação
No Brasil, existem aproximadamente dez mil laboratórios de análises
clínicas (BARBOSA, 2002 apud BECKER, 2004). De acordo com Maia Filho
(2000), na Bahia, há cerca de 400, dos quais 65% estão na capital; seis
mil profissionais atuam no segmento.
Os tipos de organização mais comuns são as pequenas e médias empresas. Em geral, assumem os cargos diretivos e técnicos das empresas
deste segmento, médicos, biólogos e farmacêuticos (BECKER, 2004).
Como observa Sannazzaro (1998 apud BECKER, 2004), o segmento de
análises clínicas (ou patologia clínica) surgiu e se desenvolveu junto com
a própria medicina – as histórias de ambos se confundem. Originalmente,
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não se limitava a um “serviço de apoio” à medicina, como aparenta
ser hoje, mas se tratava de procedimentos estritamente experimentais
com o objetivo de descobrir elementos novos ou desconhecidos, sem
direcionar as atividades apenas para fins diagnósticos.
Somente com os primeiros passos da patologia clínica, na segunda
metade do século XIX, é que a ciência médica foi impulsionada nos
laboratórios das universidades alemãs. As grandes descobertas da época – como o início da microbiologia; a descoberta dos componentes do
sangue; o surgimento da citologia como auxiliar de diagnóstico, entre
outras – transformaram não só a medicina moderna, como também reconfiguraram a função do laboratório de análises clínicas (SANNAZZARO
apud BECKER, 2004).
Comprova-se que o desenvolvimento do segmento está intimamente
relacionado ao progresso e consolidação da medicina. Igualmente, a
crescente incorporação em saúde de novas tecnologias não pode passar
ao largo do segmento de análises clínicas, que também sofre a influência e acolhe inúmeros recursos e novas técnicas graças aos avanços
tecnológicos, como é discutido adiante.
O segmento de análises clínicas é uma das correntes da diagnosticoterapia moderna, ao lado da bioimagem e da telemedicina. A atividade
é cruzada por várias áreas das ciências biomédicas.
Sannazzaro reitera que
acerca da contribuição do laboratório para com a saúde do
paciente e a comunidade, e nas expectativas dos clínicos, verificamos que o laboratório pode contribuir para (a) um rápido
e correto diagnóstico e daí dar início à terapêutica correta; (b)
estabelecer prognóstico através do fornecimento de indicadores
de níveis de severidade; (c) acompanhar a evolução ou regressão
da doença, por meio dos dados que determinam a linha de base.
(1998 apud BECKER, 2004).
Ogushi e Alves (apud BECKER, 2004) complementam que a essência da
gestão qualitativa de um laboratório de análises clínicas é possuir um
serviço no qual a informação que chega ao médico, ou ao paciente, na
forma de laudo, satisfaça as necessidades do usuário.
116
Como ocorre a qualquer organização, a macroestrutura que circunda
um laboratório está sujeita a diversas forças e variáveis. Trata-se de
um universo humano, social e econômico, cujo ambiente é constituído por variáveis tecnológicas, políticas, econômicas, legais, sociais e
demográficas (SANNAZZARO apud BECKER, 2004).
Para a autora, esta ordem de variáveis não é aleatória. O trabalho de
um laboratório de análises clínicas está, em primeiro lugar, baseado
em tecnologia, somente depois vindo a ser complementado por fatores
humanos. Por isso, afirma que a tecnologia influencia a estrutura, o comportamento organizacional e o modo de administrar a organização.
Compreende-se que o elenco de clientes de um laboratório é diversificado e complexo. Há certo grau de inter-relacionamento, com evidente
diferenciação de percepções de qualidade e satisfação de necessidades. Compõem os tipos possíveis de clientes de um laboratório clinico:
médicos, pacientes, convênios e outras organizações.
O quadro 2 relaciona as principais áreas de investigações laboratoriais,
classificadas por demanda pelos profissionais de saúde, em relação ao
uso de tecnologia.
QUADRO 2 – Tipos de Exame vs. Uso de Tecnologia
Influência de Fatores
Exames mais solicitados
Hematologia
Parasitologia
Bioquímica da Urina
Bioquímica do Sangue
Hormônios
Imunologia
Bacteriologia
Tecnológicos
Humanos
50%
10%
10%
65%
65%
25%
50%
50%
90%
90%
35%
35%
75%
50%
Fonte: adaptado de BECKER, 2004.
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A despeito dos avanços tecnológicos na área de saúde, conforme discutido ao longo deste trabalho, verifica-se que ainda existe uma significativa
participação do fator humano no processo de investigação laboratorial,
o que permeia a incidência de erros e independe de programas de certificação de qualidade. A garantia das boas práticas investigativas e,
consequentemente, da acuidade de um laudo, depende, pois, de uma
estrutura organizacional que fortaleça o binômio capacidade técnica
e tecnologia diagnóstica.
O fluxo de informação nos laboratórios de análises clínicas
A informação é o principal produto de um laboratório. É o insumo que
se materializa no laudo do exame, entregue aos usuários. Frente a isto,
a gestão adequada é de extrema importância.
Como salienta Ogushi e Alves (1999 apud BECKER, 2004), o mais importante não é que o laboratório de análises clínicas ofereça números e
índices de patologias nos resultados. Contudo, deve gerar informações
de suma importância para médicos e pacientes.
O fluxo de informações em um laboratório de análises clínicas é, em
vista disso, considerado o núcleo central das atividades, em torno das
quais as demais convergem. Inicia-se com a coleta de dados – tanto
dados pessoais acerca do paciente, quanto à colheita da amostra biológica – e só termina com a entrega do laudo do exame (a informação
final) aos usuários (BECKER, 2004).
Os autores assumem que o exame clínico-laboratorial representa o
núcleo vital. O fluxo laboratorial pode ser dividido em três grandes
fases que, muitas vezes, apresentam-se de forma indiferenciada e
sobreposta:
• A e B: Fase pré-análise / coleta de dados
• C: Fase analítica
• D e E: Fase pós-análise / informações
118
A Fase A, a pré-análise, é a de cadastro, no qual os dados pessoais do
usuário são fornecidos ao funcionário da recepção. Neste momento,
dados – como faixa etária, sexo, o uso de medicamentos pelo paciente,
exame(s) a ser(em) realizado(s) – são fornecidos ao sistema e a guia do
convênio ou a ordem de pagamento é gerada.
Caso faça uso de um SI eletrônico, o laboratório pode dispor de certas
vantagens. O sistema informatizado gera tanto a guia eletrônica do
convênio quanto uma ordem de pagamento, e automaticamente avisa o
setor técnico onde a colheita é feita. Na Fase A são apontados os testes
a serem realizados e, em alguns casos, emitidas as etiquetas de código
de barras para que seja providenciada a coleta do material.
A Fase B, ainda de pré-análise, é a fase da colheita das amostras biológicas para a análise patológica. Posteriormente, são quantificados em
valores numéricos, isto é, em dados que servem de base à informação
a ser contida no laudo do exame.
A Fase C é a analítica, pois corresponde propriamente à análise das
amostras colhidas. É realizada por especialistas em patologia clínica,
através de equipamentos e tecnologias específicos para cada tipo de
exame. Esta fase pode ou não ser realizada no mesmo local da colheita.
No geral, laboratórios pequenos a realizam em recintos adjacentes às
salas de coleta. As organizações de médio e grande porte dispõem de
espaços exclusivos para as coletas e um somente para o processamento
das amostras. Neste caso, alguns laboratórios costumam dispor de uma
Intranet que possibilita o acesso remoto aos dados de cada usuário a
partir de diferentes unidades interconectadas em rede.
Após as análises, chega-se à Fase D, na qual a informação, o resultado
do exame, é gerada a partir dos dados colhidos, previamente analisados. É comum uma nova conferência antes da expedição do laudo, que
pode ser retirado pelo médico ou pelo paciente (Fase E).
As NTICs desempenham papel importante nesta fase. Os resultados
podem ser entregues não apenas na forma de papeis impressos, a serem
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retirados no mesmo local da coleta de dados, mas também podem ser
entregues via fax ou eletronicamente, através de correio eletrônico
ou da página do laboratório na Internet, acessada mediante uma senha
fornecida ao paciente.
Evidencia-se, assim, que as operações de um laboratório clínico giram
em torno do fluxo de dados e informações, sendo os fluxos informacionais os insumos a serem geridos. A gestão qualitativa da informação deve
se iniciar com a coleta de dados – incluindo o cadastro do paciente e
a coleta de amostra biológica – e culminar na emissão da informação,
o laudo técnico.
Apesar do estudo citado pelos autores pautar-se em uma experiência
isolada, os autores sugerem que o SI tende a proporcionar aumento na
segurança, na qualidade e na agilidade dos procedimentos laboratoriais. A justificativa reside no fato do SI possibilitar a integração entre
redes e por possuir facilidades de interação on-line e real time entre
os funcionários, dirigentes, farmacêuticos, administradores, técnicos
e auxiliares, ou seja, todo o corpo clínico e administrativo.
Implicações do uso da tecnologia da informação para os laboratórios de análises clínicas
Outrossim, Oliveira e Proença (2004) comentam que o uso pioneiro de
entregas de exames e laudos, via Internet ou fax, propicia ao laboratório vantagem competitiva.
Acerca da importância que as NTICs podem ter para a gestão qualitativa
de um laboratório, assim como seu funcionamento exponencial e lucratividade, referenda-se ao estudo de Oliveira e Proença (2004). Embora
primordialmente os autores afirmem que o crescimento deste segmento,
a partir da década de 90, esteja diretamente ligado ao crescimento e
emergência dos planos de saúde privados (à privatização em saúde),
acabam por demonstrar a relevância do uso das NTICs na gestão de um
laboratório e as implicações desta para a gestão qualitativa.
O aumento da capacidade das instalações e a informatização/
automatização tiveram papel primordial para o laboratório de
análises clínicas conseguir operar nesta nova dimensão. A mudança de sede foi primordial, possibilitando ao laboratório de
análises clínicas operar com número de exames mais elevados e
obter espaço para novos equipamentos, possibilitando a automatização dos processos (OLIVEIRA; PROENÇA, 2004, p. 6).
Os autores enfatizam, pois, a relevância das NTICs, o próprio processo
de informatização, para o crescimento de um laboratório. Demonstram,
também, como as tecnologias da informação são fundamentais para
o crescimento de um laboratório, pois viabilizam as possibilidades de
expansão.
120
O primeiro passo para melhoria dos processos do laboratório é, na
concepção de Oliveira e Proença (2004), o desenvolvimento de um SI
informatizado. Sem um sistema que auxilie o processo principal tornase quase inviável lidar com grandes volumes de informação.
Os laboratórios e hospitais (e mesmo clínicas e consultórios) podem
usar a Internet e a tecnologia de rede (Intranet) para conduzir eletronicamente os processos e trabalhos, integrando, em todas as instâncias, procedimentos internos de modo a facilitar e agilizar a troca de
informações entre profissionais, setores e organizações.
Em laboratórios de grande porte, o fluxo de informação é controlado
por aplicações tecnológicas desde a entrada do solicitante do exame.
O SI destas organizações é concebido de modo a aplicar o que há de
mais moderno em tecnologia da informação – como interfaces gráficas
de alta produtividade e simplicidade, Internet, Intranet e arquitetura
multicamadas com banco de dados relacional.
Uma das contribuições das NTICs é o desenvolvimento de softwares
específicos para o aumento da produtividade, precisão, segurança e,
acima de tudo, para oferecer aos clientes serviços de excelência. Deste
modo, o fluxo interno de informação é agilizado e se aufere ganhos
de qualidade pela otimização dos procedimentos. Através de sistemas
informativos o pedido pode ser controlado desde a solicitação na recepção do laboratório até a emissão do laudo.
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As NTICs entremeiam a instalação de um fluxo eletrônico interno de
informação que em muito pode contribuir aos procedimentos, substituindo o papelório, fichas e prontuários por elementos como código
de barras em todas as amostras primárias ou secundárias, histórico
de clientes disponíveis em Intranet, parametrização de processos e
layouts, rastreabilidade absoluta dos exames e interface eletrônica
segura. Desta forma, são potenciais ferramentas capazes não só de
aumentar a produtividade, precisão, segurança, mas, acima de tudo,
de oferecer aos usuários dos laboratórios serviços de excelência e a
otimização do acesso às informações.
Veiculados pela Internet ou por fax, os resultados dos exames dinamizam o fluxo de informação externo do laboratório e incrementam o
relacionamento do laboratório com os usuários.
As NTICs são um poderoso instrumento para se alcançar vantagens
competitivas, fidelizar a clientela e reduzir os custos. A partir do referencial tecnológico, os laboratórios podem alcançar vantagens ao
aperfeiçoar a estrutura organizacional, na medida em que o aprendizado organizacional possibilita a personalização dos serviços, o que
gera fidelização.
O uso das NTICs no segmento de análises clínicas está por ser avaliado,
na medida em que deu início a um novo paradigma, apesar do processo
de informatização da saúde estar em curso. Não se pode ainda prever
plenamente os resultados, pois só nos últimos anos é que algumas das
dificuldades iniciais começaram a ser superadas. Contudo o processo
é bilateralmente dinâmico, pois tanto a tecnologia quanto o conhecimento médico estão em evolução e se complementam.
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de novembro de 2004.
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EXPERIÊNCIA COLABORATIVA COM AMBIENTE
DE APOIO A INTERAÇÃO
JAQUELINE SOUZA DE OLIVEIRA VALLADARES
Doutoranda em Difusão do Conhecimento (UFBA), mestra em Modelagem
Computacional (Cairu), especialização em Projetos Educacionais e Informática
(CEPOM), graduada em Processamento de Dados (UNIFACS). Ex-professora do
curso de Administração da F2J.
Resumo
O presente artigo mostra uma experiência com os alunos do Curso de Administração da Faculdade 2 de Julho utilizando o ambiente de Educação a
Distância (EaD) de Apoio a Interação durante o primeiro semestre de 2005. A
metodologia utilizada nesse estudo foi baseada nos princípios socioconstrutivistas utilizando um grupo de discussão, uma ferramenta interessante para
troca de informações de modo assíncrono. Este relato de experiência trata
do planejamento e desenvolvimento da disciplina com o uso do ambiente
podendo ter uma turma semipresencial. A experiência proporcionou a construção coletiva do conhecimento na disciplina Arquitetura de Computadores
do sexto semestre.
Palavras-chave
Lista de discussão. Interação. Semipresencial. Colaboração. Ambientes de EAD.
Resumen
El presente artículo presenta una experiencia con alumnos del curso de Administración de la Facultad 2 de Julho, utilizando el ambiente de la Educación
a Distancia (EAD) de Apoyo a la Interacción durante el primer semestre de
2005. La metodología usada en este estudio fue basada en los princípios
socioconstrutivistas utilizando un grupo de discusiones, una herramienta interesante para el cambio de informaciones de modo asincrónico. Este relato
de experiencia trata de la planificación y desarrollo de la disciplina con el
uso del ambiente pudiendo tener un grupo semipresencial. La experiencia
proporcionó la construcción colectiva del conocimiento en la asignatura
Arquitectura de Ordenadores del tercer año.
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Palabras-clave
Lista de discusión. Interacción. Semipresencial. Colaboración. Ambientes de EaD.
Introdução
O objetivo principal do educador é promover a aprendizagem. O que
se espera é que o tema trabalhado em sala de aula possa ser levado
para o cotidiano dos alunos, possa ser assunto dos corredores, dos
bate-papos nas cantinas das faculdades, enfim que cada conteúdo
trabalhado em sala possa romper as paredes e tornar-se significativo
para o cidadão.
Sobre o processo de ensino-aprendizagem Einstein (1994, p. 36) já
afirmava que “vemos na escola simplesmente o instrumento para a
transmissão de certa quantidade máxima de conhecimento para a
geração em crescimento. Mas isso não é correto. O conhecimento é
morto; a escola, no entanto, serve aos vivos”. Nessa perspectiva, a
atitude passiva do aprendiz em relação ao conhecimento acumulado,
estimulada por professores como forma de garantir o ensino, cede
espaço à ênfase a atitudes pró-ativas, onde a criatividade e autonomia são elementos encorajados no sentido de estimular processos de
aprendizagem.
Atualmente um dos problemas enfrentados pelos professores nas faculdades é a falta de compromisso dos alunos em relação às disciplinas,
visto que a maioria deles não participa das aulas, nem mostra interesse
pelas mesmas. O objetivo dos educadores é a todo instante incentivar
seus educandos a: aprender a aprender e ter autonomia para selecionar
as informações pertinentes a sua ação.
Uma das tentativas de alcançar esses objetivos tem sido a proposta de se
utilizar os recursos de informática como mediador do processo ensinoaprendizagem. Baseado nisso, será mostrado nesse artigo a experiência
da utilização de um ambiente de apoio à interação proporcionando a
participação colaborativa dos alunos na construção do conhecimento
da disciplina Arquitetura de Computadores do curso de Administração
com Habilitação em Sistema de Informação da Faculdade 2 de Julho.
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Colaboração e Ambiente de Apoio a Interação
O conhecimento é visto como um construto social e, logo, a disciplina
Arquitetura de Computadores é favorecida pela participação social em
um ambiente que propicia a interação, a colaboração e a avaliação.
Baseado nos princípios da Aprendizagem Colaborativa Assistida por
Computador (Computer Supported Collaborative Learning – CSCL)
que pode ser definida como um conjunto de métodos e técnicas de
aprendizagem para utilização em grupos estruturados, assim como de
estratégias de desenvolvimento de competências mistas (aprendizagem
e desenvolvimento pessoal e social), em que cada membro do grupo é
responsável, quer pela sua aprendizagem quer pela aprendizagem dos
demais participantes.
Em relação aos ambientes computacionais, os quais devem ter a participação ativa em grupos, Vygotsky (1998) acentua a influência da
interação social na aprendizagem e no desenvolvimento.
Conforme Silverman (1995), o objetivo do CSCL é proporcionar condições de “aprender através da experimentação ativa, de ações construtivistas e da discussão reflexiva do grupo”. Para facilitar essas atividades,
o ambiente deve prover (OTSUKA, 1997):
• Vários meios de comunicação entre os membros do grupo, tanto na
forma síncrona quanto na forma assíncrona;
• Meios para a representação dos conhecimentos do grupo em um dado
momento e também a inclusão de novas informações e sugestões;
• Base de dados que atue como uma “memória do grupo” para armazenar as informações referentes ao projeto desenvolvido pelo grupo.
Assim, buscou-se a utilização de um ambiente que propiciasse a participação ativa e a interação dos alunos nas aulas.
A aprendizagem colaborativa pode ter influência bastante positiva na
aquisição de conhecimentos e de capacidades cognitivas e também
na construção do conhecimento, para isso identificou-se no grupo de
128
discussão um ambiente que pode fornecer os recursos necessários para
se trabalhar conjuntamente na construção do conhecimento, através
de um ambiente agradável e estimulante.
A Educação a Distância (EaD) já é uma realidade e encontramos diversos ambientes existentes. De acordo com Matta (2003), os ambientes
baseados em aprendizagem colaborativa são divididos em quatro categorias: ambientes essenciais; ambientes recomendáveis; ambientes
complementares e outros ambientes.
Os ambientes essenciais, como o próprio nome já diz, são fundamentais
para existir a EaD. Destacamos nesse estudo o Ambiente de Apoio à
Interação dos sujeitos participantes, local onde teríamos a troca de
informação, organização de textos, discussões, enfim interações para
a construção do conhecimento. A ênfase ao grupo de discussão visto
que ele possui todas essas características.
O correio pessoal, usualmente utilizado pelas pessoas, dá ao usuário a
possibilidade de acessar o seu email de qualquer lugar, sem precisar ter
o seu computador sempre à disposição. Por outro lado o correio pessoal
poderá servir não apenas para mandar ou receber mensagens esporadicamente, mas poderá ainda ser muito útil em uma lista de discussão,
só que, uma mensagem enviada para um servidor de lista é enviada
automaticamente a todos os emails dos assinantes cadastrados na mesma. Em um grupo de discussão, além da lista temos uma diversidade
de recursos que irão auxiliar os professores a uma maior participação
dos seus alunos nas atividades dentro e fora da sala de aula.
Cada vez mais os grupos de discussão consolidam seu importante papel
como formadores de relacionamentos e comunidades de aprendizagem.
Através deles pode-se, continuamente, trocar mensagens pelo endereço de email do grupo, discutir sobre um assunto específico, trocando
ideias, dúvidas e sugestões, além de promover enquetes, ter uma
área reservada para colocarmos arquivos em que estarão disponíveis
a todos os sujeitos participantes, proporcionando a interação de todos
os envolvidos.
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O grupo de discussão deverá não apenas oferecer a troca de mensagens
textuais, mas a interação social e coletiva em todos através da participação conjunta. Através do FTP (File Transfer Protocol) é possível
transferir arquivos inteiros, desde textos muito simples e sem efeito
algum, até programas, imagens, gráficos, planilhas ou som.
Para ilustrar o estudo, tomamos por base o Grupo de Discussão do
Yahoo1, “é um endereço de email e web site gratuito que permite
compartilhar fotos e arquivos, coordenar eventos, enviar newsletters
e muito mais.”
O Ambiente de Apoio a Interação e as Aulas de Arquitetura de
Computadores
As aulas da disciplina Arquitetura consideradas difíceis devido a complexidade dos temas que compõem o conteúdo da mesma, tornaram-se
mais interativas com a participação dos alunos nos projetos desenvolvidos na disciplina: desde dinâmicas feitas em sala de aula às aulas
práticas desenvolvidas em laboratório.
Figura 1- Tela inicial do Grupo
No início do semestre, os alunos são cadastrados no grupo. A partir de
um cadastro inicial é possível inscrever os participantes que deverão ter
apenas um email pessoal. Depois de feita a inscrição todos receberão
uma mensagem comunicando o endereço do web site para poderem
efetuar seu cadastro individual. Esse cadastro serve para que o educador possa identificar as interações feitas pelo aluno nas ferramentas
do ambiente.
A página do grupo pode ser configurada de forma que ela tenha o perfil
do grupo: colocando imagem, escolhendo as cores que compõem o
layout (Figura 1). Todos os alunos cadastrados terão acesso a todas as
mensagens, uma espécie de histórico das mensagens, desde a criação
do grupo. Assim, mesmo que o cadastro seja feito posteriormente ele
poderá ver todas as mensagens já veiculadas na lista anteriormente.
1Yahhogrupos disponível em <http://www.yahoogrupos.com.br>
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Figura 2 – Seção de Links
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As mensagens são enviadas automaticamente a todos os participantes
do grupo.
Através das mensagens são propostas as discussões e debates. Muitas
vezes iniciamos uma discussão em sala de aula que se prolongou durante semanas na lista. Outra grande vantagem que os alunos em sua
avaliação apontaram foi a possibilidade de acompanharem as aulas
mesmo quando não podiam estar presentes nas salas de aula.
Além da lista, tem-se a seção de links (figura 2), para inscrever os sites
importantes, uma espécie de biblioteca virtual, a fim de que todos
possam estar constantemente atualizados. Esses links podem ser cadastrados por qualquer um. Os alunos envolvidos na disciplina estavam
sempre inscrevendo sites interessantes de artigos ou textos que se
relacionavam direta ou indiretamente com as aulas. Vários temas do
curso tiveram destaque ampliando a lista de link referente ao tema.
Na seção de fotos, figura 3, foram adicionadas fotos do grupo em vários
momentos de interação. Foi construído um álbum de fotografias sobre
a evolução dos computadores através do qual os alunos tiveram uma
visão de cada máquina durante a história da computação que tornou
o aprendizado mais significativo.
Outra seção importante é o Banco de Dados (Figura 4), nela podem
ser construídas planilhas, com a participação de todos. Na disciplina
pudemos criar uma planilha com todas as atividades que seriam desenvolvidas no semestre, outra contendo trabalhos em grupo com o nome
dos integrantes e o tema a ser desenvolvido, outra como uma espécie
de caderneta eletrônica onde os alunos controlam suas notas e faltas
na disciplina. Foi criado ainda um quadro comparativo das características dos principais processadores, que contou com a participação de
toda turma, ficando cada grupo de alunos responsável por pesquisar
informações sobre um tipo de processador.
Figura 3 – Seção de Fotos
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anexados às mensagem, ficando então disponível no grupo e cada vez
que alguém incluí um novo arquivo o que chega à caixa de correio de
todos é apenas um aviso de que algo novo está disponível.
Figura 4 – Seção Banco de Dados
Através da Agenda é possível criar um Mural com as datas mais importantes da disciplina. O próprio ambiente envia uma mensagem
aos integrantes do grupo em um período pré-determinado, antes do
evento para que todos estejam cientes. Não existe mais: “Professor
esqueci?!” Haja vista que todas as datas das avaliações são informadas
com antecedência e confirmadas na semana do evento.
Na seção Arquivos, como mostra na Figura 5, é possível armazenar diversos tipos de arquivos. Todos os arquivos de aula ficam armazenados
no grupo e a qualquer momento o aluno pode ter acesso. Além das notas
de aulas, foram colocadas atividades desenvolvidas pelos alunos, textos
para leitura e reflexão. Vale salientar que muitos desses textos foram
colocados pelos próprios alunos no processo de construção coletiva,
podendo modificá-lo, acrescentando novas contribuições. Essa seção
também é considerada extremamente importante já que elimina um
sério problema causado normalmente à caixa de correio eletrônico
dos participantes, desde quando os arquivos não mais necessitam ser
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Figura 5 – Seção de Arquivos
O educador e os educandos podem, também, fazer enquetes, sobre o
tema que será trabalhado em sala, ou um filme que vai ser apresentado na próxima semana... enfim o objetivo é que seja possível ter um
feedback das aulas.
Conclusão
Apoiado pelas novas tecnologias, o novo século abre um leque de possibilidades para o professor que redimensiona o seu papel. Ele não é o
mestre distante e autoritário. Não é um mero técnico que domina os
conteúdos específicos e imutáveis. Não é o tio ou tia que os compreende. Mas um mediador no processo de construção do conhecimento
que irá propiciar um ambiente inovador, atrativo e motivante para o
aluno.
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A utilização dos ambientes EaD é extremamente importante no processo
ensino-aprendizagem, tanto pelas diversas possibilidades de interação,
diálogo e comunicação como pela oportunidade de transformar as
aulas em momentos de prazer e dedicação. Através do ambiente de
EaD de Apoio a Interação, mais especificamente o grupo de discussão,
temos mais que uma ferramenta sendo utilizada, mas um mediador no
processo de construção do conhecimento.
O trabalho com ambiente de apoio a interação vem sendo feito em
todas as turmas que leciono nos cursos de graduação. A motivação que
os alunos apresentam é surpreendente. Pois eles estão cada vez mais
envolvidos com as disciplinas. O trabalho transcende a sala de aula
e passa para um ambiente virtual em que eles opinam, participam,
trazem contribuições. O aluno participante, ativo e construtor do seu
conhecimento é a maior vitória que o educador pode ter.
Referências
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a Educação a Distância - EAD acessível a todos. Revista Brasileira de
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
Ao final da disciplina, os alunos fizeram uma avaliação a respeito da
metodologia trabalhada em sala e a resposta foi muito gratificante,
eles escreveram como foi a experiência, contaram como foi importante
para integração e interação do grupo, para realização das atividades e
principalmente que conseguiram entender cada tópico trabalhado.
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Revista Independência
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O USO DO MOODLE COMO REFORÇO
NO ENSINO DE ENGENHARIA ELÉTRICA
EM CURSOS PRESENCIAS
ROBERTO DA COSTA E SILVA
Coordenador do curso de Engenharia Elétrica (F2J), Mestre em Engenharia
Elétrica (UFBA), Especialista em Administração (UCSAL), Graduado em Engenharia Elétrica (UFRS). Conselheiro da Câmara de Engenharia Elétrica do
CREABA (2003 a 2009), Conselheiro Federal do CONFEA.
Email: [email protected]
Resumo
Mostrar como um curso presencial pode ser melhorado com o uso das ferramentas tecnológicas hoje existentes, a exemplo do Moodle, é o objetivo
deste trabalho. Nossa preocupação neste sentido surgiu quando, em 2004,
depois de aposentado pela UFBA, iniciei a dar aulas em faculdades privadas.
Ali me chamou a atenção a grande diversidade de preparo dos alunos e a
falta de tempo da maioria para assistir as aulas e estudar, pois os estudantes
trabalham oito horas por dia e alguns tinham, além disto, problemas de turno
no trabalho, o que os impedia de assistirem as aulas de forma continuada. A
partir daí passei a ter contato com o ensino a distância, suas técnicas e ferramentas e pude ver sua evolução. Acredito seriamente ser este o caminho,
pois é o único que concilia tempo e espaço com qualidade de ensino.
Palavras-chave
Ensino a Distância. Moodle. Qualidade da educação.
Resumen
Mostrar como un curso en el aula puede ser mejorado con el uso de herramientas tecnológicas ya disponibles, como Moodle, es el objetivo de este
trabajo. Nuestra preocupación en este sentido se produjo cuando, en 2004,
después de retirarse de la UFBA, empecé a enseñar en las universidades
privadas. Alí me llamó la atención la gran diversidad de preparación de los
estudiantes y la falta de tiempo para ver la mayoría de las clases y estudiar,
porque el trabajo de los estudiantes ocho horas al día y algunos, además,
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había problemas de turnos de trabajo, que les impidió para asistir a clases de
forma continua. A partir de ahí comencé a tener contacto con la educación a
distancia, sus herramientas y las técnicas y pudo ver su evolución. Realmente
creo que este camino es el único que combina el tiempo y el espacio con una
educación de calidad.
Introdução
Palabras-clave
Lecionei na Universidade Federal da Bahia, na Escola Politécnica,
cadeiras no curso de Engenharia Elétrica, de 1975 até 2004, quando
me aposentei. Tenho quatro livros publicados sobre Engenharia, tendo
dois deles uma segunda edição. Em meio magnético tenho dois outros
livros. Após minha aposentadoria ingressei em uma faculdade privada
onde fiquei até meados de 2008, quando vim para a Faculdade 2 de
Julho como coordenador do curso de Engenharia Elétrica.
Ensino a Distancia. Moodle. Cualidad de la educación.
Este trabalho procura mostrar como um curso presencial pode ser melhorado com o uso de ferramentas tecnológicas atualmente existentes,
sendo o Moodle uma destas ferramentas.
Inicialmente ministrava aulas com quadro negro e apresentações em
sala. Com o avançar dos anos as aulas passaram a ser dadas com o
auxílio de projetores de transparência.
Após o aparecimento de computadores com preços acessíveis as aulas
passaram a ser dadas com auxílio de apresentações em Power-Point preparadas com o uso de apresentações ou vídeos que se encontravam na
Internet. Penso que deste modo agiram quase todos os professores.
Quando, após a aposentadoria, iniciei as aulas na faculdade privada
em 2004, a primeira coisa que me chamou a atenção foi a grande diversidade de preparo dos alunos e a falta de tempo da maioria para
assistir as aulas e estudar. A maioria dos alunos trabalhava oito horas
por dia e alguns tinham, além disto, problemas de turno no trabalho, o
que os impedia de assistirem as aulas de uma forma continuada. Desde
então me preocupo com o problema. Passei a ter contato com o ensino
a distância, suas técnicas e ferramentas e pude ver sua evolução desde
o tempo do Instituto Monitor, onde fiz um curso de técnico em rádio
por correspondência nos idos de 1960.
A grande evolução no ramo das Telecomunicações permite hoje que se
remeta e receba documentos e vídeos em tempo muito rápido e, inclusive, que se realizem aulas e palestras em tempo real, com professores
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e palestrantes situados em lugares diferentes. Os recursos de multimídia
à disposição dos professores permitem que se enriqueça muito uma
aula, com apresentações mais sofisticadas e exibição de fotos e vídeos.
Não será este o caminho para conciliar a falta de tempo dos alunos com
a manutenção de um curso de alto nível? Acredito que sim, e isto se
torna realidade usando-se ferramentas tecnológicas desenvolvidas para
cursos não presenciais e que se aplicadas no ensino presencial podem
aumentar em muito o aproveitamento dos discentes, e minimizar as
consequências na aprendizagem face ás ausências das aulas.
a aula a distância tão boa quando uma aula presencial e melhor ainda
se comparada às aulas ministradas em algumas faculdades.
A evolução do ensino não presencial no Brasil
O perfil médio do aluno de uma faculdade privada de Engenharia Elétrica em Salvador se caracteriza por:
Pode-se dizer que o ensino formal a distância apareceu em 1894 na
Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Aqui no Brasil o mesmo
apareceu em 1939 com os cursos de rádio do Instituto Monitor, o qual
frequentei em 1960. Inicialmente estes cursos eram por correspondência. Em 1957 aparecem os primeiros cursos do sistema governamental
transmitidos por rádio, dando continuidade a algo que já existia desde
1941. Em 1964, o Ministério da Educação reserva canais em VHF e UHF
para serem usados pelas Televisões Educativas. Em 1970, o Projeto Minerva já podia ser captado em diversas rádios do País. Em 1970, cheguei
a trabalhar no ITA (CNAE) com o projeto Saci que se destinava a levar o
ensino básico a todas as pequenas localidades do País utilizando satélites
de Telecomunicações, com os quais pelo menos assistimos a Copa do
Mundo daquele ano. Pode-se notar que a preocupação com o assunto
de levar conhecimento para as pessoas que estavam longe fisicamente
das escolas é um fato com o qual nosso governo se preocupa desde, no
mínimo, o ano de 1964. Como sempre, o Brasil se ocupa do problema,
mas demora muito para se posicionar sobre o assunto.
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A desconfiança sobre este tipo de solução não é novidade. Várias
universidades ainda consideram este tipo de ensino como de segunda
classe, e muitas pessoas veem o ensino a distância hoje do mesmo
modo como quando apareceu há 70 anos. A evolução tecnológica mudou
radicalmente o modo de se assistir as aulas e uma boa produção torna
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Hoje em dia além do problema inicial já descrito (alunos e professores separados em distância), temos outro que é a falta de tempo
dos estudantes devido aos seus afazeres. Temos alunos interessados,
porém não dispõem de tempo para agir em sincronia com as aulas de
um curso presencial.
Perfis do aluno
a) Uma base ruim do ensino médio, principalmente nas cadeiras
de Física e Matemática, ou está fora do ambiente de sala de
aula há bastante tempo.
b) É um aluno que trabalha para se sustentar, ou seja, não dispõe
de tempo para estudar. Tem tempo apenas para assistir as aulas.
c) Não está habituado a ler.
d) Não tem livros textos em casa das disciplinas fundamentais:
Português, Matemática, Física e Química. Não costuma adquirir
livro didático.
e) É de classe média, ou seja, luta com dificuldade para viver.
Isto significa que a quase totalidade dos alunos que ingressam em
uma faculdade privada não foi devidamente preparada para ingressar
no ensino superior ou está afastado dos estudos há bastante tempo,
necessitando, assim, uma revisão de assuntos fundamentais antes de
iniciar o curso propriamente dito. Além disto, a maioria carrega um
grave defeito: não gosta de ler e tem dificuldade em entender o que lê.
Deste modo, quem atua na docência em faculdades privadas encontra
esta dificuldade extra com os alunos: sua falta de preparo.
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Será que existe um modo de se sanar este problema? Estou convencido
que sim, e a solução passa por duas etapas:
a) Conscientização do aluno de seus problemas de base.
b) Recuperação de conteúdo não visto em aulas adicionais não
presenciais, usando-se a tecnologia Moodle.
A primeira etapa vai depender do próprio aluno, mas a segunda pode ser
resolvida com o ferramental tecnológico hoje existente em complemento às aulas presencias. Foi isto que me despertou para o problema de
aplicar esta solução, no caso a ferramenta Moodle como complemento
e reforço de aulas presenciais.
Ferramental tecnológico existente
O Moodle é uma ferramenta gratuita que pode ser usada para se
complementar aulas presenciais com acompanhamento das atividades
desenvolvidas pelos alunos. Com o uso desta ferramenta pode-se disponibilizar as aulas para que os alunos assistam novamente em casa,
passar e corrigir exercícios e colocar-se material de reforço para quem
necessita. Pode-se planejar, inclusive, uma disciplina de nivelamento
para quem necessitar. O uso desta ferramenta propicia ao aluno estudar em um ritmo diferente, contanto que o mesmo esteja disposto
e siga as orientações do seu professor. Para que se possa usar esta
ferramenta, faz-se necessário que o aluno disponha em casa de um
computador com acesso a Internet, sendo isto indispensável para quem
quer estudar Engenharia.
O ensino não presencial é caracterizado por:
a) Separação do professor e aluno no espaço e/ou tempo.
b) Controle de aprendizado sendo realizado mais pelo aluno do
que pelo professor.
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c) Comunicação entre professor e aluno realizada por algum meio
de comunicação, sendo hoje em dia a Internet o mais popular.
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Deste modo pode-se ver o ensino não presencial como um método
que geralmente separa o instrutor e o aluno no tempo e espaço e que
para isto vai exigir técnicas especiais na apresentação e controle dos
conteúdos e formas técnicas de comunicação para fazer com que as
mesmas cheguem aos estudantes. A ferramenta Moodle veio facilitar
em muito esta tarefa.
Gostaria de enfatizar que existe uma grande diferença entre o ensino
presencial convencional (sem uso de mídias) e o ensino não presencial.
Cabe à Instituição que deseja implantar este tipo de reforço de ensino
fornecer aos professores o treinamento indispensável para que o mesmo
possa ser implementado. Uma aula para apresentação em vídeo leva
muito mais tempo para ser preparada do que uma aula convencional.
Isto no passado era muito dispendioso exigindo uma equipe especializada. Hoje em dia existem softwares disponíveis no mercado a preços
justos que viabilizam bastante este preparo a custos aceitáveis. O software Camtasia é um exemplo. Outro fato digno de nota é o enfoque na
Pedagogia do curso. A mesma deve ser voltada no sentido de ensinar a
buscar informações e com as mesmas aprender a resolver os problemas.
O professor não é um mero “passador de conhecimentos”.
Um reforço não presencial busca oferecer aos alunos uma total satisfação de suas necessidades no tocante ao tempo e local de estudo, bem
como ao bom conteúdo do curso e uma avaliação correta do aproveitamento do mesmo. Porém, para que isto funcione, é necessário que
o aluno se torne um estudante, ou seja, passe do estágio de alguém
sem luz para o estágio de alguém que quer aprender, e isto só depende
dele. Nenhuma ferramenta, por mais moderna que seja, irá funcionar
se o estudante não se esforçar e quiser ser ajudado no aprendimento.
O professor pode apenas ajudar, quem aprende é o estudante.
Críticas
A maior dúvida dos críticos do ensino não presencial é a execução de
testes. Não poderemos jamais saber se quem faz o teste à distância
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é o aluno ou outrem. Todavia, um bom professor, quando da ocasião
de um teste presencial, a depender do resultado, saberá julgar quem
realizou os testes à distância. Outra dúvida se refere a determinadas
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aulas práticas, evidentemente estas só poderão ser realizadas na Instituição, pois exigem equipamentos que o estudante não possui.
O TABULEIRO DA BAIANA
DA SENZALA À MESA DO BRANCO
Outra dúvida é quanto ao aproveitamento dos alunos e a seriedade do
curso. Uma boa estrutura Pedagógica resolve o problema, existindo
estudos neste sentido que provam esta afirmação. O projeto pedagógico
de aula presencial não pode ser o mesmo de uma aula não presencial.
A seriedade do curso fica a cargo da Instituição que o patrocina e da
fiscalização do MEC. Sobre este fato o problema é o mesmo que hoje
se enfrenta nos cursos presenciais: necessita-se uma maior fiscalização
no tocante ao cumprimento de ementas e carga horária.
SEBASTIÃO HEBER VIEIRA COSTA
Conclusão
Sinceramente não vejo como conciliar um aluno com o perfil aqui descrito com um curso de alto nível sem o uso da ferramenta Moodle. Para
o aluno que não pudesse comparecer a aula presencial, a mesma estaria
à sua disposição na web para ser assistida no ritmo do estudante. As
dúvidas seriam esclarecidas no ambiente Moodle e em sala de aula.
Apesar das críticas aqui apontadas penso seriamente que este é o caminho, pois é o único que concilia tempo e espaço com qualidade de
ensino. O ensino não presencial com acompanhamento do professor,
no meu modo de ver, é a solução que deveríamos adotar para melhorar o curso, adaptando-o, sem perder a qualidade, ao estudante que
temos.
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Doutor e mestre em Antropologia da Religião (Pontifício Instituto Teresiano,
Roma, Itália), graduado em Filosofia pela (UNICAP), graduado em Pedagogia
(FAFIRE). Professor dos cursos de Comunicação Social da F2J, professor adjunto
da UNEB e pós-doutorando em Antropologia.
Email: [email protected]
Resumo
A alimentação do negro, ao longo desses 450 anos, nos engenhos brasileiros,
podia não ser um primor de culinária, mas, como diz Peckolt, “faltar não
faltava, pois havia abundância de toucinho, feijão, mandioca, rapadura e até
a cachaça”. A contribuição dos escravos consagrou-se através da cozinha afrobrasileira e os três centros que se tornaram mais notáveis por esse aspecto são
a Bahia, Pernambuco e o Maranhão. Mas, especialmente a Bahia deu espaço a
que fosse criada uma nova instituição na culinária afro-brasileira: o tabuleiro
da baiana. A condição do negro que integrava as primeiras levas de escravos
era por demais constrangedora para poder influir nos hábitos alimentares
do colonizador. A fidelidade do negro aos seus costumes, especialmente a
culinária – que é um elemento permanente da cultura popular – ajudou a
preservar a própria cultura africana.
Palavras-chave
Culinária afro-brasileira. Alimentação. Negros. Tabuleiro da baiana.
Resumen
La alimentación del negro, a lo largo de esos 450 años, en los ingenios
brasileños, podría no ser espacial, pero, como señala Peckolt, “no faltaba,
pues había abundancia de tocino, porotos, madioca, turrón de azúcar puro y
hasta aguardiente”. La contribución de los esclavos se consagró a través de
la cocina afro brasileña y los tres centros que más se notabilizaron por ese
aspecto fueron Bahía, Pernambuco y Maranhão. Sin embargo, especialmente
Bahía proporcionó el espacio para que fuese creada una nueva institución en
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la culinaria afro brasileña: el quiosco de la baiana. La condición del negro que
integraba los primeros grupos de esclavos era demasiado constrangedora para
influir en los hábitos alimentarios del colonizador. La fidelidad del negro a sus
costumbres, especialmente la culinaria - que es un elemento permanente de
la cultura popular – ayudó a mantener la propia cultura africana.
Palabras-clave
Culinaria afro-brasileira. Alimentación. Negros. Tablero de la baiana.
Introdução
O jesuíta Fernão Cardim (1583-1585) em visita oficial à Bahia – Ilhéus
e Porto Seguro –, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de janeiro, São Vicente e São Paulo deixou informações e comentários sobre o panorama
alimentar da Colônia. Ele se refere à grande abundância de víveres que
encontrou nessa Bahia que “passava de três mil vizinhos portugueses,
oito mil cristãos e três ou quatro mil escravos de Guiné”. E diz ainda:
“A Bahia é terra farta de mantimentos, carne de vaca, porco, galinhas,
ovelhas e outras criações” (BROCA, 1950, p. 84).
A escravatura negra intensificou-se e cresceu por conta da escassez
da mão de obra e, sobretudo, pela experiência da subjugação dos
índios que não foi, na perspectiva portuguesa, obtida com sucesso. O
português se valeu do seu conhecimento e trato com o negro para o
trabalho agrícola; os recursos vegetais que os africanos trouxeram foram
aplicados na cultura dessa região tropical. Dessa forma, começou-se
a cultivar a palmeira (o dendê e o coco da Bahia), o quiabo (elemento
indispensável nos múltiplos pratos da culinária africana), também a
cebola e o alho, assim como a pimenta que dá o sabor aos principais
pratos da culinária baiana. Todos esses produtos foram recolhidos nos
múltiplos contatos e conquistas do português na Ásia, África, Ilha da
Madeira e Cabo Verde.
Também é de sublinhar a importância da introdução da pecuária,
que os negros do Sul da África aprenderam com a África maometana.
Os bantos e sudaneses aqui vindos já estavam habituados com essa
atividade agropecuária e sabiam usar o leite, a carne e os vegetais,
especialmente aqueles que tinham o hábito de manusear folhas. Mas o
Padre Vieira, no Maranhão, em 1565, já descreve a ausência de pontos
especiais para os produtos “do comer ordinário” serem vendidos: “não
havia nem açougue, nem ribeira, nem tendas”. Também Frei Vicente
do Salvador relata a insatisfação de um frade da época:
Notava as coisas e via que mandava comprar um frangão, quatro
ovos e um peixe para comer e nada lhe traziam por que não se
achava na praça nem no açougue e se mandava pedir as ditas
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coisas e outras mais às casas particulares e lhas mandavam. Então
disse o Bispo: Verdadeiramente que nessa terra andam as coisas
trocadas (ORNELLAS, 2000, p. 233).
A condição do negro proveniente das primeiras levas de escravo era,
de tal forma, constrangedora que não podiam influir nos costumes do
colonizador. Como hábitos alimentares, que eram bastante simples,
eles pouco diferiam dos indígenas do Brasil. Era-lhes familiar o uso da
caça e pesca, embora as presas fossem variadas. Eles as assavam com
processos bem semelhantes e também as defumavam. Os tubérculos e
raízes, assim como as folhas, já eram usados. O uso dos cereais (sorgo,
arroz e milhetes) era feito de formas diferentes, mas semelhantes eram
as formas de preparo em mingaus, farinhas e broas. O uso da pimenta
malagueta e similares foi feito de forma idêntica. O dendê e o quiabo
foram contribuições importantes trazidas para o Brasil, pois a partir
daí marcaram a culinária afro-baiana. A mandioca era alimento básico
dos índios, foi facilmente aceito pelo português e teve uso intenso e
entrou no agrado do negro. Eram alimentos de fácil cultivo, continha
alta rentabilidade calórica e apesar dos métodos serem rudimentares,
havia versatilidade nas formas de sua preparação, alem de representar
um processo operacional de custo baixo. Por isso ela prevalece até hoje
assegurada, como primazia, no prato do pobre. Tendo sido levada para
África ela se expandiu e triunfou e é tida como prato nativo.
Fases da alimentação brasileira
A capital do Brasil mudou da Bahia para o Rio de Janeiro em 1763.
Fazendo essa transferência o governo português assegurou benefícios
e incentivou novas influências sobre a forma de alimentação. E nesse
século a Bahia chegou a sofrer de extraordinária falta de farinha, o
que levou, a partir 1788, os governadores da capitania a registrar uma
cláusula que obrigava, na cultura da terra, a plantar mil covas de
mandioca correspondentes a cada escravo que os senhores possuíssem
empregados na atividade agrícola (ORNELLAS, 2000, p. 238). Passados
os três séculos de contato das três raças que se amalgamaram no
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povo brasileiro, a tradição alimentar havia se estratificado com base
no consumo rotineiro de alimentos acessíveis, feitos com preparação
simples: farinha de mandioca, farofa, tutu, pirão, milho, fubá e angu,
também feijão e arroz.
Com a vinda de Dom João VI para o Brasil, a classe abastada teve que
acolher a vasta comitiva de quase 15 mil pessoas, acompanhando Sua
Alteza – desse modo, essa classe teve de melhorar o seu cardápio. Assim,
iniciou-se uma nova fase da alimentação brasileira, com a divulgação da
cozinha fina e vulgarização de alimentos até então restritos à mesa dos
afortunados, a exemplo da manteiga da Irlanda, do azeite português,
das frutas secas, das aves raras, dos vinhos importados e do pão de
trigo. Mas em compensação as aves brasileiras e a caça nativa passaram a ser mais valorizadas. A partir daí dá-se realce às frutas nacionais
que, através das mãos da preta-mina, aparece sob a forma de doçaria
típica. Apesar de muitos fidalgos reinós teimarem em conservar por
muito tempo cozinheiros europeus, a cozinheira preferida foi a negra,
especialmente nas casas-grandes e fazendas desde o século XVI; lá elas
recebiam, nos festins, as homenagens dos convivas e houve até casos
de terem recebido a própria liberdade em troca de quitutes.
Theodoro Peckolt em sua História das Plantas Alimentares e de Gozo
do Brasil (1871), falando sobre a alimentação do escravo, sublinha que
ele e o trabalhador da roça receberam, em geral uma alimentação boa
e nutritiva, introduzida desde os tempos antigos, e que a base dessa
alimentação era o feijão (Apud ORNELLAS, 2000, p. 248). Guilherme
Figueiredo demonstra ser a feijoada uma degeneração do cassoulet
francês e da caldeirada portuguesa; mas essa feijoada teria passado
por estágios de aprimoramento: em Cabo Verde passou pela fase de
cachupa, à base de grandes favas e milho, mas aqui enegreceu pela mão
dos pretos escravos – constata-se que ela acompanhou os bandeirantes
já em 1789 (ORNELLAS 2000, p. 248). Mas o gosto por esse prato variou
– Debret a tinha em alto conceito, mas Gustavo Aimard, que por aqui
andou em 1850-1885, escreve em Le Brèsil Nouveau: “comida preta e
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suja, sem gosto nem conforto e, até mesmo, sem asseio”. O Dr. Alfonso
Lomanaco assim descreve a feijoada:
No caldo negro da leguminosa nadam as carnes de cevado: língua,
pés, orelhas, toucinho, pedaços de charque (...) cebolas, alhos,
salsa, tudo isso regado com caldo de limão e pimenta (...) singular
iguaria (...) só o estômago, ou antes, um buxo de lapão ou croata,
pode tolerar impunemente (...) acompanhamento obrigatório
uma pasta de farinha de mandioca (...) devorado pelos brasileiros, com o melhor apetite do mundo e por eles considerado
verdadeiro manjar de delícias (ORNELLAS, 2000, p. 249).
José Luciano Pereira Junior, em 1850, ocupando-se do regime das classes abastadas, comenta que a cozinha brasileira vinha, pouco a pouco,
desafricanizando-se, pois havia redução no uso da pimenta, gordura e
outros condimentos. Em vez de aloá, garapa de tamarindo e caldo de
cana, usava-se o chá à inglesa; em vez de farinha de mandioca, pirão
e quibebe, estava em uso a batata chamada inglesa. Os consumidores,
também nessa época estavam conquistados pela novidade do pão branco
de trigo. Até nas sobremesas típicas de melado com farinha, canjica,
pé de moleque, milho verde, doces de abóbora com coco ou de batata
roxa, tudo ia aos poucos sendo substituídos pelas sofisticadas receitas
da cozinha francesa (MAGALHÃES, 1906, p. 448).
A alimentação do negro
Mas a alimentação do negro, nos engenhos brasileiros, conforme escreve Peckolt, podia não ser um primor, mas faltar nunca faltava e
havia mesmo abundância de milho, toucinho, feijão. E, além disso,
havia abundância de farinha de mandioca, rapadura e cachaça. Esse
passadio era idêntico em todo interior nordestino, da Bahia ao Piauí. A
contribuição do escravo consagrou-se na cozinha afro-brasileira, e os
três centros que mais se notabilizaram foram a Bahia, o Maranhão e Pernambuco. Na verdade, o tabuleiro da baiana tornou-se uma verdadeira
instituição, e isso por conta da variedade de doces e quitutes vendidos
na rua: vatapá, mocotó, mingau, feijão de coco, pão de ló de arroz ou
milho, rolete de cana, aloá, arroz de coco, angu e rebuçados.
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E as baianas se deslocaram para o Sul, levando seus tabuleiros com
toda aquela variedade de mungunzá, milho assado, grude, manuê, mãebenta, cuscuz de peixe ou peixe frito, pãozinho cozido, amendoim,
pé de moleque com farinha de mandioca e amendoim, içá torrado,
quentão, ponches e queijadas, guloseimas, em sua imensa maioria,
derivadas das cozinhas africana, indígena e árabe.
Os ritos e cultos dos afro-descendentes tomaram outro impulso com
o advento da Lei Áurea. Câmara Cascudo mostra como o jeje—nagô
explica sozinho a cozinha afro-brasileira e ainda explicita que esses
pratos têm equivalentes em muitas regiões da África, como Gana,
Daomé, Sudão, Angola, Guiné, Moçambique e Rodésia. Aqui foram
apenas reelaborados ou recriados a partir dos elementos já existentes
como o milho, feijão, batata doce, amendoim, macaxeira, ou com os
exemplares vindos da África: banana, inhame, quiabo, coco, dendê.
Roger Bastide, em seu livro A cozinha dos Deuses, vincula a cozinha
afro-brasileira ao candomblé e a encara sob o ângulo místico – para
isso se acerca de dados de Artur Ramos e Manoel Quirino. Ele afirma:
“Os deuses são glutões, e os mitos que nos relatam suas vidas andam
cheios de comezainas pantagruélicas, de voracidade homérica” (BASTIDE, 1950, p. 30).
As festas nos terreiros, ao se penetrar no peji, são marcadas por uma
abundância de comida, de pratos coloridos e saborosos, tudo oferenda
dos filhos e filhas de santo aos seus orixá protetores, todos eles finos
gourmets, e cada qual com o seu prato preferido. Nas festas públicas
são preparados tantos pratos quantos são os orixá invocados durante
as cerimônias. Oxalá reclama acaçás, abarás, pois sua cor é a branca,
sendo o alimento sem sal e sem pimenta, por ser o orixá da bondade
e da doçura; Oxum, sempre faceira e gulosa, exige xinxim de galinha,
com miúdos e farinha de mandioca; Xangô prefere amalá, preparado
com quiabo, camarão, azeite de dendê; Ogum adora guisados de carne
de vaca; Iansã deseja caruru, arroz ou angu de mandioca e acarajés – e
assim a lista de alimentos poderia continuar correspondendo a cada
gosto dos orixá.
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A comida dos orixá, conforme Vivaldo da Costa Lima, sempre requer
maior cuidado em sua feitura, por ser uma oferenda religiosa (LIMA,
1950, p. 12). O candomblé conserva essa memória nas múltiplas oferendas aos seus orixá. Por isso, Raul Lody lembra que “santo também
come”. Dessa forma, a comida do homem se torna comida de santo e
vice-versa.
O poeta Jorge de Lima inspirou-se nas comidas da Bahia para o seu
famoso poema: (Apud BORBA,1950, p.42)
Comer efó
Pimenta, jiló
Cobrei substância
Com mocotó
Bahia, estas comidas têm mandinga!
Bahia, esse tempero tem mocó!
Lá vem tabuleiro!
Cocadas, pipocas!
Lá vem verdureiro:
Pimenta, jiló
Moqueca, dendê.
Arroz com efó,
Pimenta, jiló.
Padrões alimentares dos negros
Rugendas, que observou bem os negros e os desenhou de forma excelente, assim deles diz: “São alimentados com farinha de mandioca,
feijão e carne seca. Não lhes faltam frutas refrescantes” (RUGENDAS,
1940, p. 87). Infere-se pelos relatos que a lógica levaria a pensar que
o escravo teve alimentação relacionada com a sua atividade. Escravos
dos engenhos de açúcar, escravos das fazendas de gado, escravos das
minerações, escravos dos cafezais, escravos urbanos, não deviam ter
a mesma dieta. Mas tal não se verificou. A base era idêntica, e apenas
variava a incidência de carne ou pescado para dar gosto – isso é o que
distinguia os regimes.
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No Rio de Janeiro, a farinha de mandioca figurava inevitavelmente na
comida do escravo, ao lado do feijão-negro, que assumira realce desde
os finais do século XVIII. No tempo de Debret, os escravos alimentavamse, de acordo com Cascudo, com
dois punhados de farinha seca, umedecidos na boca pelo sumo
de algumas bananas ou laranjas… A alimentação do negro numa
propriedade onde ele trabalhava compõe-se de canjica, feijãonegro, toucinho, carne-seca, laranjas, bananas e farinha de
mandioca. Essa alimentação reduz-se, ente os pobres, a um
pouco de farinha de mandioca umedecida, laranjas e bananas. É
permitida, entretanto, ao negro mal alimentado aplicar o produto
da venda de suas hortaliças na compra de toucinho e carne-seca.
Finalmente, a caça e a pesca, praticadas nas suas horas de lazer,
dão-lhe a possibilidade de alimentação mais suculenta. (Apud
CASCUDO, 2004, p. 203)
Outros observadores também constatam o mesmo padrão alimentar,
como Rugendas e Karl Seidler, que esboça o Brasil do Imperador Pedro I.
Não se acreditaria que com tal tipo de alimentação pudesse um homem
conservar sua força e saúde, sobretudo tendo trabalhos pesados, entretanto, esses negros são tão fortes e sadios como se tivessem a melhor
alimentação. Admirava-se Seidler que o negro com tal dieta atingisse
uma idade superior. Freyre lembra que nos engenhos e fazendas mais
pobres davam aos escravos somente feijão cozido com angu, um bocado
de toucinho, abóbora cozida; e essa comida rala, a homens que na região
cafeeira tinha que se levantar às três da madrugada para trabalhar até
nove ou dez horas da noite. Esses homens que trabalhavam tanto, só
dormiam cinco a seis horas por noite. E mesmo durante o período de
chuva, o negro tinha que se levantar cedo para colher o café. Freyre
cita Dr. David Jardim, um observador do regime de trabalho escravo:
“O trabalho excessivo, a alimentação insuficiente, os castigos corporais
em excesso, transformam esses homens em verdadeiras máquinas de
fazer dinheiro (…) sem laço algum que os ligue sobre a terra” (FREYRE,
2000, p. 62).
Sobre esse tema tão polêmico – os escravos eram ou não bem alimentados? – Freyre faz uma distinção entre escravos típicos e atípicos. Ele
diz que:
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O que conhecemos por outras fontes de informações, sobre o
nosso sistema patriarcal, autoriza-nos a generalizar ter sido o
escravo brasileiro da casa-grande ou sobrado grande, de todos os
elementos da sociedade patriarcal brasileira o mais bem nutrido.
Nutrido com feijão e farinha; com milho ou angu; com pirão de
mandioca; com inhame, com arroz, visto pelo geógrafo alemão
A. W. Sellin, como em algumas regiões brasileiras, ‘alimento
fundamental’ para os escravos e não apenas para os senhores
(FREYRE, 2000, p. 308)
O escravo dos engenhos de açúcar tinha na cana, no mel, na garapa,
refrigério e reforço alimentar disponível pela dádiva, furto ou aquisição fortuita. Mel com farinha era uma refeição, substancial, farta,
indigesta. O caldo da cana tornara-se uma bebida apreciada. O mel
com água era a garapa fortificante e saborosa.
alimentação sadia e suficiente, mas ainda, muitas vezes, chega
a vendê-lo vantajosamente (RUGENDAS,1940, p. 91).
Nos tempos da seca no Nordeste alguns escravos compravam a alforria
com cereais produzidos e guardados por eles ciumentamente. Manuel
Dantas lembra esse episódio típico com os versos:
Se for pirão de água pura,
Não me chame pra comê,
Que eu morro e não me acostumo
Com esse tal de massapé.
Eu não sou negro de Angola
Que engole tudo que vê
(DANTAS, 1941, p. 168)
No reino da farinha
O negro da fazenda tinha mais independência, liberdade, amplitude de
ação pessoal, afeito a pastorear o gado. Em boa percentagem nasceria
deles a dinastia dos vaqueiros, cantadores, cangaceiros. O negro do
engenho, entretanto, era o escravo do eito, trabalho de conjunto, de
grupo, padronizado. O negro do gado podia buscar alimento em maior
distância que o escravo do açúcar, sujeito ao feitor e sob a vigilância
da casa-grande em cuja varanda se balançava o senhor.
Gabriel Soares, escrevendo na Bahia (1570-1587), fala que o escravo já
plantava em sua roça frutos e cereais da própria preferência. Assim, ele
modificava, discretamente, o ritmo monótono do cardápio imposto pelo
seu senhor. Essa modalidade que se manteve até a Abolição, explica a
presença de muita planta africana conservada e perpetuada pela mão
do negro no solo brasileiro.
Os escravos rurais, diz Câmara Cascudo (2000, p. 205), possuíam, quase
todos, o roçadinho, trabalhando nele nos dias santos, feriados, dias de
festa na casa-grande, dia de luto, dava-se sueto, folga de trabalho ao
escravo das senzalas. Observa Rugendas, que viveu no Brasil de 1821
a 1835 :
Em cada fazenda existe um pedaço de terra que lhes é entregue,
cuja extensão varia de acordo com o número de escravos, cada
um dos quais cultiva como quer ou pode. Dessa maneira, não
somente o escravo consegue, com o produto do seu trabalho, uma
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Tentava-se, no velho Brasil colonial, evitar o desequilíbrio na subsistência doméstica pela imposição oficial para certas culturas julgadas
indispensáveis. A Ordem Régia de 27 de fevereiro de 1701 mandava
promover e ativar o plantio da mandioca, gênero de primeira e básica
necessidade. Houve, na Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, ordens dos capitães-generais e senhores do Senado da
Câmara exigindo o plantio prévio da farinha ao lado de qualquer outra
produção. Quem produzisse gêneros alimentícios estava dispensado do
serviço militar, da convocação, de exercícios, vantagens garantidas por
ordem de 11 de maio de 1811 (COSTA, 1954. p.169).
Na Bahia ocorrera a mesma coisa. O governador-geral Antonio Luis
Gonçalves da Câmara Coutinho (1690-94), ordenara, sob pena de cem
mil réis de multa, quantia miraculosa para a época, que todos os moradores, dez léguas ao redor da cidade do Salvador, mandassem plantar
quinhentas covas de mandioca, a fim de evitar a fome que ameaçava
invadir o País. A Carta Régia de 1701 proibia o trabalho pastoril em
um raio de dez léguas dos terrenos ribeirinhos, reservando essas terras
para a produção da farinha (COSTA, 1954, p. 169).
Ter farinha, plantar roças, dando as mil covas por unidade, tornou-se
dever natural de todo proprietário, fosse qual fosse a cultura caracte-
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rística para o rendimento financeiro. Escravo pedir ‘de comer’ perante toda aristocracia rural, implacável na defesa da fartura, era uma
vergonha para o amo (CASCUDO, 2004, p. 167). Mas de fato, a comida
do escravo comum era a mesma das classes mais humildes e pobres
do Império. Apenas era mais regular, diária, segura em sua limitação
e com possibilidades ocasionais de melhorias festivas
Sobrados e Mucambos Freyre se pergunta: “Mas que haviam de fazer
as senhoras de sobrado, às vezes mais sós e mais isoladas que as iaiás
de engenhos? Quase que só lhes permitiam uma iniciativa: inventar
comida” (FREYRE, 1987, p. 67). Ele cita Vilhena que fala desses doces
e iguarias, mas eram quitutes feitos em casa e vendidos na rua em
cabeça de negras, porém em proveito das senhoras .
A comida de escravo na casa-grande era especial, isto é, restos das
refeições dos amos, além das furtadelas, biscates e gorjetas, imprevistas ou provocadas. A prole e parentela das amas de leite, cozinheiras,
doceiras, copeiras, arrumadeiras, açafatas da sinhá-moça, os moleques
de recados, os leva e traz da época, privavam das fartas condições
de familiares, gente que vivia no “quente” da casa-grande, como
era costume dizer-se. Dessa forma, se envolviam e até se tornavam
cúmplices dos mais variados assuntos domésticos (PEREIRA, 1958, p.
174). Diz Cascudo que seu avô já repetia: “Não há nada escondido
para escravo”.
Mas Freyre insiste em afirmar que o “legítimo doce ou quitute de
tabuleiro foi o das negras forras – o das negras doceiras”. E tudo era
preparado por elas. Ele também sublinha o detalhe dos enfeites dos
tabuleiros, o cuidado com que elas preparavam tudo:
Comparando-se os negros com os indígenas brasileiros, pode atribuirse parte de sua superioridade de eficiência econômica e eugênica ao
regime alimentar mais equilibrado e rico que o dos outros, povos ainda
nômades, sem agricultura regular nem criação de gados. Diz nesse
sentido Freyre: “Uma vez no Brasil, os negros tornaram-se, em certo
sentido, verdadeiros donos da terra: dominaram a cozinha. E conservaram em grande parte sua dieta” (FREYRE. 1987, p. 290).
Conclusão
Há três centros de alimentação afro-brasileira: Bahia, Pernambuco
e Maranhão. Dos três, a Bahia é, certamente, o mais importante. A
doçaria de rua aí se desenvolveu como em nenhuma cidade do Brasil,
estabelecendo-se verdadeira guerra civil entre o bolo de tabuleiro e o
doce feito em casa. Esse doce é o das negras forras, algumas tão boas
doceiras que conseguiram juntar dinheiro vendendo doces e bolos. É
verdade que as senhoras das casas-grandes e as superioras dos conventos entregaram-se, às vezes, ao mesmo comércio de doces e quitutes;
as freiras aceitavam encomendas, até para o estrangeiro, de doces
secos, bolinhos de goma, sequilhos, confeitos e outras guloseimas. Em
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Por elas próprias enfeitados com flor de papel azul ou encarnado. E recortado em forma de corações, de cavalinhos, de passarinhos, de peixes, de galinhas – às vezes com reminiscências
dos velhos cultos fálicos ou totêmicos. Arrumado por cima de
folhinhas frescas de banana. E dentro dos tabuleiros enormes,
quase litúrgicos, forrados com toalhas alvas como pano de missa
(FREYRE, 1987, p. 455).
Um dos traços mais marcantes de infiltração da cultura negra na economia e na vida doméstica do brasileiro é a culinária. A cozinha colonial
foi enriquecida pelo escravo africano que a dominou enriquecendo-a
com novos sabores. São o azeite de dendê e a pimenta malagueta as
grandes contribuições africanas ao regime alimentar brasileiro – e tudo
isso é tão característico da cozinha baiana. A técnica culinária do negro
foi, aos poucos, modificando as comidas portuguesas e indígenas, através do seu condimento. Por isso, alguns dos mais característicos pratos
brasileiros são de técnica africana: a farofa, o quibebe, o vatapá.
Estabeleceu-se uma verdadeira guerra civil entre o bolo de tabuleiro
e o doce feito em casa. O do tabuleiro era o da negra forra, esse sim,
considerado o legítimo doce ou quitute. No seu livro Açúcar, escrito
em 1939, Freyre diz:
Desses tabuleiros de pretas quituteiras, uns corriam às ruas,
outros tinham seu ponto fixo à esquina de algum sobrado grande
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ou num pátio de igreja, debaixo de velhas gameleiras. Os tabuleiros repousavam sobre armações de pau escancaradas em X.
A negra ao lado, sentada num banquinho. Por esses pátios ou
esquinas, também pousaram outrora, gordas, místicas, as negras
de fogareiro, preparando ali mesmo peixe frito, mungunzá, milho
assado, pipoca, grude, manuê (FREYRE, 2002, p. 181).
Esses tabuleiros se iluminavam de noite, como em uma liturgia, com
rolos de cera preta ou com candeeiros, chamados fifós. Essa imagem
emoldura as ruas do centro histórico da Salvador atual, mas sem a iluminação daquele tempo. Nas esquinas, lá estão as baianas de acarajé,
abarás, com cocadas, bolinhos de estudante. É uma volta no tempo. O
tabuleiro é símbolo da preservação de uma tradição alimentar introduzida pelos escravos.
Gilberto Freyre, em Bahia e Baianos, no seu célebre poema Bahia de
Todos os Santos e de Todos os Pecados, evoca os tabuleiros dentro do
cenário da Salvador que ele conhecera na década de 30:
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Janeiro: SAPS, 1950.
BORBA, J. C. Alimentação e Literatura do Nordeste. In: Cultura e
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Salvador,
FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. 25 ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1987.
Todos os santos,
Um dia voltarei com vagar ao teu seio moreno, brasileiro, às
tuas igrejas onde pregou Vieira moreno, Hoje cheias de frades
ruivos e bons,
___________ Sobrados e Mucambos,12 ed. Rio de Janeiro-S.Paulo:
Record, 2000.
Aos teus tabuleiros escancarados em X (esse é o futuro do Brasil),
___________ Açúcar. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
A tuas casas, a teus sobrados cheirando a incenso, comida,
alfazema, cacau.
___________ Bahia e baianos. Salvador: EGBA,1990.
(FREYRE, 1990, p. 18)
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ABN, Boletim (3).
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Editora da UFSC, 2000.
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VIANNA, Hildegardes. A Cozinha Baiana. Seu folclore, suas receitas.
Bahia, 1955.
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DEMOCRACIA, CIDADANIA E SOCIEDADE
JORGE LISBOA DE PAULA
Mestre em Sociologia (Universite de Perpignan, França), graduado em Ciências Sociais (UFBA). Professor dos cursos de Administração, Jornalismo e
Propaganda e Marketing da F2J.
Email: [email protected]
Resumo
Fazer uma breve reflexão sobre as vantagens desfrutadas pela sociedade que
adota a democracia como forma de governo, é a proposta do presente artigo
que, antes de tudo, visa reiterar os princípios fundamentais deste modelo de
organização política e social, por compreender que a referida configuração
estatal apresenta as mais convenientes estruturas de poder para o mundo
atual. Seguramente, os princípios da democracia podem ser considerados
superiores aos dos demais sistemas de governo, porque ao contrário das
organizações testadas no passado, estão apoiados na constituição: um conjunto de leis que organizam o exercício do poder no seio de uma sociedade
formalmente estruturada, cujo objetivo principal é promover o bem estar
social, para servir e amparar equitativamente a todos os indivíduos por ela
protegidos, visando prioritariamente estabelecer normas e obrigações, assim
como, garantir direitos, liberdades e igualdade.
Palavras-chave
Sociedade. Democracia. Constituição. Poder.
Resumen
La oferta de una pronto reflexión en las ventajas gozadas para la sociedad
que adopta la democracia como forma del gobierno, es el objetivo de el
actual artículo, que, antes de todo, pretende reiterar los principios de base
de este modelo de la organización política e social, por entender que la
citada configuración estatal presenta las más convenientes estructuras de
poder para el mundo actual. Seguramente los principios de la democracia se
pueden considerar superiores a los demás sistemas del gobierno, porque en
cambio de las organizaciones probadas en el pasado, están apoyados en la
constitución: un sistema de leyes que organizan el ejercicio del poder en el
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centro de una sociedad formalmente estructurada, cuyo objetivo principal
es promover el bien estar social, para servir y a la ayudar equitativamente a
todos los individuos por él a protegido, teniendo como prioridad establecer
normas y obligaciones, así como, de garantizar las derechas, las libertades
e igualdad.
Palabras-clave
Sociedad. Democracia. Constitución. Poder.
O exercício da cidadania deveria consistir
na participação efetiva dos indivíduos na elaboração dos
projetos que servirão de base para as ações do governo.
Nenhuma perspectiva de consolidação da democracia pode prosperar
sem a efetivação de um amplo projeto de educação capaz de atender
igualmente a toda a sociedade. Somente optando por esta alternativa
uma nação pode pretender alcançar o desenvolvimento e a estabilidade
econômica e social, principais e indissociáveis indicadores do progresso da humanidade. Considerando as experiências anteriores faz-se
necessário ressaltar que a conquista destes objetivos em momento
algum poderia desconectar-se das indiscutivelmente obrigatórias preocupações ambientais, pois do equilíbrio ecológico depende o homem,
o completo conjunto de todos os seres vivos, a própria natureza e, é
claro, as futuras gerações pelas quais nós todos somos responsáveis.
O êxito de uma sociedade que almeja superar as suas deficiências
estruturais para se transformar em uma nação desenvolvida só será
alcançado optando-se pelo caminho da educação e da informação do
maior número dos seus indivíduos. Uma sociedade só conquista a sua
estabilidade quando o seu desenvolvimento econômico for devidamente
utilizado para promover a redução das desigualdades entre a sua gente. Portanto, devemos concordar que um povo educado e informado
aumenta o seu poder de reivindicação e barganha, contribuindo de
forma efetiva para a construção dos processos políticos.
O exemplo clássico do Brasil, que apesar das suas elevadas proporções
geográficas, populacionais e econômicas é frequentemente subestimado
com a modesta qualificação de sociedade emergente, o Estado exibe
uma história de estruturas sociopolíticas portadora de acentuadas
fragilidades. Por tudo isso, neste País, conceitos como democracia e
cidadania carecem de uma rápida e intensa atualização e ampliação,
modificações somente possíveis pelo investimento urgente e sério de
recursos financeiros, humanos e tecnológicos no seu comprovadamente
defasado programa de educação. Seguramente a democracia enquanto
modelo de ordenamento estatal que prioriza a vontade do povo recoRevista Independência
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nhecendo a sua absoluta soberania: todo poder emana do povo e em seu
Tão exclusivo e formidável, este regime político estabelece como vital
nome será exercido, precisa cumprir os seus princípios fundamentais
para o próprio desenvolvimento a aplicação integral da sua essência:
para que então possa atingir os ideais por ela pleiteados.
popularizem-se poderes e obrigações que me perpetuarei e lhes serei
Adotada na maioria dos países no mundo contemporâneo, esta forma de organização política possui elementos intrínsecos que quando
respeitados garantem o bem estar do próprio Estado, da sociedade e
dos indivíduos. A liberdade de pensamento e de expressão, eleições
livres periódicas para a legislatura, nas quais todos os cidadãos têm
o direito de votar para escolher os seus legítimos representantes e
de concorrer aos cargos eletivos, compõem o conjunto das normas
democráticas. Ela estabelece ainda que o governo, referendado em
sufrágio universal (sistema autenticamente democrático, no qual o
corpo eleitoral é constituído por todos aqueles cidadãos aos quais é
reconhecida a capacidade de votar), deve impreterivelmente prestar
minhas orientações mais convincentes e equilibradoras, porque constitucionais, assegurando-lhes conforto e bem estar político e social.
Lamentavelmente, o Brasil ainda tropeça bastante quando tenta avançar o passo no rumo dos processos políticos, caminhos que conduziriam
à sonhada praça da democracia plena, principalmente porque vive
alternando períodos de progressos tímidos com outros de confirmado
retrocesso (casuísmos recorrentes, ditaduras, planos econômicos equivocados etc.). A consequência desastrosa desta prática equivocada para
a nação que aspira desenvolver-se socialmente é o distanciamento cada
vez mais crescente do ideal de democracia moderna.
conta de todos os seus atos perante a autoridade dos legisladores,
Sendo assim, refletindo sobre um regime político cujos termos con-
visando desta forma possibilitar a mais ampla e real participação dos
ceituais defende prioritariamente a participação popular em todos
cidadãos nas tomadas de decisão e evidentemente promover o eficaz
os momentos da sua vigência, aspectos importantes dos canais de
e necessário controle da opinião pública sobre ele. Nesta perspectiva,
comunicação e expressões de sentimentos dos indivíduos, precisam
dois elementos precisam ser priorizados e amplamente colocados à
ser considerados quando a proposta for discutir a democracia, um
disposição da maioria da população, são eles educação e informação,
sistema político que coloca o povo no comando das decisões gerais
porque constituem direitos universais inequivocamente indispensáveis
da vida pública. Isso se aplica sempre que se pretender avaliar se um
ao desenvolvimento da sociedade humana.
determinado Estado é verdadeiramente democrático, ou não. A pro-
Pensando nessa linha, a existência da democracia exigiria uma renovação cotidiana dos seus preceitos mais elementares, ou seja, da
efetiva democratização de direitos civis, políticos e sociais, inerentes
ao conceito mais amplo de cidadania. Requereria a construção de um
espaço especial de convergência de elementos indiscutivelmente imprescindíveis, como virtudes e liberdades, para que se possa alcançar
uma existência tranquila na qual prevaleçam a harmonia e o respeito às individualidades. Este, seguramente, só poderia ser o estado
democrático porque ele constitui o ambiente mais adequado para o
reconhecimento, valorização e adoção plena da cidadania. Brilhante!
166
eternamente grato, retribuindo-lhes a atenção dispensada com as
pósito, qual o grau de liberdade experimentado pelos seus cidadãos,
qual o grau de estabilidade das instituições políticas do país, como se
efetiva a participação popular nas tomadas de decisões públicas, ou
qual o grau de responsabilidade do governo perante os cidadãos? Como
são exercidas as garantias constitucionais da soberania e da autonomia
dos três Poderes previstas nos princípios fundamentais da democracia?
Existem mecanismos reais de controle de abusos de poder? O Governo
segue os padrões de procedimento por ele mesmo estabelecidos e
fiscaliza o comportamento das instituições e concessionárias por ele
autorizadas a servir aos seus concidadãos? Essas são apenas algumas das
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principais perguntas que não podem ser desprezadas quando a proposta
de nomear os seus auxiliares mais importantes (ministros de Estado,
for verificar o respeito às normas estabelecidas, e consequentemente,
secretários, etc.), e que inúmeras vezes a escolha destes últimos não
à supremacia popular nas sociedades declaradamente democráticas.
corresponde às expectativas dos eleitores.
Evidentemente, que todas essas regras, todos esses instrumentos de
orientação da conduta dos administradores públicos que estão disponibilizados pelas organizações estatais contemporâneas, só podem
funcionar e servir efetivamente a toda a sociedade, se os indivíduos
encarregados de elaborar e executar as leis e os projetos de ações do
governo, estiverem mais vinculados ao povo e às suas demandas mais
urgentes, do que ao contrário, inetressados em viabilizar os seus projetos pessoais e atender as suas necessidades particulares.
Assim, considerando o conjunto das atribuições conferidas ao Estado,
presentes na maioria das teorias políticas, pode-se tranquilamente
admitir que ele somente cumpriria dignamente as suas responsabilidades se na realização das suas mais diversas ações aplicasse impreterivelmente estas convicções de que a inspiração dos seus projetos e
consequentemente o produto dos seus atos deve ser o bem estar geral
dos indivíduos que ele, o Estado, se propõe servir. Aprofundando esta
reflexão e examinando cuidadosamente a postura assumida pelo Estado
O Estado democrático de direito deve, entre outras coisas, reconhecer,
em relação à sociedade brasileira na atualidade, é possível conjeturar
legalizar e assegurar os direitos civis, políticos e sociais em todos os
que os indivíduos que integram as instituições estatais têm adotado
recônditos do seu território. Estes se reduziriam, em útima análise, à
práticas que negam absolutamente tais preocupações e responsabili-
pretensão de que o Estado reconheça a legitimidade e garanta a par-
dades. Através de fatos facilmente verificáveis, percebe-se que o Es-
ticipção dos cidadãos também na criação da própria ordem estatal.
tado vem com demonstrações claras de inaptidão e, em muitos casos,
O benefício alcançado ao se franquear o acesso dos indivíduos que
negligência, além de outros procedimentos incorretos, descumprindo
compõem a base da sociedade, para o acompanhamento das ações
os mais importantes papéis a ele confiado.
político-administrativas, representa uma das vertentes em que se
desdobra o estudo do sistema jurídico como um processo político. Governar deveria ser, basicamente, atender os desejos e as necessidades
dos governados. Por essa ótica, o mais importante da análise política
reside exatamente nos canais pelos quais as aspirações, resistências e
apreciações da comunidade chegam aos órgãos em que se localizam o
poder de decidir e mandar. Participar, neste sentido, significa contribuir
direta ou indiretamente para uma decisão política. No entanto, a contribuição direta, hoje em dia, só por exceção pode ser compreendida. Na
generalidade dos casos, ela é indireta e se expressa através da escolha
de um grupo bastante limitado de dirigentes, isto é, na indicação de
um número reduzido de indivíduos que serão investidos do poder de
tomar decisões que vinculam toda a sociedade. É importante lembrar
que aos dirigentes escolhidos nos pleitos eleitorais é outorgado o direito
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As ingerências do Executivo
Como compreender as sucessivas e absurdas intervenções do Poder
Executivo no funcionamento do supostamente autônomo Poder Legislativo? Influências na organização da pauta de votação, exigência de
celeridade na apreciação dos projetos de lei apresentados pelo titular
da cadeira presidencial e dos seus ministros de Estado, permanente
“recomendação” de prioridade e urgência para os assuntos quase
sempre populistas e eleitoreiros da equipe de governo que esteja de
plantão? O que dizer da participação atabalhoada do Poder Judiciário
cada vez que é solicitado a agir em momentos marcantes da história
do País, como no julgamento do processo do banqueiro Daniel Dantas?
Todas essas observações apontam as falhas que insistimos em cometer
no campo das práticas políticas, aponta o quanto estamos distantes do
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modelo de administração pública que a sociedade esclarecida deseja.
Decepcionante! Nada disso condiz com a organização política e social
sobre a qual se apoiam as democracias atuais, nem pode atender o
desejo de interação apresentado por uma significativa parcela do nosso
povo.
O filosofo e escritor francês Montesquieu (1689-1755), um dos grandes
pensadores da ciência política, defensor incondicional da democracia,
teorizou que a forma de governo é o fator determinante das leis em
todos os domínios: política interna e externa, educação, direito civil e
penal, etc. Para ele, era preciso obedecer às leis, porém o ambiente
propício para que esta conduta espirituosa fosse praticada não poderia ser outro que não o da democracia com a sua salutar separação e
independência de poderes: “É uma verdade eterna: qualquer pessoa
que tenha o poder tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é
preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo
poder” (MONTESQUIEU, 2009). Desse modo, diz o autor, “somente a
lei pode assegurar a liberdade dos cidadãos” (idem). A independência
dos poderes é a condição fundamental para a liberdade política dos
cidadãos. Esta norma é tão importante que deveria ser considerada
por todos como uma verdadeira doutrina, justamente porque ela busca
impedir a subordinação de um dos três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – aos outros, visando, na prática, garantir o equilíbrio
entre eles e evitar que um dos poderes venha se sobrepor aos demais.
Respeitando-se os preceitos reguladores da democracia ninguém precisaria temer os males da arbitrariedade, porque tal ameaça estaria
seguramente descartada se a separação dos poderes e a sua proposta
de equilíbrio funcionarem a contento.
Ampliando a discussão sobre as relações políticas na atualidade podemos observar as inúmeras influências recebidas de outras nações cujas
estruturas democráticas continuam servindo de exemplo para a nossa
jovem sociedade. Contudo, é preciso reconhecer que o Brasil ainda tem
muito a fazer no sentido de se aproximar dos modelos tomados como
referência para a nossa democracia. É importante lembrar que neste
170
momento particular, na América Latina, um movimento liderado pelo
pensamento retrógrado de alguns dirigentes dos principais países da
região, portanto um equívoco que parte de cima, vem patrocinando
um verdadeiro retrocesso nos princípios democráticos em curso de
restauração no nosso continente que já possui uma comprometedora
tradição de colonização e ditaduras. Um infinito número de restrições
está sendo impostas à democracia no chamado bloco latino-americano,
sobretudo, à manifestação de ideias (liberdade de pensamento), que
tem sido o alvo mais frequentemente atacado. Não pode haver dúvidas
de que tal cerceamento compõe um um conjunto muito mais amplo de
estratégias montadas pelos iminentes simpatizantes do despotismo, que
tem por finalidade reduzir todas possibilidades de apreciação negativa das suas ações e subjugar a sociedade prejudicada pelos seus atos
arbitrários, impedindo eficazmente quaisquer questinamentos.
Consenso universal, a existência de uma nação estabelece que, para
além de um espaço físico, é fundamentalmente necessário haver
uma unidade histórica (política) linguística, cultural e econômica.
Entretanto, a ideia mais completa de nação vem do Direito, enquanto
ciência das regras jurídicas vigentes no seio da sociedade mundial:
uma nação constitui uma comunidade política distinta dos indivíduos
que a compõem, sendo ainda titular da soberania. Reiteradamente,
esta excelente noção civilizada e diplomática de organização política
só poderia ter como inspiração os prudentes e conciliadores princípios
democráticos, fomentadores originais dos direitos individuais e dos
ideais de liberdade e igualdade. Ora, a experiência histórica está aí a
nos mostrar que os princípios da democracia devem ser considerados
superiores porque ao contrário dos modelos testados no passado, estão
apoiados em um documento bastante especial, a Constituição, ou seja,
um conjunto de leis que estabelece qual deve ser a conduta de todos
os cidadãos. Compõe uma síntese da organização e do exercício do
poder cujo objetivo maior é contemplação equitativa das carências mais
elementares da sociedade defendida na soberania popular. Diante de
todas essas vantagens preconizadas pela democracia que se atualiza
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com uma proposta ainda progressista de administração participativa,
entre outras intenções inovadoras, não se pode compreender e muito
menos aceitar o ressurgimento do conservadorismo absolutista aqui
na América Latina.
Examinando a realidade brasileira percebemos muitas diferenças em
relação aos países vizinhos, no que diz respeito ao retrocesso político,
porém devemos tomar alguns cuidados porque aqui, mesmo com a
manutenção da liberdade de expressão, avançamos a passos largos no
caminho da corrupção moral, no meio político principalmente, além
da comprovada falta de critério na escolha dos dirigentes públicos, o
que só facilita a eleição de lideranças forjadas pela mídia, na maioria
das vezes, pessoas indignas e despreparadas. Isso vem com certa força,
impondo uma interminável sequência de dissabores ao povo brasileiro,
ao tempo em que assinala absoluta falta de percepção, inteligência
e atualidade de boa parte dos nossos dirigentes. Perversamente esta
prática dificulta o amadurecimento político e patrocina o indesejado e
pernicioso enfraquecimento das instituições sociais e políticas do País.
A permanente ausência de planejamento, o abandono e/ou substituição injustificáveis dos projetos que serviriam para o atendimento das
demandas prioritárias da sociedade, contribuem enormemente para
o agravamento das mazelas que malogradamente estamos habituados
a suportar. Somente pelos níveis de desigualdade social, sempre em
ascensão, chegando mesmo a compor um emblema da nossa sociedade,
porque esteve presente em toda a história do nosso povo, já podemos
apontar sem correr o risco de cometer algum engano, uma total desconexão entre as aspirações dos cidadãos e as ações implementadas
pela maioria dos governantes brasileiros.
O processo sucessório – arranjos e conveniências
Outro ponto bastante polêmico na vida política brasileira é o período
eleitoral, marcado sucessivamente por acontecimentos capazes de macular a nossa história contemporânea, repetidas vezes, um sem número
de ações condenáveis no que diz respeito à ética, tem servido com
172
certa frequência para expor as fragilidades da nossa jovem democracia.
O casuísmo (uma adequação perigosa das normas adminstrativas às
conveniências do Governo), ocupa um espaço privilegiado no cenário
político nacional e regional. Notadamente em períodos eleitorais este
recurso, pouco recomendável do ponto de vista da moral, tem sido o
mais recorrido, com o fim exclusivo de beneficiar o próprio grupo que
está no exercício do poder. Recentemente um episódio curioso, porém
bastante ilustrativo e previsível, marcou de forma indelével a vida política brasileira, na gestão do ex-presidente FHC. Naquela época para
tornar possível a realização das ambições políticas do presidente tucano
e da sua troupe, propôs-se uma série de alterações na ainda debutante
Constituição Cidadã / 1988, para que se garantisse a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, já nas eleições majoritárias daqule mesmo
ano. Houve abuso de toda natureza, condutas indecorosas foram adotadas, muitas delas comprovadas posteriormente. Nomes importantes
do governo estiveram envolvidos em fatos escandalosos, parlamentares,
que à época desfrutavam de bom conceito perante à opinião pública,
viram seus projetos políticos ruírem rapidamente em consequência da
sua participação direta naquele capítulo vergonhoso em que se praticou
manobras mais do que suspeitas. O grupo promoveu uma verdadeira
usurpação do dinheiro público (R$ 200 mil para cada um), comprando
voto de deputados e senadores pela aprovação do projeto, e aquela
foi apenas uma das inúmeras denúncias confirmadas.
Aliás, vale ressaltar que a instituição da reeleição em democracias ainda
não estruturadas completamente já favorece uma disputa desigual,
além de estimular mais diretamente a deslealdade absoluta entre o
concorrente que ocupa a chefia do Executivo e os demais postulantes
da cobiçada cadeira. Para reforçar esta reflexão, considero oportuno
aproveitar as observações feitas por Tocqueville, outro pensador francês
(Paris-1805, Cannes-1859), que analisou com muita sobriedade este
tema de inquestionável relevância, contribuindo enormemente para a
compreensão e explicação deste delicadíssimo assunto com a seguinte
formulação: A intriga e a corrupção são vícios naturais aos governos
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eletivos. Quando, porém, o chefe de Estado pode ser reeleito, tais vícios
se estendem indefinidamente e comprometem a própria existência do
país. Quando um simples candidato quer vencer pela intriga, as suas
manobras não poderiam se exercer senão sobre um espaço circunscrito.
Quando, pelo contrário, o chefe de estado mesmo se põe em luta, toma
emprestada para seu próprio uso a força do governo.
O renomado cientista gaulês referia-se, àquela época, à sociedade
americana, da qual ele era um especialista, e sobre a qual produzira
uma excelente obra intitulada A Democracia na América (1835-1840).
Os defensores da emenda constitucional da reeleição apresentavam
como principal argumento na defesa do seu projeto o direito que o
povo teria de votar e confirmar os políticos que deram certo, afirmando que à sociedade seria conferida a oportunidade de avaliar os
procedimentos adotados pelos homens públicos para que munidos de
uma experiência prática a respeito destes pudesse decidir pela sua
manutenção no cargo, ou pela rejeição e efetiva substituição ao final
de cada gestão. Defendeu-se a instituição ao direito de reeleição como
forma de garantir aos investidores (especialmente os estrangeiros) a
estabilidade da política dos governantes. Justificava-se a defesa do
projeto citando a adoção desta instituição pelos países desenvolvidos
a exemplo dos Estados Unidos, França, entre outros, com uma clara
tentativa de convencer a opinião pública que a opção pela reeleição
conduziria o país ao desenvolvimento, permitindo à sociedade brasileira a conquista da estabilidade econômica e social, um sonho antigo
que era acalentado por todos. Entretanto, negou-se à sociedade o
esclarecimento de que o político incompetente, ou pior ainda, que
adotasse práticas corruptas também se beneficiaria desse direito e,
como os demais, usá-lo-ia pleiteando um segundo mandato. Nomes
expressivos da política nacional que àquela época se opuseram ao
projeto de reeleição mudaram completamente de opinião e, hoje,
sinalizam estar interessados na ampliação deste direito pensando em
disputar um terceiro mandato. Neste caso, ficaria muito difícil para
a sociedade proceder ao julgamento das ações do governante porque
174
ele certamente procuraria compensar os desvios de conduta com ações
de cunho populista junto aos grupos que manifestassem insatisfação
contra os atos irregulares praticados por ele.
Outro aspecto a ser considerado sobre esta questão da reeleição é a
regulamentação do processo sucessório em democracias carentes de
estruturas sólidas. A partir das práticas abusivas recorrentes constatase que, logo nos primeiros dias de exercício do mandato, o grupo
que assume o governo começa a montar os seus esquemas visando
preparar o caminho para o próximo pleito. Assim, logo nos primeiros
instantes o chefe de governo se porta como um candidato de fato, não
conseguindo dissociar suas funções de governante das suas pretensões
político-partidárias, ou seja, da sua conduta eleitoral. Desse modo, o
desejo de ser reeleito passa a dominar os pensamentos do executivo e
consequentemente toda a política de sua administração converge para
esse ponto, fazendo com que as suas mais simples providências estejam
subordinadas ao seu projeto político para o futuro. Considerando as
devidas e raríssimas exceções, a máquina pública utilizada indevidamente passaria a servir ao ocupante da chefia do governo dando-lhe
inúmeras vantagens em relação aos outros concorrentes. Oportunamente, podemos dizer que isso não significou perspectivas de avanço para
a história política do País, mais tem contribuído para elevar o nível
de desigualdade institucionalizada nas campanhas eleitorais, além de
caracterizar uma prática absolutamente antidemocrática.
Estado, sociedade e desenvolvimento.
O Estado no Brasil atual, ou seja, os homens que o dirigem, parecem
desconectados dos princípios democráticos. Tal dedução é possível
porque eles vêm manifestando um autismo vigoroso, com capacidade
para afetar igualmente pessoas e partidos das tendências mais variadas. Observa-se, sem grande esforço, que as práticas são tão parecidas
(senão idênticas), que não nos permitem, com toda a boa vontade do
mundo, perceber quaisquer diferenças (mínimas que sejam), entre as
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ações de um grupo ou de outro quando está à frente do governo, ainda
que tais grupos não apresentem nenhuma afinidade ideológica, tenham
feito trajetórias opostas, jamais tenham sido aliados, ou tenham tentado afastar qualquer semelhança de preferências pelas práticas políticas
criticáveis, façam questão de expressar um antagonismo ostensivo e
muitas vezes desnecessário, identificando-se como de direita, centro
e esquerda, ou mais do que isso, conservadores ou progressistas.
Analisando mais delicadamente a realidade política do nosso País, podemos perceber que há algum tempo o Estado vem discursando no vazio,
enquanto que a sociedade desordenadamente parte nas mais variadas
direções. Notadamente após 1982 a principal tarefa do Governo tem
sido a de contemplar os seus colaboradores, acomodando-os em cargos
públicos distribuídos entre aqueles que participaram da aliança que o
elegeu. Para isso, criam-se cargos e instituições, e os postos oferecidos,
de forma generalizada, garantem salários elevados, disponibilizam boa
estrutura para o funcionamento das mesmas, além das prerrogativas
sempre interessantes. Claro que isso tem uma consequência desastrosa
para a vida da sociedade, porque traz prejuízos significativos para o
orçamento sempre deficitário e os critérios de idoneidade, inclusive
moral, frequentemente não levados em conta. Especialmente em períodos eleitorais como o momento que vivemos agora os casuísmos são
recorridos com tanta frequência que desmoralizam os seus protagonistas
e consequentemente as instituições que representam.
Nesta falta de comprometimento absoluta, nenhum projeto que vise
melhorar objetivamente a vida do brasileiro é apresentado, assim
como nenhuma proposta sensata no sentido de alterar a situação social e econômica dos trabalhadores pode germinar na classe dirigente.
Angustia a constatação de que códigos e metas são escritos para que
as ansiedades do povo sejam preteridas em favor das permanentes e
espúrias barganhas políticas. Neste cenário, apenas medidas paliativas são aplicadas, as grandes questões da sociedade não conseguem
sensibilizar os tecnocratas, por isso, são frequentemente postergadas.
Desse modo, imagina-se com infinita tristeza, existir no seio da equipe
176
governamental uma orientação para dissimular a real situação em que
se vive e apenas administrar as crises que se sucedem permanentemente, porque as pessoas que integram o grupo não teriam a mínima
capacidade para realizar e acompanhar uma mudança mais substancial
que fosse capaz de melhorar as condições de vida da sociedade.
Enfim, o Estado se faz negligente na sua função primeira, que seria
regular as relações entre os diversos segmentos da sociedade, mercado,
instituições, trabalhadores etc. Consequentemente, essa trágica apatia
leva a classe política a se refugiar nos seus palácios e gabinetes confortáveis e, assim, cada vez mais distante do povo se confirma que não
existe nenhuma coerência entre aquilo que os políticos dizem e o que
se verifica no cotidiano do homem brasileiro. Apesar da bela retórica
invariavelmente utilizada, em inúmeros casos o discurso dos políticos
pode ser contestado e desmontado com um simples questionamento
ou apuração dos fatos e índices apresentados por eles.
Lamentavelmente o resultado disso tudo tem sido bastante oneroso
para o povo brasileiro que sofre com os problemas sociais que se
avolumam em uma velocidade sem precedentes. Merecendo destaque
para o analfabetismo, uma mazela da qual somente com muito esforço
conseguiremos nos livrar; o desemprego que impossibilita o indivíduo
de ter acesso a uma série de direitos que o emprego proporciona; o
déficit habitacional, motivo de desconforto tanto pessoal quanto coletivo; o aumento dos índices de mortalidade por doenças provocadas
pela falta de saneamento básico; o alarmante crescimento da violência
urbana que leva a sociedade a viver em um eterno clima de terror; as
lutas no campo, que caracterizam um verdadeiro anacronismo quando
pensamos no tratamento que foi dado ao setor agrário nas sociedades
desenvolvidas, cujos modelos democráticos buscamos com pretensa
vaidade nos espelhar, entre outros indicadores negativos do desserviço
perpetrado pelos nossos homens públicos.
Ao final, podemos constatar com indesejada sensação de desencanto e frustração coletiva, que o desdobramento desta inércia oficial
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repercute de forma bastante maléfica na sociedade brasileira que se
aprofunda enormemente tanto na deterioração física quanto simbólica.
A nossa realidade de injustiças sociais e absoluta falta de atualidade
democrática, demanda uma rápida mudança no procedimento político
capaz de construir uma representação popular mais vigorosa. Sabemos,
todavia, que isso só funcionará se for devidamente precedido de uma
importante renovação das nossas estruturas política, econômica, social
e cultural. Obviamente, estas transformações precisam ser implementadas com uma urgência máxima, pois em muitas regiões do País, já
vivemos situações de comprovado descontrole em que predominam a
falta de assistência, a ameaça constante e o medo generalizado, isto
porque os níveis de degradação social já são por demais evidentes,
preocupantes e incontestáveis.
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Referências
BUARQUE, Cristovam. O que é educacionismo? São Paulo: Editora
Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 2008.
L’ACTUALITÉ. Série philosophes – De la Renaissance aux Lumières:
Montesquieu, Voltaire e Hume. Edição n° 2.765, de 17.jan 2009.
ROMITA, Arion Sayão. A cidadania dos trabalhadores na empresa. In:
SOUZA, Ronald Amorim e (Coord.). Trabalho e Cidadania. Salvador:
UFBA/Epresa Gráfica da Bahia, 1990.
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40 ANOS DO MAIO DE 68:
ECOS DE UMA DÉCADA DE RUPTURAS.
GUSTAVO ROQUE DE ALMEIDA
Doutor em Educação, Mestre em Ciências Sociais e Licenciado em Ciências
Sociais (UFBA). Professor adjunto da UNEB, professor assistente da UFBA, e
da Faculdade 2 de Julho.
Email: [email protected]
Resumo
O presente texto foi apresentado como palestra de encerramento do I
Congresso de Comunicação Social e Políticas Culturais (PoliCom) realizado
em 2008 pelo Colegiado do Curso de Comunicação Social da Faculdade 2 de
Julho. Sua publicação se deve à excelência e atualidade de seu conteúdo e
da importância daquele evento que influenciou toda uma geração, tanto na
Europa quanto no continente americano.
Palavras-chave
Maio de 68. Movimento popular. Revolta e barricada. Movimentos de esquerda.
Revolução.
Resumen
Este texto fue presentado como una conferencia en la clausura del Primer
Congreso de Medios de Comunicación y Políticas Culturales (PoliCom) llevó
a cabo en 2008 por la Junta de del curso Comunicación Social de Facultad 2
de Julio. Su publicación se debe a la excelencia y oportunidad de su contenido y la importancia de ese acontecimiento que ha influenciado a toda una
generación, tanto en Europa y las Américas.
Palabras-clave
Mayo del 68. Movimiento Popular. Revuelta y barricada. Izquierda movimientos. Revolución.
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A década de 1960 mostrou ser uma das mais importantes da contemporaneidade pelo caráter transformador, revolucionário, mesmo, no que
respeita às tradições e costumes da sociedade ocidental de então.
O Modo de Produção Capitalista – MPC apontava, no ocidente, para
sociedades de opulência material, sem prever os danos ambientais pela
exploração irresponsável dos recursos naturais, mas absorvendo contingentes cada vez maiores de trabalhadores nos mais variados setores de
produção, principalmente no industrial que, àquela altura, dava sinais
de que seria o grande nicho de empregos e de elevados salários.
Sob a perspectiva política, a democracia vigente nos continentes europeu e americano patrocinava governos mantenedores do desenvolvimento econômico das classes média e alta, deixando as categorias
subalternas entregues à própria sorte por conta de uma legislação trabalhista conservadora e decerto que caracterizada pelo autoritarismo.
No plano sociocultural, o quadro não era diferente, posto que a cultura
de massa, incentivada pelo cinema e pela mídia eletrônica, que se popularizava cada vez mais, alijava os estratos socioeconômicos inferiores
das oportunidades mais sofisticadas de conhecimento e cultura.
Convém lembrar que o mundo naquele momento ainda se ressentia das
consequências da Segunda Guerra Mundial, traduzidas pela necessidade
do esforço de reconstrução das economias, e pela chamada Guerra
Fria, ou seja, a disputa pela hegemonia mundial entre a URSS e os
EUA. Nesse particular aspecto, essa disputa se concretizava através das
corridas espacial e armamentista, e da influência política e, às vezes,
econômica, nos países ditos de periferia.
Ressalte-se aqui que os EUA sentiam-se ameaçados pela atitude do
governo revolucionário de Cuba em manter uma relação visceral com
a URSS, a ponto de admitir aquele a instalação de uma base de mísseis
soviéticos em seu território, atitude que levou a delicadas e perigosas
negociações entre os dois impérios no sentido de não se concretizar
tal intento.
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Em que pese tal desfecho, o governo de Castro iniciou um processo
qual a França não passava desde os tempos do Iluminismo: em 1964, a
de “exportação da Revolução Cubana” para países do continente
proporção de jovens que entravam na universidade deveria ser multi-
sul-americano, influenciando cada vez mais as jovens democracias a
plicada por dez em relação a 1946. “Foi esse peso que deu aos jovens
libertarem-se da influência imperialista norte-americana, o que vai
a sua força”, revela Roche.
redundar em governos e políticas de características cada vez menos
conservadores, desagradando assim ao governo norte-americano, por
perceber a grave ameaça à sua hegemonia no continente.
O início da década apresentou uma crescente perda de espaço das
forças políticas conservadoras tanto na América do Sul como na África,
manifestada pela eleição de governantes preocupados com um desenvolvimento nacional menos atrelado aos interesses norte-americanos.
Isso vai promover uma série de intervenções militares nesses países,
instalando regimes de exceção, ditaduras sanguinárias que ceifaram
a vida de milhares de cidadãos. No caso do continente africano não
se pode esquecer das inúmeras guerras fratricidas que dilaceraram o
continente em quase todos os seus quadrantes.
Mas foi exatamente uma decisão do governo francês de proibir aos
estudantes do sexo masculino a visita aos alojamentos femininos da
Universidade francesa, no caso Nanterre, o estopim para a grande
mobilização estudantil em maio de 1968.
O começo
De 1960 até maio daquele ano (que, conforme Zuenir Ventura, não
acabou), surgiu na França um movimento contestatório da juventude
contra a sociedade dos seus pais e avós. De acordo com o historiador
Alexandre Roche, tal contestação nascia do abandono dos ideais de
liberalismo e comunismo, da revolução sexual, da democratização dos
costumes, das modificações da Igreja e de uma abordagem existencial
da vida. “A França de 1958 era uma sociedade do século 19, sobretudo
no interior”, diz Roche. Ele sustenta que, de 1946 a 68, o movimento
jovem foi sustentado e impelido por uma explosão demográfica pela
184
A história
A guerrilha urbana de maio de 1968, em Paris, começou dois meses
antes na Universidade de Nanterre, por um motivo reles: em março,
a reitoria da instituição (12 mil alunos) baixou norma proibindo que
rapazes visitassem moças em seus dormitórios. De carona, um jovem
estudante judeu-alemão, Daniel Cohn-Bendit, reuniu um grupo de cem
colegas e invadiu a secretaria da escola. Assustado com a represália,
o reitor Pierre Grappin suspendeu as aulas e chamou a polícia. O incidente foi, de início, apenas um fato isolado. Porém, foi ali que nasceu
a estrela de Bendit no meio estudantil, que se transformou em Dany
le Rouge. Ele era bolsista do governo alemão, filho de pais judeus que
emigraram para a França fugindo do nazismo.
Contra a estudantada de esquerda, um grupelho fascista, formado por
ex-paraquedistas, o Occident, apelava para a ignorância contra seus
adversários. Estes, não se intimidavam: enchiam as paredes brancas
da universidade com grafites. Muitos ficaram famosos:
Aqui termina a liberdade!
Nem Mestre nem Deus!
O Vietcongue vencerá!
Amemo-nos uns sobre os outros.
Somos todos enragés (raivosos).
E o mais célebre: Corre, camarada, o velho mundo está atrás de
ti!...
No dia 3, os estudantes de Nanterre organizam uma manifestação na
Sorbonne. No local, corria o boato de que os baderneiros do Occident
pretendiam invadir a escola. Logo, os estudantes esquerdistas come-
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çam a demolir classes e mesas. A polícia é chamada. Conflitos entre
estudantes e a tropa de choque ocorrem no Quartier Latin. A polícia
faz 596 prisões.
Para organizar a luta, os estudantes precisavam de um líder. No meio da
bagunça, Le Rouge aparece, entre apupos e assovios. É Daniel Cohn-Bendit, que conclama a todos, e discursa: “A Sorbonne deve transformar-se
em uma nova Nanterre!”. Os aplausos chegam aos ouvidos até então
ensurdecidos do reitor Jean Roche, que toma uma decisão inédita na
história da Universidade de Paris: escreve ao Comissariado de Polícia
do Quartier Latin exigindo medidas para acabar a manifestação naquela
histórica instituição. À tarde, é a vez dos gendarmes invadirem o pátio
da faculdade, como iconoclastas furibundos. Se Deus não existe, tudo
é permitido. No rescaldo do dia seguinte, as aulas são suspensas, a
União dos Estudantes da França (UNEF) e o Sindicato Nacional de Ensino
Superior (SNESUP) convocam greve por tempo indeterminado.
6 de maio de 1968. Cresce a escalada da violência em Paris. Uma multidão sobe a Rue St. Jacques, disposta a retomar a Sorbonne ocupada
por policiais. As primeiras barricadas aparecem. Um poderoso efetivo
da tropa de choque impede-lhes a passagem. A batalha começa.
De um lado, rapazes e moças jogam nos policiais paralelepípedos
arrancados das ruas. Estes respondem com granadas de gás lacrimogêneo. A vanguarda dos estudantes é formada por rapagões, a cabeça
protegida por capacetes de moto. As moças repõem a munição, com
paralelepípedos e pedras. Durante a batalha, que durou quase duas
horas, 350 policiais foram feridos, a maioria com fraturas. Os estudantes se aperfeiçoam: protegem os olhos com óculos de mergulhadores
e bicarbonato de sódio, como antídoto contra o gás. Rádios portáteis
transmitem-lhes ordens da liderança. É o prenúncio das barricadas que
deixariam Paris em chamas nas noites de 10 e 24 de maio.
Naquela altura, a cobertura do incidente pela imprensa (eram mais de
mil repórteres, a maioria pega de surpresa) foi realizada apenas por
emissoras periféricas, com transmissores localizados em Luxemburgo
186
ou em Monte Carlo, e com unidades móveis em Paris. Com o silêncio da
Office de la Radio Télévison Française, (ORTF, estatal), os franceses só
ficaram sabendo da situação “por fora”. Censura? O constrangimento foi
tanto que, envergonhados e revoltados, seus funcionários se declararam
em greve geral em prol da liberdade de informação.
A segunda noite das barricadas aconteceu a 24 de maio de 1968, logo
depois de o presidente Charles de Gaulle ter proposto um referendo
para decidir se permaneceria ou não no governo. Ao mesmo tempo, o
movimento estudantil tentava atrair para a luta os operários. Uma semana antes, centenas de fábricas foram ocupadas pelos trabalhadores.
No dia 20, o número total de grevistas chagou a 10 milhões. Le Rouge
foi proibido de permanecer na França. Dois dias antes, a oposição não
conseguiu obter votos necessários para a moção de censura a Georges
Pompidou, primeiro-ministro, na Assembleia Nacional.
Estudantes se manifestam contra a expulsão de Cohn-Bendit. Um a um,
os serviços públicos essenciais interrompiam o trabalho. O aeroporto
de Orly fechou. Os vôos eram obrigados a descer em Le Bourget. Mas
as coisas se complicaram mesmo quando as garotas do famoso cabaré
Lido declararam-se também em greve.
Rei posto
Paris, 28 de maio de 1968. A França está paralisada. Nas ruas, multidões de estudantes e de operários (em manifestações distintas, já que
os trabalhadores consideravam a estudantada um bando de filhinhos
de papai) substituem o slogan “De Gaulle assassin” por “De Gaulle
démission”.
As pessoas abandonam as cidades. De repente, o suspense e, logo,
o pânico: De Gaulle havia desaparecido. No dia anterior, sindicatos,
empresários e governo negociavam um acordo que previa aumento de
salários, redução de horas de trabalho e a participação dos trabalhadores na gestão das empresas. No dia 29, todos souberam: De Gaulle havia
partido secretamente para Baden-Baden. O objetivo era encontrar-se
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com o general Massu e os principais comandos, em um quartel na Alemanha. Fez um apelo dramático: ou o Exército o apoiava ou a subversão
totalitária tomaria conta do país. Os oficiais se comoveram, e o general
ditatoriais, como os existentes na América do Sul e na África.
Metz, comandante da Praça de Paris, jurou lealdade ao presidente.
Janeiro: Ofensiva do Tet (Vietnã)
De Gaulle sentiu-se vencedor. Voltando do encontro secreto, o primeiro mandatário francês dirige-se à nação pelo rádio e televisão. Com
firmeza, anuncia a dissolução da Assembléia Nacional, diz que não
renuncia e convoca eleições gerais, que são realizadas em dois turnos,
a 23 e 30 de junho de 1968. No mesmo dia, cerca de 800 mil pessoas
manifestam-se em apoio a De Gaulle, em Paris.
As forças norte-vietnamitas atacavam centenas de cidades do Sul, entre
A rebelião dos jovens passou a ter seus dias contados. No dia 31 de maio,
o governo é reorganizado. A nova equipe tem 19 ministros e secretários
de Estado remanescentes da anterior, mas doze deles apenas trocam
de função — é o chamado ‘seis por meia-dúzia’. Como dizia um cartaz,
com um desenho de um rebanho de ovelhas, afixado na Sorbonne: De
volta à normalidade.
Ativista contra a segregação racial nos EUA, o pastor negro e Prêmio
A pá de cal na Rebelião de Maio ficou a cargo da maioria silenciosa,
quando o partido do medo demonstra a sua pujança. Concluídas as apurações, os resultados foram surpreendentes: os gaullistas conquistam
297 das 387 cadeiras no parlamento. Seus aliados Republicanos, 53, e
as esquerdas reunidas, 137. O Partido Comunista tem seus 73 assentos
reduzidos a 34 e a Federação da Esquerda, do ex-candidato-a-candidato
François Mitterrand, que antes da crise tinha 121 deputados, consegue
eleger apenas 57. Falando ao France Soir, seus inconsoláveis líderes
praguejam: “Pagamos pelas barricadas que não erguemos”.
Junho: Um segundo Kennedy assassinado (EUA)
Vejamos alguns dos fatos marcantes do período:
elas Hue e Saigon. A ofensiva surpresa, que causou comoção na opinião
pública americana e desacreditou o governo do presidente Lyndon
Johnson (1963-1969), mostrou que uma guerrilha poderia desafiar até
mesmo o poderio bélico dos EUA.
Abril: Assassinato de Martin Luther King (EUA)
Nobel da Paz em 1964 foi assassinado no dia 4 por um segregacionista
branco em Memphis (Tennessee). Os distúrbios que se seguiram atingiram as grandes cidades americanas, entre elas Washington. Pouco
tempo depois, o presidente americano Johnson assinaria a lei dos
direitos cívicos, proposta por King.
No dia 5 de junho, na noite de sua vitória nas primárias democratas da
Califórnia, o senador Robert Kennedy, o Bobby, irmão mais novo do expresidente John F. Kennedy (1961-1963), assassinado em 1963, recebe
vários tiros à queima-roupa disparados pelo palestino Sirhan Sirhan, e
morre no dia seguinte.
Julho: Fome em Biafra (Nigéria)
Tragicamente famosa pelas imagens da fome difundidas pela mídia na
época, a Guerra de Biafra, iniciada em 1967 pela luta separatista dessa
Conclusões
região do Leste da Nigéria, desencadeia um movimento humanitário
O movimento de Maio de 1968, na França, reverberou no resto do
mundo ocidental. Não que tivesse sido o pioneiro, àquela época, mas
internacional.
sua contundência reforça em diversos outros países mobilizações estudantis e de operários contra a tradição castradora e/ou contra governos
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Agosto: Repressão à Primavera de Praga (Tchecoslováquia)
Nomeado secretário do Partido Comunista tcheco, em janeiro, Alexander Dubcek instaura a experiência original do “socialismo com face
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humana” e liberaliza o regime, algo inaceitável para Moscou, que, no
dia 21, envia os tanques do Pacto de Varsóvia (aliança militar dos países
do Leste Europeu) para reprimir os anseios por democracia.
Outubro: Massacre no México
Entre 200 e 300 estudantes mexicanos que realizavam protestos morrem
após serem atacados pelas forças de ordem, no dia 2 de maio, na praça
das Três Culturas, na Cidade do México. O massacre ocorre dez dias
antes da abertura dos Jogos Olímpicos, quando, diante das câmeras
de TV do mundo todo, dois atletas afro-americanos sobem ao pódio
com os punhos erguidos com luvas negras, uma saudação do grupo de
defesa dos direitos civis aos negros Panteras Negras.
Convém lembrar que naquela época já se assistia, pela televisão, o
massacre que os EUA promoviam no Vietnam, haja vista o mais do que
conhecido massacre de My Lai, aldeia vietnamita onde, em 16 de maio
de 1968, centenas de civis, na maioria mulheres e crianças, foram executados por soldados do exército norte-americano no maior massacre de
civis ocorrido durante a Guerra do Vietnam. Há registros incontestáveis
de que antes de serem mortas, algumas das vítimas foram estupradas
e molestadas sexualmente, torturadas e espancadas sendo que alguns
dos corpos também foram mutilados.
Na parte sul do continente americano vicejavam ditaduras na Argentina
(28 de junho de 1966, Juan Carlos Ongania derruba Arturo Illia), Brasil
(31 de março de 1964, Castelo Branco depõe João Goulart), Chile (11 de
setembro de 1973, Augusto Pinochet derruba Salvador Allende), Uruguai
(em 1972, Juan Maria Bordaberry dá um golpe e dissolve o Parlamento),
Paraguai (Alfredo Stroessner governa o país de 1954 a 1989).
No caso do Brasil, para lembrar aos mais velhos e alertar os mais jovens, o golpe militar que depusera João Goulart, empossado constitucionalmente, partira da elite econômica que não admitia as reformas
propostas pelo presidente no sentido de promover maior igualdade
de direitos aos cidadãos de baixa renda, notadamente trabalhadores
urbanos e camponeses.
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Tal elite, apoiada pela igreja conservadora, busca apoio nas Forças
Armadas que, incentivadas pela política anti-comunista do governo
norte-americano, enxerga o “perigo vermelho” no populismo de Jango.
O golpe se inicia na madrugada de 1º de abril de 1964.
Congresso fechado, partidos políticos e parlamentares cassados, intelectuais e estudantes presos e banidos, imprensa amordaçada, cultura
e ciência vilipendiadas. Uma trajetória que ao longo dos seus mais de
vinte anos promoveu perseguições, prisões, torturas e o assassinato de
um incontável número de brasileiros.
Dentre os aspectos mais importantes desse “revival” que ora apresento
quero ressaltar, em primeiro lugar, o elevado espírito de luta e rebeldia
da juventude brasileira contra a ditadura, a capacidade de organização
da classe operária e campesina, a atitude de intelectuais, aí incluídos
os professores, no que respeita à permanente análise da situação e
apontamento das possíveis soluções para o combate ao regime.
Em segundo lugar, apontar o quanto devemos aos profissionais de comunicação destemidos que sempre encontraram formas criativas de
denunciar, geralmente através de uma imprensa alternativa que não se
alinhava àqueles veículos tachados de “imprensa chapa-branca”.
Por último, mas não menos importante, convém aproveitar a oportunidade da comemoração dos 40 anos do maio de 1968 na França, como
marco do rompimento com os tradicionalismos do século XX, para
exaltar a memória de todos aqueles que tombaram no combate aos
regimes de excessão, mas também, instar a juventude a aprofundar-se
cada vez mais no conhecimento e na participação da vida política de
seu país como meio de promover uma sociedade mais justa e igualitária,
condizente com os ideais humanísticos que tanto prezamos.
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TODO CAMBURÃO TEM
UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO
POSSÍVEIS ANALOGIAS ENTRE
O CAPITÃO DO MATO E O POLICIAL
Eliezer Santos ([email protected]), Jordânia Freitas (jordaniafreitas@
bol.com.br) e Shagaly Araujo ([email protected]), estudantes do 7º
semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade 2 de
Julho.
Resumo
Este artigo é fruto de um conjunto de discussões realizadas por nós acerca
da condição do negro na sociedade e como o mesmo ainda ocupa espaços
sociais semelhantes aos dos seus antecedentes, no período escravista. Baseado nas leituras da bibliografia proposta pelo orientador, José Henrique
de Freitas Santos o texto abaixo apresenta dois personagens que ajudam a
visualisar a analogia proposta: o ressurgimento do capitão do mato na figura
do policial.
Palavras-chave
Capitão do mato. Policial. Segurança pública.
Resumen
Este artículo es fruto de un conjunto de discusiones realizadas por nosotros
acerca de la condición del negro en la sociedad y como este aun ocupa espacios sociales semejantes a los de sus antepasados en el período esclavista.
Basado en las lecturas de la bibliografía propuesta por el orientador, José
Henrique de Freitas Santos, el texto presenta dos personajes que ayudan a
visualizar la antología propuesta: el resurgimiento del cazador de esclavos
en la figura del policía.
Palabras-clave
Cazador de esclavos. Policía. Seguridad Pública.
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“É mole de ver
Que em qualquer dura
O tempo passa mais lento pro negão
Quem segurava com força a chibata
Agora usa farda
Engatilha a macaca
Escolhe sempre o primeiro
Negro pra passar na revista
Pra passar na revista”
(Todo camburão tem um pouco de navio negreiro – Marcelo Yuka)
Diante do crescimento da violência urbana em todo o País, a figura
do policial surge fundamentalmente sob duas óticas: ora como herói,
ora como algoz. Observando estas atribuições, traçamos análises a
fim de compreender a ligação histórica entre o policial da atualidade
e o capitão do mato do regime escravocrata, tomando como base a
observação das idéias dispostas pelo e sobre o narrador – personagem
do livro Elite da Tropa, escrito por Luiz Eduardo Soares, André Batista
e Rodrigo Pimentel. Para tanto, pautaremos nossas discussões nos
seguintes autores: Rugendas (1824); Goulart (1972); Bezerra (2004);
Focault (2004); Silva Jr (2005); Nascimento (2006); Pereira (2007);
Vargues (2007).
Elite da Tropa descreve o cotidiano do Batalhão de Operações Especiais
do Rio Janeiro – BOPE, sob o prisma de um policial negro, estudante
do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), que,
em nenhum momento da narrativa, tem seu nome citado. As situações
descritas na obra nos possibilitaram visualizar aspectos psicológicos e
metodológicos que giram em torno da função policial, os quais serviram como suporte comparativo na observação de semelhanças com as
práticas do capitão do mato.
Os capitães do mato eram homens responsáveis pela captura de negros
fugidos. Em sua maioria, eram libertos, que exerciam essa função em
troca de um pagamento por parte dos proprietários, conhecido como
tomadia. A escolha de ex-escravizados para o cargo se dava pelo fato
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de estes conhecerem bem as rotas de fuga. Conforme Bezerra (2004),
nem todos os forros estavam aptos para o ofício, pois
para um homem livre pobre tornar-se capitão do mato, era
necessário que fossem reconhecidos nele “bons antecedentes”,
ratificados por uma recomendação prestigiosa. Por isso, o interessado em tornar-se capitão do mato deveria se apresentar a
um “homem-bom”, que o recomendaria às autoridades locais
(IDEM, 2004).
O termo “capitão do mato” faz alusão a um pássaro homônimo, que
auxiliava os homens no resgate dos fugitivos. Quando estes adentravam
nas matas, a ave cantava estridentemente, o que permitia aos capitães
identificar o esconderijo.
Para atuar em seu trabalho, o capitão recebia de seu contratante armamento e uma equipe de homens para auxiliá-lo nas buscas. Este, como
descreve Rugendas (1824), também utilizava cães ensinados, além de
outros recursos, caso fosse necessário. O cargo era exercido no período
de um ano, podendo ser estendido, mediante o aval do Império. Sua
posição social era ambivalente, pois se situava entre a camada escravizada e o senhorio. Entretanto, o capitão do mato gozava de baixo
prestígio na sociedade. Nascimento (2006) explica que
mesmo sendo considerado livre o negro que já fora escravo não
tinha sua integração à sociedade assegurada. Este negro não
circulava tranquilamente entre os brancos, nem entre os negros
escravos, restando-lhes a vida marginalizada, ou seja, não possuía
seus espaços de fato como Homem Livre na sociedade. Diante
disso alguns se entregavam a função de perseguir e ir contra
os negros que apresentassem tipos específicos de resistência
ao sistema vigente. Faziam isso como forma de ofício, como
maneira de ganhar sua ascensão social, como forma de transitar
próximo dos senhores, numa falsa impressão de participar da
elite (IDEM, 2006).
Não há registros de quando surgiu esta profissão, entretanto, sua
normatização se deu a partir do século XVIII. De acordo com Goulart
(1972, p. 77) o ofício “resultou de geração espontânea, motivada pela
imperiosa necessidade de capturar escravos fugidos, não só para fazêlos retornar à posse e aos serviços de seus senhores, como para reprimir
suas constantes tropelias”.
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Para a sociedade brasileira colonial, o capitão do mato figurava-se
como o instrumento usado pelas autoridades para a manutenção da
ordem escravista, mediante o uso de métodos repressores e hostis,
alicerçado pelo poder armado, para com a população negra subalternizada. Atualmente, podemos identificar, no ofício policial, vestígios
da postura adotada pelos capitães de outrora, tendo em vista que ele
assume hoje tal papel.
Além disso, a organização hierárquica do sistema de segurança pública
da contemporaneidade assemelha-se com a estrutura que demarcava
os papéis dos agentes que compuseram a base escravocrata, como
observamos neste trecho: “O governador dorme o sono dos justos;
o secretário descansa em berço esplêndido; o comandante repousa
como um cristão; e o soldado, lá na ponta, suja as mãos de sangue”
(SOARES; BATISTA; PIMENTEL, 2005, p. 37). Assim como o capitão do
mato ocupava um dos últimos lugares na escala de controle do sistema vigente em sua época, o policial é quem executa, no cotidiano, as
táticas esquematizadas por seus superiores.
O elemento primordial na associação desses personagens é, sem dúvida,
o objeto de perseguição compartilhado por ambos: o negro. O narradorpersonagem do livro Elite da Tropa deixa claro que a abordagem policial
mais rigorosa é direcionada, quase que automaticamente, à população
negra, obedecendo ao imaginário predominante na sociedade, que
projeta no sujeito negro o estigma de indivíduo suspeito:
não vamos ser cínicos e fingir que vivemos no paraíso da democracia racial. E não estou falando só porque sou negro e vítima
do preconceito, não. Milhões de vezes me pego descriminando
também. Na hora de mandar descer do ônibus, você acha que
escolho o mauricinho louro de olhos azuis, vestidinho para a aula
de inglês, ou o negrinho de bermuda e sandália? E não venha me
culpar. Adoto o mesmo critério que rege o medo da classe média.
É isso mesmo, a seleção policial segue o padrão do medo, instalado na ideologia dominante, que se difunde na mídia (SOARES;
BATISTA; PIMENTEL, 2005, p. 135).
A percepção estereotipada adquirida pela maioria da população em
relação ao negro, não provém unicamente de vivências atuais. Ela
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também é fruto de um construto histórico, que sempre o apresentou
como um ser inferior, marginalizado e propenso à atividades criminosas.
Nesse sentido, a ideologia dominante que se prolifera ao longo dos
anos, apresenta-se como estímulo e reforço para justificar as ações
policiais:
vocês ficam me olhando com essa cara e resmungando, mas eu
queria ver se fosse uma negrinha de cabelo pixaim, malvestida.
Duvido que me viessem com essas delicadezas. Atire em mim a
primeira pedra quem jura que não faria galhofa da pobre coitada
e não faria questão de contribuir com um pontapé para a surra
na negrinha. Como você vê, a cor da pele é a nossa bússola. E,
nisso, somos apenas adeptos modestos fiéis da cultura brasileira
(SOARES; BATISTA; PIMENTEL, 2005, p. 136 – 137).
As semelhanças entre as figuras em discussão neste artigo evidenciamse, se observarmos, também, as descrições trazidas por Goulart (1972)
sobre o “caçador de escravos”, em seu livro Da Fuga ao Suicídio, e as
compararmos com os relatos dispostos em Elite da Tropa. As obras, em
certos momentos, dialogam entre si, tendo em vista que narram indivíduos situados em diferentes momentos históricos, mas que possuem
características extremamente parecidas.
Goulart (1972) descreve o capitão do mato como:
corpulento, de má catadura, que tem o andar macio dos felinos
e a disposição dos afeitos à luta, em especial, a capoeiragem. O
chapéu de abas largas, desborda-lhe, sobre o rosto, escondendolhe a direção do olhar: no olhar duro, penetrante e frio; ou
defende-lhes das soalheiras faiscantes e abrasadoras do verão.
Botas de cano alto, de couro flexível de veado, montam-lhe ao
meio das coxas. Longa capa de baeta despenca-lhe dos ombros,
agasalhando-o nas épocas invernosas. No punho, dependurada, a
indefectível tala, pronta a entrar em ação no lombo de qualquer
das arimárias: no do cavalo ou no do escravo (IDEM, 1972).
A postura e a indumentária deste profissional funcionavam como um
modo de confirmação da autoridade que lhe era conferida. Para o policial contemporâneo, atributos como estes, aliados ao uso de armamento
mais sofisticado, não são simplesmente elementos que compõem seu
fardamento, mas sim, uma representação simbólica, que, em si, já
demarca a ideologia do aparelho policial:
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temos um puta orgulho do uniforme preto e do nosso símbolo: a
faca cravada na caveira. Os marginais tremem diante de nós. Não
vou iludir você: com os marginais, não tem apelação. À noite,
por exemplo, não fazemos prisioneiros. Nas incursões noturnas,
se toparmos com vagabundo, ele vai pra vala (SOARES; BATISTA;
PIMENTEL, 2005, p. 26).
Essa imagem arquetípica, que dá ao fardamento militar um peso ideológico, é assinalada também por Focault (2004):
o soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe;
que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas
também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de
sua valentia; e se é verdade que deve aprender aos poucos o
ofício das armas - essencialmente lutando - as manobras como a
marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa
parte, de uma retórica corporal da honra (IDEM, 2004, p. 141).
As rondas policiais, intensificadas nos últimos tempos, e a captura dos
negros fugidos aparecem nas narrativas seguintes como verdadeiras
caçadas: “caçador de gente, o capitão-do-mato vive de engenho em
engenho, de fazenda em fazenda, ofertando seus serviços a senhores
que porventura tenham escravos ‘tirando o cipó’, isto é, sumidos por
aqueles pedaços de mundo” (GOULART, 1972, p. 69); e “aconteceu assim: eu descia a favela no bagaço; tinha sido uma noite daquelas. Mais
de três horas caçando vagabundo, sem resultado” (SOARES; BATISTA;
PIMENTEL, 2005, p. 24). O foragido, nas duas épocas, é percebido por
um viés animalesco, objeto que deve ser perseguido e apreendido para
assegurar a ordem pública.
A necessidade de conter o avanço da violência urbana surge como uma
espécie de álibi para justificar a utilização de técnicas de torturas físicas
e psicológicas, executadas pelo policial, na investigação do suspeito:
“todo policial do BOPE sai do quartel com seu saquinho plástico, peça
que já foi integrada ao kit básico. O saco serve para pôr na cabeça do
marginal, apertando bem na base, que fica amarrada no pescoço. O
sujeito sufoca, vomita e desmaia” (SOARES; BATISTA; PIMENTEL, 2005,
p. 38). E ainda:
a velha e boa porrada, que costuma bastar. Nada. Enfiamos
fiapos de madeira debaixo das unhas (...). Diante da delegada,
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ele resmungou: “os policiais do BOPE me torturaram”, e mostrou
os dedinhos roxinhos, com as unhinhas levantadas. A doutora
delegada era uma profissional escolada e não nos decepcionou.
Encarou o sujeito e emendou de primeira: “Ah, é? Coitadinho...
Tá doendo, tá, filhinho? Quer que chame a mamãe, seu filho-daputa?” (IDEM, 2005, p. 39).
Também, durante o regime escravocrata, os capitães empregavam
métodos violentos em seus interrogatórios, como, por exemplo, o
“anjinho”, instrumento que servia para “esmigalhar cabeças de dedo,
arrancando juntamente com frangalhos sangrantes de unhas, aos fugitivos, as informações que desejavam e porventura não obtinham de
pronto” (GOULART, 1972, p. 84).
na ligação entre os dois objetos analisados, vislumbrar uma mudança de
percepções acerca do modo de controle da segurança torna-se utópico.
Se realmente esta situação for uma tendência, como podemos observar
em Elite da Tropa, a cor da pele vai continuar servindo como bússola
na seleção de quem merece ou não arcar com as consequências de
uma segregação histórica.
Notadamente, as práticas dos policiais e as dos homens do mato comungam de uma mesma lógica, que sustenta um mecanismo de segurança
opressor do sujeito negro, no Brasil. Épocas distintas, então, se fundem
para alimentar estigmas construídos pelos aparelhos hegemônicos,
figurados como arquétipos nas profissões abordadas, e refletidos como
um alarde instalado na sociedade.
Considerações finais
Com base nas análises supracitadas, observamos que as formas de
manutenção da ordem pública permanecem alicerçadas nas amarras
do passado. A opressão ganha uma nova configuração, reforçada pelas
modernas tecnologias no âmbito do confronto bélico, porém, está
intimamente direcionada a um público demarcado histórico e ideologicamente.
As abordagens policiais não são apenas fruto de um treinamento sistêmico, pautado na aplicabilidade da violência, mas cumprem a função
representativa dos anseios sociais, em relação aos sujeitos comumente
autuados. Neste sentido, o policial, simultaneamente, assume o papel de títere, sob o domínio de seus comandantes, e detentor de um
“pseudo poder” provisório.
Sendo assim, se a opressão apresenta-se como algo contínuo e gradativo
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Notas: devem ser reduzidas ao mínimo necessário e apresentadas ao final do
texto, numeradas sequencialmente, antes das referências bibliográficas.
As obras escolhidas para preparação das resenhas devem ser recentes e apresentar conteúdo inovador e consistente, de interesse para o público da REVISTA
INDEPENDÊNCIA.
As resenhas devem conter, no máximo, cinco páginas e podem ser enviadas
em dois formatos: Resenhas de um livro, analisando um lançamento, nacional
ou estrangeiro, e resenhas múltiplas, analisando duas a cinco obras, com as
mesmas características de formatação dos artigos.
Os arquivos devem ser encaminhados para a Editoria da REVISTA INDEPENDÊNCIA, através do email: [email protected].
Diagramas, quadros e tabelas: devem apresentar título e fonte e ser colocados
ao final do texto, após as referências. Sua posição deve ser indicada no próprio
texto e também deve constar referência a eles no corpo do artigo. Deve-se
evitar que repitam informações contidas no texto.
Informações complementares: em separado, o autor deverá enviar:
Titulação: título do artigo; seguido da identificação do(s) autor(es) – nome
completo, instituição a qual está ligado, cargo, endereço para correspondência, telefone, fax e email.
Os artigos podem ser enviados em português, inglês ou espanhol. Excepcionalmente, a critério do editor, serão aceitos artigos em outras línguas.
Os artigos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es).
AVALIAÇÃO
O processo de avaliação da REVISTA INDEPENDÊNCIA consta de duas etapas:
· primeiro, uma avaliação preliminar pelo editor, que examina a adequação
do trabalho à linha editorial da revista;
· segundo, revisão técnica pelo conselho editorial.
Os autores serão comunicados dos passos do processo por email.
Os avaliadores da REVISTA INDEPENDÊNCIA devem apresentar, quando necessário, além do parecer quanto à publicação, sugestões de melhoria quanto ao
conteúdo e à forma, inclusive aos artigos não aceitos.
RESENHAS
A seção de resenhas tem como objetivo apresentar aos leitores os lançamentos nos campos da Administração, Comunicação Social, Direito e áreas afins,
contribuindo, assim, para a disseminação dos referidos conhecimentos.
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Revista Independência III