Rev. Biol. Trop., 26(1): 19-35, 1 978
Ecologia, distribui�o e densidade da alga Melosira
italica (Bacillariophyceae: Centricae) na Represa do Lobo
(Broa), Estado de Sao Paulo, Brasil*
por
Marcos de Afonso Marins**
(Recebido para publica�ao a 1 dezembro, 1 976)
Abstract: In a study of the distribution, standing-stock and ecological aspects of
Melosira italica in a tropical lacustrine environment, Lobo reservoir (Broa), State
of Sao Paulo, Brasil, the alga was found in all the water column and was
dominant at a11 levels. The number of cells in the filament was determined and
sorne environmental factors such as water temperature, dissolved oxygen, water
transparency (Secchi disc) and total rainfa11 were analyzed.
AMBIENTE DE ESTUDO
A Represa do Lobo, conhecida também como Broa, está situada no Estado de
Sao Paulo, entre os municípios de Itirapina e Brotas (Latitude 220 IS'S, Longitude
470 49'W), a 20 km do campus da Universidade Federal de Sao Carlos, per­
tencendo a Companhia Energética de Sao Paulo (CESP). A Represa apresenta as
seguintes características físicas: 7,5 km de comprimento máximo, 2,2 km de largu­
ra máxima, profundidade máxima 10 m, profundidade media 3 m e superficie
6,8 km2 (Fig. 1).
-
MATERIA L E MÉTOOO
Para estes estudos foram coletadas amostras com aux11io da Garrafa de
Nansen e colocadas em vidros de 60 mi e rIXadas com lugol. Após o trabalho de
•
••
Trabalho realizado na Universidade Federal de Sao Carlos. Sao Carlos, Estado de sao
Paulo, Brasil.
Ender�o: Via Washington Luiz, Km 235. Caíxa Postal 384.
Professor da Universidade Federal de Sao Carlos. Departamento de Ciencias Biológicas.
19
20
REVISTA DE BIOLOGIA T ROPICAL
coleta, as amostras foram analizadas pelo microscópio invertido de Carl Zeiss, usan­
do o método de sedimentayao e calculadas o número de células por litro.
Foram determinados os seguintes fatores ambientais: temperatura da água,
oxigenio dissolvido, transparéncia da água (Disco de Secchi), precipitayao total.
DESENVO LVIMENTO
Após alguns levantamentos feitos sobre o fitoplancton total na Represa, nota­
mos que a porcentagem de Me/osira ita/ica era grande em rela�o as outras algas.
Diante deste fato, resolvemos estudar a ecologia, d{stribuiyao e densidade dessa alga,
para verificar se tal dominancia ocorria em toda a Represa, tanto na superfície da
água como em profundidades.
Foram rlXados 10 pontos de coleta na Represa (Fig. 2), sendo que trés deles,
foram selecionados para coletas verticais de metro em metro. Efetuamos também
coletas nos rios formadores da Represa.
RESULTADOS
O maior número de células por litro encontrado foi na superfície, no perfil
E'E' 1 (Fig. 3), onde foram coletadas amostras de metro em metro, os maiores valo­
res encontrados foram:
A'A'
1
C'C'
-
1
-
8 m de profundidade
- 1 ,8 . 10 6 cel/1 - Superfície
1
E'E'
5 ,8 . 10 6 cel/1
-
1 ,2. 10 6 cel/1 - Superfície
Análises das porcentagens de Me/osira ita/iea em relayao as out ras algas mos­
trou o seguinte resultado:
A'A'
1
C'C'
-
- 58% de Me/osira ita/ica
1
E'E'1
52% de Me/osira itaUca
-
62% de Me/osira ita/ica
A média de porcentagem de Me/osira itaUca em relayao as outras algas·,
resultantes das análises de todas as amostras coletadas, foi de 5 4%.
Foram determinados também a média do número de células por filamento, o
qual foi de 10 células.
Análises feitas nos rios formadores da Represa nao encontramos células de
Me/osira ita/ica.
Os valores médios obtidos nas determinayoes dos fatores ambientais forllJ1l os
seguintes:
*
Os generos mais frequentes sao: Straurastrum sp., Ankistrodesmus sp., Chlorela sp.,
Pinularia sp., Closteriopsis sp.
MARINS: Me/osira iralica na Represa do Lo bo, sao Pa ulo, Brasil
21
Temperatura da água - 24 ,11 e (Fig. 4)
Porcentagem de saturacrao do oxigenio -101 ,6 2% (Fig. 5)
Transparencia da água (Disco de Secchi) - 1 ,90 m (Fig. 6 e 7)
Precipitacrao total - 12,0 mm (Fig. 8 e 9).
DIseussÁo
Dos fatores ambientais, a precipitacrao total é uro parametro climatológico
importante, para o conhecimento do ambiente.
A precipita�o total está relacionada com a entrada de nutrientes das regi6es
circundantes, trazido pelas águas pluviais. Isto faz com que haja alteracrao no balan­
ceamento de nutrientes da água, concentrando ou diluindo as substancias nutritivas,
dependen do sempre do estado nutritivo do solo ao redor da represa.
A precipitacrao total tem influencia, também, no aumento do material em
suspensao, na água, diminuindo a faixa fótica, do ambiente aquático.
A precipitacrao total dos dois meses de trabalho foi, em média, 1 2 ,0 mm,
sendo praticamente iguais, nesses períodos (Fig. 8).
Medidas do Disco de Secchi, feitos em julho de 1971 , (Tundisi et al. , 1972) ,
mostram que nao houve variacrao n o coeficiente de extincrao, e m relacrao a estes
meses de trabalho. O ambiente apresenta sempre urna homogeneidade , em relacrao el
transparencia da água, (Fig. 6 e 7).
Em estudos sazonais de regioes temperadas (Welch, 1952), observamos o
aparecimento, no verao, de urna termoclina acentuada, chegando a urna variacrao de
15 e, entre o epilímnio e o hlpolímnio.
Na Represa do Lobo, a termoclina é inexistente, conforme observacroes feitas
no inverno e no verao, (Tundisi et al., 1972), o ambiente nao apresenta estrati­
ficacrao térmica, sendo homogeneo, sob esse aspecto.
Estes dados confirmam a pouca estratificacrao térmica que caracteriza os am­
bientes aquáticos, tropicais de pouca profundidade. A diferencra de temperatura, em
média, entre a superfície e o fundo, nos meses de trabalho foi de 1 ,5 e (Fig. 4).
Talling (1965), estudando o Lago Vitória, na Africa, obteve urna média de
temperatura de água de 24 ,110e. Notamos, pois, que as temperaturas sao coici­
dentes, nas regioes tropicais, confirmando o aspecto tropical da regiao, em estudo.
Dois fatos determinam a concentracrao de oxigenio dissolvido, no ambiente
aquático: o Oxigenio atmosférico que se difunde na água e o processo fotossintético
(Welch,1952).
Na Represa do Lobo, o oxigenio dissolvido foi de 80 a 100% da saturacrao, em
toda a coluna de água (Fig. 5). Segundo observou Rutner (1971), em estudos de
regioes temperadas, quando nao há estratificacrao de oxigénio, podemos considerar
o ambiente aligotrófico, sob esse aspecto.
Nao houve estratificacrao térmica nem estratificacrao de oxigenio dissolvido, na
Represa do Lobo, pois que a solubilidade dos gases depende, parcialmente, da
temperatura.
22
REVISTA DE BIOLOGIA TROPICAL
Os dados obtidos da densidade (Fig. 10) nos mostram a distribui�o, em toda
coluna d'água, da alga Melosira italica, verifica�ao essa que vem confirmar os estu­
dos feitos por Lund (19 54), em lagos ingleses.
Há varia�ao do número de células por litro, conforme a profundidade, confir­
mando observa�5es de Lund (19 54) e Talling (19 65), em outras regiOes temperadas
e tropicais.
Vários fatores ambientais podem influir nessa diferen�a de densidade, o que
parece ser urna característica das algas do genero Melosira é permanecerem, no
fundo, sob "form-resistance" (Talling, 1965), voltando á superfície sob a a�ao da
turbulencia da água.
As coletas vertiGais do fitoplancton foram efetuadas, em dias subsequentes a
alta pluviosidade e também grande turbulencia da água. Isto explicaria o grande
número de células, por litro, encontrado no Perftl E E' 1 de Melosira italica. Estas
células teriam vindo do fundo, provocando urna "inocula�ao maci�a" para a
superfície, vindas do "reservoir" (Talling, 19 65).
No Perfil A' A' 1 , o máximo de células, por litro, foi verificada entre 8 e 9
metros de profundidade. Possivelmente, isto ocorreu pelo acúmulo dessa alga, perto
da barragem , provocado pela vazao e também pelo poder de afundamento que veio
sofrendo, desde a parte superior da represa até a barragem.
A presen�a de maoir número de células, por litro, na profundidade do que na
superfície, poderia ser explicada pela razao dessa alga nao ter bom desenvolvimento,
em altas intensidades luminosas e de temperatura (Lund, 19 54).
Nos rios, que mantém a Represa do Lobo, nao foram encontrados filamentos
de Melosira italica, isto, provavelmente, 'pela correnteza das águas que as torna
pobres em fitoplancton (KIeerekoper, 19 44), nao dando as condi�5es ambientais
necessárias ao seu desenvolvimento.
O número de células, por filamento de Melosira itaJiea, encontrado tanto na
superfície como no fundo, foi, em média, o mesmo. Posivelmente, isto ocorra
devido a turbulencia da água, quebrando as cadeias de células. Era de se esperar na
superfície maiores cadeias, pois os fatores fotossintéticos sao mais favoráveis.
Segundo Lund (19 54), as algas do género Melosira se desenvolvem em baixas
intensidades de luz, isto nos levaria a encontrar maior número de células por
filamento, em certa profundidade, o que nao ocorreu.
Provavelmente, o desenvolvirnento da alga Melosira italica, está relacionada
com os nutrientes do ambiente aquático, como a sI1ica, nao podendo sua con­
centra�ao ser inferior a 0,6 mg/ l (Lund, 19 54).
Segundo Lund (19 54) a Melosira italiea se caracteriza por viver em ambiente
onde encontramos homogeneidade da coluna térmica e um bom suprimento de
nutrientes, principalmente a sI1ica.
A Represa do Lobo nao apresenta estratifica�ao térmica e o seu solo é rico em
sIlica, cuja manuten�ao do teor favorável a Melosira é grandemente facilitada. Além
desses fatores favoráveis ela consegue viver no fundo sob "form-resistance" (Talling,
19 65) o qual lhe confere melhores meios, para que a sua distribui�ao e porcentagem
se deem em toda a Represa.
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Fig. 1 .
Localiza�ao d a Represa d o Lobo (Broa) n o Estado de sao Paulo. Brasil.
MARINS: Melorinz ¡mUca na Represa do Lobo, Sio Pauto, Brasil
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24
REVISTA DE BIO LOGIA TROPICAL
A Represa do Lobo apresentou pois, urna do'minancia dessa alga no fito­
plancton e sua distribui�ao ficou evidenciada em toda a Represa. As características
ecológicas da alga Melosira associada as características ecológicas do ambiénte de
estudo, parecem ter favorecido a sua permanencia e dominancia em todos os níveis
da Represa do Lobo.
RESUMEN
Este trabajo estudia la distribución, densidad y los aspectos ecológicos de la
alga Melosira italica en ambiente lacustre tropical, Represa do Lobo (Broa), Estado
de Sao Paulo, Brasil. Fue verificada la distribución de la alga en toda la masa de
agua y su dominancia en todos los niveles. Fue determinado también el número de
células por fIlamento. Factores del ambiente tales como: temperatura del agua,
oxígeno disuelto, transparencia del agua, (Disco de Secchi), precipitación total
fueron analizados y relacionados con la densidad del agua.
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Fig. 2.
Morfometria, perfis e pontos de coleta na Represa do Lobo (Broa)
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Figo 3 0
REVISTA DE BIO LOGIA TROPICAL
Número d e células por litro da alga Me/osira ita/ica d a superfície, nos diferentes
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28
REVISTA DE BIOLOGIA TROPICAL
Fig. 4.
Valores médios da temperatura da água em rela�áo com a profundidade, nos dife­
ren tes perflS.
Fig. 5.
Valores médios da Porcentagem de satura�áo de oxigenio da
profundidade, nos diferentes perfis.
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MARINS: Me/osiTa ita/Jea na Represa do Lobo, Sio Paulo, Brasil
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REVISfA DE BIOLOGIA TROPICAL
Fig. 6.
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Fig. 7.
Leituras do Disco de Secchi.
MARINS: Melosira italica na Represa do Lobo, sao Paulo, Brasil
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REVISTA DE BIOLOGIA TROPICAL
Fig. 8.
Dados de precipita�áo total.
Fig. 9.
Dados de precipi�o total.
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por Marcos de Afonso Marins** AMBIENTE DE ESTUDO A Represa