POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR NO
COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UERJ: IMPACTOS SOBRE A
CULTURA ESCOLAR
Amanda Carlou; Suzanli Estef; Cristina Mascaro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
[email protected], [email protected], [email protected]
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se insere no âmbito da temática do grupo de pesquisa
“Inclusão e aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais: práticas
pedagógicas, cultura escolar e aspectos psicossociais”, vinculado ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPed- UERJ),
o qual vem desenvolvendo uma série de estudos focalizando o processo de inclusão
escolar de alunos com deficiências e outras necessidades educacionais especiais em
diferentes redes públicas de ensino do Estado do Rio de Janeiro.
Em síntese, ao longo de quase uma década, nossas investigações têm mostrado
que a implementação das políticas públicas de Educação Inclusiva demanda, para além
da capacitação de professores e do desenvolvimento de novas práticas e estratégias
pedagógicas que atendam à diversidade do alunado, uma transformação na estrutura e
cultura escolar. De fato, o estabelecimento destas diretrizes coloca em questionamento
os pressupostos que consubstanciavam a escola como, tradicionalmente, a conhecemos:
meritocrática, seletiva e classificatória. Por princípio, a escola é uma instituição social a
que todos têm direito, inclusive legal, de acesso, permanência e aprendizagem. É de sua
responsabilidade, portanto, oferecer um ensino de qualidade para todos os alunos,
independentemente de suas características pessoais ou sociais (GLAT & BLANCO,
2009).
Na trajetória do grupo de pesquisa, nossos estudos se voltaram para diferentes
realidades, envolvendo redes e escolas públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro
(GLAT & PLETSCH, 2012). No entanto, verificamos uma lacuna em relação à análise
da implementação da inclusão escolar em instituições de ensino consideradas “de
excelência”, as quais, historicamente, em função do processo competitivo de seleção
para o ingresso e das concepções socialmente estabelecidas em relação ao perfil do
alunado para instituições deste porte, recebiam em seu corpo discente grupos
academicamente mais homogêneos. Entretanto, com as mudanças nas políticas públicas
em geral e, especialmente, no que se refere à inclusão, escolas como os colégios de
aplicação (vinculados a universidades), Colégio Pedro II, entre outras, passaram a
receber, para matrícula, alunos com necessidades educacionais especiais (NEE).
Estas instituições, que se destacam como centro de excelência de ensino e campo
de estágio para formação de professores, constituem-se, também, como espaços
educacionais de vanguarda, abertos para implantação de novas experiências
pedagógicas e desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre cotidiano escolar.
Diferentemente de outras escolas ligadas às redes públicas de ensino, têm uma maior
autonomia administrativa e curricular.
Escolas de excelência, sobretudo, as vinculadas às universidades, contribuem
com a área da Educação como centros de produção de novos conhecimentos teóricos e
práticos. Também se constituem em campo para aplicação (daí a denominação colégio
de aplicação) de teorias e ações docentes experimentais. Representam, assim, espaços
primordiais para desenvolvimento e avaliação de instrumentos que podem qualificar o
processo ensino-aprendizagem. Além disso, são locus de formação docente inicial para
estagiários e continuada, para profissionais já formados.
Os colégios de aplicação são conhecidos tradicionalmente como escolas que
primam pelo bom desempenho de seus alunos, conforme pode ser constatado, por
exemplo, pelo alto índice de aprovação nos concursos de vestibular, na participação e
premiação em olimpíadas de conhecimento que acontecem por meio de provas escritas e
práticas (Olimpíadas de Matemática, de Língua Portuguesa, etc.) entre outros
indicativos.
Atualmente, porém, em consonância com as demandas trazidas pelas atuais
políticas de Educação Inclusiva, estas escolas vivem o desafio da inserção de alunos
com diferenças significativas em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.
Assim, estas instituições se deparam, cada vez mais, com uma diversificação de seu
alunado, demandando uma reestruturação do seu projeto político pedagógico, suas
práticas e organização interna, de modo geral. Pois, legalmente, qualquer aluno,
independente de suas condições, tem direito ao acesso e permanência no ensino comum,
cabendo à escola a responsabilidade de promover sua efetiva aprendizagem. (GLAT &
BLANCO, 2009); GLAT & PLETSCH, 2012)
Neste novo contexto, alunos com diferenças significativas em seu processo de
aprendizagem terão a possibilidade de encontrar condições adequadas para seguir seus
estudos com qualidade em escolas consideradas “ilhas” de excelência e centros de
referência de ensino, ou sua inclusão nestes espaços configura-se, apenas, como
“cumprimento da lei”? Como instituições que ainda têm no seu processo de avaliação a
prática excludente da jubilação (multirrepetência e, consequentemente, não renovação
de matrícula) promovem inclusão escolar no seu cotidiano?
Estas e outras questões suscitaram o presente trabalho que propõe investigar a
inclusão e escolarização de alunos com NEE no Colégio de Aplicação Fernando
Rodrigues da Silveira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAp-UERJ). A
referida instituição é considerada de excelência, entre outros aspectos, pelos resultados
obtidos em avaliações nacionais e o alto índice de aprovação de seus alunos no
vestibular.
O objetivo geral do presente estudo é analisar o processo de inclusão de alunos
com NEE no CAp-UERJ, com foco nas práticas pedagógicas e na cultura institucional.
Como objetivos específicos estão sendo investigados aspectos como: práticas
pedagógicas e estratégias de escolarização para esses alunos; interação do aluno com
NEE com os colegas de turma e os professores; adequação do projeto político
pedagógico levando em consideração a proposta inclusiva; suporte educacional
especializado; relação entre o profissional de suporte especializado e o professor
regente, com ênfase no planejamento do ensino, estratégias de avaliação e
acompanhamento do aluno com NEE; impactos das mudanças institucionais
ocasionadas pela inclusão de alunos com NEE especiais de modo geral.
METODOLOGIA
Para atingir os objetivos propostos adotaremos os pressupostos da pesquisa
qualitativa em Ciências Humanas e, como abordagem metodológica, o estudo de caso
do tipo etnográfico de acordo com Lüdke & André (1986), Bogdan e Biklen (1994),
Mattos (2001); Glat & Pletsch (2012). A opção por esta metodologia passa pela
intenção de entender as relações estabelecidas entre os sujeitos participantes do referido
estudo e os significados de suas ações.
A abordagem do tipo etnográfica permite descrever as relações e processos
configuradores da experiência cotidiana dos agentes envolvidos no contexto investigado
por meio da relação direta entre pesquisador e pesquisado (PLETSCH, 2005 p. 47). Para
esta pesquisa, o foco em questão terá três preocupações: 1) estudar o contexto sempre
de maneira mais global possível; 2) envolver os agentes investigados na pesquisa; 3)
revelar relações significativas, de modo a impulsionar o diálogo entre a teoria e o fazer
cotidiano no curso da atividade de pesquisa.
Sendo assim, serão utilizados como instrumentos de coleta de dados: observação
participante, análise de documentos e entrevistas abertas e semiestruturadas. São
participantes deste estudo alunos, professores, gestores e funcionários técnicoadministrativo do CAp-UERJ.
Para atingir os objetivos deste estudo, a coleta e análise dos dados serão
realizadas em três etapas, conforme descrito a seguir. Primeira etapa: 1)
Levantamento, seleção e análise documental e bibliográfica dos seguintes itens:
legislação e diretrizes do Ministério da Educação referentes à inclusão escolar;
documentos da escola e da Universidade (atas de reuniões, Projeto Político Pedagógico
e outros disponibilizados pela equipe gestora da instituição e/ou no site institucional); 2)
Levantamento e análise de estudos e pesquisas sobre inclusão de alunos com
necessidades especiais em escolas de excelência, individualização do ensino e práticas
pedagógicas inclusivas; 3)Preparação da equipe de pesquisa e organização dos
procedimentos e instrumentos de coleta dos dados. Segunda etapa: 1)Realização de
entrevistas semiestruturadas com professores, profissionais de apoio especializado,
gestores e demais membros da comunidade escolar; 2) Observação participante (registro
em diário de campo), focando, entre outros aspectos, as práticas pedagógicas, as
relações entre os professores regentes do ensino comum e os profissionais
especializados, as relações entre alunos com necessidades educacionais especiais com
seus colegas e professores; 3) Aplicação, ao longo de toda a pesquisa de campo, de
instrumentos de acompanhamento do processo de inclusão na instituição, levando em
consideração aspectos organizacionais, pedagógicos e sociais; 4)Acompanhamento da
trajetória escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no CAp-UERJ.
Terceira etapa: 1) Transcrição das entrevistas; 2) Transcrição dos vídeos; 3) Análise
dos dados coletados; 4) Elaboração de relatórios de pesquisa; 5) Devolutiva dos
resultados para comunidade escolar com o objetivo de realizar uma avaliação e
discussão coletiva sobre os dados obtidos na pesquisa; 6) Apresentação da pesquisa em
eventos científicos; 7) Elaboração do relatório final e publicação de artigos com os
resultados da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Este estudo iniciou-se em maio de 2014 e está em andamento. Realizamos a
etapa 1 e o item 1 da etapa 2 e concomitantemente iniciou-se o item 2 da etapa 2.
Através dos dados já coletados e dos que ainda estão sendo colhidos nestas etapas será
elaborado um relatório e definidas as categorias de análises. Preliminarmente é possível
registrar que este primeiro levantamento evidencia a existência de um movimento
institucional do CAp-UERJ para reflexão por parte dos gestores e do corpo docente
sobre às práticas e cultura escolar considerando às demandas impostas por alunos com
NEE atualmente matriculados no colégio. A fala da gestora pedagógica, em entrevista
realizada em 10/04/2014, retrata a existência desse movimento:
[...] no Cap você tem ações que são diferentes das ações de outras redes, mas
que são ações de inclusão, na medida em que a gente já começou a pensar na
potencialidade desses sujeitos, eu acho que nos já fomos muitos excludentes
de dizer assim ohh, "esse aqui não é o lugar do fulano de tal..". E não dá pra
dizer isso mais né?
No entanto, percebe-se que ainda não está consolidado um projeto que realmente
atenda aos objetivos da educação inclusiva. Conforme a fala de uma professora, em
entrevista realizada em 17/03/2015:
O grande problema agora não é a universalização ao CAP, isso já foi feito no
1° ano por sorteio, e sim como manter esses alunos dentro da escola sem um
fracasso escolar, ... uma avaliação mais democrática e que no meu
entendimento respeitaria as adversidades, as diferenças e diminuiria os
preconceitos, inclusive com os alunos de necessidades especiais eu acho que
isso é muito pouco trabalhado aqui dentro.
Ainda assim, de acordo com a professora e coordenadora de ações inclusivas,
estratégias como a utilização do apoio de bolsistas de iniciação a docência estão sendo
realizadas com o objetivo de contribuir com o processo de aprendizagem dos alunos
com NEE.
É no primeiro segmento a ação desses alunos de iniciação a docência
basicamente em sala de aula é articulando o processo as estratégias de
mediação no grupo com aluno com necessidades educacionais especiais na
parceria com a professora na sala...
Entrevista realizada em 10/06/2014.
Entretanto um ponto bastante complexo tem sido a questão das práticas
avaliativas. Os professores relatam procedimentos individuais e sem uma definição
clara dos processos e objetivos pedagógicos, o que denota uma ausência de proposta
pedagógica institucional sobre tais processos.
[...] enquanto os outros é...que foi uma prova diferente mesmo....porque
normalmente não dá... é muito complicado.....porque se você...você tem uma
turma...você faz uma avaliação pra turma...se você faz uma “provinha” isso
expõe demais o aluno também...e eles são perversos...eles são assim...é...se
ela (falando da aluna com deficiência) tira uma nota...ai ela fala...ah eu tirei
tanto...também com essa prova ridícula eu também ia tirar...gente é muito
complicado....a questão dos colegas....né...o...pra você ter uma ideia...no
segundo período...eu fiz uma prova enorme....que os alunos iriam escolher as
questões que eles queriam fazer... né... ou tinha 10 e escolhe duas...pra
eles(os alunos com deficiência ou dificuldades)... eu escolhi as mais fáceis
mesmos... então ficou uma prova menor...é bem menor...questões assim bem
simplesinhas, mas os outros poderiam escolher e fazer também, entendeu?
Fala da professora de matemática, sobre avaliação, em entrevista realizada
em 18/11/2014.
Não pretendemos, ainda neste momento, fazer uma análise sobre as propostas
pedagógicas e práticas de ensino do CAp-UERJ. Entendemos que é necessária a
realização da análise sobre os demais dados coletados para podermos inferir sobre este
tema assim como outros que complementarão nossa investigação.
Sendo assim, concluímos com base nesta pequena reflexão, que há ainda um
longo caminho a ser percorrido para que as pessoas com NEE possam se beneficiar da
formação oferecida nos “centros de excelência” considerando o atendimento às
necessidades individuais, valorização da diversidade e promoção do desenvolvimento
da aprendizagem com qualidade para a inclusão social, autonomia e vida produtiva.
CONCLUSÕES
Entendemos que novas propostas educacionais não são viáveis a partir de
estudos isolados, sendo assim, podemos dizer que o CAp-UERJ, por meio de suas ações
busca encontrar caminhos para a consolidação da política de inclusão em um ambiente
de reconhecida qualidade pedagógica, através da aproximação dos conhecimentos
acadêmicos voltados para a apropriação de novas metodologias no seu cotidiano que
favoreçam uma educação pautada na inclusão.
Deste modo, consideramos que este estudo poderá subsidiar práticas
pedagógicas inclusivas em diferentes sistemas de ensino e ambientes educacionais, nas
perspectivas da Educação Inclusiva. Lembrando que pesquisas de cunho qualitativo
nunca trazem conclusões definitivas, espera-se que os dados obtidos nesse estudo
possam contribuir como referencial no campo científico da Educação e, particularmente,
favorecer o processo de aprendizagem, escolarização e inclusão social de alunos com
deficiências e outras necessidades educacionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOGDAN, R. e BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação – uma introdução à
teoria e aos métodos. Porto Editora: Porto, Portugal, 1994.
GLAT, R.; BLANCO, L. de M. V. Educação Especial no contexto de uma Educação
Inclusiva. In: GLAT, R. (org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de
Janeiro: Editora Sette Letras, p. 15-35, 2009.
_________ & PLETSCH, M. D. Inclusão escolar de alunos com necessidades
especiais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2011.
LUDKE, M. ; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.
Editora EPU: São Paulo, 1986.
MATTOS, C. L. G. A abordagem etnográfica na investigação científica. In Atualidades
em Educação Revista INES-ESPAÇO, nº 16, p. 42-59, jul/dez, 2001.
PLETSCH, M. D. O professor itinerante como suporte para Educação Inclusiva em
escolas da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), 2005.
_____________; GLAT, R. A escolarização de alunos com deficiência intelectual: uma
análise da aplicação do plano de desenvolvimento educacional individualizado. Revista
Linhas Críticas (UnB), v. 18, p. 193-209, 2012.
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