Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Fundação Nacional do Índio - FUNAI
Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente - CGPIMA
Coordenação de Meio Ambiente – CMAM
PARECER TÉCNICO 020/2008 – CMAM/CGPIMA/DAS/FUNAI
Brasília, 6 de agosto de 2008
.
De:
Marcelo Gonçalves de Lima – Assessor DAS 102.4
Para:
Iara Vasco Ferreira - Coordenadora Geral do Patrimônio Indígena e Meio
Ambiente
Assunto:
Análise da Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Alto Juruena.
Processo nº:
0407/2003
I – INTRODUÇÃO
Este parecer tem como objetivo analisar a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da
bacia do Alto Juruena, no Mato Grosso. O rio Juruena forma, juntamente com o rio Teles
Pires ou São Manuel, é formador do rio Tapajós, importante afluente do rio Amazonas. A
bacia do rio Tapajós tem aproximadamente 460.000 km2, com drenagem nos estados do
Mato Grosso, Pará e Amazônia. O rio Juruena possui uma extensão de 852 km (obs, o
estudo apresenta duas extensões, esta e de 970 km) sendo a cabeceira do mesmo formado
principalmente pelos rios Securi, Jaína e Cabixis.
O alvo da AAI foi o aproveitamento energético do Alto Juruena, em um trecho de
287,05 km, da cabeceira do rio até próximo a confluência com o rio Juína, ocupando uma
área de 6.848,15 km2.1
De acordo com o estudo, a AAI se diferencia dos EIA/RIMAS principalmente
quanto a estes aspectos:
•
Definição do recorte geográfico, que deve necessariamente ser estabelecido com
base em critérios hidrográficos e incluir as áreas de influência de todos os
1
Dois estudos foram realizados anteriormente neste trecho, um deles pela Maggi Energia S.A, em
2001 e o segundo pelo Consórcio Juruena em 2002.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
empreendimentos individuais contemplados na avaliação, assim como todas as
áreas potencialmente afetadas por impactos cumulativos, inclusive de maneira
indireta.
•
Seletividade na caracterização ambiental (diagnóstico) da área de influência, uma
vez que a maior parte das informações necessárias à AAI são tratadas de maneira
detalhada nos EIA/RIMAs dos empreendimentos avaliados. Desta forma, o
diagnóstico na avaliação integrada tem foco na compreensão das macrocondicionantes ambientais da região de interesse ou, mais precisamente, na sua
capacidade de suporte ambiental.
•
Foco na análise dos impactos que são comuns a vários empreendimentos, visando
avaliar sinergias e cumulatividades. Efeitos cumulativos em determinados
componentes ambientais podem ser maiores que a soma dos impactos individuais
de cada empreendimento sobre esses componentes, em especial quando a
capacidade de suporte ambiental da área de influência é ultrapassada. Desta
forma, a AAI precisa analisar os efeitos cumulativos sob a ótica da apropriação,
pelo conjunto de empreendimentos avaliados, da capacidade de suporte ambiental
da região.
•
Ênfase maior nos impactos indiretos, uma vez que freqüentemente é com relação a
eles que se verificam as relações sinérgicas e de cumulatividade mais significativas
entre empreendimentos.
•
Recorte temporal mais amplo, tendo em vista que os impactos indiretos
freqüentemente demoram a se materializar e uma plena compreensão dos seus
efeitos exige a análise de padrões tendenciais para horizontes mais longos que os
usualmente adotados em EIA/RIMAs.
O objetivo principal da AAI é a avaliação da situação ambiental à época, da bacia
do alto Juruena, considerando os empreendimentos hidroelétricos já implantados, e aqueles
que estavam para ser iniciados ou propostos. Foram então considerados os seguintes
aspectos:
•
Os empreendimentos propostos nos Estudos de Inventário Hidroelétrico da bacia e
seus efeitos cumulativos e sinérgicos sobre os recursos naturais e as populações
humanas (grifo meu).
•
Os usos atuais e potenciais dos recursos hídricos nos horizontes atual e futuro,
considerando-se as necessidades de preservação da biodiversidade e da
sociodiversidade, face às tendências de desenvolvimento socioeconômico da bacia.
Objetivos específicos, acertados no Termo de Referência para a AAI, são os
seguintes:
•
Avaliação da situação ambiental da bacia considerando os empreendimentos
hidroelétricos implantados e os potenciais barramentos.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
•
Avaliação dos efeitos cumulativos e sinérgicos mais prováveis da implantação
de todos os barramentos propostos.
•
Apresentação de indicadores de sustentabilidade da bacia, tendo como foco os
recursos hídricos e a sua utilização para a geração de energia.
•
Delimitação das áreas de fragilidades e de restrições ambientais.
•
Indicação de potenciais conflitos frente aos diferentes usos do solo e dos
recursos hídricos da bacia e as potencialidades advindas da implantação dos
aproveitamentos hidrelétricos.
•
Indicação de diretrizes ambientais para a concepção de novos projetos de
geração de energia elétrica, visando alcançar o desenvolvimento sustentável da
bacia, de forma a:
a. Subsidiar futuros estudos ambientais na bacia do Alto Juruena;
b. Indicar eventuais readequações de projetos e programas quando necessário;
c. Subsidiar a avaliação ambiental de futuros aproveitamentos hidroelétricos na
bacia do Alto Juruena.
•
Estabelecimento de diretrizes que contribuam para a redução dos riscos
decorrentes do aproveitamento hidrelétrico da bacia do Alto Juruena, tanto dos
pontos de vista ambiental e social quanto do ponto de vista da manutenção da
viabilidade econômica e energética dos aproveitamentos propostos.
A AAI está estruturadas nas seguintes secções:
Volume I
1 Apresentação
2 Antecedentes
3 O Marco Jurídico
4 O potencial energético do rio Juruena no contexto do planejamento do setor
elétrico
5 Análise de alternativas de aproveitamento
6 Descrição da alternativa de aproveitamento proposta para o Alto Juruena
Volume II
7 Diagnóstico ambiental
Volume III
8 Análise da paisagem
9 Quadro tendencial
10 Avaliação ambiental distribuída
11 Avaliação Ambiental Integrada
12 Conclusões
13 Referências bibliográficas
14 Equipe técnica
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
A intenção deste parecer é analisar as informações a cerca dos possíveis impactos
nos processos ecológicos que podem afetar os recursos naturais utilizados pelas etnias
presentes na região estudada da bacia. Neste sentido são focados as seguintes subsecções,
na metodologia e resultados obtidos e nas conclusões finais:
7.3 Caracterização de recursos hídricos e ecossistemas aquáticos
7.3.3 Comunidades aquáticas
7.4 Caracterização dos ecossistemas terrestres
7.4.2 Meio biótico
7.4.3 Síntese de ecossistemas terrestres
7.5 Caracterização sócio econômica
7.5.12 Terras indígenas
8.1 Critérios e metodologia de setorização
11.1 Aspectos ambientais significativos para os recursos hídricos e ecossistemas
aquáticos
11.2 Aspectos ambientais significativos para os ecossistemas terrestres
11.3Aspectos ambientais significativos para o meio antrópico
11.3.5 Riscos de pressão sobre terras indígenas
II. – DESCRIÇÃO SUCINTA DO EMPREENDIMENTO
O estudo apresentado trata de 10 aproveitamentos na área propostos pelos
empreendedores (Tab.1 e Fig.1).
Tabela 1. Empreendimentos previstos para a área estudada na avaliação
AHE
Potência (MW)
Empreendedor
PCH Telegráfica
30,0
Juruena Participações e Investimentos S.A
PCH Rondon
13,0
Juruena Participações e Investimentos S.A
PCH Parecis
15,4
Juruena Participações e Investimentos S.A
PCH Sapezal
16,0
Juruena Participações e Investimentos S.A
PCH Cidezal
17,0
Juruena Participações e Investimentos S.A
PCH Ilha Comprida
18,6
Maggi Energia S.A
PCH Segredo
21,0
Maggi Energia S.A
PCH Jesuíta
22,2
Maggi Energia S.A
Total PCH
153,2
AHE Cachoeirão
64,0
Leilão
AHE Juruena
46,0
Leilão
Total AHE
110,0
Total Geral
263,2
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Com exceção da PCH Jesuíta, por ter um reservatório previsto de 8,38 km2, e dos
AHEs, as PCHs restante estão em processo de licenciamento na Secretaria de Estado do
Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMAT/MT). As licenças, obtidas através da
apresentação de diagnósticos simplificados, venceram em janeiro de 2006, sendo que para
renová-las foi solicitado a elaboração da Avaliação Ambiental Integrada. O Termo de
Referência para a AAI tem foco principalmente nas alternativas de partição de queda e na
avaliação de impactos sinérgicos e/ou cumulativos decorrentes da implantação do
conjunto de aproveitamentos, em um horizonte de 10 e 20 anos.
III. – ANÁLISE
Metodologia utilizada na avaliação
Comunidades aquáticas
Fitoplancton
Para caracterizar a comunidade fitoplantônica na área alvo e pela ausência de dados
secundários para a região, foi realizado um diagnóstico in loco, em junho de 2007. Foram
feitas coletas em 6 pontos sendo 3 a jusante e 3 a montante do local proposto para o eixo
da PCH Juruena. Não são especificadas, no texto, quantas coletas foram feitas em cada
ponto amostral, apenas que foi usado um frasco que foi submerso por aproximadamente 15
cm da superfície do rio, sendo a amostra fixada em lugol e abrigada da luz.
Zooplancton
Para este grupo também foi feito uma amostragem in loco pela falta de dados
secundários. Este trabalho de campo foi realizado em junho e julho de 2006, sendo
amostradas áreas de correnteza nos mesmos pontos amostrais utilizados para fitoplancton,
não sendo, entretanto, encontrados indivíduos deste grupo nestes locais. Foram então
realizadas novas amostragens em pontos de remanso em pontos a jusante e montante do
eixo proposto para a PCH Juruena e pontos a jusante e montante do local indicado para a
implementação do eixo da EHE Cachoeirão. Uma observação importante feita na avaliação
é que a comunidade planctônica se desenvolve melhor em ambientes lênticos do que
lóticos. No caso dos barramentos a fio d’água, os ambientes lóticos tendem a transformarse em semi-lóticos, “podendo propiciar um aumento da comunidade planctônica”.
As amostras foram feitas utilizando rede cônica com um fluxômetro acoplado para
medir o volume de água filtrada. As amostras foram fixadas em formol 4%, dentro de
sacos plásticos e a coleta foi passiva, deixando a água passar dentro da rede. Nos remansos
a coleta foi ativa deixando a rede afundar até próximo ao fundo e depois a puxando
verticalmente.
Bentos
Este grupo foi amostrado em julho de 2006, usando redes em D, com 0,30 m de
boca, em plantas aquáticas (macrófitas) e Draga de Petersen que coleta o sedimento de
fundo. A rede era passada mais de uma vez nos bancos de macrófitas enquanto o a draga
era jogada do barco deixando que ela atingisse o sedimento. As amostras foram lavadas e
fixadas em álcool 960, dentro de sacos plásticos.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Foram realizadas 12 amostragens em diferentes trechos do rio, a montante e a
jusante de alguns dos eixos planejados para a instalação dos aproveitamentos hidrelétricos
de Juruena, Cachoeirão e Jesuíta. As macrófitas foram consideradas nesta avaliação por
serem indicadoras de mudanças nas características hidráulicas e limnológicas que alteram
o seu desenvolvimento. O material coletado foi depositado no Laboratório de Limnologia
do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto.
Ictiofauna
O rio Juruena faz parte da bacia amazônica e, portanto deve possuir espécies típicas
desta bacia, mas ao mesmo tempo possui barreiras naturais, como o Cachoeirão, com 24 m
de queda, sendo possível que as comunidades ictiológicas apresentem composições
distintas. Ainda, de acordo com a avaliação a “construção de barragens e, sobretudo, em
seqüência, causa a interrupção do movimento migratório de peixes e a dispersão de
espécies. A diminuição de áreas de várzea e o desaparecimento de lagoas marginais
podem influenciar sobre a reprodução de peixes que utilizam esses habitats como
criadouros das fases jovens, bem como sobre populações de peixes de pequeno porte
(grifos nossos)”.
As campanhas de amostragem foram realizadas de 22 de junho a 21 de julho, e 28
de agosto a 1 de setembro, todas em 2006. De acordo com a avaliação, as coletas foram
realizadas nas lagoas marginais a jusante do Cachoeirão, além de informações de
moradores locais, pescadores amadores, e da prefeitura municipal de Sapezal. Também
foram incluídas informações sobre as atividades de pesca dos índios Enawenê-Nawê. Em
outra parte do texto que também foram realizadas coletas “no meio e em ambas as margens
do rio, em locais com areia, a jusante e montante do eixo da barragem, nas lagoas, nas
margens e no centro”. Além disto, a “área marginal é de encosta arenosa com
aprofundamento da drenagem, limitando as margens do rio, onde predomina a vegetação
de cerrado, com área um pouco mais úmida em função da Mata de Galeria em ambos os
lados, cobrindo as margens”.
Para fazer a amostragem foram utilizadas redes de arrasto de 6m por 1,60, malha 3
e 4 mm; redes de emalhar de 10 m de comprimento por 1,65, malha 1, 2 e 2,5 cm; redes de
emalhar de 20 m por 1,80 m com malha 2,4,5,7,8,10,12 e 14 cm. Também foram usadas
tarrafas de 1,20 m, malha 1 cm; 1.90, malha 2 cm e 2,80 e 4 cm de malha.
Indivíduos de maior porte tiveram os seus dados anotados em fichas previamente
elaboradas, e os de pequeno e médio porte foram coletados, fixados em formol a 10% e
etiquetados.
Ecossistemas Terrestres
Meio biótico
Cobertura Vegetal
Para fazer um mapeamento geral da área da bacia delimitada para a avaliação foram
identificados os principais tipos de vegetação através do mapa do IBGE, do mapa do
RADAM Brasil e do Zoneamento Sócio-econômico Ecológico do Estado do Mato Grosso.
Também foi utilizado para uma escala mais fina, imagens do satélite sino-brasileiro
CBERS, de agosto de 2006, ampliadas para a escala 1:250.000 para fazer o mapeamento
do uso da terra. Depois da interpretação inicial, foi realizado um sobrevôo e a verificação
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
em campo de algumas áreas. Para o detalhamento das áreas onde estão sendo
implementados os empreendimentos seguiu a mesma metodologia para o mapeamento
regional, mas também foram utilizadas imagens IKONOS de alta resolução, de outubro de
2006.
Fauna
Mastofauna
Em 2002 foram realizados no estado vários levantamentos faunísticos no Mato
Grosso, como parte do Diagnóstico Socioeconômico do estado. O trabalho foi divulgado
no Relatório Consolidado da Fauna para o Estado do Mato Grosso. Dentro deste estudo,
foram registrados os mamíferos de quatro localidades da bacia do Alto Juruena: Juruena,
Utiariti (rio Papagaio), Vila Bela da Santíssima Trindade e Pontes e Lacerda. A lista é
extremamente reduzida, e apresenta pelo menos um erro ao classificar o Tamanduá
Bandeira (Myrmecophaga tridactyla) dentro do grupo de tatus. Em Pontes e Lacerda é
feito o registro de apenas uma espécie, o que mostra a precariedade dos dados.
No segundo semestre de 2006, em data não descrita, a JGP realizou coletas,
capturas e avistamentos com armadilhas de contenção, armadilhas fotográficas, parcelas de
areia, transectos diurnos e noturnos e armadilhas de queda. Apenas é informado o esforço
amostral desta última metodologia que foi de 13.440 baldes. Não é informado o esforço
dos outros métodos, nem localização dos pontos, método de disposição de armadilhas,
tamanho das mesmas e outros dados importantes para caracterizar o estudo. É informado
que foram registrados 75 espécies, com 5 gêneros não identificados. O estudo não havia
sido publicado a época deste relatório sobre a AAI. Os animais coletados foram
depositados no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e é possível que a lista
conte com uma nova espécie de Monodelphis, um marsupial.
.
Avifauna
A listagem do Diagnóstico supracitado cita a presença de 856 espécies de aves para
o estado. Não é especificado registros para a região alvo da AAI.
Em 2006, no segundo semestre, foram feitos levantamentos em diversas áreas da
Bacia do Alto Juruena, usando redes-de-neblina, ponto de escuta e playback (reprodução
do canto das aves com um gravador: atrai espécies mais territorialistas e curiosas). Foram
registradas 253 espécies de aves, pertencentes a 53 famílias, que foram observadas em 69
dias de amostragem, sendo o esforço amostral das redes-de-neblina de 2472 horas/rede. A
curva do coletor ou acumulativa, de acordo com a AAI, não estabilizou, o que significa que
mais espécies tendem a serem encontradas caso um maior esforço amostral seja feito.
Outros dados secundários são usados para caracterizar locais próximos aos locais dos
aproveitamentos hidrelétricos. Algumas espécies raras são citadas nestes estudos: Picapau-da-barriga-vermelha (Campephilus rubricollisi), Coroa-de-fogo (Heterocercus
linteatus), o Beija-flor-rabo-branco (Phaethornis ruber) e o Caminheiro-zumbidor (Anthus
lutescens) Também são citados o Cujubi (Pipeli cujubi) e os gaviões Gampsonyx
swainsonii e Elanus leucurus.
Herpetofauna
Dados secundários do Diagnóstico Sócio-Econômico Ambiental do Estado do Mato
Grosso apresentam espécies encontradas em cinco localidades próximas à Bacia do Alto
Juruena: Juruena, Utiariti (rio Papagaio), Tangará da Serra, Vila Bela da santíssima
Trindade e Pontes e Lacerda. Para a região foram encontradas então 45 espécies de
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
serpentes, 11 espécies de lagartos e 23 espécies de anfíbios. Nos trabalhos de campo para o
estudo do impacto ambiental dos AHEs Juruena e Cachoeirão e da PCH Jesuíta, com um
esforço de coleta de 13.440 armadilhas de queda (pitfall), (não é descrito o desenho
amostral deste esforço, nem tamanho dos baldes usados), além métodos de procura ativa
em estradas e ad lib, foram registradas 9 espécies de anfíbios, 2 de quelônios, 16 lagartos,
17 serpentes e 1 crocodiliano (a lista traz várias espécies só descritas até o gênero).
Síntese de ecossistemas terrestres
Unidades de Terrenos
A AAI classificou os ecossistemas terrestres em quatro unidades de relevo: rampas
detrito-laterítica; colinas quartzoarenicas, rampas onduladas quartzoarenicas e planícies
fluviais alagadiças, a qual nos prendemos neste parecer pela ser mais impactada pelos
empreendimentos e ser extremamente relevante ecologicamente para a fauna e flora da
região.
As Planícies Fluviais Alagadiças são compostas por sedimentos de aluviões
constituídos por níveis de areia fina, argilas e siltes com eventuais camadas de cascalho. A
este solo estão associados às formações aluviais florestais e não florestais, assim como uma
transição da chamada savana arbórea densa com a floresta estacional semidecidual com
formações aluviais, que formam as matas-de-galeria e ciliares, ricas em matéria orgânica,
constantemente úmidas, mesmo na época da seca, e sofrendo inundações,. Esta formação
vegetal concentra a grande maioria dos mamíferos encontrados no Cerrado, e associado às
outras formações mais abertas funcionam com elementos de conectividade na paisagem.
Durante as cheias, este terrenos são bastante susceptíveis a processos de solapamento,
causando assoreamento. São Áreas de Proteção Permanente, todo ou em parte, onde os
lençóis freáticos são superficiais, que faz com que estas áreas sejam muito sensíveis à
interferência antrópica e com uma alta vulnerabilidade a contaminação dos aqüíferos.
Fauna e Vegetação – Condicionantes bióticos dos ecossistemas
Nesta seção são analisados os impactos decorrentes da construção dos AHEs no
meio biótico, como perda de habitat, “bloqueio de migrações”, introdução de espécies
exóticas, alterações na hidrologia, qualidade de água, morfologia e composição dos rios e
sistemas ribeirinhos, etc.
A AAI mostra que existem áreas ainda bem preservadas no Alto Juruena, portanto
mantendo a conectividade na região, beneficiando tanto a fauna quanto a fauna, pois
permite mantém o fluxo gênico. Em relação à fauna são feitas algumas declarações
genéricas como: “a fauna está, aparentemente, completa” e a “fauna do alto Juruena é,
claramente, uma fauna transacional”, que não apresentam fundamentação ecológica ou
biológica. Mas ressalta que de “fato, a riqueza taxonômica amostrada com certeza não é
ainda completa, mesmo que a lista já seja, como está, muito importante”. O texto descreve
uma estimativa de fauna que deva ser encontrada, mas não é descrito como foi feito esta
estimativa.
Terras indígenas
As informações sobre as populações indígenas foram extraídas do Estudo
Complementar do Diagnóstico Antropológico das Oito Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs): Telegráfica, Sapezal, Rondon, Parecis, Cidezal, Segredo, Ilha Comprida e Divisa,
da Mappa Engenharia e Consultoria Ltda., cujo relatório final é de agosto de 2007. Nele
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
são apresentados os estudo dos impactos sócio-ambientais e sócio-culturais dos
empreendimentos nos seguintes grupos indígenas e suas respectivas terras: Enawenê-Nawê
(TI Enawenê-Nawê), Myky (TI Myky), Nambikwara (TI Nambikwara, Pirineus de Souza e
Tirecatinga), Paresi (TI Paresi, Juininha, Utiariti e Uirapuru) e Erikbaktsa e Japuíra). Estas
terras indígenas estão localizadas no entorno da bacia hidrográfica do rio Juruena, até a foz
do rio Arinos (Fig.2) São cinco grupos com organização e línguas particulares. A AAI
descreve os aspectos de apenas três terras indígenas, a seguir:
Terra Indígena Paresi – Etnia Paresi
Composto à época por 25 aldeias, sendo duas abandonadas, com uma população de
913 pessoas. As atividades econômicas são a agricultura, a caça e a pesca. Também é
exercida a atividade de coleta de frutos silvestres e plantas medicinais, além da confecção
de artesanato. A agricultura mecanizada é realizada em parceria com fazendeiros mas a
atividade é baseada no roçado de toco, com a plantação de ambas as mandiocas, o cará, a
batata doce, o abacaxi e a banana. O plantio mecanizado é de arroz, milho, soja e sorgo,
estes dois últimos destinados a comercialização. A caça é a base protéica da tribo, junta
com a pesca que é realizada nas cabeceiras dos rios Juruena, Cabixis, Papagaio, Sacre e
Buriti, onde são pescados traíra, pacu, cará, lambari e outros peixes.
Terra Indígena Juininha – Etnia Paresi
Existem duas aldeias nesta terra. A agricultura de roçado de toco tem como cultivo
mais importante a mandioca brava. Também são cultivadas em volta das casas árvores
frutíferas (manga, goiaba, frutas cítricas) e o urucum, além do bambu, mandioca, batata,
cará e cana-de-açúcar. Coletam mangaba, pitomba, caju do cerrado, jatobá do cerrado,
pequi, buriti e plantas medicinais. A caça e a pesca também é praticada: anta, cateto, onçaparda, onça-pintada, porco-do-mato, tamanduá-bandeira, veado, cutia, gambá, paca, quati,
tamanduá-mirim e tatus (canastra, peba, galinha, bola), aves (não especificadas), traíra,
pacu, cará, lambari (e outros, nos rios Juruena, Securi e Sararé. Os animais, além da carne,
também propiciam matérias para fazer peças ornamentais.
Terra Indígena Enawenê-Nawê – Etnia Enawenê-Nawê
Uma pequena parte desta terra está dentro da bacia hidrográfica do Alto Rio
Juruena, próximo a confluência com o rio Juína, onde teria uma área que é utilizada para a
coleta de mel. Nesta terra é encontrada apenas uma aldeia, a Matokodakwa, com 490
pessoas e 61 famílias. Possuem uma forte religiosidade separando a terra em áreas para
humanos e áreas para os seres que também lá habitam, inclusive as “sombras dos mortos e
os espíritos subterrâneos (Yakairiti), que dominam os recursos da natureza.” Tem como
atividade econômica principais a agricultura, a pesca e a coleta de alimentos, também
produzindo artesanato que são confeccionados seguindo um calendário ritualístico de
pesca, plantação e coleta, determinado pelo ciclo hidrológico da região (estações de seca,
enchente e vazante dos rios que correm em sue território).
A agricultura é realizada através de um sistema de roça de toco, com plantações de
mandioca, milho, abóbora, banana, batata-doce, cará e amendoim, algodão, tabaco e
urucum. O contato com o homem branco ampliou os produtos consumidos pelos índios,
incluindo então o arroz, feijão, melancia e batata. A base alimentar, entretanto, ainda é a
mandioca e o milho.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
A caça é realizada para obtenção de couros e dentes que são usados em rituais e
ornamentos, e um incipiente comércio de objetos artesanais. A alimentação desta
comunidade é baseada no pescado, consumindo-se tucunaré, trairão, piau, pacu, matrinxã e
jaú. A pesca é realizada no rio Juruena, próximo a confluência com o rio Juína, e em várias
lagoas nos rios Iquê, Camararé e Papagaio, e também nos rios Doze de Outubro, Joaquim
Rios, Grande e Preto.
A alimentação do povo Enawenê-Nawê está diretamente associada à oferta de
alimentos provindos do cerrado e áreas de transição, da usam além do pescado, a
mandioca, o milho (plantados), o mel e algumas leguminosas e frutos silvestres, insetos e
larvas.
Análise da paisagem
A AAI classifica a paisagem da bacia do Alto Juruena em três unidades de
paisagem, seguindo uma classificação com forte viés antrópico.
Unidade de Paisagem I: Chapada com uso agrícola
São classificadas dentro desta unidade as porções mais elevadas e planas da bacia,
que compõem os divisores das bacias hidrográficas dos rios Juruena e Teles-Pires. São
consideradas na avaliação como “caracterizadas por grande aptidão agrícola, a qual vem
sendo quase que integralmente aproveitada pelo cultivo altamente mecanizado de soja,
milho e algodão.”.
Uma pequena área com esta fisionomia está dentro da área de influência da Terra
Indígena Paresi, nas cabeceiras do rio Juruena, ainda com cobertura vegetal intacta,
composta por Savanas Arbóreas Abertas e Formações Herbáceas, com poucos processos
erosivos presentes, exceção à área atravessada pela antiga BR – 364.
Unidade de Paisagem II: Rampas Arenosas Florestadas
São as áreas que se estendem da borda das Chapadas com Uso Agrícola até a calha
do rio Juruena e seus afluentes. Possuem inclinações progressivamente maiores e com
crescente disponibilidade de água, provavelmente devido ao lençol freático mais
superficial. A vegetação tende, portanto, a ser mais desenvolvida. É uma área bastante
sensível tanto em relação à fragilidade dos terrenos quanto do ponto quanto da conservação
da biodiversidade local. Os processos erosivos são intensificados com a perda da cobertura
nesta unidade da paisagem, e são processos encontrados de forma generalizada na bacia.
Unidade de paisagem III: Planícies Aluviais Alagadiças
Esta unidade está restrita, de acordo com a AAI, aos trechos superiores dos rios
Juína e Juruena, com algumas ocorrências a montante de Cachoeirão. Na região das
nascentes e da confluência, tem de 500 a 2.500 m de largura, e na região entre a barragem
do Juruena e o Cachoeirão, as planícies variam entre 50 e 500 m, chegando a 2.500 m de
largura em algumas confluências. Estas áreas são permanentemente inundada, sendo uma
paisagem brejosa com uma cobertura de Matas Paludosas ou Formações Herbáceas, com
ou sem a presença de buritis. Devido à proximidade da superfície do lençol freático, estas
áreas são bastante suscetíveis a contaminações dos aqüíferos. De acordo com a AAI esta
“paisagem é especialmente frágil e está sujeita ao desaparecimento com formações dos
reservatórios.”
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Alguns impactos negativos levantados pela Avaliação Ambiental Distribuída
nas Unidades da Paisagem (UP= Unidade de Paisagem, vide acima).
Formações de alagadiços rasos permanentes UP3
Movimentos de massa e desestabilização das encostas marginais UP2
Assoreamento de remansos na foz e de afluentes UP2
Processos de erosão laminar e em sulcos UP2
Ruptura de taludes de escavação UP2
Erosão de margens e do leito fluvial a jusante UP2
Supressão de cobertura vegetal UP2 e UP3
Fragmentação e perda de habitats para a fauna terrestre UP2 e UP3
Limitação da migração de ictiofauna UP2 e UP3
Aumento da população de insetos vetores UP1
Avaliação do cenário atual com relação aos ecossistemas terrestres e aquáticos
Na AAI é indicado que as unidades de paisagem que sofrerão mais impactos serão
as Rampas Arenosas Florestadas e as Planícies Fluviais Alagadiças.
A primeira, imprópria para a agricultura e onde costumam ficar as reservas legais
das propriedades, são compostas pelas matas-de-galeria e matas-ciliares. Estas formações
ao serem suprimidas expõem o solo, em inclinação, provocando assoreamentos. O estudo
avalia que os impactos serão mitigados pelas medidas propostas. Entretanto, a AAI
descreve que o “assoreamento de remansos na foz do rio principal e de afluentes, causa a
perda de volume útil dos reservatórios, e pode ocorrer devido à diminuição da velocidade
da corrente fluvial, com perda de capacidade de carga, favorecendo a deposição de
sedimento na forma de deltas.” E ainda que esse “processo deverá ser maior no
reservatório de Cidezal, e no reservatório de Ilha Comprida, que apresenta um canal de 12
km até o remanso do reservatório da PCH de Segredo, onde os processos erosivos fluviais
deverão ser intensificados devido ao aumento da capacidade erosiva do rio causada pela
diminuição da sua carga. Nos demais reservatórios esse processo deverá ser mais
significativo na foz dos pequenos tributários (grifo meu).”
Continua a AAI sobre os barramentos quando prontos “reterão a carga sólida de
fundo do rio Juruena resultando no aumento da capacidade erosiva do rio e conseqüente
risco de desenvolvimento de processos erosivos nas margens e no leito fluvial a jusante
dos barramentos. Esse processo tende a ser significativo a jusante da PCH Telegráfica (i.e
última pch antes das terras indígenas Enawenê-Nawê e Menkü) devido à retenção quase
que TOTAL da carga de sólidos do rio Juruena, o que deve aumentar o poder erosivo de
suas águas com risco de alterações nas margens e no leito fluvial. (grifo meu)”
No tocante a biodiversidade esta “Unidade de Paisagem abriga a cobertura vegetal
mais representativa para a fauna em termos de oferta de alimento e abrigo. Assim, devese esperar que esta fragmentação de habitat afete a fauna local (grifo meu).” “Estima-se
que algumas espécies de mamíferos que antes eram capazes de cruzar o rio, poderão ficar
impossibilitados de fazê-lo no futuro, principalmente nas áreas onde a largura dos
reservatórios será significativa (> 200 m). Nesses trechos, estima-se que a elevação do
nível e largura do rio poderá vir a influir nas densidades populacionais das espécies de
vertebrados terrestres afetados.”
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
No tocante a ictiofauna do rio Juruena “entende-se que CADA usina pode
representar uma barreira ara a migração ictiofauna a jusante”. A população de peixes já
possui uma barreira natural que é o Cachoeirão, porém “espera-se que a apenas a jusante
das PCHs Rondon e Telegráfica sejam afetadas pela imposição de barreira à migração.”
De acordo com a AAI, a qualidade da água não terá impacto significativo pela
implementação das usinas.
A segunda Unidade da Paisagem a ser afetada será submersa pelos reservatórios. O
estudo considera que as “áreas formam lagoas marginais utilizadas para a reprodução e
abrigo da ictiofauna e para abrigo e dessedentação da fauna terrestre.” Em relação à
ictiofauna, a perda destes ambientes pode levar “à redução das áreas para desova e
criação. (grifo meu)”. Outra questão associada à submersão desta unidade da paisagem é a
criação de áreas sempre alagadas, o que pode resultar no aumento dos vetores de doenças.
Os cenários para médio prazo nestas unidades de paisagem não são diferentes dos
atuais. O estudo considera que no cenário de longo os impactos decorrentes da
implementação e operação das 13 usinas consideradas já estejam estabilizados.
Avaliação Ambiental Integrada
Alteração na qualidade da água
São apresentadas as seguintes alterações que podem ocorrer com a implementação
dos barramentos seqüenciais no rio Juruena:
- Aporte de sedimentos em decorrência de movimentação de terra durante as obras;
- Aporte lateral de sedimentos em decorrência da perda de vegetação ciliar em
alguns trechos do rio;
- Elevação dos níveis de matéria orgânica decorrentes da decomposição da
vegetação ciliar e de vegetação.
Neste último ponto, observa-se a seguinte avaliação:
“Em pontos específicos dos reservatórios, em especial próximo aos barramentos,
pode haver redução da velocidade das águas e conseqüente acúmulo de matéria orgânica
decorrente da decomposição de vegetação submersa pela elevação do nível d’água. No
entanto, conforme já relatado, o rio Juruena é bastante pobre em nutrientes e esta elevação
pontual da quantidade de matéria orgânica poderá ser BENÉFICA para a fauna aquática
(grifo meu).
Mudanças no regime fluvial
Espera-se que com a implementação dos barramentos aconteçam alterações
pontuais no regime fluvial devido a dois aspectos:
- Criação de trechos semi-lênticos a montante dos barramentos e risco de
eutrofização
- Redução de vazão remanescente do rio nas usinas com canal de derivação.
Ambos os aspectos não são considerados importantes.
Impacto sobre a ictiofauna e demais comunidades aquáticas
São considerados os seguintes aspectos que possam influenciar na comunidade de
macrofauna bentônica:
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
- Aumento de áreas de remansos, embora a áreas a ser inundada pelos reservatórios
em geral não seja ampla;
- Aumento de áreas cobertas por macrófitas, as quais se adaptam melhor em zonas
de menor correnteza;
- Diminuição da concentração de material em suspensão na água, pela sua
deposição por redução de velocidade do rio.
E são esperados os seguintes efeitos em função destes aspectos:
- Um aumento de organismos bentônicos associados à macrófitas, com maior
desenvolvimento destas, pós barramento;
- A ampliação de áreas de remanso e a diminuição da velocidade do rio nessas áreas
não somente propiciará maior crescimento de macrófitas como deposição de material
particulado mais fino, o qual favorecerá algumas espécies bentônicas em detrimento de
outras adaptadas a substratos duros ou de partículas mais grossas e maior velocidade de
corrente;
- A diminuição da correnteza também diminuirá o efeito de organismos bentônicos
para longe de seu habitat original, diminuindo, portanto, a perda rio abaixo de indivíduos
das populações;
- O aumento de deposição de detritos nos remansos ampliará também a oferta
alimentar de muitas espécies bentônicas que são detritívoras.
Um das conclusões nesta seção é que “é provável que haja um aumento do número
de organismos bentônicos e macrófitas após o fechamento das barragens, um fato que em
si não é negativo, pois poderá resultar em maior oferta alimentar para os outros níveis
tróficos da rede alimentar do rio, como, por exemplo, peixes. (grifo meu)”
Os impactos esperados nas comunidades planctônicas são as seguintes:
- Aumento do fitoplâncton nas áreas de remanso, que competirão com as macrófitas
por nutrientes e luz, a qual será atenuada sob plantas;
- Predominância de algas pequenas, de rápido ciclo de vida, que conseguem
sobrepujar o fluxo da água;
- Teórico desenvolvimento do zooplâncton em áreas de remanso, não somente pela
menor correnteza mas pela existência de maior oferta alimentar representada pelo
fitoplâncton;
- Predominância de organismos zooplanctônicos de ciclo mais curto de vida,
principalmente rotíferos.
Mais uma vez o estudo conclui que o aumento deste grupo não representará um
efeito negativo já que haveria aumento de zooplâncton nos remansos que serviria de
alimento para pequenos peixes e aqueles em fase jovem.
Para a ictiofauna são esperadas as seguintes mudanças de importância com a
construção de hidrelétricas em seqüência:
- Construção de várias barreiras (barragens) não transponíveis aos peixes;
- Alagamento de proporções limitadas em função das características das
hidrelétricas, as quais não formarão grandes lagos;
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
- Diminuição ou interrupção de algumas áreas de lagoas marginais que serão
atingidas pelo alagamento dos reservatórios;
- Desaparecimento de algumas várzeas de alagamento temporário, e ampliação de
áreas de remanso nos reservatórios;
- Possibilidades de aumento de macrófitas, bentos e plâncton.
Os impactos negativos sobre os peixes, identificados no estudo, causados por estas
mudanças são:
- A reprodução de espécies migradoras será prejudicada pelas barreiras
representadas pelas barragens, caracterizando um impacto que será limitado porque já
existe uma barreira natural no trecho, representado pelo Cachoeirão, a qual impede a
migração à montante da catarata;
- Formação de sub-populações confinadas em trechos, dependendo da extensão dos
barramentos;
- Diminuição de locais de criadouros e alimentação de diversos espécimes pelo
alagamento de lagoas marginais;
- Influência sobre criadouros com a supressão de várzeas;
- Diminuição da oferta alimentar de frutos com a supressão ou diminuição de
trechos de mata ciliar;
- Diminuição da diversidade de espécies e aumento da abundância de algumas
espécies sedentárias.
Como aspectos positivos são esperados:
- O aumento, mesmo que limitado, de macrófitas, plâncton e bentos, incrementará a
oferta alimentar para os peixes de uma maneira geral;
- Áreas maiores de remanso servirão de habitat e alimentação para espécimes
maiores e criadouros para as primeiras fases;
- Os trechos a montante do Cachoeirão, que são pouco piscosos, poderão ter
produção aumentada por incremento de algumas espécies não migradoras.
Impactos significativos para a ictiofauna durante a fase de construção são:
- Maior carreamento de sedimentos e outros materiais para jusante como resultado
da movimentação do solo por escavação e outras atividades,
- Isolamento de parte da calha do rio pela implantação de ensecadeiras para
construção dos barramentos;
- Alterações de velocidade do rio nos trechos de desvio;
- Supressão de trechos de mata ciliar.
A construção de ensecadeiras deve ser a atividade de maior impacto na ictiofauna,
pois, de acordo com o estudo, os peixes ficam presos na área de construção.
O texto tece alguns comentários obre as diferenças existentes a montante e a jusante
do Cachoeirão:
- A última hidrelétrica planejada a jusante, Telegráfica, fica a uma distância
aproximada de 20 km da catarata, que corresponderia à diminuição do rio para qualquer
movimento migratório de peixes em relação à situação atual sem barramentos;
- O trecho a jusante possui alguns tributários, sendo alguns de porte maior que
poderiam ser vias alternativas para a migração de peixes;
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
- A jusante do local da futura Telegráfica aumenta o número de lagoas marginais,
as quais não deverão ser alteradas, uma vez que a vazão do rio será mantida, diminuindo
riscos de influência sobre criadouros;
- A montante do AHE Cachoeirão o número de tributários escasseia
particularmente a montante da PCH Segredo, podendo assim haver maior influência sobre
peixes migradores que, por sua vez, apresentam menor número de espécies;
- Há também menor número de lagoas marginais a montante, diminuindo o impacto
de seu recobrimento pelas águas dos reservatórios, devendo-se considerar também que os
peixes já apresentam estratégias estabelecidas de reprodução para essas condições.
Estratégias para a gestão ambiental dos ecossistemas aquáticos na Bacia do
Juruena
Com a construção dos barramentos e formação dos reservatórios, haverá, de acordo
com o estudo, a alteração permanente da dinâmica original do rio na medida em que
"introduzem novos elementos na topografia do trecho". Apesar disto “não são esperados
impactos significativos nas comunidades aquáticas como decorrência da implantação dos
barramentos e da formação dos reservatórios pois, sendo o Rio Juruena um rio pobre em
nutrientes, e não havendo aporte de efluentes que possam contribuir com a alteração na
quantidade/qualidade futura destes nutrientes, não há risco significante de acúmulo de
matéria orgânico ou de eutrofização dos reservatórios.”
É proposta a adoção de programa de controle semestral de qualidade das águas em
pontos a montante da PCH Santa Lúcia e a jusante da Telegráfica, com amostragens nos
períodos de seca e cheia, para verificar se as águas estão em conformidade com os
parâmetros estabelecidos para rios de classe 2 de acordo com o Art. 50 da resolução
CONAMA 357/05. A AAI recomenda que este monitoramento seja mantido por três anos,
após o início das operações das últimas usinas que serão construídas, no caso Cachoeirão,
Juruena e Jesuíta.
Mesmo não sendo esperados impactos significativos sobre ictiofauna migratória ou
sedentária de jusante e montante do AHE Cachoeirão, o estudo levanta a possibilidade de
que haja a compartimentação e, portanto, o isolamento das comunidades de peixes. É
recomendado então o monitoramento semestral, quantitativo das populações de peixes de
cada reservatório. Este monitoramento deverá durar 3 anos (contados após o início de
operação das usinas de Cachoeirão, Juruena e Jesuíta) caso não sejam detectados impactos
na ictiofauna, do contrário, "deverão ser consideradas e estudadas estratégias de
repovoamento com espécies nativas criadas em cativeiros locais."
Aspectos ambientais significativos para os ecossistemas terrestres
Alterações decorrentes da implantação dos reservatórios em cada Unidade de
Terreno
Em relação aos possíveis impactos nas unidades de terreno consideradas na AAI,
sofrerão impactos significativos as Colinas Quartozoarênicas, as Rampas Onduladas
Quartozoarênicas, e as Planícies Fluviais Alagadiças. Em relação às duas primeiras elas
“são bastante frágeis e sofrerão inúmeras alterações decorrentes da implantação das
barragens, da abertura de acesso e de áreas de apoio, bem como da submersão do trecho
inferior das encostas que chegam ai rio. A intensificação da atividade antrópica nesses
terrenos, com remoção da cobertura vegetal e exposição dos solos arenosos a ação das
águas pluviais, podem provocar aumento na intensidade e na freqüência de ocorrência de
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
processos de dinâmica superficial, como por exemplo, a formação de ravinas profundas
associadas aos drenos dos caminhos de serviço e áreas de solo exposto em geral, que
podem assorear os canais fluviais, aumentando a carga de transporte dos rios.”
Já sobre as Planícies Fluviais alagadiças a interferência dos empreendimentos é
“significativa uma vez que altera a dinâmica fluvial e a manutenção desses terrenos com
risco de intensificação do processo do assoreamento da foz de alguns afluentes e da
retenção da carga sedimentar do rio, intensificando a ação erosiva do canal a jusante dos
barramentos. E ainda “a completa submersão desses terrenos, que resulta na alteração de
habitats com efeitos para a biota...”.
•
•
•
Em linhas gerais, os impactos acumulativos sobre o meio físico esperados são:
Instabilização de margens a jusante dos barramentos;
Indução de processos erosivos, movimentos de massa e desestabilização de
encostas marginais;
Processos de assoreamento.
Geração de áreas alagadas
Com a implantação dos barramentos é esperado a formação de áreas de solo
encharcado e áreas alagadas em decorrência da elevação do lençol freático, da formação de
áreas de remanso dos reservatórios e pela inundação das Planícies Aluviais Alagadiças.
Com a inundação destas áreas de planície espera-se a “formação de remansos de
reservatório mais extensos e planos, em que pode ocorrer a alteração de solos atualmente
arenosos e úmidos para solos encharcados, com perda da capacidade de suporte para a
vegetação ai existente.” A AAI ainda aponta que “a formação de novas áreas alagadas
rasas implica na instalação de um novo micro-ecossistema que entrará em equilíbrio
alguns anos após a sua criação. Assim, espera-se que até a estabilização da fauna e flora
locais, estas áreas utilizadas intensamente como área de procriação para insetos,
incluindo culicídeos vetores de doenças. Este aspecto pode oferecer riscos à saúde, sendo
necessário seu monitoramento” (grifo meu).
Supressão de vegetação nativa
A Bacia do Juruena foi caracterizada como tendo 70% de sua área formada por
cobertura vegetal nativa, a sua maioria do tipo Savana Arbórea Aberta, Savana Parque e
Transição Savana Arbórea Densa com Floresta Estacional Semidecidual com Formações
Aluviais (Tab.2).
Tabela 2. Áreas ocupadas pelas diferentes formações vegetais identificadas na
bacia do Alto Juruena, com base no mapeamento realizado em escala 1:250.000.
Bacia do Alto Rio Juruena
km2
%
Savana Gramíneo-Lenhosa
35,41
0,52
Savana Parque
1.860,07
27,14
Savana Arbórea Aberta
1.882,36
27,46
Transição Savana Arbórea Densa com Floresta Estacional Semidecidual
283,31
4,13
Transição Savana Arbórea Densa com Floresta Estacional Semidecidual 769,08
com Formações Aluviais
11,22
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Floresta Estacional Semidecidual Aluvial
22,27
0,33
Formações Aluviais
7,43
0,11
Vegetação Secundária
39,93
0,58
Área Antropizada
1.954,57
25,51
Total
6.854,35
100
As áreas com maior cobertura nativa estão dentro das Terras Indígenas Paresi e
Juininha, e também aquelas dentro das áreas averbadas como reserva legal. O estudo
considera que alguma das áreas remanescentes tem potencial agrícola. Em função dos
empreendimentos, pouca área nativa será inundada, um total de 21,62 km2, o que
corresponde a 0,32% da Bacia do Alto Juruena. Entretanto, de acordo com a AAI, mesmo
com a pequena supressão da área total da bacia "haverá vários impactos secundários
decorrentes dessa supressão que merecem ser analisados no contexto cumulativo dos 10
empreendimentos pretendidos. Estes impactos... estarão concentrados em um segmento de
aproximadamente 110 km do Rio Juruena, que corresponde a cerca de 2.000 km2 ou 30%
da bacia do alto Juruena". De acordo com o estudo, a área total afetada será de 21,62 km2,
ou seja, 1,08 % (Tab. 3).
Tabela 3. Área de supressão das formações vegetais localizadas no setor da
bacia do Alto Juruena com potencial de geração de energia hidrelétrica e das áreas
previstas para alagamento com a implantação dos 7 e dos 10 aproveitamentos
hidrelétricos previstos.
Setor da Bacia do Alto Juruena com
Potencial de Aproveitamento
Energético
Área Total do
Setor da Bacia
(2006) *
Área de
Área de
Alagamento de Alagamento de
7 Aproveit.** 10 Aproveit.**
Tipos de Vegetação
km2
km2
%
Transição Savana Arbórea Densa com
Floresta Estacional Semidecidual
%
km2
0,14
0,82
4,45
9,06
1,17
1,89
12,63
0,01
0,01
Savana Arbórea Aberta, Savana Parque e
demais formações não florestais
1.031,50 51,48
4,70
9,82
Vegetação Secundária
33,90
1,69
0
0
Área Antropizada
561,88
28,04
0
0
122,04
6,09
Mata Ciliar/Floresta de Galeria
%
Vegetação Aluvial Arbustivo-Arbórea
Transição Savana Arbórea Densa com
Floresta Estacional Semidecidual com
Formações Aluviais
Total
254,25
2003,57 100,00 10,47 0,52
21,62
Obs 1: (*) Estimativa baseada no mapeamento realizado em escala 1:250.000.
Obs 2: (**) Estimativa baseada no mapeamento realizado em escala 1:10.000.
1,08
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Obs 3: Os valores percentuais (%) referem-se à área total do setor aproveitável da
bacia hidrográfica do Alto Juruena.
Os impactos serão diferenciados nas diferentes fitofisionomias, sendo as mais
afetadas as associadas a cursos d'água, e.g. florestas ciliares, de galeria. formações aluviais
herbáceas arbustivas, arbustivo-arbóreas e as formações enquadradas na categoria
Transição Savana Arbórea Densa com Floresta Estacional Semidecidual (com e sem
Formações Aluviais). de acordo com o estudo , quando "o nível de profundidade do lençol
freático é alterado, como ocorrerá em função do alagamento de áreas pelos reservatórios
dos aproveitamentos hidrelétricos, ele provoca mudanças na composição florística e na
estrutura da vegetação remanescente imediatamente vizinha aos reservatórios". Assim,
novas áreas alagadiças e úmidas serão formadas em decorrência dos empreendimentos, em
áreas de savana, campo e mesmo nas áreas com formações florestais "que podem até levar
à total substituição por outros tipos de vegetação mais adaptados a uma nova condição
ambiental. Entretanto, os dados obtidos até o momento sobre a bacia do Alto Juruena não
permitem dimensionar a extensão das áreas onde este evento é passível de ocorrer, nem o
tempo que a vegetação levará para se adaptar aos novos ambientes."
Efeitos Indiretos na Vegetação - Fragmentação de Vegetação
Outro efeito considerado na AAI além da supressão das formações nativas acima
citada, é a fragmentação de habitats. São citados dois efeitos decorrentes deste processo: a
redução parcial ou total de habitat natural e a insularização dos ambientes. A principal
unidade afetada historicamente por este processo na região é a "Chapada com uso
agrícola", onde estão situados os platôs, e.g. Chapada dos Parecis. No caso dos
empreendimentos em questão, o impacto é diferenciado pois o processo de fragmentação é
advindo do alagamento de áreas ribeirinhas e das áreas associadas às planícies, juntos as
margens do Rio Juruena e próximas à foz deste. "Ela incide diretamente nas Rampas
Arenosas Florestadas e nas Planícies Aluviais Alagadiças, que, em geral, são as paisagens
mais preservadas. Além disto, a formação de vários reservatórios ao longo do Rio Juruena
amplia a barreira física que este rio representa para o deslocamento da fauna e para os
processos de polinização cruzada e de dispersão de sementes e propágulos da vegetação."
Com a formação dos reservatórios ocorrerá o alagamento e supressão da vegetação
ribeirinha, que forma corredores estreitos de vegetação ao longo do Rio Juruena e dos seus
afluentes. Isto provocará o isolamento de remanescentes florestais na área. Em função
disso, vários processos ecológicos, como interações plantas-animais, serão modificados. O
estudo aponta, entretanto, que as reservas legais existentes mitigariam estes efeitos da
fragmentação de habitat. No entanto no “caso da implantação dos aproveitamentos
hidrelétricos na bacia do Alto Juruena, a insularização das florestas ribeirinhas terá
também efeitos indiretos sobre a sobrevivência da fauna. Como descrito no diagnóstico, as
maiores densidades populacionais das comunidades faunísticas estão diretamente
relacionadas à presença das florestas de galeria e ciliares.” Com o alargamento de alguns
trechos do rio por causa dos reservatórios, ocorrerá também o isolamento de comunidades
da flora e fauna, com “alterações no fluxo gênico de pólen entre as margens,
principalmente para espécimes pertencentes a grupos botânicos onde a polinização
cruzada é obrigatória. A dispersão de sementes poderá ser afetada, principalmente para
espécies dependentes de vetores zoocóricos (i.e. dispersados pela fauna).”
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
As respostas da biota aos impactos decorrentes da fragmentação pelas razões
descritas acima vão depender de vários fatores que não foram mensurados no estudo. De
acordo com a AAI para “as formações vegetais, cada mancha remanescente terá ou estará
sujeita a características únicas, como forma, área, grau de isolamento e distribuição na
paisagem, que determinarão as respostas das comunidades remanescentes”. O estudo diz
que poderá ou não ocorrer um novo equilíbrio das comunidades bióticas, que pode ser uma
resposta imediata ou de longo prazo.
Efeitos indiretos na vegetação – ampliação dos efeitos de borda
Três aspectos são abordados nesta seção do estudo: o aumento da área de borda em
contato com o curso d’água; o contato com o reservatório de vegetação outrora distante e
não influenciada pelo rio; e a redução da área total das formações adjacentes aos
reservatórios. Entre os efeitos de borda citados está o aumento da relação perímetro/área, o
aumento do contato com o vento e a mudança de fatores microclimáticos e fisiológicos. O
estudo indica que poderá ocorrer a estabilização dos ambientes afetados, com a formação
até de novas áreas de mata-de-galeria e ciliar, sem no entanto levar em consideração outros
fatores necessários para a formação destas fitofisionomias além do contato com a água.
Efeitos indiretos na vegetação – impactos potenciais por espécies exóticas
Através da abertura de estradas de acesso, o canteiro de obras e outras elementos
necessários para a construção das usinas, espécies exóticas e ruderais podem proliferar,
competindo com espécies nativas por nutrientes e outros recursos. Muitas destas espécies
introduzidas são bastante agressivas no processo de colonização e também difíceis de
serem erradicadas. O estudo sugere a implementação de técnicas de manejo para a
contenção destas espécies, salientando, entretanto, “que no caso em pauta esse processo
será limitado pelas características dos solos locais que são extremamente pobres e não
tem condições de dar suporte a processos de colonização espontânea.”
Aspectos relativos à biodiversidade das diferentes formações vegetais e
ecossistemas presentes
A bacia do Alto Juruena possui alta diversidade de espécies de flora,
principalmente por ser ecótono de várias fitofisionomias, com elementos de cerrado e
amazônicos. De acordo com o estudo as formações florestais possuem as maior
diversidade biológica, sendo representeadas pela Floresta Estacional Semidecidual Aluvial,
pela transição da Savana Arbórea Densa e a Floresta Estacional Semidecidual e pelas
Florestas de Galeria. As formações predominantes na bacia seriam pertencentes à região
Fitoecológica da Savana, sendo representados na região pela Savana Arbórea Aberta, pela
Savana Parque e pela Savana Gramíneo-Lenhosa, ocupando cerca de 50% da área. A AAI
indica que existem poucos estudos sobre a biodiversidade desta área, sendo que o estudo
para a área de influência da PCH Jesuíta mostrou a existência de espécies da bacia
amazônica nas áreas de Savana Arbórea Aberta, mas, de uma maneira geral o estudo
aponta que “faltam estudos científicos e coletas botânicas na bacia do Alto Juruena, visto
que na literatura especializada não foram encontrados levantamentos desta região” não
sendo possível afirmar que existam endemismos (espécies que só ocorrem na bacia) na
região da Chapada dos Parecis ou na bacia do Alto Juruena. “A supressão da vegetação
decorrente da implantação dos diversos aproveitamentos hidroelétricos na bacia do Alto
Juruena tende a afetar a diversidade de espécimes da comunidade vegetal, pela
diminuição da abundância e do pool genético das populações locais.” Entretanto, de
acordo com o estudo as áreas a serem suprimidas são pouco significativas em comparação
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
à extensão dos remanescentes, “de maneira que a intensidade deste efeito deverá ser
bastante limitada.”
Fauna – uma análise de efeitos de prazo médio e longo
A AAI tenta descrever quais seriam as possíveis mudanças na composição de fauna
em decorrência da implementação dos empreendimentos, porém afirma ser impossível
elencar quais espécies seriam realmente afetadas por falta de dados. Com alguns dados
secundários de mamíferos carnívoros e herbívoros e as devidas áreas de vida, o texto
extrapola qual poderia ser a capacidade de suporte da bacia do Alto Juruena, sem levar em
consideração, entretanto o tipo de habitat das espécies. Em cima destes dados, o estudo
mostra que ainda haveria área com capacidade de suporte suficiente para “continuar a
sustentar uma fauna diversificada”.
Estratégias para a gestão ambiental do meio físico e da biota na bacia do Alto
Juruena
Com a implementação das 7 PCHs que já haviam sido licenciadas à época da
realização do estudo, iria comprometer o estado de conservação da vegetação nativa
remanescente nas áreas vizinhas das estradas de acesso, dos canteiros de obras e das
demais edificações, em especial ao longo das bordas dos caminhos de acesso e de serviço
(inclusive das linhas de transmissão). Ao longo desses que haverá o maior risco de
queimadas e a introdução de espécies invasoras. A instalação dos 3 aproveitamentos
restantes trará as mesmas conseqüências. O estudo então indica que para conservar a biota
do Alto Juruena, é exigido uma estratégia de gestão integrada da bacia “tanto do ponto de
vista de monitoramento dos impactos quanto do ponto de vista de compensação
ambiental”. São recomendados então as seguintes ações:
•
Unificação dos Programas de Monitoramento de Fauna dos empreendimentos, com
a instalação de transectos para acompanhar de forma sistêmica as alterações que
acontecerão. “Essa unificação deverá permitir estabelecer, ao final da implantação
dos empreendimentos (2001), um panorama quantitativo dos impactos decorrentes
da implantação das usinas para a fauna da bacia do Alto Juruena como um todo”;
•
Implementação de um Programa de Reconstituição de Conectividades Estratégicas
“focando na regeneração induzida de Matas de Galeria e outras formações de
porte e densidade florestal” onde houver reservatórios e aconteça a insularização
de remanescentes ciliares;
•
Direcionar a compensação ambiental para a preservação das áreas mais frágeis,
com foco no setor norte da bacia do Alto Juruena e com destaque para os
fragmentos localizados a jusante do Cachoeirão. Juntamente com esta ação deve ser
feito em conjunto um programa de regularização de Reservas Legais, com uma
estratégia de averbação em condomínio. A intenção desta estratégia é garantir e “a
preservação a longo prazo dos principais remanescentes de vegetação nativa no
Alto Juruena, contribuindo ao mesmo tempo para a criação de uma zona tampão
ao norte das Áreas Indígenas Nambikwara e Enawenê-Nawê”.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Aspectos ambientais significativos para o meio antrópico
Riscos de pressão sobre Terras Indígenas
O estudo cita os estudos complementares que foram feitos para delimitar os
impactos socioambientais e socioculturais dos empreendimentos do Complexo Juruena.
Este estudo foi realizado em 2006 por uma equipe especializada (i.e. estudo elaborado
pela Mappa Consultoria), onde foi feito um levantamento detalhado junto às
comunidades indígenas Enawenê-Nawê (T.I. Enawenê-Nawê), Myky (T.I. Myky),
Nambikwara (T.I. Nambikwara e T.I. Tiracatinga), Paresi (T.I. Paresi, T.I. Juininha e
T.I. Utiariti) e Erikbaktsa (T.I. Erikbaktsa e T.I. Japuíra). A avaliação dos impactos,
portanto, seria consolidado em documento próprio, “com a respectiva avaliação de
impactos considerando a visão das comunidades consultadas”.
Duas questões são tratadas, entretanto, na AAI, referentes à alteração da qualidade
de água e a psicosidade do Rio Juruena, e os impactos advindos do aumento da pressão
antrópica sobre as Terras Indígenas, inclusive com a eventual contaminação das águas
do rio por produtos químicos usados no controle de pragas. (i.e. são transcritos ipse
literi abaixo estas informações).
As barragens e as Terras indígenas
Duas aldeias indígenas situam-se mais próximas do limite de jusante do trecho de
hidrelétricos em cascata: Nambikwara e Enawenê-Nawê. Esta segunda tribo tem a
pesca como uma atividade importante para o suprimento de proteínas em sua dieta,
além de valores simbólicos e ritualísticos (Santos et al. 1995). Várias espécies
consumidas são de peixes migradores (piau, matrinchã, pacu, corimba, jaú, pintado).
Seus métodos de pesca são: barragens de troncos e galhos, vários tipos de anzol,
armadilhas, ictiotóxicos vegetais e arco e flecha. Os locais de pesca situam-se nos rios
Doze de Outubro, Camareré, Juruena. Preto e Iquê, tanto nos rios propriamente como
em lagoas permanentemente ligadas ao rio ou isoladas, nas áreas alagáveis.
Os conhecimentos indígenas sobre a movimentação de peixes na região é grande,
onde se destaca a compreensão do ciclo sazonal, que inclui o período e que formam-se
os cardumes (outubro); o período da migração reprodutiva e a desova (de novembro a
início de fevereiro) sendo que as larvas e primeiras fases jovens são carreadas para
áreas alagáveis, onde também podem se alimentar os adultos; e o período em que os
peixes retornam para a calha do rio (em março e abril), havendo depois a dispersão
dos cardumes
A última hidrelétrica da seqüência (em direção ao Tapajós) e a que ficará mais
próxima da tribo é a PCH Telegráfica, situada a cerca de 70 km do Rio Doze de
Outubro, que fica próximo ao limite sul da aldeia dos Enawenê-Nawê.
O impacto teórico que a barragem poderia ter sobre esta etnia seria no caso de
interferência com o movimento migratório ou com as áreas de procria das espécies
consumidas. Porém, esse tipo de impacto não será significativo, haja visa que:
• A migração de peixes rio acima já é impedida por uma barreira natural, o
Cachoeirão;
• A construção da PCH Telegráfica encurtará o movimento ascendente no máximo
em 20 km, que é a distância aproximada entre o AHE Cachoeirão e esta última
barragem planejada;
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
•
•
Os peixes migradores já utilizam tributários a jusante do Cachoeirão para a sua
migração reprodutiva, bem como suas áreas alagáveis e lagoas;
Essas várzeas e lagoas não deverão sofrer impacto das hidrelétricas, pois sendo
elas fio d’água, a vazão será mantida a jusante, exceto no trecho do canal de
adução para as turbinas, que será curto.
Conclui-se portanto, que não deverá haver influência da construção das
barragens sobre espécies de peixes consumidas, as quais ocupam tributários, áreas
alagáveis e lagoas na área de pesca indígena, que não deverá sofrer alterações (grifo
meu).
A abertura de novos acessos e as Terras Indígenas
Sobre a abertura de novos acessos em função da instalação dos aproveitamentos, a
AAI mostra que “o padrão de acessibilidade na bacia do Alto Juruena não sofrerá
alteração significativa em função da implantação dos aproveitamentos planejados. Em
particular, convêm ressaltar que não haverá qualquer alteração que facilite ou torne mais
provável a penetração em Áreas Indígenas da região do entorno”.
Susceptibilidade à contaminação de águas superficiais e subterrâneas
Uma análise de vulnerabilidade do aqüífero mostrou que as chamadas Chapadas de
Uso Agrícola são as menos vulneráveis a contaminação, já que o lençol freático é mais
profundo, mais de 30m. Além disto o aqüífero está coberto e a presença de sedimentos
argilo-arenosos.
Em relação às águas superficiais, o resultado das análises laboratoriais feitas para
identificar agroquímicos e compostos secundários foi negativo para todas as amostras,
indicando que não existia, à época, descarga de agroquímicos direta nos corpos d'água e
não havia também descarga indireta de agroquímicos decorrente de carreamento do solo
das lavouras.
O estudo indica que as direções preferenciais de fluxo de água subterrânea na bacia
do Juruena seguem de sul para norte, de montante para jusante e em direção à calha do rio.
Esta é a premissa básica para a AAI dizer que "os povos indígenas que habitam as
cabeceiras do Juruena estariam naturalmente afastadas do risco de uma eventual contam.
Já os povos que vivem a jusante da bacia, até o limite da área de estudo "recebem o fluxo
de água que corre da bacia, e estão afastados do risco de contaminação uma vez que
conforme demonstratado, não foram identificados traços de agroquímicos nos cursos
hídricos superficiais e subterrâneos. Entretanto, "o risco de contaminação das águas
superficiais e subterrâneas pelos agroquímicos e insumos utilizados nas culturas agrícolas
é um aspecto que deve ser considerado para a gestão integrada da bacia do Alto Juruena,
tanto que do ponto de vista da conservação de recursos hídricos e pesqueiros, quanto da
saúde dos povos indígenas que habitam a região".
Conclusões da Avaliação Ambiental Integrada relevantes ao parecer
Avaliação de impactos ambientais cumulativos
Em relação aos ecossistemas aquáticos o estudo considera que nenhum dos
impactos cumulativos identificados seria de grande significância/intensidade. As eventuais
alterações de qualidade de água seriam temporárias e rapidamente dissipadas pela alta
capacidade de transporte do rio. Os impactos permanentes seriam praticamente todos
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
restritos ao trecho aproveitável, entre o remanso da AHE Juruena e o canal de fuga da PCH
Telegráfica.É dado destaque, entretanto, ao "aumento do potencial erosivo das águas do
rio Juruena pelo efeito da redução cumulativa da carga sólida de fundo, que oferece risco
de erosão de margens a jusante da PCH Telegráfica. O estudo indica, porém, que a
intensidade deste impacto iria diluir rapidamente conforme o rio receba águas dos
afluentes, "tendendo a desaparecer a partir da foz do Rio Juína".
Em relação à ictiofauna, conclui-se que devido à presença do Cachoeirão como
barreira física é que ela "naturalmente fragmenta as faunas de montante e jusante (sic),
razão pela qual o Rio Juruena, neste trecho, não é considerado um rio piscoso". "Não se
espera que a ictiofauna local seja significtivaamente afetada" com a construção das
barragens, ainda mais pela maioria estar planejada para ficar a montante do Cachoeirão. E
ainda, "não são esperados impactos significantes na ictiofauna consumida pelas
comunidades indígenas de jusante".
A AAI indica que os impactos cumulativos nos ecossistemas terrestres, em especial
nas matas ciliares decorrentes da supressão de vegetação, e.g. fragmentação e insularização
de habitats merecem atenção pelo impacto no fluxo gênico da fauna e flora. Os riscos são
considerados bastante limitados devido a pouca área impactada, já que a área total de
inundação dos 10 aproveitamentos equivaleria apenas a 0,32 % da área total da bacia do
Alto Juruena. O mesmo é considerado para as outras áreas impactadas das formações
ciliares aluviais e de transição entre Savana Arbórea Densa e Floresta Estacional
Semidecidual, as formações mais afetadas. Justifica-se ainda que o custo benefício ou
custo ambiental por MW firme de 23,80 MW/km2 seria "extremamente favorável",
justificando assim a supressão.
Quanto ao aumento da pressão antrópica nas áreas indígenas na bacia do Alto
Juruena e no entorno, o estudo considera que não que irá se materializar em algum
impacto. Apenas durante a construção é que ocorrerá a atração de um contingente
populacional significativo para a região. Da mesma forma não são considerados como
impactantes para as comunidades indígenas os acessos e caminhos de serviço que serão
abertos na região, já que serão apenas usadas para as usinas e serão controladas durante a
operação das mesmas.
Como novas mediadas e/ou estratégias de gestão ambiental, a AAI acha pertinentes
as seguintes ações:
• Monitoramento da qualidade da água a jusante e a montante do conjunto de
barramentos, até que sejam estabilizados todos os reservatórios;
• Monitoramento das populações de peixes em cada reservatório e a montante e a
jusante do conjunto de barramentos, considerando caso necessário, a realização de
estudos de viabilidade de programas de repovoamento;
• Estabelecimento de estratégias específicas para o controle e monitoramento de
processos erosivos nas Rampas Arenosas Florestadas e no seu contato com as
Chapadas com Uso Agrícola;
• Estabelecimento de estratégias específicas para o controle e monitoramento de
processos erosivos nas margens do Rio Juruena a jusante do barramento da PCH
Telegráfica;
• Unificação dos Programas de Monitoramento de Fauna de todos os
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
•
•
•
•
aproveitamentos, de maneira a viabilizar a constituição de uma rede de transectos
que permita identificar adequadamente eventuais impactos em padrões de
perambulação e densidades populacionais de espécies indicadoras;
Implantação de um Programa de Reconstituição de Conectividades Estratégicas,
focando na regeneração induzida de Matas de Galeria e outras formações de porte e
densidade florestal nos locais aonde a implantação dos reservatórios venha de fato
resultar na insularização dos remanescentes;
Implantação de uma diretriz única de compensação ambiental, focada na proteção
das áreas atualmente melhor preservadas do Alto Juruena, e compatibilização da
mesma com um programa de regularização de Reservas Legais, as quais deveriam
ser concentradas em condomínios localizados nas áreas mais frágeis da bacia;
Operacionalização de uma política de seleção e contratação de mão-de-obra de
construção que privilegie a contratação de mão-de-obra local e limite a contratação
de trabalhadores migrantes;
Estabelecimento de uma política de gestão ambiental da bacia, que viabilize o
controle do uso do solo e a preservação dos remanescentes florestais, integrando os
agentes públicos e privados no objetivo comum de garantir a sustentabilidade em
longo prazo.
IV – CONCLUSÃO:
O documento “Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Alto Juruena”, elaborado
pela JGP Consultoria e Participações Ltda. Para o Consórcio Juruena e Maggi Energia S.ª,
tenta fazer um diagnóstico ambiental da região hidrográfica do alto Rio Juruena. Em
especial, a proposta do trabalho é verificar a capacidade de suporte ambiental atual desta
área, e também como seria modificada com a implantação de oito pequenas centrais
hidrelétricas e duas usinas hidrelétricas. Para tal são levantadas informações primárias,
obtidas in loco, e dados secundários tirados de literatura científica e outras fontes
disponíveis.
As informações primárias para a fauna e meio limnológico foram obtidas através de
levantamentos de campo em diferentes épocas entre 2006 e 2007. Não existe uma
padronização ou desenho amostral descrito e, mais grave, não são feitos levantamentos
durante um ciclo hidrológico completo. Ou seja, as variações sazonais não foram levadas
em conta, como é praxe nestes estudos, mesmo que expeditos. Tão pouco é mencionado,
com a exceção para a ictiofauna e a avifauna, o esforço amostral total em dias (Tab. 4). De
qualquer forma, fica claro que não foram levantados os dados necessários para responder a
pergunta proposta sobre a capacidade de suporte da bacia do Alto Juruena, tão pouca quais
seriam os impactos dos empreendimentos nestes grupos. Ademais, o trabalho apresenta
erros, como colocar o Tamanduá Bandeira, Myrmecophaga tridactyla, dentro de uma lista
de tatus tirada de dados secundários e uma identificação errada de uma ave no registro
fotográfico (foto 15 não é de um Ammodramus humeralis, mas provavelmente Arremon
taciturnus), mostrando que não foi feita uma boa revisão do trabalho final por algum
especialista.
.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Tabela 4. Informações apresentadas sobre os levantamentos do componente
fauna e limnológico.
Grupo
Época
do Esforço
Esforço
amostral
levantamento
Amostral
em dias
Fitoplancton
Junho de 2007
6 pontos
NI
Zooplancton
Junho e julho de 2006 6
pontos
+ NI
complementação
em remansos
Bentos
Julho de 2006
12 trechos do rio NI
Ictiofauna
Junho, julho, agosto e NI
56
setembro de 2006
Mastofauna
Segundo semestre de 13.440
baldes, NI
2006
armadilhas
e
observações ad
lib
Avifauna
Segundo semestre de 2472 horas/rede, 69
2006
fora
outros
métodos
Herpetofauna
NI
13.440 baldes e NI
observações ad
lib
NI=Não Informado
Mesmo com dados incompletos, o trabalho apresenta conclusões, algumas vezes
contraditórias, sobre possíveis impactos sobre a fauna e elementos limnológicos.
Selecionamos três exemplos, dois ligados ao impacto na ictiofauna, uma importante fonte
de proteínas para as comunidades indígenas, em especial para a etnia Enawenê-Nawê, que
só se alimenta de peixes. O terceiro é sobre o impacto na fauna terrestre.
No primeiro exemplo, sobre o impacto nos sistemas aquáticos, o estudo aponta como
benéfico o aumento de nutrientes advindos da decomposição de matéria orgânica submersa
e pela redução da vazão em determinados trechos. A AAI aponta isto como benéfica já que
o Rio Juruena possui poucos nutrientes e que, com o aumento do fitoplancton, zooplancton
e bentos associados à macrófitas, esta mudança favoreceria a ictiofauna, pois a mesma teria
mais alimento. Trata-se de uma afirmação no mínimo leviana. A comunidade de peixes à
época do estudo, e de outros organismos associados, estava estabelecida na bacia do Alto
Juruena com certa concentração de nutrientes e outras condições, possivelmente
centenárias. As comunidades, portanto, estavam adaptadas a esta situação, e em possível
equilíbrio ecológico. A alteração descrita deverá favorecer espécies em detrimento de
outras, alterando a cadeia trófica existente. Além disto, existe o risco de ocorrer a
eutrofização de alguns trechos e lagoas marginais, fenômeno causado exatamente pelo
aumento de nutrientes, causando a mortandade de peixes e o “bloom” de algas, com
conseqüente degradação da qualidade dos corpos d água 2 e, possivelmente, na vazão
ecológica 3 do Rio Juruena. Outras alterações na qualidade da água ainda são levantadas no
2
Agostinho, A. A., L. C. Gomes & F. M. Pelicice. 2007. Ecologia e manejo de recursos pesqueiros em
reservatórios do Brasil. Universidade Estadual de Maringá.
3
Vazão Ecológica é a vazão mínima necessária para garantir a preservação do equilíbrio natural e a
sustentabilidade dos ecossistemas aquáticos. Instrução Normativa MMA Nº 4, de 21 de junho de 2000
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
estudo, cabendo um olhar mais crítico sobre o uso deste recurso para fins de geração de
energia.
No segundo exemplo, é dito no texto do estudo que a riqueza de espécies de peixes
migratórios não sofrerá impacto significativo com a implementação dos empreendimentos
em função da existência de uma queda água na altura do AHE Cachoeirão. Esta queda com
mais de 20 metros de altura seria uma barreira natural das comunidades. O estudo tenta
implicar com isto na existência de populações estanques, talvez até com espécies
diferenciadas a montante (para cima) e a jusante (para baixo) da cachoeira, mesmo não
apresentados dados para comprovar esta hipótese. De fato, a cachoeira impede a subida de
peixes, sejam migratórios ou não, e provavelmente a descida de alevinos. Não impede,
entretanto, a descida de nutrientes e material orgânico necessários para a manutenção das
biota à jusante. A modificação qualitativa e quantitativa destes recursos à montante da
cachoeira irá certamente afetar a biota a jusante da mesma. O estudo também indica que as
lagoas marginais, tanto à montante quanto à jusante, serão impactadas. Estas lagoas
marginais são importantes criadouros de peixes, portanto a alteração das suas
características irá afetar as diversas metapopulações de peixes, independentes da queda
d'água de Cachoeirão, mas sim pela implementação das pchs e uhes.
O terceiro exemplo trata do impacto na fauna terrestre, principalmente a relacionada
às matas-de-galeria e matas-ciliares, na qual o estudo se prende por conter a maior riqueza
de mamíferos no Cerrado, menosprezando as outras fitofisionomias. Na estratificação da
paisagem, o estudo classifica o relevo em três unidades: Chapada com Uso Agrícola,
Rampas Arenosas Florestadas e Planícies Aluviais Alagadiças. Os impactos nas duas
últimas unidades, onde são encontradas as fitofisionomias ripárias acima citadas, seriam os
mais preocupantes de acordo com o estudo por causa dos processos de fragmentação e
ruptura da paisagem em várias escalas. Para mitigar estes impactos o estudo sugere a
reconstituição da conectividade através da regeneração de matas-de-galeria, além do
direcionamento da averbação das reservas legais em condomínio, próximas ao rio. No caso
destes impactos existe um fato bastante preocupante que não é levado em conta que é o
afugentamento da fauna destas áreas de mata ripária para outras matas. Isto tem foi
observado por comunidades indígenas Enawenê-Nawê que relataram o aumento de fauna
herbívora em suas terras, prejudicando as suas áreas de cultivo. Haja vista que esta etnia
não utiliza de caça, só de peixes, sem dúvida este é um grande impacto para a
sobrevivência física e cultural desta etnia, que não é citado no estudo. Pode ser considerado
um caso de “empacotamento de espécies” onde a população ou populações da fauna
silvestre ou campestre, ultrapassa a capacidade de suporte de uma determinada área,
causando a competição e deplecionamento dos recursos, trazendo prejuízo para a espécie e
para outras também, neste caso, para a etnia Enawenê-Nawê. A “indução” da regeneração
como solução da perda das matas ripárias é uma proposta não factível haja visto que as
áreas marginais às inundações não devem ter a capacidade de sustentação de uma
fitofisionomia florestal tal qual as ripárias. O fato é que existe uma mudança das
características fito fisionômicas à medida que se afasta do corpo hídrico, sendo comum
uma faixa de campo úmido, seguido de diferentes tipos de cerrado, muitas vezes formando
ecótonos de vegetação. A fauna inclusive se beneficia disto, devido a gradientes de
heterogeneidade que suportam uma riqueza de espécies diferenciada. Este, aliás, é um fator
que deve ser levado em conta ao tentar aumentar a permeabilidade da paisagem para a
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
fauna e flora (dispersão genética) no Cerrado, inclusive no estabelecimento de Áreas de
Proteção Permanente 4, 5, 6 como é sugerido no estudo.
Existem outros problemas apontados no estudo que também mereceriam estudos
mais detalhados. O fato é que, mesmo com as medidas apontadas como mitigadoras e.g.
monitoramento da qualidade da água a jusante e montante até a estabilização de todos os
reservatórios, a margem de dúvida sobre a viabilidade ambiental dos empreendimentos em
conjunto continua muito grande. Além disto, não é possível desprezar as possíveis
mudanças na qualidade da água e os impactos advindos disto na comunidade de peixes e
fauna terrestre, que garante a sobrevivência de várias etnias na região, além dos pequenos
proprietários rurais. A própria Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso, em
seu Parecer Técnico de Análise da AAI do Alto Juruena, de 22 de fevereiro de 2007, cita
que a “implantação destes empreendimentos poderá levar “a destruição e ou modificação
de habitats terrestres e aquáticos, interferindo diretamente na densidade e na diversidade
das populações faunísticas e, conseqüentemente, nos povo indígenas que tem parte da sua
sustentabilidade alimentar nestes ambientes” (grifo meu). Conclui este parecer técnico
que entre esse e outros aspectos abordados nele levam a necessidade de complementação
dos Estudos, o que corrobora com o presente parecer.
Considerações finais
Havendo todas essas dúvidas sobre a viabilidade ambiental deste complexo de
empreendimentos e, em especial, no seu impacto nas comunidades indígenas
principalmente a jusante do último empreendimento (e.g. TI Nambikwara e TI EnawenêNawê), remete-se necessariamente este parecer técnico ao Princípio 15 da Declaração do
Rio de Janeiro, da qual o Brasil foi signatário durante a Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, que diz que “de modo a proteger o
meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados,
de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis,
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (grifo
meu). Também é necessário observar que de acordo com Lei 5.197/67 da Constituição
Federal no seu artigo 1º “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu
desenvolvimento e que vivam naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna
silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros, são propriedades do Estado, sendo
proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”.
Por outro lado, afora as questões do impacto na biota e das incertezas de viabilidade
ambiental dos empreendimentos, fica bastante evidente pelo o estudo de que haverá um
aporte muito grande de sedimentos com a implementação dos vários empreendimentos, é
que isto deverá modificar a qualidade da água de forma significativa, afetando tanto a biota
silvestre e campestre quanto as populações humanas dependentes destes recursos, a
montante e, em especial, à jusante dos empreendimentos. De acordo com Lei 9.433/97 que
4
de Lima, M. G. & C. Gascon. 1999. The conservation value of linear forest remnants in Central Amazonia.
Biological Conservation 9: 241-247.
5
de Lima, M. G. 2003. Ecologia da paisagem e cenários para conservação da avifauna na região do Parque
Nacional das Emas, GO. Tese de doutorado. Universidade de Brasília.
6
Lees, A. C & C. A. Peres. 2008. Conservation value of remnant riparian forest corridors of varying quality
for Amazonian birds and mammals. Conservation Biology 22(2): 439-449.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
institui o Plano Nacional de Recursos Hídricos e que dispõe na sua Seção III sobre a
outorga de direitos de uso de recursos hídricos, no seu Art. 11 “O regime de outorga de
direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e
qualitativo dos usos da água e o exercício dos direitos de acesso à água” (grifo meu).
Sendo assim, em caso de necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação
ambiental, conforme previsto no inciso IV, do Art. 15, a “outorga de direito de uso de
recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo
determinado...”.
Portanto, é o entendimento deste parecerista que, o risco ambiental advindo da
implementação de todos os empreendimentos supracitados no Rio Juruena não foi
devidamente mensurado na Avaliação Ambiental Integrada aqui avaliada. Isto tanto em
relação aos impactos na biota quanto, e também conseqüentemente, no modo de vida
tradicional das comunidades indígenas da bacia do Rio Juruena, assim como nas condições
necessárias para a sua sobrevivência, reprodução física e cultural, garantidas na
Constituição Federal no seu Art. 231/88. Já foi relatado informalmente à FUNAI por
indígenas da etnia Enawenê-Nawê, inclusive, que após o início da instalação de cinco
PCHs no Rio Juruena, a qualidade de água degradou, assim como a quantidade de peixes
diminuiu. Segue que é minha forte recomendação que seja suspensa a outorga do direito de
uso dos recursos hídricos para fins de aproveitamento do potencial hidrelétrico dos
empreendimentos supracitados, e que sejam efetuados estudos de impacto ambiental
detalhados para determinar a viabilidade ambiental dos mesmos. Nos casos de viabilidade
ambiental, provados através de estudos científicos determinados por termos de referências,
deverão então ser elaborados e apresentados os Programas Ambientais Básicos com as
propostas de mitigação ou compensação, se for o caso. Recomenda-se ainda que todo o
processo tenha o acompanhamento da FUNAI, e, se necessário, pelo IBAMA,
principalmente pelo fato do Rio Juruena ser Federal.
Sem mais, coloco-me a disposição.
Dr. Marcelo Gonçalves de Lima
Biólogo
Assessor CGPIMA/FUNAI
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Figura 1. Localização dos empreendimentos descritos na AAI da bacia do Alto Juruena.
Folha:_________
Proc.: 0407/2003
Rubrica: ______
Figura 2. Terras indígenas e unidades de conservação na região proposta para implantação
dos empreendimentos no Alto Rio Juruena.
Download

Parecer Técnico sobre AAI dos AHE no Rio Juruena