V SEMINÁRIO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO BAIANO
GT 2 – COMUNICAÇÃO, POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO
A POLÍTICA ATRAVÉS DA FREQUÊNCIA: INFLUÊNCIA E PARTICIPAÇÃO
DAS EMISSORAS DE RÁDIO NO COTIDIANO DA POLÍTICA LOCAL
PÂMELLA SYNTHIA SANTANA SANTOS
(Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UFS)
A POLÍTICA ATRAVÉS DA FREQUÊNCIA: INFLUÊNCIA E PARTICIPAÇÃO
DAS EMISSORAS DE RÁDIO NO COTIDIANO DA POLÍTICA LOCAL 1
Pâmella Synthia Santana Santos – PPGS/UFS2
([email protected])
RESUMO
Este artigo trata de uma parte do trabalho de conclusão de curso defendido no
curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe, sob o título “Ribeiros
versus Reis: Um estudo sobre elites políticas, facções e carreiras”, onde foi tratado o
embate político entre dois grupos políticos, denominados como Bole-Bole e
Saramandaia encontrados no município de Lagarto-SE, comandados respectivamente
pela família Ribeiro e pela família Reis que se encontram presentes desde o período da
tutela militar. O objetivo deste artigo é o de traçar o papel desses grupos políticos no
que concerne a utilização das emissoras de rádios no município de Lagarto-SE, e como
elas são utilizadas a favor de cada grupo, pois ambos possuem sua própria emissora: o
grupo Bole-Bole no comando da emissora Eldorado FM, e o grupo Saramandaia no
comando da emissora Progresso AM como também a disputa de espaços com as novas
rádios comunitárias.
Palavras-chave: política local, emissoras de rádio, facções políticas
Este artigo trata de uma parte do trabalho de conclusão de curso defendido no
curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe, sob o título “Ribeiros
versus Reis: Um estudo sobre elites políticas, facções e carreiras”, onde foi tratado o
embate político entre dois grupos políticos, denominados como Bole-Bole e
1
Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e
Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em Cachoeira, BA, Brasil.
2
Mestranda em Sociologia pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS) na Universidade
Federal de Sergipe, bacharela em Ciências Sociais e integrante do Laboratório de Pesquisa do Poder e da
Política (LEPP).
Saramandaia encontrados no município de Lagarto-SE, comandados respectivamente
pela família Ribeiro e pela família Reis que se encontram presentes desde o período da
tutela militar. O objetivo deste artigo é o de traçar o papel desses grupos políticos no
que concerne a utilização das emissoras de rádios no município de Lagarto-SE, e como
elas são utilizadas a favor de cada grupo, pois ambos possuem sua própria emissora: o
grupo Bole-Bole no comando da emissora Eldorado FM, e o grupo Saramandaia no
comando da emissora Progresso AM como também a disputa de espaços com as novas
rádios comunitárias.
Devido a um grande histórico de disputa política entre esses dois grupos, ter uma
emissora de rádio principalmente em um município em que metade da população se
encontra na zona rural é importante, como um trunfo político. Importante também se
destacar o período de concessões de emissoras de rádios que se deu nos anos de 1980 e
que se davam principalmente através de alianças políticas, que foi o caso da emissora
Eldorado FM, ao contrário da emissora Progresso AM, que tinha mais um viés
empresarial do que político (isso em um primeiro momento), tendo sido a primeira
emissora do município. Além de analisar a atuação dessas rádios no âmbito local, vale
destacar também como que as alianças eram feitas para se conseguir o aval para certos
políticos terem a sua própria rádio, onde nesse caso, a aliança com uma família da elite
politica sergipana, a família Franco, foi essencial para a consolidação da emissora
Eldorado FM no município de Lagarto.
Até o ano de 2008, essas duas emissoras eram as únicas do município e
conseguiam monopolizar para seus próprios interesses os programas transmitidos; com
a chegada das emissoras comunitárias, foi possível a diversificação de conteúdo, como
também quebrava o poderio das duas primeiras emissoras, todavia, a temática dessas
novas emissoras não será tão diversificada como era de se esperar. Com isso, fica clara
a necessidade de colocar em debate a interferência das emissoras na vida política
municipal, pois as mesmas colocam em evidência os grupos políticos e assim, a política
não acaba só aparecendo nos períodos eleitorais, ou melhor, no “tempo da política”, mas
passa a fazer parte do cotidiano da política e também do cotidiano do município.
A rede de base familiar faz parte da constituição do desenvolvimento de todo o
país. Em Sergipe, tanto na Capital como no Interior, várias famílias se sobressaem na
política, e criam uma maior projeção para a dinâmica local, como também para o
Estado. É fato que o principal nome de família que logo se associa à política em Sergipe
é o da Família Franco; todavia, várias outras conseguiram ocupar seu espaço, mas à
sombra dos Franco (em Aracaju, a união com a família Franco ocorreu através de vários
matrimônios como também com a família Rollemberg3, Prado e Pimentel), Reis e
Ribeiro (Lagarto), Teles de Mendonça (Itabaiana), Fonseca e Mitidieri (Boquim),
Valadares (Simão Dias), Monteiro (Salgado), Passos (Ribeirópolis) Góis (Riachão do
Dantas). Além dessas famílias, há outras que se encontram em suas redes, com aliados e
apadrinhados como algumas que se concentram na Capital, vide a família Alves e a
família Amorim.
As famílias citadas acima, sozinhas, não podem fazer muita interferência na
política sergipana, pois um indivíduo da cidade de Lagarto não recebe nenhuma
influência da família Passos de Ribeirópolis. Mas, no atual momento, todas essas
famílias fazem parte do quadro político geral do Estado, pois cada uma tem pelo menos
um integrante na elite parlamentar sergipana. Ainda assim, no background dessas
famílias, é observada a relação e a participação da família Franco, como mediadora
desde os anos da ditadura militar. Já com um breve levantamento histórico, fica
perceptível que a família Franco não conseguiu sozinha assumir o governo do Estado se
não tivesse essas e várias outras famílias políticas interioranas em suas redes de
relações. Com isso, será colocado também a participação da família Franco na política
lagartense.
Política e Parentela: a disputa entre Ribeiros versus Reis e Bole-Bole versus
Saramandaia.
Em Sergipe, na Assembleia Legislativa todos optaram pela ARENA, fato raro,
senão único, na federação. Apenas entre os deputados federais o bloco que inicialmente
optou pelo MDB foi relativamente elevado. O poder nesta cidade sempre esteve
concentra nas mãos de duas facções, sem dar espaços a uma terceira força. Começando
com os cabaús e pebas, ou conservadores e liberais representados respectivamente pelo
Coronel José Cirilo e a família de Silvio Romero na década de 1890. Posteriormente
assume o poder, ainda representando os “pebas e cabaús” a família Garcez e Hipólito
Emílio dos Santos (1900-1930). Com o passar do tempo (década de 60) a
representatividade sofre alterações, ficando a cargo de Acrísio D’Avila Garcez e
Dionísio de Araújo Machado, o primeiro representando o PSD (Partido Social
3
Leandro (2011)
Democrático), já o segundo estava a representar a UDN (União Democrática Nacional)
(FONSECA, 2002).
Entre o final dos anos 1960 e por quase meio século, evidenciou-se a saga
saramambolista, que até então não ainda eram “Pebas e Cabaús” através dos governos
que ocuparam o executivo municipal, entre eles, os chefes políticos Rosendo Ribeiro
Filho, o Ribeirinho (1963-1966) e Artur de Oliveira Reis, o Artur do gavião (19831989). Em 21 de abril de 1963, Ribeirinho toma posse frente ao executivo municipal,
despontando-se naquele momento como uma terceira força política na cidade. Era a
chamada ala independente, apesar de sua origem referir-se diretamente à liderança de
Dionísio Machado, líder mor da UDN em Lagarto, mas alheia, a partir de então, aos
dois líderes políticos tradicionais. Ribeirinho como é conhecido até hoje, iniciou sua
vida pública na eleição municipal de 1954, quando Dionísio de Araújo Machado (UDN)
candidatara-se a prefeito e o convidara para ingressar na política, primeiro
acompanhando-o em eventos políticos e depois se candidatando a vereador. Nessa
eleição ambos saíram vitoriosos: Ribeirinho foi eleito vereador e Dionísio prefeito
(SANTOS, 2014).
Na eleição seguinte, 1958, ainda pela UDN, aos trinta anos de idade, Ribeirinho
resolve ir ais além à política candidata-se a deputado estadual, juntamente com seu líder
mor de então que pleiteava o cargo de vice-governador. Mais uma vez os dois
conseguem êxitos: Ribeiro Filho vai para a assembleia legislativa e Dionísio é eleito
vice-governador e no período de 06/06/1962 a 31/01/1963 assume em definitivo o
executivo estadual, em decorrência da desincompatibilização de Luís Garcia que se
candidatara a senador na eleição de 7 de outubro de 1962. A sucessão municipal de
1962 iria reunir alguns atrativos até então não muito comuns no município, o principal
deles, sem dúvida, foi o surgimento de três candidatos a prefeito, quebrando, desse
modo, uma tradição partidária de poder entre dois grupos. Para se ter uma noção exata
da especificidade desse acontecimento, basta mencionar que além da eleição de 1962,
onde três candidatos concorreram, somente na eleição de 1988 foi que a sucessão
municipais foi decidida por mais de dois candidatos. Nesta, além das candidaturas dos
dois grupos tradicionais surgiram as candidaturas do PT e do PDT (recém criados no
município, assim como no Brasil, após o fim da ditadura militar), fato que será
comentado mais a frente (FONSECA, 2002).
Os três personagens que se apresentaram como candidatos a prefeito nesta
eleição dispunham de reais instrumentos que lhes credenciavam a possibilidade de
vitória: um, José Monteiro de Carvalho (UDN), foi apoiado por Dionísio Machado e o
então prefeito Antônio Martins de Menezes (UDN), aliado de Dionísio; o outro, Pedro
Batalha de Góis (PSD), era apoiado pelo influente coronel Acrísio Garcez; e o terceiro
candidato era Rosendo Ribeiro Filho, discípulo político de Dionísio que acabara de
romper relações com este e integrara-se ao PRT. Ribeirinho, através de retórica objetiva
e com bastante apelo popular, pregava o discurso de renovação na política municipal,
dizendo ser “a salvação do povo” e estava tendo eco após dois sonoros mandatos:
vereador (1954-1958) e um de deputado estadual (1959-1962).
A trajetória política de Ribeirinho foi, até aquele momento, amplamente
vitoriosa. Após conseguir, em duas eleições consecutivas, se eleger como vereador e
como deputado estadual, entraria para essa disputa, no mínimo fazendo muito barulho e
com “muita agilidade política”. E sua presença também se fazia sentir na imposição da
força. De qualquer forma, o fato é que pelo menos no imaginário coletivo, ele também
se impusera sobre esse aspecto. Tudo isso contribuiu para expansão da fama de ser um
politico polêmico (FONSECA, 2002).
As previsões de um processo eleitoral complicado realmente se concretizaram. O
resultado da eleição foi decidido dias após a realização do pleito através de julgamento
do TRE, confirmando a vitória do candidato udenista José Monteiro de Carvalho que
ganhou a eleição com apenas trinta votos de vantagem sobre Ribeirinho. O PSD
também entraria na discussão em 6 de dezembro de 1962 entra com recurso junto ao
TRE contra a diplomação do prefeito eleito, mas este tribunal ratificou a vitória da UDN
na sucessão municipal. Mas mesmo após a diplomação de José Monteiro e a
confirmação da sua vitória pelo TRE as discussões em torno da luzira da eleição
continuavam calorosas. E há poucos dias da posse José Monteiro não suportou as
pressões e veio a falecer (21/01/1963). Os mais exaltados aliados do grupo de Dionísio
Machado alegam que a morte foi provada em virtude do terrorismo verbal de
Ribeirinho. Com isso, uma nova eleição foi feita, entre Pedro Batalha de Góis (PSD) e
Ribeirinho (PRT), este último consagra-se vitorioso com uma diferença de 1525 votos.
Assumindo a posição de prefeito uma semana após só deixa-a em setembro de 1966
quando retornaria à Assembleia Legislativa (MODESTO, 1998).
Chega a década de 1970, e no final desta, as denominações são alteradas, os
grupos políticos passam a ser identificados como Bole-Bole e Saramandaia, em que os
representantes ainda detinham características fortes do decadente coronelismo. Essa
nomenclatura veio da novela da Rede Globo, “Saramandaia”. Não foi algo inusitado,
visto que já houve em Lagarto, outras nomeações. Todavia, essa mudança se teve
porque como já havia mudado os chefes políticos, a população via a necessidade de
fazer referencia aos grupos, que já não eram os mesmo no tempo de Dionísio e Acrísio.
Sendo transmitida na mesma época e a identificação dos atores políticos e sociais pelas
suas próprias características e com as dos personagens e grupos fictícios, foi mais fácil a
nova nomeação (MESQUITA, 2012).
Como fala o ex-deputado e ex-prefeito de Lagarto Jerônimo Reis (filho de Artur
Reis), os próprios integrantes do Saramandaia que colocaram esses novos nomes para
identificar os grupos. No momento, quem administrava o município era Zé Vieira Filho
(1977 a 1982)4, aliado de Ribeirinho (Bole-Bole). A oposição “determinou” que o então
prefeito era do Bole-Bole e que como eles eram da oposição e tinham o desejo de mudar
a cidade, eles seriam os Saramandaia. E assim, segundo esse ator político, ficou essa
nomenclatura.
Os ditos “coronéis” não detinham o cargo político em suas mãos. Entretanto,
estes não só influenciavam como patrocinavam os seus sucessores, já que para ser
candidato era preciso ter muito dinheiro 5. A utilização do paternalismo e do
assistencialismo, por si só não eram suficientes, vez por outra se fazia necessária uma
aparição pública, corpo a corpo ou através da imprensa escrita. Mostrar as habilidades
do candidato tornou-se fundamental para uma maior persuasão daqueles que ainda
estavam indecisos, e até mesmo, a confirmação da paixão existente em seus eleitores.
Apesar de haver perseguições, abusos de autoridade, dificilmente alguém ficava “em
cima do muro”, pois, em sua maioria, a cidade estava imbuída de todo um
tradicionalismo, o qual perdurou de longas datas. Não obstante, essa paixão moldou a
política lagartense, de forma que não se via siglas partidárias sem o acompanhamento
do Bole-Bole ou Saramandaia, O coronelismo deixou sua marca através dos tempos. O
amor pelos grupos nessa população que não se contentou apensas com a identificação
com cada grupo, mas sim, em lutar, fazer representar-se por cada um deles, passando de
geração em geração (SANTOS, 2014).
Algo que era comum e que era seguido à risca, era a não mistura entre grupos,
ou seja, quem era Saramandaia não poderia em hipótese alguma se relacionar com
alguém do Bole-Bole. A paixão política dos cidadãos lagartenses extrapolava a
4
Momento em que a novela “Saramandaia” é transmitida pela Rede Globo.
A figura do coronel típico: chefe político, proprietário de terras, de imóveis, comerciante, médico,
advogado; homem rico, poderoso, abastado financeiramente (DANTAS, 1987. 1997).
5
racionalidade6. Durante entrevistas feitas para a dissertação de mestrado, vários
vereadores expuseram casos em que esse entrave entre ambos os grupos acabavam por
até mesmo separar casais de namorados, pois suas famílias eram de grupos políticos
diferentes.
Somente em 1982, aconteceu o embate mais esperado desde o surgimento dos
grupos políticos – Saramandaia e Bole-Bole. Até então, Artur de Oliveira Reis só
apoiava os representantes do Saramandaia, grupo o qual comandava; estava saindo de
um discreto mandato de deputado estadual e após algumas tentativas sem sucesso
finalmente conseguiria candidatar-se a prefeito; mas, no ano de 1982, ele enfrenta o
Ribeirinho – defensor dos pobres. Este último era seu primeiro pleito após a cassação de
seu mandato parlamentar. E pela nova conjuntura partidária, o partido escolhido por
ambos agora era o PDS, o único a participar da eleição, e como os dois não podiam ser
candidatos em uma única legenda, a exemplo do que aconteceu em muitas outras
localidades, a solução era subdividir o partido situacionista. Assim, Rosendo Ribeiro
Filho e Edson Freire Hora (um proprietário de farmácia no município) ficaram no PDS I
e Artur de Oliveira Reis e Antonio Martins de Menezes, um fazendeiro que já tinha sido
prefeito, acomodaram-se no PDS II.O Bole-bole perde pela primeira vez uma eleição. A
explicação para esta derrota é a relação entre Artur Reis com o público urbano, mais
instruído, que crescia na cidade de Lagarto na década de 80. A população da cidade
naquela época era de 52% contra 48% da zona rural (FONSECA, 2002).
O conteúdo elementar da eleição anterior se repetiria acentuadamente nesse
novo pleito: Ribeiro Filho se autodenomina o representante dos pobres, No último
comício da campanha realizado na Praça da Piedade, num emocionante discurso dizia
que “se fosse eleito, construiria a Praça do Bolachão”, uma apologia aos mais
necessitados. Por outro lado, Artur do Gavião vestia a carapuça de candidato dos mais
favorecidos, tendo visto que era apoiado pela maioria das pessoas influentes
economicamente da cidade, onde o mesmo era um grande empresário e bastante
relacionado com pessoas do mesmo patamar, porém pregava o discurso “que Lagarto
voltaria a normalidade” numa ofensiva ao opositor que era acusado de desordeiro e a
sua campanha era, até certo ponto, agressiva, em um dos seus jingles políticos dizia
“agora tá tudo mudado durante essa eleição, é um tal de pinto pelado (referindo-se à
6
Não que esse fenômeno seja irracional por completo. Irracional por não ter embasamento ideológico,
mas somente guiados pela paixão pelos grupos e seus líderes.
calvice de Ribeirinho) correndo com medo do gavião (referindo-se ao apelido de Artur
Reis, Artur do Gavião)”.
Durante o processo eleitoral, todos os ingredientes do fenômeno do clientelismo
estavam presentes em ambas as candidaturas. Nos três últimos dias antes do pleito criase um clima tenso a exemplo do que acontece em todos os pleitos: na cidade espalha-se
o comentário que o um candidato está distribuindo dinheiro e/ou presentes aos eleitores
e isso faz com que o grupo adversário saía à procura desse candidato para impedir tal
atitude, para isso utiliza os mais variados métodos desde furar o pneu do carro que
executará esse serviço ou se apresentar com arma para impedir que o doador distribua
“o presente ao eleitor” (SANTOS, 1999).
Mas o pleito de 1988, o primeiro após o fim efetivo da ditadura militar, traria
alguns elementos novos na política municipal. Uma delas foi o surgimento de
candidaturas tradicionais do Bole-Bole, Ribeirinho e José Viera Filho (PMDB), do
Saramandaia, José Rodrigues dos Santos (Zezé Rocha) e Jerônimo Reis (PFL), surgiram
mais duas candidaturas: Elinos Sabino e Hernani Domingos (PT) e José de Paixão e
Everaldo Gomes (PDT). Era a primeira eleição após a de 1962 que concorreriam mais
de dois candidatos, contudo os candidatos do PT e do PDT não somariam mil votos
diante de um universo composto por mais de 30 mil eleitores. Uma outra foi o
surgimento de mais partidos, além daqueles (MODESTO, 1998).
Tal fato fez existir pela primeira vez no município coligações entre partidos. A
chamada redemocratização do país fazia-se sentir no município, pelo menos se a
considera-la em criação de partidos. Assim, Zezé Rocha encabeçou a Coligação Aliança
Liberal Trabalhista composta pelos partidos PTB, PDC, PL, PFL e PSB; Ribeirinho
estava à frente da Coligação União Progressista Democrática composta pelos partidos
PDS, PJ, e PMDB. Ambas as coligações eram para prefeito e vereador. Desta forma, a
política local viria a conhecer outros partidos além de UDN/PSD, Arena I/II, PDS I/II,
entretanto o peso fundamental era dado pelos partidos aos quais os dois líderes políticos
dos grupos rivais, Ribeiro Filho e Artur Reis, e neles, estavam suas principais lideranças
políticas. Com o tempo, a mudança de alguns nomes e a permanência de outros mostra
como estava sendo lidada a política profissional nessas facções, ou seja, quais
estratégias estavam sendo feitas para conseguirem manter ou conquistar mais mandatos
para os grupos políticos.
A criação das rádios e sua representação política
Além da nova configuração na política em Lagarto, outro fator iria contribuir
para uma mudança significativa na história do município: a chegada das emissoras de
rádio AM e FM7. Um veículo de comunicação importante, pois muitos ainda não tinham
as grandiosas televisões e tendo uma emissora local, podendo transmitir tudo o que
acontece tanto na cidade como no seu interior. Algo que sempre era visto foram os
debates políticos entre as facções políticas Bole Bole e Saramandaia nas praças que
eram os locais escolhidos para tais “eventos”. Todavia, foi em 1983 que o palco das
discussões mudaria; surgiria então a primeira emissora de rádio da cidade, a Progresso
AM (implantada pelo grupo dos Saramandaia) e, no ano seguinte, foi instalada a
Eldorado FM (do grupo Bole-bole). A partir daí, os palanques desses políticos se
estendem às emissoras radiofônicas8.
Voltemos um pouco à história para podermos saber como que esses veículos de
comunicação chegaram ao município e em que contexto eles estavam inseridos. Já no
final da década de 70, um empresário bastante conhecido no município, José Corrêa
Sobrinho, foi comunicado pelo então diretor da empresa Vigorelli informando que o
Ministério das Comunicações tinha colocado Lagarto na lista dos quais poderiam
receber uma emissora de rádio. Para isso, deveria ser formada uma equipe para assim
valer a concorrência, sendo essa equipe formada pelos empresários. Assim, foi pedido
para que além do diretor paulista e o empresário lagartense, fosse formado um grupo
com mais quatro pessoas. E em 1983, surge a primeira rádio da cidade, numa sociedade
formada por alguns empresários, tais como Vanderlan Teixeira de Almeida, Aloisio
Natal da Fonseca, o líder do Saramandaia, Artur de Oliveira Reis e Hernani Romero
Libório. No mesmo tempo em que José Correia montou sua equipe, José Raimundo
Ribeiro, Cabo Zé, procurou também concorrer à uma rádio am, mas perdeu para o grupo
do Saramandaia (MESQUITA, 2012).
Já em 1984, a história muda para o lado do Bole-Bole, até então sem emissora:
surge a primeira emissora FM da cidade, a Eldorado, com Ribeirinho e Cabo Zé no
comando da mesma. Ribeirinho diz que conseguiu a emissora através do então
governador do Estado, Augusto Franco.
7
A diferença entre rádios AM e FM é que a primeira consegue ter um alcance maior, já a segunda é
sujeita a menos interferência causada por ruídos ou emissões de estações de TV, rádio, etc
8
O trabalho monográfico de Mesquita (2012), mostra com mais precisão esse fato importante para a
expansão da mídia em Lagarto/SE.
Logo, com a criação das emissoras de rádios, os grupos políticos Saramandaia e
Bole-Bole que já tinham um grande embate político, partem para a utilização dos seus
veículos de comunicação como forma de dar maior voz aos seus grupos e seus líderes.
Esses veículos têm uma programação mista a qual mescla programação musical com a
jornalística. A emissora Eldorado FM, assim que foi inaugurada, fugiu dos padrões das
FM’s que surgiram na década de 80, que eram estritamente musicais. Nela além de
programas musicais foi inserida também programação jornalística, destacando-se os
comentaristas, que emitiam opinião sobre os mais diversos assuntos. Mesmo assim,
nada impediu de utilizarem suas emissoras para levar às casas dos ouvintes mais do que
programas jornalísticos ou musicais.
A exemplo do que acontece nas emissoras em quase todo o Estado, a
Progresso Am e a Eldorado FM de Lagarto apresentam programas
jornalísticos pela manhã, que duram entre duas e quatros horas.
Nesses programas ao vivo, marcados por uma série de entrevistas e
participação do ouvinte, o clima sempre esquenta, com críticas e relato
de “denúncias” contra o adversário político de cada emissora. Esse
tipo de programa nas rádios foi crucial para eleger e tirar políticos e,
consequentemente, propagar o acirramento da disputa na cidade entre
os dois grupos, Saramandaia e Bole-Bole. (MESQUITA, 2012:38)
A disputa pelas emissoras foi além dos bastidores. O sentimento caloroso que a
política emana em Lagarto toma conta da população fazendo com que eles aumentem
mais ainda esse acirramento entre os grupos. Algo comum que é praticado até os dias
atuais são as “disputas de som”: cada vizinho ouve a sua emissora com o volume mais
alto que puder, numa tentativa de mostrar o poderio político, seja em frente de suas
casas com os carros ligados com o som ou nos bares e praças. “Tem que estar dois, um
ligado na Progresso, o outro na Eldorado, [...] isso é um fato que acontece, ainda hoje,
na política de Lagarto”, conta o político Jerônimo Reis.9
Os locutores das emissoras deixavam bem claro a que grupo
pertenciam e eram efusivos nas discussões. Os insultos e as ofensas
tornaram-se algo comum. Eles utilizavam vários recursos sonoros para
movimentar a disputa nas rádios: músicas, zombarias, trechos de
depoimentos ou conversas gravadas, entre outros. Em 1996, por
exemplo, quando Jerônimo Reis pleiteava o cargo de prefeito de
Lagarto, (o prefeito à época, Cabo Zé), colocava na Progresso músicas
que afirmavam a falta de pagamento do gestor “o nosso adversário,
que hoje é o proprietário da Eldorado, não gostava de pagar. E nós
colocamos na nossa emissora, que é a Progresso, [...] aquela música:
Pague meu dinheiro”. (MESQUITA, 2012:40)
Um fato que com certeza mudou de rumo a política de Lagarto foi a união entre
parte do grupo Bole-Bole, na pessoa de Cabo Zé com o Saramandaia para as eleições de
9
Ver MESQUITA (2012)
2012, tudo isso, como estratégia política para enfrentar o então prefeito Valmir
Monteiro que tinha apoio da outra parte do Bole-Bole, a vice do mesmo viria a ser
Luiza Ribeiro, filha do “velho guerreiro” Ribeirinho, e sua outra filha Acácia Ribeiro,
candidata a vereadora. Nas emissoras, a facção do Bole-Bole liderada por Cabo Zé
apelidava o irmão de ‘Bole-Bole do Paraguai’10.
Todavia, como mostra Mesquita (2012), apesar dessa união de Cabo Zé e o
Saramandaia, houve situações difíceis para o Cabo Zé; foi acusado por Valmir Monteiro
de fazer propaganda política para o Saramandaia, fato que é ilegal de acordo com o
Código Brasileiro de Telecomunicações:
Nenhuma estação de radiodifusão [...] poderá ser utilizada para fazer
propaganda política ou difundir opiniões favoráveis ou contrárias a
qualquer partido político, seus órgãos, representantes ou candidatos,
ressalvado o disposto na legislação eleitoral. (Código Brasileiro de
Telecomunicações, capítulo V, § 6º. Art. 47)
Com esta união entre o Bole-Bole Cabo Zé e o grupo do Saramandaia, pode-se
supor que essa nova junção totalmente inesperada viria a representar o enfraquecimento
da acirrada disputa entre os atores tradicionais dos grupos Bole-Bole e Saramandaia. Na
tentativa de se manter no poder, os atores políticos, desgastados pelo tempo, buscam se
aliar a novos personagens, como formas de estratégias políticas. Todavia, não significa
que seja o fim das facções. Muito pelo contrário, o cotidiano da política sobrevive a
partir de novas configurações, pois não se trata de ideologia, mas sim do “aqui” e do
“agora”: como se manter no poder agora; como fazer com que eu possa me reeleger ou
eleger um aliado que me trará prestígio e poder político.
Considerações finais
Conforme a proposta apresentada, o artigo trouxe a realidade das facções
políticas no município de Lagarto-SE e como elas conseguem se manter através da
utilização de suas emissoras de rádios. O cotidiano da política não existe somente no
período eleitoral; os grupos políticos sempre estão em busca de formas para
continuarem vivos e expostos no dia-dia do município, mantendo assim a identidade
faccional tanto de seus integrantes como também do resto da população.
Logo, no momento em que as facções políticas deixarem de ter uma efetiva
participação no cotidiano da política, necessariamente as emissoras também deixarão de
10
Ver MESQUITA (2012).
terem o mesmo espaço. Para isso acontecer, somente com o passar do tempo e uma
maior consciência democrática e a necessidade do “novo” e da “mudança” que vem
surgindo a cada eleição, e com o surgimento de novos atores políticos. Mas isso só
poderá acontecer quando as principais famílias políticas do Estado não tiverem mais
como se sustentarem politicamente.
Bibliografia
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MESQUITA, Jefferson. Radiodocumentário Progresso Am E Eldorado Fm:
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Departamento de Ciências Sociais, Centro de Educação e Ciências Humanas.
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