Fevereiro| 2014
As contas externas brasileiras em 2013: separando o econômico e o contábil
Ao final de mais um ano, com suas estatísticas consolidadas, temos uma excelente oportunidade para avaliar a trajetória da economia, focando nos
grandes movimentos e deixando um pouco de lado os ruídos de curto prazo. Nesse sentido, no último dia 24 soubemos o resultado das contas externas brasileiras
de 2013, que mostraram deterioração em relação a 2012. O objetivo desse Comentário Macroeconômico é analisar o comportamento das contas externas
brasileiras em 2013, com o cuidado de separar as questões econômicas, daquelas meramente contábeis, que ganharam relevância naquele ano. Embora o fator
contábil seja reconhecido, as análises disponíveis têm sido feitas sem o devido ajuste.
Isto dito, comecemos pelos ajustes contábeis. Isso é fundamental para se avaliar corretamente a verdadeira dinâmica econômica das contas externas
brasileiras. Nesse sentido, o primeiro aspecto a se ressaltar é uma alteração no prazo para a entrega da documentação relativa à importação de petróleo e
derivados, que implicou um atraso na contabilização dessas compras. O resultado disso foi um registro atrasado de importações em 2013, que deveriam ter sido
executadas em 2012, no valor de US$ 4,6 bilhões. Em outras palavras, por um efeito meramente contábil, o resultado das contas externas de 2012 foi
artificialmente favorecido, a expensas do saldo de 2013. Note-se, contudo, que essa operação também afetou o PIB nominal em dólares do Brasil, tornando-o
maior em 2012, mas menor em 2013. O segundo aspecto, que atua no sentido contrário, diz respeito às exportações “fictas” de plataformas de petróleo, no âmbito
do regime Repetro1. Sob esse regime, existe um registro de exportação de plataformas, embora as mesmas nunca tenham saído do território brasileiro2. Vale
destacar que essa é uma operação perfeitamente legal, instituída desde 1999, mas que era menos utilizada anteriormente e foi bastante relevante no último ano.
Em 2012, por exemplo, esse tipo de exportação somou US$ 1,5 bilhão, enquanto em 2013 foram contabilizados US$ 7,7 bilhões. Vale dizer, essa é uma operação
neutra do ponto de vista do PIB, afinal, esse montante que é registrado como exportação deixa de ser contabilizado como deveria, ou seja, investimento. Isso dito,
toda a discussão que se segue será feita sobre os resultados “ajustados”, ou seja, excluindo efeitos meramente contábeis.
Uma primeira questão interessante é saber até que ponto o resultado do saldo em transações correntes foi uma surpresa ou não. Sobre isso, o que se nota
é que o mercado (nós inclusive) foi bastante surpreendido com o resultado de 2013. Segundo a pesquisa Focus do Banco Central, ao final de 20123 a mediana das
projeções apontava para um déficit em conta corrente da ordem de US$63 bilhões em 2013, o que, implicitamente4, significava um déficit como proporção do PIB
igual a 2,7% - ligeiramente mais alto que os 2,4% oficialmente reportados em 2012, mas estável em relação ao saldo ajustado. O resultado efetivo e ajustado, no
entanto, foi um déficit de US$85 bilhões, equivalente a 3,8% do PIB. Portanto, não só o déficit como proporção do PIB foi alto (pior número desde 2001), como
também representou uma surpresa relevante, de pouco mais de um ponto percentual, e um avanço substancial em relação ao resultado do ano anterior.
%YoY
Exportações
Importações
Oficial
-0,2%
7,4%
Valor
Ajustado
-2,8%
3,2%
Quantidades
Ajustado
Oficial
0,4%
3,1%
4,4%
8,6%
Observe-se que aproximadamente 60% do avanço no déficit em conta corrente se deve à piora do saldo comercial. Segundo os dados oficiais, saímos de
um superávit de US$ 19,4 bilhões em 2012, para US$ 2,6 bilhões. Os números ajustados, contudo, mostram um déficit de US$ 0,6 bilhão em 2013 (vs. US$ + 13,3
bilhões em 2012). Ao contrário do que se poderia concluir da análise direta dos números oficiais, isso foi resultado tanto do avanço de 3,2% nas importações,
quanto da queda de 2,8% nas exportações – a corrente de comércio ficou estagnada. Embora a queda de preços ajude a explicar parte desse movimento, a maior
parte (65%) advém de uma redução das quantidades exportadas liquidamente. No que toca às importações, apesar do fraco crescimento da demanda doméstica,
estimamos que o quantum importado tenha avançado 4,4% em 2013. A quantidade exportada, por sua vez, cresceu apenas 0,4%. Poder-se-ia argumentar que o
fraco desempenho do quantum exportado pelo Brasil foi resultado de uma demanda externa excepcionalmente fraca. É de se notar, contudo, que as quantidades
exportadas em termos mundiais5 cresceram, em média, 2,4% no acumulado até novembro (último dado disponível), desempenho, portanto, substancialmente
melhor que o brasileiro. Se nos compararmos às economias emergentes, cuja quantidade exportada cresceu 3,9%, o quadro é ainda mais desfavorável. Em outras
palavras, as exportações brasileiras perderam participação real no comércio mundial – a propósito, como discutido no nosso último Comentário sobre o setor
externo6, essa tem sido a regra nos últimos anos. Ademais, é importante notar que isso ocorreu a despeito da contínua desvalorização do câmbio real multilateral
nos últimos dois anos (12% em 2012 e 7% em 2013).
Fevereiro| 2014
Isto dito, embora a redução do saldo comercial seja, isoladamente, o fator mais relevante para explicar a expansão do déficit em transações correntes,
também observamos deterioração nas contas de serviços e rendas, que em conjunto mostraram um déficit 14% mais elevado. Especificamente, a balança de
serviços saiu de um déficit de US$ 41 bilhões em 2012 para um resultado negativo de US$ 48 bilhões no ano seguinte. A conta de rendas, por sua vez, partiu de um
déficit de US$ 35 bilhões para US$ 40 bilhões em 2013.
Outro aspecto negativo diz respeito ao financiamento desse déficit. Como os influxos de investimento estrangeiro direto (IED) se mantiveram, grosso
modo, estáveis (US$ 65 bilhões em 2012 e US$ 64 bilhões em 2013) e o saldo em conta corrente piorou, isso significou uma redução da parcela do déficit em conta
corrente capaz de ser financiado por esse tipo de recurso. Em 2013 o IED cobriu 79% do nosso déficit, proporção substancialmente menor que os valores
observados nos anos anteriores (≈ 120%). Qualitativamente, o IED é visto como uma forma de financiamento mais saudável, pois se trata de um fluxo mais
estável se comparado com outras modalidades como, por exemplo, ingressos para bolsa ou títulos. Além disso, a própria composição do IED em 2013, com menos
investimento em participação no capital e mais empréstimos intercompanhia, foi qualitativamente pior. Isso pode se tornar particularmente importante em um
contexto de menor liquidez, como deve ser o caso neste ano, em linha com a normalização monetária nos EUA e uma piora na percepção global sobre os
fundamentos da economia brasileira.
Em suma, corrigidos os problemas contábeis, 2013 foi um ano marcado por um substancial avanço do déficit em transações correntes do Brasil e
estagnação da corrente de comércio. Ademais, esse resultado se deu com semi-estagnação da quantidade exportada e continuidade da perda de participação
real do Brasil nas exportações mundiais, a despeito de toda a desvalorização cambial ocorrida. Nesse contexto, o avanço nas quantidades importadas reflete não
só um problema de competitividade, mas, principalmente, os incentivos à demanda numa economia que opera próxima do pleno emprego7. O foco, portanto,
precisa estar em políticas que enfrentem as restrições de oferta do país.
Daniel Machry Brum
Economista do Opportunity e Mestre em Economia pela PUC-Rio.
1
2
Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de bens destinados à exploração e à produção de petróleo e gás natural.
Esse tipo de operação funciona como se houvesse uma venda de plataformas à não-residentes e pagamentos subsequentes de aluguel pelo uso das mesmas. No curto prazo, contudo, o montante pago em alugueis é
substancialmente menor que aquele recebido via exportação.
3
As conclusões são idênticas se utilizarmos as projeções feitas em 31/01/2013, quando já era conhecido o resultado final de 2012.
4
Para o PIB nominal em dólares utilizamos a mediana das expectativas para o crescimento do PIB, do IPCA e do câmbio médio.
5
Dados do Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis (CPB).
6
Brum, D. (maio, 2013). “A deterioração recente nas transações correntes brasileiras”. (http://www.opportunityasset.com.br/documentos/PDF_Comentario/cm201305.pdf)
7
Por exemplo: Alves, S.; Correa, A. (2013). “Um Conto de Três Hiatos: Desemprego, Utilização da Capacidade Instalada da Indústria e Produto”. Trabalhos para Discussão, n. 339, Banco Central do Brasil.
(http://www.bcb.gov.br/pec/wps/port/TD339.pdf)
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