Entrevista com o Administrador‐Delegado do Porto Grande, Jorge Maurício Farol das Ilhas ‐ O Porto Grande (PG) comemora 50 anos de vida no dia 3 de Maio. Este porto tem sido uma infra‐estrutura essencial para a economia de Cabo Verde e de S. Vicente, em particular? Jorge Maurício ‐ Positivo, se calhar uma das melhores ferramentas económicas desta ilha. Se recorrermos à história, desde que foi construído o cais acostável de S. Vicente, por insistência do dr. Adriano Duarte Silva, a ilha deu uma nova arrancada. Podemos dizer que o porto conduz a economia de S. Vicente. FI ‐ Mas o PG sofreu muitas oscilações ao longo da sua história. Como é que estes altos e baixos influenciaram o crescimento da actividade portuária e da economia em S. Vicente? JM ‐ Essas oscilações tiveram impactos negativos, daí a importância que damos ao papel que o Porto Grande desempenha na estabilidade económica e social da cidade do Mindelo e mesmo da ilha de Santo Antão. Na altura da mudança de combustível, do carvão para o óleo fuel, com a fuga dos navios para os portos de Las Palmas e Dacar, perdemos parte considerável do tráfego, o que teve efeitos directos na vida das pessoas. FI ‐ Como caracteriza a situação actual do Porto Grande? Acha que já retomou a sua linha de desenvolvimento? JM ‐ Somos uma organização sólida, neste momento. Penso que o porto está a retomar o seu caminho. Se formos ver as coisas na perspectiva apenas dos números, se calhar, já retomámos ao nível do tráfego. Em termos quantitativos, temos muito mais tráfego de navios, de passageiros e de cargas, mas, talvez, em termos proporcionais, a influência do porto na vida dos Mindelenses foi muito maior no passado. FI ‐ Porque acha isso? JM – Antes, a ilha praticamente não tinha nada, as alternativas de emprego eram escassas e a vida das pessoas gravitava, com mais intensidade, em torno da actividade do porto. Agora temos uma ilha com mais de oitenta mil habitantes e o tecido económico, hoje, tem outra capacidade de contribuição para o PIB e o desenvolvimento económico. No entanto, para assegurarmos o factor retoma, teríamos de estar a produzir, pelo menos, mais de um milhão de toneladas de mercadorias por ano. FI ‐ E onde estamos neste momento? JM ‐ Estamos a cerca de oitocentas mil toneladas de mercadorias, ou seja, quase lá. Quanto ao movimento de contentores, era desejável que estivéssemos acima das cinquenta mil unidades‐
ano, mas estamos sensivelmente a metade desse valor, o que é muito pouco para as metas definidas. Por isso é que, se voltarmos um bocado atrás e falarmos da proporcionalidade, não ouso dizer que retomámos, mas os números, por outro lado, revelam que crescemos. FI ‐ Este crescimento é fruto apenas de empenhamento da ENAPOR ou significa que o tecido empresarial se tornou mais agressivo? JM ‐ As duas coisas. O porto cresceu com a cidade e vice‐versa. Não sabemos quem cresceu mais com quem. Neste momento, estamos bem posicionados e temos margem de progressão. Temos um futuro promissor em termos de gestão e do factor porto na economia do Mindelo. Concorrência feroz FI ‐ Como é que avalia a intervenção da concorrência directa nas perspectivas de crescimento do Porto Grande? JM ‐ A concorrência de Las Palmas e Dacar é feroz. Temos de fazer um esforço enorme para concorrermos com eles tanto ao nivel dos preços como das facilidades portuárias, ou seja, das infra‐estruturas essenciais para os tráfegos que nós operamos. Isto tem de ser um trabalho consciente, focalizado no interesse legítimo dos nossos clientes. Temos de continuar a fazer o nosso trabalho de marketing nos sectores em que estamos mais focalizados e que são os cruzeiros, as pescas e o transbordo. Temos efectuado um trabalho criterioso para o desenvolvimento destes tráfegos e isto fez com que, nos últimos dez anos, mais que duplicamos o tráfego portuário. FI ‐ Colocando a questão no sentido inverso: o Porto Grande tem estado a preocupar Las Palmas e Dacar? JM ‐ Sem dúvida, principalmente no mercado de transbordo de contentores. No ano passado, fizemos uma análise de mercado para sabermos a nossa posição em relação aos nossos concorrentes directos. Ainda estamos relativamente atrás por falta de infra‐estruturas adequadas ao transbordo e por falta de cais com profundidade de, pelo menos, ‐14 m, embora o desejável seja ‐16 ou ‐17. Temos a noção clara das nossas fraquezas, mas também das nossas forças e oportunidades. O antes e o depois de 1961 FI ‐ Que comparação pode fazer entre o antes de 1961, data da inauguração do Porto Grande, e o depois? JM ‐ Antes de 1961, as operações portuárias e toda a movimentação de cargas eram feitas sem quaisquer tipos de infra‐estruturas. Havia uma baía abrigada, mas sem um cais acostável. Depois de 1961, houve algumas datas interessantes na vida do PG. Para começar, o ano de 1975, pois a Independencia Nacional permitiu a mudança de gestão da Junta Autónoma dos Portos da antiga colónia para o Estado de Cabo Verde; em 1982, a criação da ENAPOR, EP, ou seja a transformação da Junta em Empresa Pública; em 1997, fizeram‐se as obras de expansão do Porto (o terminal de contentores e o terminal de cabotagem); em 2001, a Enapor foi transformada em sociedade anónima, o que nos permitiu dar um salto considerável. Passámos a ter um novo figurino orgânico, o Porto Grande ganhou outra dinâmica, passou de Direcção para Administração, com competências delegadas, fortemente baseadas na descentralização de poderes. Isto lançou‐nos outros desafios nos mercados que definimos como prioritários. Os grandes desafios obrigam a grandes investimentos; por isso, elaboramos grandes projectos que vão garantir o suporte do desenvolvimento da nossa actividade. No que diz respeito ao pescado, estão a ser criadas condições para as infra‐estruturas de frio; de resto, temos as condições necessárias para atacar esse tráfego, que já é significativo no PG. Em 2010, tivemos 335 escalas de navios de pesca e batemos o recorde. Mesmo nos tempos áureos, nunca houve esse registo. Ao nivel dos cruzeiros, estamos a preparar a construção de um terminal dedicado apenas a este tráfego, no cais da ex‐Interbase. O projecto inclui ainda a requalificação de toda a área terrestre, para permitirmos uma maior interacção entre Mindelo e o Porto Grande. Em relação ao transbordo, estamos a desenvolver um dos maiores projectos dos portos de Cabo Verde, que é a construção de um terminal de transshipment de contentores, no Lazareto. O projecto está em curso, estamos na montagem comercial e na busca de um parceiro forte. A questão, mais que financeira, é comercial: precisamos de um armador com carga capaz de materializar o projecto, com base numa parceria com a Enapor. Aliás, 2006 também fica na história do Porto Grande, pois ocorreu o primeiro transbordo de contentores de uma companhia à escala global. Pela primeira vez, passámos a ter escalas regulares de uma global carrier e passamos a estar integrados numa rede mundial de transporte marítimo. Em 2008, foi o auge ‐ é o melhor ano de sempre na vida do PG. Registámos um “boom” em termos de passageiros, de navios e de cargas. Mas, 2004 foi também uma data assinalável porque conseguimos preencher todos os requisitos para a certificação do PG no âmbito do código de segurança ISPS‐Code. E, em 2011, concretizámos outro projecto essencial na área de segurança, que é a montagem do scanner portuário. FI ‐ Que mensagem deixa aos funcionários? JM ‐ É uma mensagem curta: quando somos profissionais, contribuimos para o sucesso do porto. O sucesso do porto implica a satisfação do cliente; ao fazermos isso, estamos a garantir a sustentabilidade do sistema portuário e a contribuir para a prosperidade da cidade do Mindelo. 
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