n. 171, 24 de agosto de 2010. Ano IV.
"para adorar por muito tempo um teorema, não basta a fé, é preciso ainda uma polícia"
(albert camus).
política como propaganda
Junto à futura mãe dos “filhos” do presidente, do agente de saúde com cara de coveiro e da pastorinha ecológica
chegaram as deslumbrantes figuras que concorrem democraticamente aos cargos legislativos federais e estaduais.
Todos fichas-limpas, a favor da saúde-educação-e-segurança, recheados de retórica — palavra que muitos
desconhecem —, apresentam-se ao mercado eleitoral, regrado pelo voto obrigatório, na variedade de uma megastore.
Segue o famijerado 1-7-1!
nome aos bois
Alguns deles, imperdíveis são: o Rosana Star, “que nunca esteve no armário”; o Tiririca, “pior que tá não pode ficá”; os
fiéis: Marcelinho Carioca e Vampeta; os pastores, missionários e filhos de celebridades do rádio e da televisão; um
reconhecido espancador de mulheres ao lado de feminista juramentada; os estilistas de moda; os clássicos:
advogados, médicos, policiais, estudantes preparados pelo movimento estudantil, e professorinhas; os representantes
por cotas; os chefes das clientelas; os socialistas repaginados; os líderes de torcidas uniformizadas e um outro tantão
de mortos-vivos ao lado dos inocentes preferenciais. E assim, se passarão mais 4 anos, até o próximo shopping
eleitoral. Chamam a isso de exercício da cidadania, política como propaganda e seu produto. Tem gente que acredita
nisso, junto ou ao lado dos que creem em tanta coisa!
e o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais...
Os analistas políticos, enquanto isso, oscilam entre o ramerrame sobre qual o melhor produto presidente da
república, a esperada indignação pela ausência de cultura cívica, as correções aos erros propositais dos candidatos
aos executivos nos debates televisivos, e um enche saco interminável em seus respectivos blogs. Explicitam que
eles servem à encenação midiática. Em uma época conservadora, a ciência política e o jornalismo político são as
suas expressões da moralidade reiterada em programas, páginas de jornais, teledebates e espalhadas como xepa
de feira à classe média escolarizada e conectada. A novidade eleitoral, à imagem de Obama, são os usos
insaciáveis dos blogs, twitters, comunidades eletrônicas para o seu cordão de seguidores.
resistências?!
Onde estão? Fazendo denúncias no Ministério Público, em delegacias especializadas, em Conselhos disto e daquilo
na “melhor” das ONGs? Confortáveis na prática do voto nulo, sem questionarem a obrigatoriedade imposta desde a
ditadura militar, encenando datas cívicas de oposição? Estabelecidos em sua função organizativa? Ataundo em
parcerias nas favelas? Cursando e traçando caminho para virar celebridade em qualquer protesto circunstancial?
Vomitando doutrinas emboloradas? Alimentando dispositivos de transparências e monitoramentos, escudados na
máxima: politizar as tecnologias e os cidadãos? Amantes da moral do escravo exercitam os pré-requisitos para se
tornarem celebridades resistentes e instantâneas, até estarem qualificados para serem capturados.
palavras
Londres, 1812. Na cadeia, um jovem de 18 anos decidiu reunir as palavras e expressões corriqueiras no linguajar
dos presos em um pequeno dicionário que chamou de vulgar. É o primeiro registro escrito que se tem da palavra
slum — em português, favela — então anotada como sinônimo de troca desonesta, própria da esperteza do
malandro. Alguns anos depois, quando a Inglaterra foi assolada pelo cólera, as campanhas sanitaristas e os
sermões religiosos redimensionaram a palavra. Nesse momento, ela já não descrevia uma ação, mas um lugar.
Slum passou ao discurso científico como “cômodo onde se fazem transações vis” e, em pouco tempo, já designava
bairros inteiros identificados como um amálgama de pobreza, vício, doença e crime, diagnosticados como um
“resíduo social turbulento e incorrigível”. O direito encerrou o assunto: traduziu Slum por estelionato e deu forma a
isso como um-sete-um.
palavras 2
Leblon, Rio de Janeiro, 2010. No último final de semana, aconteceu mais uma edição do Favela Chic. DJ´s famosos,
artistas, playboys e patricinhas comemoraram pela décima vez a adaptação brasileira do movimento londrinoparisiense que reúne “o melhor da música e da estética das favelas cariocas” em uma mistura de bar, restaurante,
circo e bordel, segundo o próprio site britânico. Os realizadores dizem que a favela está perfeitamente integrada ao
circuito cultural contemporâneo e aguardam ansiosos para mostrar isso na Copa do Mundo de 2014. Para isso,
sabem que não estão sozinhos: ONG´s, empresas e associações de moradores se articulam em negociações para
garantir o rateio dos lucros de pequenos e grandes eventos. As turbulências ficaram relegadas às disputas entre os
“donos do morro” — sejam eles policiais, traficantes ou milicianos — interessados no controle do local. De toda
forma, a pacificação emerge como palavra de ordem e, agora, já não basta ser favela-bairro ou simplesmente
comunidade, tem que estar in, tem que ser chic.
1968, 2010
O bloco de apartamentos conhecidos como Villeneuve — abrigo de estudantes e militantes que ocupavam as ruas
da França em 1968 para lutar contra o governo e experimentar outros modos, liberados, de se fazer política —
construído na década de 1960, em Grenoble, tornou a ser o alvo privilegiado do investimento policial francês.
Constituído hoje não mais por estudantes, mas sim por estrangeiros e filhos de imigrantes, o conjunto de
apartamentos voltou a ocupar destaque nos jornais após os embates recentes entre os seus moradores e policiais,
conflito que culminou em algumas viaturas incendiadas e prisão de dezenas de jovens.
romper o silêncio
Após o rescaldo do conflito em Grenoble, o governo francês anunciou a implementação de uma nova política de
imigração, que determina, entre outras medidas, a expulsão para Romênia e Bulgária de ciganos que vivem em
chamada situação irregular no país e a proposta de que estrangeiros que sejam acusados de alguma atividade
considerada criminosa tenham sua cidadania sumariamente retirada. A corrente conservadora em relação aos
imigrantes na França continua crescendo e com o consentimento silencioso de grande parte de Partidos,
intelectuais e militantes de esquerda, que não se opõem diretamente à política de imigração com o receio de se
enfraquecerem para a disputa das próximas eleições. Onde estarão aqueles que gritaram contra o governo em
1968? E hoje, quem ainda possui gana e coragem para romper este silêncio insuportável?
"a vida é gloriosamente impura. a vida erra" (hakim bey).
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