CAPITAL SOCIAL EM DISCUSSÃO: QUAL TEM SIDO SUA ABORDAGEM NO
ÂMBITO DOS PERIÓDICOS RELACIONADOS À GESTÃO PÚBLICA SOB A LUZ
DOS ENFOQUES PARADIGMÁTICOS DA TEORIA ORGANIZACIONAL
Autoria: Gustavo Leonardo Simão, Bruno Tavares
RESUMO
O capital social tem cada vez mais estado presente no arcabouço das discussões
relacionadas a gestão pública. Contudo, distintas são as visões paradigmáticas do seu uso.
Objetivou-se analisar sob quais enfoques tem sido empregado e quais as definições adotadas a
respeito do conceito no âmbito das produções científicas relacionadas a administração pública
no período de 2009 a 2012. Intentou-se também sumarizar as similaridades das distintas
visões do conceito com os paradigmas organizacionais. Verificou-se com relação ao primeiro
a predominância da sociologia econômica e do funcionalismo estrutural e que sobrepostos a
teoria organizacional evidenciam a preponderância do funcionalismo e do interpretacionismo.
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1. INTRODUÇÃO
O termo capital social tem cada vez mais estado presente no arcabouço das discussões
científicas nas pesquisas das ciências sociais aplicadas. Nesse sentido, as discussões
relacionadas à implementação de políticas públicas, desenvolvimento local, redes sociais,
questões inerentes ao contexto da gestão pública não ficam de fora. Contudo, os fundamentos
teóricos do conceito de capital social ainda geram discussões, haja vista, não existir um
consenso acerca de sua definição. Sendo assim Sholz (2003) defende que os atuais conceitos
podem ser alocados em quatro grandes seguimentos, que podem ser classificados como
paradigmas do capital social.
Como Morgan (2005) já apontava que a teoria social de modo geral poderia ser analisada
em termos de quatro amplas visões de mundo, onde cada uma dessas visões representaria uma
posição metateórica sobre a natureza da sociedade. Tentou-se nesse ensaio verificar as
similaridades dos paradigmas do conceito de capital social à luz dos paradigmas da teoria
social, que particularmente foram mais trabalhados no âmbito das organizações.
Este ensaio tem então por objetivo analisar sob quais enfoques tem sido empregado e
quais as definições adotadas a respeito do conceito de capital social no âmbito das produções
científicas da administração pública externalizadas nos periódicos de excelência da área,
publicados entre 2009 a 2012. Além disso, buscar-se-á fazer uma amarração dos conceitos
identificados com os paradigmas da teoria social, também analisados de forma particular
como paradigmas da teoria organizacional. Para isso, estruturou-se esse artigo nessa breve
introdução seguida de uma discussão acerca dos paradigmas de capital social e suas
similaridades com os paradigmas da teoria organizacional, posteriormente teve-se uma
explicitação acerca dos procedimentos metodológicos empregados. Finalmente, se discute as
implicações dos resultados alcançados.
1. OS PARADIGMAS NO CONTEXTO DA TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES
O conceito de paradigma relacionado ao estudo das organizações foi inicialmente
trabalhado por Burrell & Morgan (1979). Segundo esses autores, os paradigmas são como
visões de mundo partilhadas por uma dada comunidade de cientistas. Segundo Morgan
(2005, p. 60) em termos de análise das organizações poderiam ser sumarizados quatro amplos
quadros de referência (ver Figura 1) ao qual representam as posições metateóricas sobre a
natureza dos estudos relacionados às organizações de forma particular e também aos estudos
da teoria social de forma geral.
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SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL
PARADIGMA DO ESTRUTURALISMO
PARADIGMA DO HUMANISMO
RADICAL
RADICAL
Características: enfatiza
a mudança
estrutural da sociedade. Defendendo o fato de
que a mudança radical deve ocorrer na
natureza e na estrutura da sociedade
contemporânea. Focaliza a análise das
estruturas de poder e de classe.
Correntes nas ciências sociais
e nos
estudos organizacionais: teorias críticas
inspiradas no marxismo e no estruturalismo.
SUBJETIVIDADE
Correntes nas ciências sociais e nos
estudos organizacionais: teorias críticas Metáfora: Arena política
inspiradas
no
anarquismo,
no
acionalismo,
na
dialética e
na
psicossociologia.
Metáfora: Prisão psíquica
PARADIGMA INTERPRETATIVO
PARADIGMA FUNCIONALISTA
OBJETIVIDADE
Características: busca desenvolver uma
sociologia da mudança radical. Enfatiza
os fenômenos da alienação e da falsa
consciência, buscando a emancipação
humana. Vê a criação da realidade
influenciada por processos psíquicos e
sociais. Dá grade importância à
consciência humana, vendo o indivíduo
como sujeito da história.
Características: explica o mundo social da
mesma forma que o natural, buscando
produzir conhecimento científico útil.
Enfatiza a manutenção do status quo:
equilíbrio,
integração
social,
ordem,
estabilidade. Para o paradigma funcionalista a
sociedade tem existência concreta. Predomina
neste paradigma uma concepção sistêmica e
sincrônica do mundo social orientada para
Correntes nas ciências sociais e nos consecução de objetivos.
estudos
organizacionais:
fenomenologia,
hermenêutica, Correntes nas ciências sociais
e nos
etnometodologia
e
interacionismo estudos organizacionais: administração
clássica, burocracia e teoria de sistemas.
simbólico.
Características: busca compreender o
mundo como ele é. Coloca ênfase na
compreensão da realidade social, de
forma a entender a sua natureza,
considerando a subjetividade. Para este
paradigma, o mundo social é criado pelos
indivíduos e por isso é importante
entender a essência da subjetividade.
Metáfora: Texto, jogos de linguagem.
Metáfora: Máquina, organismo, cultura.
SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO
Figura 1 – Paradigmas e suas características no contexto de análise organizacional
Fonte: BURREL, G. & MORGAN, G. Sociological Paradigms and Organizational Analysis.
1. ed. Londres, 1979; MORGAN, G. Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na
teoria das organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n.1, São Paulo, 2005.
Segundo Andion (2012) tais formulações fazem referência à natureza da ciência (objetiva
ou subjetiva); a realidade social (regulação ou mudança social) e à natureza humana
(determinista ou não determinista). Dessas formulações especificas que são elucidadas as
diversas correntes de pensamento presentes na teoria dos estudos organizacionais, quais
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sejam: o funcionalismo, o interpretativismo, o humanismo radical e por fim mais não menos
importante o estruturalista radical.
O paradigma funcionalista, localizado na parte inferior (sociologia da regulação) do lado
direito (objetividade) da Figura-1, é o paradigma hegemônico até hoje no campo dos estudos
organizacionais (CALDAS, 2005). Segundo Burrel & Morgan (1979, p. 26), este paradigma é
caracterizado por uma preocupação para fornecer explicações sobre o status quo, a ordem
social, consenso, integração social, com uma precisa satisfação na realidade. Sendo que todas
essas preocupações são abordadas em uma concepção que tende a ser realista, determinista,
positivista e nomotética. Em suma, o funcionalismo pauta-se por uma ordem estabelecida
num quadro institucionalizado e no processo social de estabilidade, controle e equilíbrio
(BERTERO, 1975).
Mesmo com a hegemonia do funcionalismo, Vergara & Caldas (2005) ressaltam que o
paradigma interpretativista vem crescendo desde o final da década de 1970 no campo dos
estudos organizacional. Este paradigma segundo Novais & Gil (2009, p. 139) parte do
princípio de que a realidade social não existe em termos concretos, e sim como um produto
das experiências intersubjetivas das pessoas. Onde as mesmas constroem e mantêm
simbolicamente a realidade. Pressupõe-se que o mundo social é criado pelos indivíduos, assim
os fenômenos sociais tem por referência a visão do participante e não do observador.
Quanto ao paradigma humanista radical este, da mesma forma que o paradigma
interpretativista, também enfatiza a realidade socialmente construída. Contudo, nas palavras
de Morgan (2005), essa perspectiva é baseada na visão de que o processo de criação da
realidade pode ser influenciado por processos físicos e sociais que canalizam, restringem e
controlam a mente dos seres humanos. Ou seja, parte-se do pensamento de que a consciência
do homem é dominada pelas superestruturas com as quais ele interage de maneira a aliená-los
em relação às potencialidades inerentes à sua verdadeira natureza de serem humanos. Seu
quadro de referência tem, portanto, uma perspectiva nominalista, anti-positivista, voluntarista
e ideográfica, pautando-se por exaurir ou transcender todas as limitações existentes nos
arranjos sociais (BURREL & MORGAN, 1979).
Por fim, o paradigma estruturalista radical está focado na visão de sociedade como uma
força potencialmente dominante. Todavia, diferentemente do humanista radical tem por visão
uma concepção materialista do mundo social, definido por estruturas sólidas, concretas e
ontologicamente reais (MORGAN, 2005).
Conforme se percebe na Figura-1, cada segmento paradigmático possui características que
lhes atribuem suas diferentes distinções, que iram, pois, configurar as correntes dos estudos
organizacionais. Além disso, Morgan (2005) faz alusão ao conceito de metáforas como
importante instrumento à compreensão dos estudos organizacionais, que apesar da sua
importância ao entendimento das organizações não serão objeto de análise e discussão no
presente estudo.
2. OS MÚLTIPLOS CONCEITOS DE CAPITAL SOCIAL: UMA VISÃO
PARADIGMÁTICA
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O termo capital social tem cada vez mais estado presente no arcabouço das discussões
científicas nas pesquisas das ciências sociais aplicadas, notavelmente no contexto das
discussões acerca da implementação de políticas públicas.
Todavia, sua utilização tem sido empregada para descrever desde conceitos da vida social
que perpassam a organização informal, confiança, cultura, apoio social, troca social, recursos
sociais, contratos relacionais de imersão, redes sociais e redes interfirmas. Diante da
amplitude de formas as quais o termo referência, inúmeras são as definições teóricas para o
mesmo (ver Figura 2). Desse ponto, relembra-se as afirmações de Hirsch & Levin (1999),
onde se postula que conceitos em que as áreas acadêmicas não chegam a um consenso teórico
devido a grande “empolgação emergente” são classificados como conceitos guarda-chuva.
Nesse sentido, alguns autores já alertam para possíveis problemas de aplicação do conceito
diante dos vários usos que o mesmo vem tendo, a esse respeito Hean et al. (2002) ressalta que
o acúmulo de literatura sobre capital social começou a obscurecer a compreensão do conceito,
inclusive sendo usado por vezes com definições contraditórias.
Coleman
Bourdieu
Lin
Granovetter
Putnam
Fukuyama
Definições de Capital Social
Refere-se a uma variedade de entidades que têm duas características em comum: todas
consistem em algum aspecto de uma estrutura social e facilitam certas ações de indivíduos
que estão nesta estrutura. Além disso, defende o capital social como meio para a aquisição
de outras formas de capital, tais como o humano e o físico. (1988)
È o agregado dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede
durável de relações mais ou menos socializadas de conhecimento mútuo e de
reconhecimento. Em que a participação nessa rede fornece aos membros uma “credencial”
que lhes dá direito a um crédito junto a seus pares (1986).
Recurso incorporado numa estrutura social e que é acessível ou pode ser mobilizado
mediante uma ação intencional (2001).
Existe uma sociabilidade intragrupal que através dos laços fortes e de um “fechamento”
das relações sociais, caracterizaria o capital social. Este constituirá um recurso essencial
para a ação coletiva local (1985).
Diz respeito a características da organização social, tais como a confiança, normas e
sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando assim as
ações coordenadas. O capital social é composto por normas sociais e de estruturas que
garantem que as pessoas evitem comportamentos de maximização da utilidade em
detrimento dos objetivos coletivos (2006).
Define o conceito como a simples existência de certo conjunto de valores informais ou
normas partilhadas entre os membros de um grupo ou comunidade que permita a
cooperação entre eles (2002).
Figura 2 – Quadro conceitual com as principiais definições de capital social
Como se observa na Figura-2 existem métodos analíticos e diferentes epistemologias
teóricas com relação ao entendimento do termo capital social. Com relação a essa amplitude
de definições, por vezes, apontando para uma ambiguidade teórica, Sholz (2003) assinala para
o que se poderia chamar de paradigmas do capital social, conforme se observa na Figura-3.
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Nível de observação
Micro
Coesão Social
Desigualdades
sociais
Macro
Utilitarismo racional
Funcionalismo estrutural
Autor: Coleman
Pergunta central: status obtido
Ênfase: ação com propósito
Origem teorizada: escolha
Conceitos-chave: fechamento,
multiplexidade
Unidade de obser.: individual
Autor: Putnam, Fukuyama
Pergunta central: cooperação
Ênfase: aspectos cognitivos
Origem teorizada: normas
Conceitos-chave: confiança
Unidade de obser.: sociedades nacionais
Sociologia econômica
Perspectiva do conflito
Autor: Lin, Granovetter
Pergunta central: tomada de
decisão
Ênfase: aspectos estruturais
Origem teorizada: redes
Conceitos-chave: troca social
Unidade de obser.: redes sociais
Autor: Bourdieu
Pergunta central: reprodução social
Ênfase: poder simbólico
Origem teorizada: encobertamento
Conceitos-chave: habitus e campo
Unidade de obser.: frações de classe social
Figura 3 – Paradigmas teóricos do capital social
Fonte: SCHOLZ, C. Approaches to Social Capital: The Emergence and Transformation of a
Concept. In: Annual meeting of the American Sociological Association, 2003; MISOCZKY,
M. C. Abordagem de redes no estudo de movimentos sociais: entre o modelo e a metáfora.
Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 2009.
O campo de análise denominado de utilitarismo racional é marcado pela visão teorizada
por Coleman com fortes bases na teoria da escolha racional. Nesse sentido, compreendendo
uma dimensão da estrutura social, o capital social se transforma em um recurso que facilita
aos atores atingirem seus objetivos, independentemente dos valores que orientem esses
objetivos, sejam tais valores moralmente bons ou maus (SERAFIM & ANDION, 2010). Ou
seja, nesse paradigma os indivíduos são pautados para a realização de ações que visem a sua
comodidade e bem estar individuais.
No tocante ao paradigma da sociologia econômica o capital social, evidenciado
principalmente pelas abordagens de Lin e Granovetter, é pautado pela teoria das redes sociais,
enquanto o primeiro faz alusão a três dimensões das relações sociais (interna, intermediária e
externa). O segundo aborda a questão dos laços fortes (relações mais próximas) e os laços
fracos (conexões sociais mais distantes) relacionados ao capital social. Ambos reconhecem a
possibilidade da ação social ser pautada pelos benefícios econômicos individuais, contudo, a
ação econômica é uma ação social. Nas palavras de Misoczky (2009), os autores desse
segmento teórico são caracterizados por um esforço para artificialmente reconectar relações
rompidas, tais como: mercado e sociedade, ação individual e ação social, economia e política.
O funcionalismo estrutural, no qual se encontram as definições de Putnam e Fukuyama, é
marcado principalmente pela visão de que o valor evidenciado na confiança, informações e
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normas são gerados pela organização social, ou seja, de forma que todos esses valores são
conseguidos através da integração social. A teoria de Putnam tem por tese central que um
bom funcionamento da economia de uma dada região, inclusive com um alto nível de
integração política é resultado da capacidade desta região em acumular capital social
(Siisiainen, 2000). Com boa ligação às práticas positivistas, Putnam desenvolve métodos
empíricos para a mensuração e verificação de como o capital social é mais presente em
determinada região, tais como, o nível de engajamento cívico de dada localidade, evidenciado
pelo número de associações presentes, número de moradores com assiduidade na leitura de
jornais, etc.
Por fim, tem-se o paradigma da perspective do conflito, marcado pela visão de Bourdieu,
onde o capital social está envolvido na reprodução das desigualdades sociais. Segundo Scholz
(2003, p. 6), a percepção de Bourdieu é que a obtenção de status através da mobilização de
recursos sociais, tais como a confiança e solidariedade gera um poder simbólico, dentre os
quais se encontra o capital social. Esse poder simbólico se estende apenas a grupos
socialmente homogêneos interessados em manter seus próprios privilégios.
3. A IMBRICAÇÃO DA VISÃO EPISTEMOLÓGICA PARADIGMÁTICA DE
CAPITAL SOCIAL NO ÂMBITO DOS PARADIGMAS DA TEORIA
ORGANIZACIONAL
Da analise dos paradigmas predominantes na teoria das organizações proposto por Burrel
& Morgan (1979) e das abordagens de capital social descritos por Sholz (2003) propõe-se
uma incursão analítica na qual os domínios epistemológicos dos paradigmas do capital social
possam ser analisados à luz dos modelos teóricos (paradigmas) que envolvem a teoria
organizacional. Assim sendo, essa sobreposição resulta na Figura-4.
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Subjetivo/Micro
Campo de visão da teoria
organizacional: Paradigma
humanista radical
Campo de visão da teoria
organizacional: Paradigma
estruturalista radical
Campo de visão teórico do
capital social: Perspectiva do
utilitarismo racional
Campo de visão teórico do
capital social: Perspectiva do
conflito
2° quadrante
1° quadrante
Campo de visão da teoria
organizacional: Paradigma
interpretacionista
Campo de visão da teoria
organizacional: Paradigma
funcionalista
Campo de visão teórico do
capital social: Perspectiva da
sociologia econômica
Campo de visão teórico do
capital social: Funcionalismo
estrutural
3° quadrante
4° quadrante
Objetivo/Macro
Desigualdades sociais/ Mudança radical
Coesão social/ Regulação
Figura 4 – Sobreposição dos paradigmas do capital social à luz dos paradigmas da teoria
organizacional
No primeiro quadrante, compara-se a visão conflituosa de Bourdieu, onde o autor utilizase do conceito de campo para referir-se ao espaço em que se manifestam relações de poder,
descritas através do conceito de poder simbólico. Isto significa segundo Sibele & Franco
(2005, p. 43),
que os campos estruturam-se a partir de uma distribuição desigual de um quantum
social que determina a posição ocupada por um agente específico. Esse quantum é
denominado de capital social. Os agentes que tem um quantum de capital social
reconhecido pelo grupo auferem os benefícios relativos às posições dominantes,
enquanto aqueles que ingressaram recentemente em determinado campo, ou seja,
que possuem um volume pequeno de capital social ocupam posições inferiores do
campoi.
Dessa perspectiva, se percebe a estreita ligação da perspectiva do conflito com a
abordagem organizacional do paradigma estruturalista radical, onde há o interesse em analisar
a estrutura dentro da sociedade e particularmente a maneira de suas interações. Segundo
Burrel & Morgan (1979), os escritores dentro deste paradigma tendem a ver a sociedade como
compostas de elementos que se opõem em contradições uns com os outros, ou seja, foca-se
essencialmente na natureza conflitual dos acontecimentos sociais e do processo de mudanças
que esta gera. Assim, analises relacionada com a autoridade e formas de poder são frequentes
nessa vertente.
Com relação ao segundo quadrante, a visão humanista radical é relacionada ao paradigma
de capital social tido sendo de uma visão utilitarista racional. Como na abordagem proposta
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por Coleman tem-se por hipótese central a escolha racional do individuo, ou seja, aquela em
que lhe proporcionará maiores ganhos. Coadunando com essa ideia a abordagem do
humanismo radical tem por objetivo explicar a necessidade da sociedade em destruir ou de
transcender as limitações impostas aos indivíduos pelos arranjos sociais existentes, infere-se
que ambos são similares.
No tocante ao terceiro quadrante, tem-se a abordagem advinda da sociologia econômica.
Marcada principalmente pela noção dos laços fortes (relações próximas e de confiança), laços
fracos e redes relacionadas ao capital social, propostas por Lin. Nesse sentido, a sobreposição
do paradigma interpretacionista é válida pelo fato de que como os valores da confiança,
reciprocidade, reputação tem grande ligação com pensamentos cognitivos do agente que ora
interpreta tais valores. Nesse sentido, Lin, (2001, p. 20) afirma que “ser reconhecido e
assegurado pela própria dignidade como indivíduo e membro de um grupo social que partilha
interesses similares e recursos não apenas oferece apoio emocional, mas também o
reconhecimento público de sua pretensão a certos recursos”. Conforme se percebe as noções
de reconhecimento, reputação, confiança e reciprocidade estão diretamente relacionados
sociais construídos a partir da interpretação valorativa, tanto dentro quando fora dos grupos
sociais que favorecem o surgimento do capital social, segundo a visão de Lin.
Diante desses aspectos, a teoria interpretacionista dos paradigmas organizacionais
pressupõe, conforme ressalta Vergara e Caldas (2005, p. 68), a compreensão do mundo social
a partir do ponto de vista das pessoas envolvidas nos processos sociais, pode-se inferir,
portanto, que existem pontos de convergência quanto à essência de ambos os paradigmas.
Por fim, porém não menos importante, há no quarto quadrante a conjugação do paradigma
funcionalista advindo da teoria organizacional com a perspectiva do funcionalismo estrutural
de capital social. Essa abordagem no âmbito do capital social é marcada principalmente pelo
trabalho de Putnam e Fukuyama, em que ao analisar o desenvolvimento de duas regiões da
Itália, indica aspectos empíricos que favorecem a manifestação de capital social. Além disso,
desenvolve formas prescritivas aos quais as sociedades deveriam seguir para sua evolução, em
nível de desenvolvimento. Visão bastante parecida com o funcionalismo no campo da teoria
organizacional onde se tem o predomínio dos aspectos positivistas, da ordem social, da
necessidade de satisfação, além do aspecto determinístico.
4.1- Analise teórica acerca das publicações de administração pública: uma abordagem
paradigmática capital social/teoria organizacional
Como se percebe há cerca de quatro grandes vertentes com relação a conceituação de
capital social. Essas vertentes são em alguns pontos conflitantes entre si, como exemplo Ducci
& Teixeira (2011, p. 973), ressaltam que para Putnam (2000), o capital social é um conjunto
de recursos possuído pelo grupo, enquanto para Bourdieu (1986), é uma consequência das
relações sociais, que é percebida pelos envolvidos in abstracto, sendo passível de ser
transformado por eles em outra forma de capital.
Já na visão de Prates (2009), tanto as visões de Fukuyama (2002), Bourdieu (1986) e
Putnam (1996) não agregam nada mais, em termos heurísticos a conceitos já disponíveis na
literatura sociológica. Para ele a única exceção é a visão de Coleman (1990), haja vista, que
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esse se refere ao fenômeno especifico dos recursos que emergem da sociabilidade dentro de
um grupo ou comunidade, introduzindo a noção de fechamento dentro do grupo.
Existem, portanto, nas afirmações de Sachs & Lages (2001), a continuação de um
conceito extremamente vago, um conceito passe-partout. Ou seja, que pode passar por tudo,
dependendo das fontes teóricas empregadas para sua explicação.
Nesse contexto, onde foram sobrepostos os paradigmas teóricos organizacionais com as
principais proposições conceituais de capital social. É relevante verificar qual tem sido a
abordagem paradigmática dominante nas publicações científicas que retratam o conceito de
capital social na esfera da administração pública. A relevância do levantamento se deve
justamente ao fato de que o conceito tem sido destaque nas discussões acerca da formulação
de políticas públicas. Além disso, levantar a forma como tem sido definido é essencial para se
entender os resultados esperados e mesmo para delimitar o campo de utilização do termo para
novas investidas científicas na esfera pública.
4.1.1 – Procedimentos metodológicos
O levantamento teve por método a realização de uma revisão integrativa junto aos artigos
científicos dos periódicos de maior relevância no âmbito da administração pública, situados
na base Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Segundo Botelho et al. (2011, p. 128) uma revisão integrativa é utilizada como método para o
desenvolvimento de uma revisão da literatura sendo útil, na medida em que, possibilita a
síntese e análise do conhecimento científico já produzido sobre o tema investigado.
Destarte, foram selecionados a principio sete periódicos voltados à administração/gestão
pública com fatores de estratificação entre A1 e B3. No entanto, depois de realizado o
levantamento dos trabalhos publicados no espaço temporal delimitado (2009 a 2012)
verificou-se que apenas cinco periódicos, continham trabalhos que de alguma forma
utilizaram a conceituação de capital social, estes estavam classificados no extrato entre A2 e
B3. Ressalta-se que a abordagem de capital social deveria ser discorrida pelos autores dos
trabalhos científicos, haja vista que, uma mera alusão ao termo não foi levada em
consideração para fins de analise. Ao abordar o termo foi observada a essência teórica
dominante no artigo, levando-se em conta as quatro abordagens principais (Bourdieu,
Coleman, Putnam e Lin). Deve ser ressaltado que quando da utilização de teóricos mais
contemporâneos, foram delimitadas os traços aproximativos junto aos teóricos clássicos que
foram considerados nesse trabalho.
Os periódicos selecionados e o respectivo número de artigos encontrados foram: Revista
de Administração Pública (RAP) - 3 artigos, Cadernos EBAPE - 8 artigos, Cadernos Gestão
Pública e Cidadania - 3 artigos, Revista Planejamento e Políticas Públicas - 1 artigos e Revista
Gestão Pública: práticas e desafios - 1 artigo.
4. RESULTADOS CONCLUSÕES E SUAS IMPLICAÇÕES
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Com relação a predominância de abordagens teóricas nos estudos que tratam sobre capital
social no âmbito da esfera pública, notou-se nos artigos analisados a predominância de dois
dos paradigmas relacionados ao conceito. O paradigma da sociologia econômica presente
principalmente nas abordagens de Lin, e o paradigma do funcionalismo estrutural cujo
principal teórico é Putnam.
Sendo assim, infere-se no âmbito das pesquisas publicadas em periódicos voltados a
análise da esfera da gestão pública, que o capital social perpassa temas das áreas
microambientais tais como as estruturas de suporte as redes e a troca social, evidenciadas pelo
paradigma da sociologia econômica. E também ao paradigma do funcionalismo estrutural
(macroambiental), segundo o qual o capital social é marcado pela cooperação, fruto de
aspectos cognitivos institucionalizados (normatizados) das sociedades nacionais, ou em outras
palavras, de determinada comunidade. Aspectos que na visão de Putnam, são frutos de um
esclarecimento cultural e um nível alto de cooperação da comunidade local, proporcionado
por instituições culturais consolidadas.
Destaca-se, por outro lado, a confirmação do uso ambíguo e conflituoso do termo, visto
que não se tem claro junto aos autores dos trabalhos analisados, as tendências paradigmáticas
de cada um dos teóricos clássicos do capital social, na medida em que por vezes estes são
elencados como se o conceito de capital social por eles defendidos estivesse em um mesmo
patamar ideológico, diferindo-se apenas em relação a contextualização temporal. Ou seja, não
há uma visão de que a conceituação de capital social não se trata de uma externação daquele
que foi pioneiro em seu uso e seus predecessores, existem diferenças epistemológicas
relevantes entre os teóricos clássicos que devem ser consideradas de acordo com os objetivos
a serem analisados.
Conquanto a sobreposição dos paradigmas do capital social à teoria organizacional
percebe-se, à luz dessa última, que são similares as posições dominantes nos trabalhos
científicos com os paradigmas funcionalistas e ao paradigma interpretacionista. Como visto
anteriormente a abordagem de Putnam e Fukuyama (paradigma da sociologia econômica) tem
predominância nas questões relacionadas diretamente ao funcionalismo organizacional, quais
sejam, a ênfase nos padrões, por vezes passíveis de uma análise empírica, que levam uma
dada comunidade ao desenvolvimento, ao equilíbrio e à ordem.
Em relação a similaridades das abordagens interpretacionistas com as visões de Lin e
Granovetter (sociologia econômica) há de se destacar, que os pressupostos de capital social
são assimilados notavelmente a partir do que Granovetter (1985) chamou de “laços fortes”.
Ao abordar o conceito de laços fortes, referindo-se àquelas relações mantidas com agentes
mais próximos, onde o individuo interpreta as mesmas como condições merecedoras de
geração de confiança, é que se gera o capital social. Assim, a partir da realidade de aspectos
relacionados a ação racional e ao utilitarismo (sociologia econômica), onde é o individuo que
percebe o valor da ação que devera ser retribuída futuramente, sendo assim o ponto
referencial de construção do conceito de capital social, diretamente relacionado a
interpretação da visão de mundo dos agentes da ação contida na abordagem interpretacionista.
Enfim, a realização desta análise teórico-empírica é fruto de um esforço de reflexão para
elucidar comparativamente quais são os enfoques paradigmáticos de capital social
relacionados à teoria organizacional, concebíveis de serem aplicados nos trabalhos científicos
que abordam o conceito no âmbito dos temas relacionados a esfera da gestão pública. Como
em todo esforço reflexivo alguns pontos podem ter sido relegados em detrimento do objetivo
central, esta suposição teórica nesse sentido, não esgota a discussão sobre o assunto, que
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como se pode perceber é bastante controversa e divergente, o que gera inúmeros campos de
discussões a novos levantamentos futuros.
Referências:
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O campo é por Bourdieu entendido como um espaço onde existem conflitos, onde os agentes se enfrentam de
diversas formas, conforme sua posição relativa na estrutura, ora para conservá-la, ora para transformá-la. Além
disso, o que orienta as estratégias dos agentes é a posição que detêm no interior do campo (FRANCO, 2005).
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1 capital social em discussão: qual tem sido sua