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MANIFESTAÇÕES DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA
ANÁLISE NO MUNICÍPIO DE ARACAJU-SE
GT6 Educação, Gênero e Diversidade
Lívia Prata de Oliveira *
Rosemeire Marcedo Costa**
Resumo
Neste texto, é apresentada uma análise acerca das manifestações da violência doméstica contra a
mulher, discutindo a historicidade em que esteve inserida, conceituando os tipos de violência para uma
melhor compreensão entre violência de gênero e violência doméstica. Aborda também as causas que
geram a violência doméstica e as consequências na vida das mulheres, citando o perfil do agressor e da
vítima. Ressalta-se a importância das políticas públicas, a Rede de Proteção no município de AracajuSE e a assistência às mulheres vítimas de violência doméstica. O presente artigo possui uma
abordagem qualitativa de cunho exploratório, onde foi utilizada a pesquisa bibliográfica. Assim, é
notório que existem muitas formas de enfrentar a referida problemática, mas não de extinguí-la, pois é
um problema social enraizado no Brasil.
Palavras chave: Violência doméstica. Mulheres. Rede de proteção e assistência.
ABSTRACT
In this paper, we present an analysis about the demonstrations of domestic violence against women,
discussing the historicity that was inserted, conceptualizing types of violence to a better understanding
between gender violence and domestic violence. It also discusses the causes that generate domestic
violence and the consequences in the lives of the women, citing the profile of the perpetrator and
victim. We highlight the importance of public policies, the Network Protection in the city of AracajuSE and assistance to women victims of domestic violence. This article has a qualitative exploratory
approach, where we used the literature. Thus, it is clear that there are many ways to tackle such
problems, but not extinguish it because it is a social problem rooted in Brazil.
Key words: Domestic violence. Women. Network protection assistance.
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*Bacharel em Serviço Social pela Universidade Tiradentes. Assistente Social do Projeto ViraVida-SESI/DRSE.
Pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pela FANESE e Gestão de Políticas, Redes e Defesa de Direitos
– UNOPAR e Especialista em Gestão de Políticas Públicas com foco em Gênero e Raça pela Universidade
Federal de Sergipe. Email: [email protected].
**Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora da rede Pública Municipal de Aracaju.
Coordenadora do Núcleo de Formação Continuada do Centro de educação Superior a Distância – Cesad/UFS.
Email: [email protected]
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Introdução
Este artigo resulta de um processo investigativo acerca da Violência contra a Mulher,
que passou a ser o objeto dessa pesquisa. Nesse sentido, destaca-se que a Violência é um
fenômeno global, que vem preocupando e atingindo a sociedade de várias formas,
necessitando que o Estado através da rede de assistência/proteção desenvolva políticas
públicas e mecanismos de enfrentamento e combate a desigualdade social.
Com base em levantamentos bibliográficos acerca da Violência Doméstica contra
Mulher, pretende-se responder as indagações, a saber: Qual o conceito de violência, violência
de gênero e violência doméstica? O que gera a violência contra a mulher? Qual o perfil do
agressor e da vítima? Quais as medidas protetivas existentes, especificadamente, em Aracaju?
A problemática da violência contra mulheres reflete uma total violação dos direitos
humanos, do direito à vida, à dignidade e à liberdade. Disso decorre que há necessidade do
trabalho, dos serviços articulados em rede com as Secretarias Municipais de Assistência
Social, por meio dos Centros de Referência de Assistência Social-CRAS e Centros de
Referência Especializados de Assistência Social- CREAS; Secretarias de Saúde-Unidades
Básicas de Saúde, Secretarias de Educação-Escolas e o Sistema de Garantia de Direito:
Delegacias de Polícia; Ministério Público, dentre outros.
O interesse pela temática surgiu a partir das leituras e debates promovidos no curso de
especialização Gestão de Políticas Públicas com foco em gênero e raça, cursado pela
Universidade Federal de Sergipe bem como pela experiência laboral em um CREAS, onde foi
possível conhecer a realidade de mulheres vítimas de violência, o que fez despertar acerca do
que os autores apresentam sobre essa problemática, aguçando a atenção em buscar maior
aprofundamento sobre a temática, que está na agenda do Brasil como algo que precisa ser
estudado.
Nesse sentido, destaca-se que a relevância desse texto está no fato de que as análises e
reflexões sobre a violência contra mulher deverão contribuir para um melhor entendimento
desse grave problema social, atribuindo-lhe maior visibilidade. Além disso, é possível
subsidiar uma reflexão, livre de preconceitos e medos, reafirmando o compromisso com a
causa, no sentido de reconhecer a violência de gênero como violência estrutural e histórica e
combatê-la com a articulação das políticas públicas, entidades governamentais e nãogovernamentais, privadas e a sociedade civil organizada, de maneira que esta seja uma ação
coletiva, pois uma vida sem violência é um direito de todos os seres humanos.
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O tipo de pesquisa adotado, bem como os procedimentos metodológicos, foram de
abordagem qualitativa, a qual determina as causas, consequências, percebendo os conflitos,
de modo a qualificar, fazer uma análise, ir além do que está posto, “trabalha com o universo
dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”
(MINAYO et al., 2007, p. 21), permitindo uma maior aproximação com a realidade subjetiva.
Pelas limitações impostas a este artigo, não foi possível um maior aprofundamento da
temática. Assim, considera-se esta pesquisa de cunho exploratório, a qual visa proporcionar
maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito.
A pesquisa bibliográfica se fez imprescindível, já que serviu de base para o
desenvolvimento do presente estudo, porque proporciona discutir e enfatizar sobre o tema em
foco, através da literatura especializada e de trabalhos acadêmicos, o que contribuiu para uma
melhor análise dos dados. Em relação à coleta de dados, deu-se por meio da entrevista semiestruturada, útil para captar significados, sentimentos, reações, subjetividades humanas,
aproximando o pesquisador do seu objeto de estudo (MINAYO, 2007). Ressalte-se que o uso
da entrevista não atendeu ao que estabelece os manuais de pesquisa, no que se refere à
amostragem, uma vez que apenas uma pessoa foi entrevistada, a delegada Thaís Lemos
Santiago Oliveira, que coordena o Departamento de Atendimento a Grupos VulneráveisDAGV. Justifica-se tal escolha por ser um órgão que concentra as denúncias de violência
doméstica contra a mulher em Sergipe. Todos os registros passam por aquele Departamento.
A partir dos dados obtidos com a entrevista, procedeu-se a análise crítica de conteúdo.
Segundo Richardson (1999): “[...] é, particularmente, utilizado para estudar material do tipo
qualitativo (aos quais não se pode aplicar técnicas aritméticas)”. Portanto, deve-se fazer uma
primeira leitura para organizar as idéias incluídas para, posteriormente, analisar os elementos
e as regras que as determinam.
Consoante às ideias de Richardson (1999), Marconi e Lakatos (2006) define que: este
tipo de análise leva em consideração as significações (conteúdo), sua forma e a distribuição
desses conteúdos e formas.
Dessa forma, entende-se que todos os elementos citados referentes a questão da
violência contra a mulher são relevantes para que se possa compreender esse fenômeno
multidimensional, ou seja, que possui interfaces com questões históricas, culturais e políticas.
Violência contra a mulher: uma questão de gênero
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A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica, oriunda de uma
estreita relação com o poder, porém passível de desconstrução. Para compreendermos a
violência contra a mulher, faz-se necessário conceituar a violência, distinguir as categorias,
quais sejam: as de gênero e doméstica. Sabendo-se que o foco principal deste trabalho é a
violência doméstica contra a mulher, adota-se o conceito apresentado no Art.1º da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher: Convenção de
Belém do Pará, de 1994, p.1, que:
Constitui violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, incluídas as ameaças, a coerção, a privação arbitrária da liberdade,
tanto no âmbito público como no privado.
Em um contexto mundial marcado pela violência em seu sentido amplo, desde a
ocorrência nas ruas, nos espaços públicos até a existência em casa, no seio da família, e de
todos os tipos, esta contribui cotidianamente para a existência do caos social, da desordem
social, familiar, cultural, econômica e da minimização da paz e do respeito aos direitos
humanos. Direitos estes que são preconizados e garantidos na Constituição Federal de 1988, e
que ainda há muito que se fazer para que sejam efetivados.
A violência é um fenômeno global, que atinge todas as classes sociais seguida de uma
tradição cultural onde o poder é o meio através do qual se obtém a dominação, exploração e
opressão do ser humano. De acordo com os autores Cortês (2012), Pequeno (2010) e Zuma
(2005), a violência é formada por um conjunto de fatores sociais e não deve ser vista de forma
isolada na sociedade, pois não se trata de uma anomalia e sim de uma consequência de um
regime dominante, que nega os direitos da maioria dos cidadãos, promovendo as
desigualdades, que acarretam num descontrole social. Então, surge a insegurança, o
sentimento de medo, desamparo e assim surge uma sociedade doente, desencadeando um
fenômeno que como já foi dito não é isolado, pois manifesta-se de várias maneiras e atinge a
sociedade como um todo, seja no âmbito familiar, escolar, trabalho, em todos os espaços em
que a vítima está inserida.
Zuma (2005) conceitua a violência como “o uso intencional da força física ou do
poder, real ou ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (ZUMA, 2005, p. 2).
Já o termo gênero é bastante amplo, empregado com diferentes sentidos. Para os
interesses deste texto, adotado o que defende Saffioti (1992), que diz: “a construção dos
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gêneros se dá através da dinâmica das relações sociais. Os seres humanos só se constroem
como tal em relação com os outros”. (SAFFIOTI, 1992, p. 210).
Assim, o termo gênero, elevado a uma categoria de violência, mostra as diferenças
socioculturais existentes entre mulheres e homens, impondo a eles papeis sociais diferentes.
Portanto, tal conceito deve ser entendido como uma relação de poder de dominação do
homem e de submissão da mulher impostos através da história e construído socialmente.
Segundo Saffioti (2012), a violência de gênero é um meio de coagir, de submeter
outrem ao seu domínio, é uma forma de violação dos direitos essenciais do ser humano; é
concebida como resultado “das manifestações que hegemonicamente levam sujeitos a
interagirem a contestar marcados por e pela violência”. Violência de gênero, abrange as várias
formas de violência, como: violência sexual, moral, familiar doméstica, entre outras.
No tocante a violência doméstica ou intrafamiliar, esta é praticada dentro da própria
casa, geralmente por alguém da própria família e pode afetar tanto o gênero feminino como o
masculino, independente da faixa etária, nível social, econômico, cultural e religioso.
É nesse âmbito que se insere a violência contra a mulher, e em destaque a violência
doméstica, reafirmando o preconceito e a discriminação de gênero, que faz parte de uma
cultura patriarcal machista, que destaca o homem heterossexual como a parte dominante da
sociedade. Essa cultura é uma construção histórica, que coloca a mulher numa posição de
subserviência.
Conforme Souza:
No que tange ao conceito de violência contra a mulher é importante que se
faça a distinção desta, com violência doméstica e familiar, pois
aparentemente possuem o mesmo significado. A violência contra a mulher é
um conceito mais amplo, podendo ser considerado crime ou não. É a
chamada violência de gênero, pois abrange as várias formas de violência
como a violência sexual, moral, espiritual, familiar doméstica, entre outras.
Diferentemente da violência doméstica e familiar, sendo esta, uma das
modalidades da violência contra a mulher. (SOUZA, 2008, p.12)
Diante de tal conceito afirmamos que a violência doméstica atinge o núcleo familiar
de várias formas: violência sexual, violência física, violência psicológica, violência
patrimonial, abandono de menor e idoso. Constata-se diariamente que as crianças e mulheres
são as maiores vítimas da violência doméstica, pois são vistas como alvos mais fáceis de
manipulação, enfim, mais vulneráveis e frágeis.
As vítimas de violência sofrem traumas físicos, psíquicos profundos; traumas estes
que as deixam à margem da sociedade, pois passam a viver num isolamento pessoal. Os
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momentos em que buscam ajuda, são na maioria das vezes, nos órgãos de saúde e, nestes
casos, não se contabiliza de forma adequada o atendimento dos casos de violência doméstica.
Em muitas situações, a procura pelos órgãos de saúde, e não os órgãos policiais, dar-se pela
necessidade imediata de atendimento, bem como o medo em denunciar.
As formas mais conhecidas de violência intrafamiliar se revelam na esfera física,
psicológica e sexual. A Lei nº. 11.340, de 07 de Agosto de 2006, conhecida como Lei Maria
da Penha, visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No seu artigo 7º, estão
explicitados os tipos de violência praticada contra as mulheres, entre outras. Na mencionada
lei, há a definição para a Violência Física, a qual ofende a integridade ou saúde corporal;
Violência Psicológica, entendida como a conduta que causa dano emocional e diminuição da
autoestima, Violência Sexual, aquela que causa constrangimento ao presenciar, manter e/ou a
participar de relação sexual não desejada, Violência Patrimonial, configura retenção,
subtração, destruição parcial ou total de objetos, bens, valores e direitos; a Violência Moral,
configurada como calúnia, difamação ou injúria. Os atos de violência que as mulheres sofrem,
são praticados por alguém muito próximo, o que gera uma situação ainda mais dramática e
constrangedora. O que torna tal problemática ainda mais complexa, já que está ligada a
relação emocional e afetiva das pessoas.
Dados da violência doméstica contra a mulher em Aracaju
Aracaju, capital do Estado de Sergipe, é uma cidade localizada no litoral, cortada pelos
rios Sergipe e Poxim. Nos últimos anos tem recebido o título de capital da qualidade de vida,
mas, é preciso observarmos que os índices de violência acompanharam a velocidade do
crescimento da cidade. Possui uma área de unidade territorial de 181,857 Km².
De acordo com o Censo do ano de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística-IBGE, a cidade conta com 571. 149 habitantes, destes 265.484 homens e 305.665
mulheres. Somando-se às populações dos municípios que formam a Grande Aracaju (Nossa
Senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros e São Cristóvão), o número passa para 835. 564
habitantes.
A partir de tais considerações, observando o universo de mulheres aracajuanas, optouse por consultar os órgãos de registro da violência, privilegiando o Departamento de
Atendimento a Grupos Vulneráveis- DAGV.
O Departamento é um complexo de delegacias especializadas que atua com os grupos
mais vulnerabilizados, a saber: mulheres, idosos, crianças e adolescentes, pessoas com
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deficiência, público LGBT, bem como profissionais de sexo e questões relacionadas ao
racismo. O referido Departamento é composto por três Delegacias: a Delegacia de
Atendimento à Mulher (DEAM), a Delegacia de Atendimento à Criança e Adolescente Vítima
(DEACAV) e a Delegacia de Atendimento aos demais Grupos Vulneráveis (DEAGV).
Atende pessoas dos 18 até os 60 anos de idade. Tem a função de atuar em três eixos distintos
e complementares que são: a prevenção, o acolhimento e a repressão. O Departamento conta
com uma equipe multidisciplinar composta por Psicólogo, Assistente Social, Psicopedagogo e
Mediadores de Conflitos.
Em relação ao número de denúncias sobre a Violência contra a Mulher, a delegada
ressaltou que, em 2011, foram realizados 2.955 Boletins de Ocorrências e 949 Inquéritos. Em
2012, foram 2.860 BOS e 1.151 inquéritos. Em 2013, já foram realizados 598 BOS e 234
inquéritos policiais foram instaurados (maioria por lesões corporais, ameaças e injúrias),
sendo 80% casos de violência doméstica contra a mulher.
Diante dos dados, compreende-se que os números são altos, mas do ano de 2011 até o
momento o registro da violência não sofreu aumento. Isso demonstra que a Lei Maria da
Penha, de algum modo, contribuiu para diminuir os abusos dos parceiros, o que nos leva a
crer que a coragem das mulheres em denunciar seus companheiros aumentou. Vale ressaltar
que quando as mulheres chegam à delegacia, nunca é a primeira vez que foram violentadas,
geralmente já existe histórico de agressão.
Segundo a Delegada, os agressores são, em 95% dos casos, os companheiros, sejam
eles maridos, namorados ou conviventes. Em relação ao maior tipo de incidência de violência,
constata-se que é a violência psicológica, ocorrendo ameaças de morte, injúria, calúnia,
difamação, crimes contra a honra e ameaças. Ela também ressaltou que é muito comum a
violência doméstica ser praticada por usuários de substâncias psicoativas, sejam as mulheres
e/ou seus companheiros, podendo ser uma das causas. Destacou ainda que um dos fatores da
causa da violência é a questão histórica, o machismo dos homens em se sentir donos das
mulheres.
Relacionando-se a representação que a vítima tem da violência, foi pontuado pela
Delegada que as mulheres se sentem impotentes, sofrem de angústia, vergonha e tristeza.
Ressaltou ainda que a denúncia é feita em última instância, pois o medo do agressor, devido
ao seu perfil violento, afasta a possibilidade de buscar ajuda, e, por ser, em muitos casos, o
provedor da família, as mulheres se conformam com as situações vividas.
De acordo com as considerações da entrevistada, a criação da Lei Maria da Penha
contribuiu para a diminuição da violência, pois a violência doméstica ainda acomete milhares
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de mulheres por ser uma questão histórica. Informou que as denúncias aumentaram, com
prisões em flagrante e prisões preventivas para coibir a violência. É inegável que a Lei Maria
da Penha é muito válida para o enfrentamento da problemática, não sana, mas combate.
Em relação a Rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica em
Aracaju, foi enfatizado que ocorre uma boa parceria entre as Delegacias, Polícia e Poder
Judiciário. A 11ª Vara do Poder Judiciário atua com medidas protetivas e realiza
encaminhamentos para Defensoria Pública e a esfera Civil. Mas o que é frágil é o
atendimento/acompanhamento psicossocial, pois surgem questões como: quem vai amparar a
família, garantir assistência psicossocial (moradia, educação dos filhos)? Como não há uma
política fortalecida de proteção às vítimas a denúncia só ocorre em casos extremos.
Na concepção da entrevistada, o Estado necessita de uma maior atuação frente a
alguns desafios em busca de melhorias no que se refere à sustentação para a vítima superar a
sua condição de violentada. Ressaltou que não há um aparato que garanta a recuperação do
agressor, pois este é responsabilizado, mas necessita ser trabalhado, para evitar reincidência.
Ressaltou que o CREAS encaminha para outros serviços, o acompanhamento é feito, mas de
forma incipiente.
No tocante a violência doméstica contra a mulher, a entrevistada citou como avanços
na cidade de Aracaju a criação da Política Pública- Delegacia Especial, criada há mais de 25
anos, sendo a 2ª do Brasil; a qualificação dos servidores, sendo profissionais mulheres; o
Serviço de Saúde da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (Violência Sexual); e a Criação
da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres a nível estadual.
Destaca-se que no dia 07.08.2012 o Instituto Nacional de Seguro Social-INSS passou
a cobrar dos agressores o ressarcimento de despesas com benefícios pagos às vítimas de
violência doméstica. Chamada de Ação Regressiva, a mudança pretende diminuir os casos de
agressão, atingindo o bolso de quem comete esse crime. O INSS incluirá os gastos com
aposentadorias de mulheres por invalidez, pensão por morte e auxílio-doença, quando for
comprovado que foram vítimas de agressão.
Segundo o Jornal Gazeta do Sul-RS, 2012, a referida ação foi criada em parceria entre
o Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas para as Mulheres, INSS e o
Instituto Maria da Penha. Assim, cabe ao INSS, analisar cada um dos casos que chegarem por
meio de Delegacias da Polícia Civil, Ministério Público ou depoimentos das próprias
mulheres. O valor do reembolso que o agressor terá que pagar à Previdência dependerá da
quantia e do tempo do benefício concedido à vítima ou a sua família. Entende-se que a
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intenção do governo não é apenas reaver o dinheiro pago através do benefício, mas também
atuar na prevenção e repressão dos casos.
Políticas públicas: assistência à mulher em situação de violência doméstica
Atendendo às reivindicações históricas das mulheres brasileiras, a Presidência da
República criou em 2003, em nível nacional, a Secretaria de Políticas para as Mulheres
(SPM), cuja estrutura liga-se ao gabinete da Presidência. A mesma tem a finalidade de
promover e articular programas e ações voltados à implementação de políticas públicas para
as mulheres, bem como estimular a transversalidade de gênero nas políticas públicas em todas
as esferas do poder público.
Com a instituição da SPM, inicia- se uma nova era para as políticas públicas, pois era
preciso enfrentar as desigualdades de gênero existentes na sociedade brasileira e alterar os
regramentos jurídicos que impossibilitavam as mulheres de terem tratamento igualitário,
como o acesso à moradia, permitido, até então, apenas ao chefe da família (o homem). Outra
constatação era a de que a violência contra a mulher não poderia continuar sendo encarada
pela justiça como “um crime de menor potencial ofensivo”, com direcionamento aos Fóruns
de Pequenas Causas, a exemplo de uma briga de trânsito. A área estruturante da SPM é a
aquela que desenvolve ações com vistas a coibir e combater todas as formas de violência
contra a mulher.
Para atuar no problema da violência contra a mulher, o Governo Federal criou o
Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, lançado em 2007 com o
objetivo de prevenir e enfrentar todas as formas de violência, através de um conjunto de
ações, desenvolvendo políticas amplas e articuladas, compreendendo não só a dimensão do
combate aos efeitos que a violência provoca na vida das mulheres, mas também a dimensão
da prevenção, atenção, proteção e garantia de que seus direitos sejam cumpridos, bem como o
combate à impunidade dos agressores.
Os objetivos específicos do Plano são: reduzir os ícones de violência contra a
mulher; promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atividades igualitárias e
valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero e de valorização da paz; garantir
e proteger os direitos das mulheres em situação de violência, considerando as questões raciais,
étnicas, gerenciais de orientação sexual, de deficiência, e de inserção social, econômica e
regional.
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No tocante a Rede de Proteção e Assistência, refere-se a atuação articulada entre as
instituições e serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando a
ampliação e melhoria da qualidade do atendimento; a identificação e encaminhamento
adequado das mulheres em situação de violência e o desenvolvimento de estratégias efetivas
de prevenção. A constituição da rede de atendimento busca dar conta da complexidade que é
o fenômeno da violência contra as mulheres e do caráter multidimensional do problema,
articulando-se as diversas áreas, tais como: a saúde, a educação, a segurança pública, a
assistência social, a justiça, entre outros.
Os serviços que fazem parte da rede de atendimento às mulheres em situação de
violência doméstica familiar e de gênero, no âmbito governamental, são: os Centros de
Referência, os quais são espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação
e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência. As Casas-Abrigo, que devem
ser em locais seguros que ofereçam moradia protegida e atendimento integral a mulheres em
risco. É um serviço de caráter sigiloso e temporário, no qual as usuárias permanecem por um
período determinado, durante o qual deverão reunir condições necessárias para retomar o
curso de suas vidas. Em Aracaju existe a Casa Abrigo Profª Núbia Marques. As Defensorias
da Mulher, que são órgãos estatais que oferecem assistência jurídica, orientação e
encaminhamentos às mulheres em situação de violência. Os Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal que
poderão ser criados pela União (no Distrito Federal e nos Territórios) e pelos Estados, para o
processo, julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher. A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, criado pelo
governo federal para auxiliar e orientar as mulheres em situação de violência através do
número de utilidade pública 180, além de realizar encaminhamento para os serviços da rede
de atendimento mais próxima, assim como prestar informações sobre os demais serviços
disponíveis para o enfrentamento à violência. As Ouvidorias, que são canais de acesso e
comunicação direta entre a instituição e o (a) cidadã(o).
Além disso, há os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que fazem parte da Política de
Assistência Social, criados a partir do Sistema Único de Assistência Social - SUAS. O CRAS
desenvolve O PAIF (Programa de Atenção Integral à Família) e desenvolvem serviços básicos
continuados e ações de caráter preventivo para famílias emsituação de vulnerabilidade social
(proteção básica). Por outro lado, os CREAS são responsáveis pela proteção de famílias e
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indivíduos que tenham seus direitos violados e que vivam em situações de risco pessoal e
social (proteção especial).
Enfatiza-se que no município de Aracaju, o CREAS São João de Deus,
implantado em 2007, localizado no Bairro Santo Antônio, atua com Crianças/Adolescentes e
mulheres vítimas de violência doméstica, possuindo uma equipe interdisciplinar formada por
psicólogas e Assistentes Sociais. O CREAS realiza o acolhimento das mulheres, orientando-as
quanto a seus direitos, desenvolvendo encaminhamentos a rede de serviços.
A rede conta ainda com as corporações das Polícias Civil e Militar fazem o primeiro
atendimento, ainda na residência ou em via pública. O Instituto Médico Legal, que faz a
coleta ou validação das provas recolhidas e demais providências periciais do caso. Já os
Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual têm prestado
assistência médica, de enfermagem, psicológica e social às mulheres vítimas de violência
sexual, inclusive quanto à interrupção da gravidez prevista em lei nos casos de estupro.
Destaque-se também que não só a população de Aracaju, como de todo o Estado é atendida
pela Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, instituição que realiza o acolhimento, consulta
médica, exame físico, garantia de medidas de proteção, exames laboratoriais, notificação,
avaliação psicológica, consulta de enfermagem e acompanhamento social;
As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher são unidades especializadas
da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. Desenvolvem
atividades de caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração,
investigação e enquadramento legal. Com a promulgação da Lei Maria da Penha, as DEAMs
passaram também a expedir medidas protetivas de urgência ao juiz, cumprindo o prazo de 48
horas. Destaca-se que, em Sergipe, existem 04(quatro) delegacias localizadas no interior do
Estado, nos municípios de Estância, Itabaiana, Lagarto e Nossa Srª do Socorro.
Em Aracaju, a primeira Delegacia Especializada no Atendimento às mulheres Vítimas
de Violência, foi criada em 25 de outubro de 1986, mediante ao decreto 8107 de 22 de
outubro de1986, estabelecendo a competência dessa delegacia especializada. Atualmente,
funciona no município o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV),
criado em 2004, estando subordinado à Superintendência da Polícia Civil e vinculado a
Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, criada em 2010, trata das políticas
públicas de gênero no estado de Sergipe. A SEPM tem o desafio de garantir em todo o
território sergipano a implementação dessas políticas, estabelecendo parcerias, com as
diversas instâncias, governamentais e com as organizações da sociedade civil. Inseridas nesta,
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encontram-se as Coordenadoria de Articulações, Institucional e Ações Temáticas;
Coordenadoria de Enfrentamento à Violência e a Coordenadoria de Gestão e Planejamento
Interno, contando com técnicos de diversas áreas. A atuação da Secretaria ocorre de acordo
com os Eixos ressaltados no Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher,
assinado pelo Governador de Sergipe, em Julho de 2009.
A SEPM acompanha/monitora também as ações desenvolvidas pelas Coordenadorias
das Mulheres já implantadas em 23 (vinte e três) municípios do Estado (Barra dos Coqueiros,
Boquim, Carmopólis, Cristinápolis, Estância, Itabaiana, Itabi, Itaporanga D’ Ajuda,
Japaratuba, Lagarto, Laranjeiras, Maruim, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da
Glória, Poço Verde, Propriá, Porto da Folha, Ribeirópolis, Santana do São Francisco, São
Cristóvão, Simão Dias, Tobias Barreto e Umbaúba), descentralizando as ações/programas e
projetos para melhor atender às mulheres.
Considerações finais
As mulheres, que enfrentaram e enfrentam grandes barreiras em busca do
reconhecimento de suas capacidades, buscando a igualdade, o respeito perante a sociedade e a
família, além da garantia de direitos, é perceptível que ainda esse reconhecimento não exista
de forma clara, pois muitas ainda sofrem as injustiças e a violência de uma cultura patriarcal,
machista e perversa. Observa-se que a rede de assistência se mostra com muitos
equipamentos, porém com inúmeras falhas no acolhimento/acompanhamento das mulheres,
para que possam restituir seus direitos, sua diginidade, bem como o resgate de sua autoestima,
pois o que desenvolvem são ações imediatas e não contínuas que rompam com o ciclo da
violência na vida de milhares de mulheres aracajuanas.
Dessa forma, as políticas públicas transversais ainda necessitam ser melhor executadas
para que atuem modificando a discriminação e a incompreensão de que os Direitos das
Mulheres são Direitos Humanos. Modificar a cultura da subordinação de gênero requer uma
ação conjugada entre governantes e sociedade civil.
A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno complexo que atinge milhares
de brasileiras, dentre essas as sergipanas, das mais diversas classes sociais e raças. Fato esse
que nos remete a questão de gênero, em que o homem se sente superior as mulheres, sendo
essa uma questão cultural que permeia a sociedade há muitos anos, mas que vem sendo
enfrentada de forma gradual pelo poder público e instituições sociais, com a participação dos
movimentos feministas.
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Assim, acredita-se que é necessário desconstruir rótulos, quebrar paradigmas, para que
possamos repensar os valores que a sociedade prega, respeitando e valorizando o público
feminino. Deve-se fortalecer nos programas escolares, desde o ensino fundamental até o
universitário, que é preciso haver a inclusão da dimensão gênero, mostrando como a
hierarquia existente na cultura brasileira de subordinação da mulher ao homem traz
desequilíbrios de ordem econômico, familiar, emocional e, por consequência, pode estimular
a violência. A escola não pode ficar isolada de um processo amplo de transformação para
alcançar a equidade de gênero, há a necessidade de um pensamento e uma ação coletiva.
Destarte, também se faz necessário repensar as políticas públicas, concebendo-as
como transversais, visando ao mesmo objetivo, a equidade entre homens e mulheres, que
constitui um caminho para alterar a violência, em geral, e de gênero, em particular. É uma
forma de buscar trabalhar de acordo com as necessidades das mulheres, garantindo de fato o
rompimento do papel subalterno que está inserida. Assim, a Secretaria dos Direitos da Mulher
pode desempenhar este papel articulador, associando-se aos Conselhos ou Secretarias da
Mulher em todos os Estados. Destaque-se, sobretudo, que um planejamento de políticas
públicas transversais só funcionará com a total participação da sociedade civil.
Em suma, espera-se que o estudo leve à reflexão sobre a complexidade do fenômeno
da violência doméstica contra a mulher e que contribua para a ampliação do conhecimento
teórico acerca do tema, deixando o espaço para futuros questionamentos e análises por parte
de pesquisadores e acadêmicos, visto que o assunto é vasto e complexo.
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www.gazetadosul.com.br. Acesso em 05 de Março de 2013.
Entrevista Realizada:
OLIVEIRA, Thaís Lemos Santiago. Entrevista concedida à autora em 08 de Março, Aracaju,
2013.
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manifestações da violência doméstica contra a mulher