As políticas educacionais no MERCOSUL: o sistema educacional brasileiro
em foco 1
Alba Tereza Barroso de Castro
[email protected]
Modalidade de Trabalho: Comunicação individual
Eixo Temático:
Políticas sociais e desenvolvimento no contexto neoliberal e
os desafios para o Trabalho Social
Palavras-Chave:
Políticas educacionais, MERCOSUL, ensino público superior
1. Introdução
As políticas educacionais, decorrentes do processo de reestruturação pelo qual
passa o capitalismo mundial, devem ser compreendidas no âmbito das transformações
geopolíticas e culturais em curso. Tendo por base esta premissa, o trabalho pretende
abordar as reformas educativas nos países do Mercosul, já que têm uma base
regional.Na década de 1990 impõe-se o conjunto destas reformas no marco das reformas
propostas e implementadas para o Estado e o setor público dentro da perspectiva
neoliberal.
A partir de uma série de documentos resultantes da ação de governos da região
em parceria com agências multilaterais de desenvolvimento, tais reformas manifestaram
elementos centrais como descentralização, construção de sistemas nacionais de
avaliação de desempenho e de valorização docente, as reformas curriculares e as novas
formas de gestão dos sistemas de ensino. São elementos comuns aos países do
Mercosul, interligados à mesma base de determinações econômicas, políticas e sociais
que contribuem para formatar o campo das políticas educacionais.
Com foco no Brasil, este trabalho buscará analisar e problematizar estes
elementos à luz das políticas e dos programas propostos e implementados na área
educacional como PROUNI (Programa Universidade para Todos ),FIES (Financiamento
do Ensino Superior) e Sistema de Cotas no ensino público superior.
Para tanto, serão objetos de estudos os documentos de fonte primária relativos a
tais políticas e programas educacionais, os dados de institutos de pesquisa INEP (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) sobre o sistema educacional brasileiro, bem como material
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Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
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da imprensa escrita sobre a análise dos impactos das políticas
e dos programas já
referidos. A análise articulada destas políticas e destes programas objetivam oferecer um
painel sobre o sistema de gestão pública na área da educação brasileira cujo paradigma é
o neoliberalismo e o movimento ampliado de reestruturação do capitalismo mundial no
contexto do Mercosul.
2. Mercosul e suas dimensões sociais
A integração econômica dos países do Mercosul, que é o foco de sua criação, tem se
desenvolvido com a incorporação de temas sociais. No entanto, mesmo que tais
processos de integração possam abrir janelas de oportunidades para elevar padrões em
países com sistemas de proteção social menos desenvolvidos, são inúmeras as
dificuldades como o protecionismo na área econômica.”As disputas comerciais entre os
países do bloco, especialmente o Brasil e a Argentina, na busca de parceiros externos(..)
inviabiliza o estabelecimento de políticas comuns, fazendo surgir mecanismos paralelos,
como acordos bilatérias entre países-membros, e demais parceiros externos ao bloco”
(Costa, 2008:23).
A competitividade entre países-membros de um mesmo bloco, no entanto, não é
exclusividade do Mercosul, mas expressão do capitalismo que não deixa de se
manifestar, apesar de propagados objetivos comuns dos processos de integração
econômica regional. A constituição da União Européia, por exemplo, evidencia no
processo mais antigo e consolidado de integração econômica regional, inúmeras crises
políticas e institucionais.
O esforço de aproximação econômica dos blocos regionais, perpassado, assim, de
conflitos e competições, tem gerado, na área social, níveis fragmentados de aproximação,
com construção de consensos possíveis. Na Europa, ainda que não se vislumbre a
convergência dos sistemas de saúde, a integração reafirmou princípios de proteção e
construiu significativo escopo de consensos sobre saúde pública”(Guimarães, 2008:37).
No caso do Mercosul o campo educacional é tido como um núcleo estratégico para
ajudar a alavancar os processos de desenvolvimento econômico dos países em
desenvolvimento. Os protocolos e os Planos Trienais têm definido ações e metas comuns
na compatibilização dos sistemas educacionais dos países-membros.
O plano trienal com vigência até 1997 dava relevo à cooperação interuniversitária,
que previa acordos de reconhecimento recíproco de estudos e títulos. No plano trienal,
abrangendo o período 1998-2000, destacava-se a promoção de políticas de capacitação
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de recursos humanos e melhoria da qualidade de educação. Entre os protocolos firmados,
destaca-se o de 1998, tratando do estabelecimento de mecanismos de credenciamento
de cursos para o reconhecimento de títulos de graduação universitária (Velloso, 1999:10).
Os países com maior potencialidade econômica do Mercosul- Brasil e Argentina também apresentam uma aproximação no campo educacional. Nos anos de 1990, as
políticas governamentais de ambos os países orientam-se pelas recomendações do
Banco Mundial para o ensino superior. Entre estas recomendações estão: a melhoria da
relação custo/efetividade das instituições públicas e/ou redução dos gastos públicos ; a
transferência das universidades da esfera estatal para o mercado;a avaliação das
instituições; a desregulamentação das instituições públicas e do mercado de trabalho; a
prioridade para financiamento público de instituições privadas em detrimento da expansão
ou criação de novas instituições públicas. Tais recomendações, uma vez aplicadas,
tendem a produzir resultados específicos em cada um destes países, tendo em vistas
variáveis conjunturais políticas (Idem:23).
A legislação brasileira prevê a coexistência de instituições públicas e privadas,
cabendo à união a gestão do processo nacional de avaliação do rendimento escolar no
ensino superior. As instituições de ensino superior estão sujeitas à autorização de
funcionamento e ao credenciamento pelo poder público. Já os cursos de graduação e
pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado) dependem de reconhecimento.
3. O Brasil no Campo educacional
As atuais Políticas Educacionais brasileiras devem ser dimensionadas na dinâmica
da Reforma do Estado desenvolvida nos anos de 1990, decorrente de processos de
reestruturação do capitalismo mundial , tendo como referência os pressupostos
neoliberais. Entre estes pressupostos, destaca-se o princípio da descentralização, que no
campo educacional, buscava torná-lo mais flexível e capaz de responder às demandas de
competitividade dos países. A operacionalização deste princípio implicou na pulverização
de cursos de especialização no setor privados – os chamados MBAS – para atender a
uma demanda crescente de profissionais que pretendem se aperfeiçoar para continuar ou
reintegrar-se no mercado do trabalho. A nova tendência de pós-graduação, no Brasil,
investe, assim, em capital humano estruturado em bases técnicas para forjar uma força
de trabalho demandada pelo mercado globalizado.
No âmbito da Reforma de Estado desencadeia-se a Reforma educacional
imprimindo, neste campo, referências centrais para reorganização de suas ações como os
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processos de descentralização, a criação de sistemas nacionais de avaliação de
desempenho e de valorização docente, as reformas curriculares e as novas formas de
gestão dos sistemas de ensino (Neto, 2007). Vale destacar que as propostas de reformas
expandidas para toda a América Latina foram formuladas em diversos documentos
resultantes da ação de governos da região em parceria com agências multilaterais de
desenvolvimento como UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,a
Ciência e a Cultura), CEPAL ( Comissão Econômica para a América Latina) e a OEA
(Organização dos Estados Americanos). As iniciativas políticas destes organismos
geraram vários projetos.
O Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe resultado de
uma declaração de intenções assinada pelos ministros de Educação da América Latina e
Caribe no início dos anos de 1980, no México, apresentava como metas a alcançar até
2000 os seguintes objetivos:assegurar o acesso à escola, antes de 1999, a todas as
crianças em idade escolar e oferecer-lhes uma educação mínima de 8 a 10 anos, acabar
com o analfabetismo antes do século XX e ampliar a oferta educativa para jovens e
adultos e melhorar a qualidade e a eficiência dos sistemas educativos.
O PPE como uma referência, para o campo educacional em todo o continente, na
intenção de se implementar uma política de desenvolvimento social, vem sofrendo
alterações em decorrências das crises políticas e econômicas,e em função disso,
produzindo novas metas a alcançar.
Nas últimas década (1980 e 1990) buscou-se valorizar a educação como
investimento social, conferindo-lhe a função de das respostas às demandas de
desenvolvimento econômico.
As metas qualitativas destas duas últimas décadas se
opunham as primeiras metas quantitativas estipuladas no final dos anos de 1970, antes
do acirramento da crise econômica desta década e o estabelecimento do receituário
neoliberal.
A história recente do desenvolvimento educativo no continente latino-americano
caracteriza-se por um processo de transformações do qual emergem três aspectos: o
papel social designado à educação (educação com qualidade e equidade) , a importância
da educação para assegurar igualdade de oportunidade e o significado ético-político
atribuído á educação para contribuir com a paz, a democracia e o desenvolvimento (Idem,
2007:21).
Na nova orientação do PPE, a preocupação é a de garantir oportunidades
educativas aos excluídos, ficando ressaltada a temática da equidade como referência à
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igualdade de oportunidades.O alvo seria a maioria da população, priorizando os menos
favorecidos, maiores vítimas de carências educativas e mais vulneráveis . Desta forma
seriam os que estavam na pobreza absoluta, as diferentes etnias indígenas, os
analfabetos de 15 anos ou mais, as crianças e jovens do meio rural e as crianças com
necessidades especiais. É importante ressaltar, entretanto, que este público-alvo
continuaria a ser alvo de ações focalizadas por parte das políticas educacionais, tendo
como referências os pressupostos neoliberais.
A educação como política social passa a se associar aos campos do trabalho, da
cultura e da informalidade, voltando-se para os segmentos mais vulneráveis da população
como uma ação estratégica à inserção nos processos de globalização. O maior desafio
posto seria o de conseguir maior equidade na oferta de ações educativas e de garantir a
permanência à educação de qualidade, em especial aos de menor poder aquisitivo.
Como se vê, as políticas educacionais vão projetando tendências políticas
estratégicas mais globais e, assim, redefinindo, na prática, o campo educacional com
base em princípios gerencialistas com destaque para a descentralização e a focalização.
A materialização deste novo campo se expressa nas tendências de privatização e
implementação de ações compensatórias como as ações afirmativas.
A
tendência
mundial
de
crescente
privatização
da
educação
começa,
gradualmente, no Brasil, a minar o caráter público das universidades federais e estaduais
na medida em que os governos cortam e/ou reduzem o repasse de verbas, forçando-as a
adotarem formas alternativas de captação de recursos, em parte articuladas ao setor
privado. Os problemas, daí, decorrentes são a queda da qualidade do ensino e os limites
à expansão e à democratização de acesso ao ensino superior.
A crise das universidades públicas como tema destacado nas pautas de
discussões acadêmicas e políticas, expressa as precárias condições que, na prática, elas
se encontram. Sem condições objetivas de reajuste salarial de seus docentes e técnicosadministrativos, de ampliação e reajuste das bolsas de seus estudantes, bem como da
conservação e melhoria de sua infra-estrutura, as universidades se deparam também com
uma limitação de ofertas de vagas em relação à faixa etária da população e,
proporcionalmente, às conclusões do ensino médio. Como o ensino fundamental tende à
universalização de acesso, e o ensino médio, por sua vez, vive um promissor processo de
expansão de matrículas e conclusões, há uma barreira concreta de inserção, no ensino
superior público, das camadas mais desfavorecidas da população, já que nesse nível de
ensino, o setor privado predomina.
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4. Conclusões
Entre as camadas mais desfavorecidas destacam-se os afro-brasileiros, que a
partir da Constituição de 1988, intensificam ações coletivas na tentativa de resgate de
direitos historicamente negados, como o direito à educação. As denominadas ações
afirmativas, que se destacaram nos EUA, nos ano de 1960, instituindo políticas para tratar
de forma diferenciada os que se encontram em posições desiguais, inspiraram os
movimentos étnicos, no Brasil, em suas lutas em busca de efetivação de direitos de
cidadania. Como resultado, temos as políticas de cotas, hoje, em diversas universidades
públicas no esforço de se combater a desigualdade racial num país de extremas
desigualdades sociais.
A diversidade cultural historicamente foi relegada das políticas sociais na América
Latina, cabendo ao Estado coibir os fatores de discriminação de ordem estrutural (Leal
apud Gomes,2002002:142). A atual estrutura jurídica-institucional brasileira, inspirada nos
preceitos da Constituição de 1988, deu base para a valorização cultural de grupos étnicos
e minoritários como negros e indígenas, que vêm empreendendo vigorosas ações em
defesa de seus interesses.
A partir das lutas dos movimentos étnicos afro-brasileiros, a discriminação racial,
no Brasil, camuflada sob o manto da dita “democracia racial” começa a ser reconhecida.
Os debates em torno da desigualdade racial vêm contribuindo para alertar a sociedade
sobre a necessidade das políticas de ação afirmativas, cujo objetivo é igualar a
oportunidade através de mecanismos reparadores de discriminação e desigualdade
social, de raça, de gênero, de idade e de origem. As ações afirmativas buscam, assim,
minimizar os efeitos das diversas formas de desigualdade, acionando as políticas de
cotas.
A partir da III Conferência contra a Xenofobia e o Racismo, realizada em Durbam,
em 2001, o governo FHC criou o Decreto n. 4228 que compõe o Programa Nacional de
Ações Afirmativas. No governo Lula, em maio de 2003, é criada a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial através da Lei n. 10678. Estas medidas legais,
que deram base legal, para a criação das primeiras ações afirmativas em universidades
públicas brasileiras, respondem a um movimento político estratégico do capitalismo
mundial voltado para o campo educacional com foco na pobreza e na diversidade étnica.
As Reformas educacionais dos dois governos de FHC (1994 – 2002) articulavamse ao projeto de ajuste econômico às demandas do grande capital. Trata-se da ditadura
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do mercado ou do capital das mega-corporações, impondo aos pises periféricos uma
subordinação com os centros hegemônicos do grande capital .
A redução do gasto público nas políticas sociais e, especificamente, na educação,
permanece no governo Lula. A gestão das políticas sociais prioriza a focalização como
estratégia para aplicação de recursos escassos e observa-se a expansão do setor
privado, principalmente no ensino superior.
A Política de redução do gasto público encontra na privatização um mecanismo
eficiente para auxiliar no “saneamento” das contas públicas sem deixar de ofertar
serviços. Hoje mais de 70% dos alunos de curso superior estudam em escolas
particulares, um índice semelhante ao do Chile apontado como um dos mais altos do
mundo (Scheikman:2006).E na pós-graduação o setor privado já ultrapassou em muito o
setor público. Dados do IBGE mostram que o setor privado da pós-graduação cresceu
30% de 2001 a 2004, enquanto o público variou 8%. Com isso, a participação privada nas
matrículas passou de 49,7% do total para 54,4% (Gois apud Schwartzman:2006).
A redução do setor público gera novos investimentos e programas governamentais
no setor privado como o PROUNI (programa Universidade para Todos) e o FIES(
Programa de Financiamento no ensino superior). O ensino público, por sua vez, passa a
contar com medidas compensatórias como as cotas, já que estas não são acompanhadas
de medidas eficazes de apoio à permanência dos alunos na universidade.
As políticas de cotas têm um sentido de igualdade, que não é o da igualdade
formal, mas material a fim de se realizar, através de ponderações, a distribuição de bens
sociais, tratando desigualmente os que se encontram em posições desiguais. Apesar das
polêmicas que as envolvem, as cotas ganham certa legitimidade com a percepção de que
as medidas clássicas, a cargo do Estado, de combate à discriminação são ineficazes.
Atualmente as ações afirmativas e as cotas tendem a serem vistas, no Brasil, como
mecanismos facilitadores de inclusão social. As cotas nas universidades para afrobrasileiros, indígenas e oriundos de escolas públicas são um exemplo destes
mecanismos, haja vista a já comentada relação entre educação e melhoria das condições
de vida.
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4. Indicações Bibliográficas
COSTA, Lúcia Cortes. Integração regional e proteção social no contexto do Mercosul In:
MENDES, Jussara Maria Rosa et al (org). Mercosul em Múltipla Perspectivas: fronteiras,
direitos e proteção social.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
GUIMARÃES, Luisa e QUEIROZ, Vinicius. Integração européia e acordos fronteiriços em
saúde na euroregião de Extremadora – Alentejo In: MENDES, Jussara Maria Rosa et al
(org). Mercosul em Múltipla Perspectivas: fronteiras, direitos e proteção social.Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2007.
GOIS, Antônio. Setor Privado já domina a Pós-Graduação. Folha Online .31 de julho de
2006.
LEAL, Maria Cristina. Relatório de Pesquisa: A Política de Assistência aos estudantes de
cotas. Faculdade de Serviço Social – Uerj, 2006.
NETO, Antônio Cabral et al (org). Pontos e Contrapontos da Política Educacional: Uma
breve leitura contextualizada de iniciativas governamentais. Brasília: Liber Livro, 2007.
MENDES, Jussara Maria Rosa et al (org). Mercosul em Múltipla Perspectivas: fronteiras,
direitos e proteção social.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
SCHEINKMAN, José Alexandre. “O Financiamento da universidade pública” In:
Dinheiro,B-2, Folha de São de Paulo, 30 de julho de 2006.
VELLOSO, Jacques at AL (org). O Ensino Superior e o Mercosul. Rio de Janeiro:
Garamond / UNESCO
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