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Investigação de uma metodologia de apoio à tomada de decisão
encetada na adequação do argumento 52 de Chaïm Perelman a uma
estratégia de mediação de Christopher W. Moore
Ana Clara Fiorin Maziero1
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Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC
Av. dos Estados, 5001, Santo André, SP
Este trabalho versa sobre uma metodologia de apoio a tomada de decisão para a gestão de acordos quando as partes envolvidas em
uma divergência possuem interesses mutuamente interdependentes e estão propensas a buscarem um resultado win-win e uma solução
integrada do problema, ou, abordagem colaborativa para o conflito. Por esse prisma, destaca-se o processo de negociação integrativa
embasado no Projeto de Negociação de Harvard que tem contribuído para o crescimento da prática da mediação - mecanismo de
resolução de conflitos em que a tomada de decisão é feita pelas partes envolvidas na disputa (WINSLADE, MONK, COTTER, 1998).
Para corroborar no processo do método integrativo, tenta-se adequar algumas técnicas discursivas de Chaïm Perelman, cuja meta é
ganhar ou aumentar a adesão das mentes ao assentimento de teses com vista à gestão pacífica de acordos. Neste sentido, o referencial
teórico deste trabalho apresenta um sistema conceitual fundamentado nas obras: ‘O Processo de Mediação’ de Christopher W. Moore e
o ‘Tratado da Argumentação: A nova Retórica’ de Chaïm Perelman das quais associa-se o argumento 52 – a regra de justiça - de
Perelman a uma, das cinco estratégias que podem guiar a mediação à luz das contribuições de Moore. Ademais, utiliza-se a
fundamentação teórica do Método de Harvard para avaliar as vantagens da barganha baseada em princípios – interesses ou méritos visto que, observa-se uma perspectiva construtiva de como lidar com um conflito neste método.
Palavras-chave: Mediação de conflitos; Barganha baseada nos interesses; Técnicas argumentativas; Apoio à decisão.
O
I.
INTRODUÇÃO
processo de interação entre as sociedades,
comunidades,
organizações
e
relacionamentos
interpessoais suscitam discordâncias, como aduz Hodgson
(apud MARTINELLI e ALMEIRA, 2008:47): “a simples
existência de diferentes grupos já cria um potencial latente de
conflitos”. Todavia, por mais que os objetivos, entre duas ou
mais partes conflitantes, sejam distintos e um obstrua o outro,
pode-se criar um relacionamento com esse outro; até mesmo
em um dilema, quando o outro é uma parte de nós mesmos.
Segundo Goethe (apud GALTUNG, 2006:13), “há duas almas
no mesmo peito”, e nem sempre essas almas podem estar de
acordo, emanando uma tomada de decisão.
Neste aspecto, precisa-se buscar soluções racionais que
levem a um acordo embasado em diversos acordos
previamente admitidos pelas partes, ou seja, o uso de
estratégias eficazes que lidam com aspectos particulares das
questões envolvidas na disputa em conjunto com técnicas que
promovam argumentos fortes, pode auxiliar para o
desenvolvimento da comunicação humana e a emancipação da
resolução de conflitos futuros sempre que o objeto do debate
não é a verdade de uma proposição, mas o valor de uma
decisão considerada justa, eqüitativa e razoável (PERELMAN,
2004). Ou seja, conflitos gerados por opiniões, ou
interpretações distintas, fogem de uma solução formal e
geométrica.
Embora o significado do termo conflito possa remeter a um
combate, a uma luta ou a um choque entre diferentes forças,
um conflito pode não ser visto como algo prejudicial que trará
um resultado do tipo “perdedor-ganhador”, logo, pode ser
encarado de forma positiva, como oportunidade de
aprendizagem
para
chegar
a
acordos
comuns,
independentemente da multiplicidade de valores e opiniões.
Por esse prisma, Rapoport (1980) elucida o conceito de
conflito diferenciando três tipos de conflitos humanos, a saber:
lutas, jogos e debates; para este autor, uma luta objetiva o mal
do oponente e para isso se despe de racionalidade; em um jogo
o objetivo é ser mais esperto do que o adversário, assim utiliza
cálculos e considerações estratégicas com base na
racionalidade do adversário e, por fim, no debate os
adversários dirigem seus argumentos um para outro a fim de
obter um assentimento.
No âmbito da resolução de conflitos, versaremos sobre o
processo de mediação que é um meio colaborativo de
resolução de conflitos. Nesta abordagem, a tomada de decisão
é realizada pelas partes envolvidas na disputa, porém há
interferência de uma terceira parte aceitável que tem um poder
de decisão não-autoritário, tentando dirimir o conflito.
Segundo Moore (1998) os mediadores podem ajudar as partes
a conduzirem de maneira mais eficiente uma barganha
baseada nas posições ou nos interesses. Porém como o
objetivo da mediação é ajudar a chegar a um acordo que seja
aceitável para todas as partes, há uma tendência de buscar
soluções integrativas e baseadas no interesse para que ambas
as partes cheguem a um acordo de forma cooperativa e
voluntária. Dessa forma, a mediação não é uma técnica, mas
um conjunto de técnicas que compõe um método de se
resolver conflitos (NAZARETH, 2006). Esse processo de
resolução de conflitos é, segundo Moore (1998), um
prolongamento do processo de negociação onde há uma
terceira parte auxiliadora que apenas corrobora para as partes
envolvidas no conflito tomarem decisões menos polarizadas
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que cooperem com a solução da disputa.
O contributivo da argumentação engaja-se no tocante de
possibilitar a comunicação, valorizar a negociação e o diálogo,
tentando convencer pacificamente através do aumento da
adesão dos espíritos. Pode-se estudar as abordagens e
estratégias para resolução de conflitos, a fim de obter o melhor
resultado possível no nível de discussão do conflito,
satisfazendo as necessidades percebidas por ambas as partes.
A reabilitação da retórica aristotélica por Chaïm Perelman,
fornece uma noção de validade através de uma razão
argumentativa, ao invés de uma verdade puramente formal;
permitindo identificar as relações entre a lógica formal e a
“quase-lógica” para fazer uma distinção significativa entre o
racional e o razoável, onde os valores seriam melhores
tratados pela retórica do que pela lógica puramente formal
(OLIVEIRA, 2007).
II.
OS ÂMBITOS DA ARGUMENTAÇÃO
1) As Técnicas Argumentativas
Como aduz Oliveira (2007:85) é possível demonstrar que a
soma dos ângulos internos de um triângulo retângulo será,
incondicionalmente, igual a 180º independentemente do
contexto no qual se aplique tal propriedade; entretanto, é
impossível pensar a afirmação de que uma determinada ação
humana é mais justa do que outra, independentemente do
contexto ao qual esta ação específica se vincule. Com efeito,
nasce a importância da retórica e da teoria da argumentação
que sustentam as provas utilizadas em direito, em moral, em
filosofia, nos debates políticos, nas negociações, nos processos
de mediação e no cotidiano, onde lidamos com a linguagem
natural e suas ambigüidades. Logo, a dialética, arte da
discussão, se mostra um método apropriado para a solução de
problemas práticos que envolvem valores (PERELMAN,
2004).
Argumentar é influenciar o auditório por meio do discurso
mediante a utilização de raciocínios como meio de prova;
todavia, alguns argumentos são mais ou menos fortes, mais ou
menos pertinentes, ou ainda, mais ou menos convincentes do
que outros (MONTEIRO, 2003), ou seja, a força dos
argumentos está ligada com a motivação para usar
determinados argumentos ou concepções predominantes em
determinados grupos; logo, a noção de força argumentativa
está intimamente vinculada à intensidade de adesão e
relevância dos argumentos, ou seja, ela depende de diferentes
lógicas propostas para chegar ao plausível e do parecer do
auditório a quem a orientação é direcionada. Portanto, orador e
auditório participam do discurso como fatores indispensáveis
para a determinação de um resultado razoável (MONTEIRO,
2003).
Segundo o autor da Nova Retórica (PERELMAN, 2005),
quem submete os argumentos quase-lógicos à análise, logo
percebe as diferenças entre essas argumentações e as
demonstrações formais, pois apenas com um esforço de
redução, de natureza não-formal, tais argumentos ganham uma
aparência demonstrativa; em outras palavras, os argumentos
quase-lógicos tiram sua força persuasiva de sua aproximação a
raciocínios evidentes e incontestáveis. O objetivo de Perelman
é caracterizar algumas estruturas argumentativas cuja análise
deve preceder qualquer prova experimental à qual se queira
submeter sua eficácia, sem esquecer que o valor das
argumentações utilizadas não podem ser medidas em
laboratório, pois a racionalidade de cada utilizador da retórica,
na prática, constitui um objeto de controvérsia inerente de
cada ser humano (PERELMAN, 2005).
2) O argumento 52 de Chaïm Perelman
O sentido de um argumento depende de um elo
argumentativo, ele por si só, fora de um contexto pode ser
compreendido com ambigüidades. Destarte, um argumento só
se torna um elemento concreto quando revestido de valor que
é obtido a partir da aplicação dele em casos particulares, isto é,
a argumentação não se desenvolve no vazio, mas em uma
situação social e psicologicamente determinada. Todavia, para
uma primeira aproximação, é cabível que analisemos a
estrutura dos argumentos isolados.
Na esfera dos raciocínios, Perelman (2004) afirma que há
algo em comum entre os raciocínios dialéticos e analíticos,
que é a necessidade de ‘ligação’ entre as premissas e as
conclusões. As técnicas de ligação comportam os argumentos
quase-lógicos, argumentos fundamentados na estrutura do real
e os que fundamentam a estrutura do real. Os argumentos
quase-lógicos se fazem passar por uma demonstração,
aproximando sua estrutura de raciocínios formais, tais como
os argumentos que recorrem a uma definição (§ 50) e
lembram o princípio de identidade; tais como os argumentos
baseados na regra de justiça (§ 52) que aproximam da noção
de igualdade e distancia-se da controvérsia; tais como os
argumentos de comparação (§ 57) que lembram uma medição;
e assim por diante. Todavia, vale ressaltar que nenhuma
argumentação é impositiva, logo os argumentos quase-lógicos
apenas se aproximam de estruturas lógicas, podendo ser
contestados.
O argumento 52 refere-se à regra de justiça que, segundo
Perelman (2005), requer a aplicação de um tratamento idêntico
a situações ou a seres que estão em uma mesma categoria,
visto que se pode relativizar a idéia de igualdade. Assim, é
possível fornecer um tratamento semelhante para dois seres,
ou ainda, duas situações diferentes, mas semelhantes
(OLIVEIRA, 2007). Ademais, o tratamento igualitário é visto
como justo. Logo, para que a regra de justiça se aproxime de
uma demonstração a sua aplicação supõe a existência de
precedentes capazes de instruir as pessoas acerca das
possibilidades de resolver situações semelhantes, visto que os
“seres de uma mesma categoria devem ser tratados do mesmo
modo” (PERELMAN-TYTECA, 2005). A racionalidade e a
validade dessa regra estão em insistir nas semelhanças em
detrimento das diferenças; ou seja, a regra se reporta ao
princípio de inércia que na Física refere-se à tendência de todo
corpo permanecer em seu estado de repouso ou de movimento
retilíneo uniforme quando nenhuma força é imposta para
alterar seu estado inicial, ou seja, na argumentação pela regra
de justiça é plausível reagir de maneira semelhante a anterior
quando há similitudes. Portanto, segundo Perelman (2005) “a
regra de justiça fornecerá o fundamento que permite passar de
casos anteriores a casos futuros, ela é que permitirá apresentar
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sob a forma de argumentação quase-lógica o uso do
precedente”. Desta forma, é o critério da referência vindo da
lógica formal que serve de suporte a noção de justiça.
III.
A SOLUÇÃO INTEGRATIVA E A BARGANHA BASEADA NOS
INTERESSES COMO ESTRATÉGIA PARA GUIAR A MEDIAÇÃO
Em conjunto com as técnicas discursivas, temos uma
diversidade de abordagens e procedimentos para a resolução
de desacordos – cada meio com sua aplicabilidade - como por
exemplo, as negociações não-assistidas, negociações com a
ajuda de um advogado, conciliação, facilitação, mediação,
arbitragem e litígio. Todavia, a seleção de uma abordagem,
segundo Moore (1998), depende de vários critérios,
principalmente das estratégias a serem usadas e seus possíveis
resultados. Segundo este autor, há cinco estratégias gerais na
busca por um acordo entre as partes, a saber, competição,
evitação, acomodação, negociação ou tentativa de barganha
baseada nos interesses. Cada estratégia está intimamente
relacionada com o tipo de resultado almejado. Ou seja, com
base na figura 1 temos que os pontos [2] e [4] são resultados
do tipo ‘ganha-perde’ ou ‘tudo-nada’, típicos de estratégias
como competição ou acomodação; respectivamente. O ponto
[1] representa a estratégia conhecida como evitação ou
adiamento do conflito, logo resulta em um resultado ‘nadanada’. No [3] temos o acordo ou compromisso negociado
como estratégia, porém nenhuma das partes fica integralmente
satisfeita e o resultado é do tipo ‘five-to-five’. Por fim, no
ponto [5] situamos a estratégia de barganha baseada nos
interesses que segundo Galtung (2006), transcende o conflito
inicial e leva as partes a um resultado mutuamente satisfatório,
ou seja, ao ‘ganha-ganha’. Porém, é neste ponto que as partes
conflitantes devem ser criativas, procurarem alternativas de
acordo e razões que sejam razoáveis para ambas.
manifestos quando são associados com a noção de justiça que
permeiam os litígios e conflitos. Perelman (2005) considera a
possibilidade de estabelecer paralelos entre as duas noções e
constata que a noção de justiça tem uma aproximação com a
noção de igualdade (OLIVEIRA, 2007). Destarte, por mais
que as opiniões sejam divergentes, se os interesses das partes
são interdependentes, elas podem buscar um fundamento que
permite passar de casos anteriores a casos futuros, e através da
regra de justiça fazer uso do precedente com o amparo da
argumentação quase-lógica. Ademais, o apelo a essa regra,
segundo Perelman (2005:249) “apresenta um aspecto de
inegável racionalidade”, como por exemplo, quando se
demonstra a coerência de uma conduta. Logo, ao defender o
pluralismo, Perelman revelava a necessidade da pluralidade de
métodos para a dissolução de um conflito, visto que uma única
solução acaba favorecendo um resultado do tipo ‘ganharperder’. Neste contexto, entra o contributivo da regra de
justiça que aduz a noção de igualdade ancorada no valor
argumentativo da justiça formal que acrescido da concepção
da barganha baseada nos interesses, pode expandir as
alternativas para o acordo e levar a uma tomada de decisão
que exclua uma das partes de ser o lado perdedor de um
resultado ganha-perde. Portanto, como vislumbra Fisher, Ury
e Patton (2005:101), “quanto mais aplicarmos padrões de
imparcialidade, eficiência ou mérito científico a um problema
específico, maior a probabilidade de produzir uma solução
final razoável, sensata e justa”.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Mara Marly Gomes Barreto pela inefável orientação,
paciência e dedicação. À Universidade Federal do ABC (UFABC) pela
oportunidade de desenvolver esta pesquisa. Ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.
REFERÊNCIAS
[1]
Figura 1: Possíveis resultados e estratégias para solução de conflitos.
Adaptado a partir de Galtung e Moore.
Desta forma, a barganha baseada nos interesses busca por
uma solução pacífica de conflitos que satisfaça mutuamente as
partes. Este tipo de estratégia está embasado no método
integrativo - ou colaborativo- de resolução de conflitos, que
foi consolidada a partir da década de 80, com os trabalhos dos
pesquisadores do Projeto de Negociação de Harvard (PNH),
no qual o ponto de partida é buscar interesses por trás das
posições e elaborar alternativas de ganho mútuo (FISHER,
URY, PATTON, 2005). Ou seja, a negociação integrativa
enfatiza a cooperação em busca de um resultado win-win.
IV.
CONCLUSÃO
Os problemas relativos à noção de igualdade se tornam
FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como chegar ao sim: negociação
de acordos sem concessões. Tradução Vera Ribeiro & Ana Luiza
Borges. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2005.
[2] GALTUNG, J. Transcender e transformar: uma introdução ao trabalho
de conflitos. Tradução de Antonio Carlos da Silva Rosa. São Paulo:
Palas Athena, 2006.
[3] MARTINELLI, D. P; ALMEIDA, A.P. Negociação e solução de
conflitos: do impasse ao ganha-ganha através do melhor 1ª ed., São
Paulo: Atlas, 2008.
[4] MONTEIRO, C. S. Teoria da argumentação jurídica e nova retórica.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.
[5] MOORE, C. W. O processo de mediação: estratégias práticas para a
resolução de conflitos. Tradução Magda França Lopes. 2ª ed. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
[6] NAZARETH, E. R. Mediação: algumas considerações. Revista do
Advogado, Ano XXVI, n. 87, 2006.
[7] PERELMAN, C. Lógica Jurídica, Tradução de Virgínia K. Pupi. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
[8] PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da
argumentação: a nova retórica. Tradução: Maria Ermantina de Almeida
Prado Galvão. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
[9] RAPOPORT, A. Lutas, jogos e debates. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 1980.
[10] OLIVEIRA, E. C. A Nova Retórica: da “Regra de justiça” ao “Ad
Hominem”. Tese de doutorado em Filosofia. Programa de PósGraduação em Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade de Campinas. Campinas-SP, 2007.
[11] WINSLADE, J.; MONK, G.; COTTER, A. A narrative approach the
practice of Mediation. Negotiation Journal. Volume 14, number 1, 1998.
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