Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
ESTRATÉGIAS DE ENSINO DE BIOLOGIA PARA SURDOS EM ESCOLA
ESTADUAL DA CIDADE DE CHAPECÓ – SANTA CATARINA
Luciane da Rosa (UNOCHAPECÓ) 1
Daniele Da Luz (UNOCHAPECÓ) 2
Jaqueline Reni Loss de Mesquita (UNOCHAPECÓ) 3
Geovana Mulinari Stuani (UNOCHAPECÓ) 4
Resumo:
A inclusão de estudantes surdos nos remete ao desenvolvimento do pensamento abstrato e na
compreensão de conceitos científicos. Esta pesquisa analisa as estratégias usadas por
professores de Biologia no ensino de estudantes surdos. Mediante entrevista, optou-se por
homenagear os professores por nomes científicos de insetos para ilustrar a especificidade do
ensino de Biologia. Os resultados apontam que as estratégias usadas foram uso de Data Show,
vídeos legendados e abordagens dos conteúdos voltados ao cotidiano do estudante. Observouse que o surdo interage com os ouvintes, mas não atingem a todos os objetivos esperados.
Sugere-se nova pesquisa com professores que obtiveram Libras em suas graduações e a
criação e documentação de sinais para termos e conceitos específicos da Biologia.
___________________________________________________________________________
Palavras-chaves: Estudante surdo, Professores, Conceitos científicos.
O ENSINO DE BIOLOGIA PARA SURDOS EM ESCOLA ESTADUAL DA CIDADE
DE CHAPECÓ – SANTA CATARINA
1 INTRODUÇÃO
A inclusão de pessoas com deficiências em escolas públicas do Brasil vem sendo
tratada há aproximadamente vinte anos. Mas hoje em dia, não se busca apenas uma integração
do sujeito, onde ele próprio tem de se adequar ao meio e onde continua a ser visto como
sendo “inferior” aos demais, mas sim mudanças do meio, transformando-o para recebê-lo,
fazendo assim uma inclusão efetiva e verdadeira. Mas falar sobre deficiência abrange uma
amplitude de possibilidades e diversidades. Nesta diversidade nos deteremos especificamente
no sujeito surdo, que trás como peculiaridade à questão da Língua Brasileira de Sinais –
1
Acadêmica do Curso de Ciências Biológica (Licenciatura e Bacharel) – Universidade Comunitária da Região de
Chapecó – Unochapecó. E-mail: [email protected]
2
Acadêmica do Curso de Ciências Biológica (Licenciatura) – Universidade Comunitária da Região de Chapecó
– Unochapecó. E-mail: [email protected]
3
Área de Ciências Humanas e Jurídicas – Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Email: [email protected]
4
Área de Ciências Exatas e Ambientais – Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Email: [email protected]
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LIBRAS. Caracterizando assim sujeitos que leem o mundo de forma viso-gestual. Esta
comunidade, após tanta luta, tem hoje o direito de ter uma língua própria amparada pela Lei
Federal n.º 10.436/2002 (BRASIL, 2002), que entre tantos outros direitos, lhes garantem o
direito de ter um interprete em sala de aula.
Os conteúdos teóricos de Ciências e Biologia trazem certa especificidade que é o uso
de nomes científicos dos seres vivos. Esta particularidade da disciplina nos remete a pensar
nas metodologias usadas pelos professores. À vista disso, e dentro do tema surdez, foi
selecionada uma escola estadual que é considerada Escola Polo no atendimento aos surdos em
Chapecó, SC. E surge o seguinte problema: Quais estratégias de ensino de Biologia são
utilizadas para o aprendizado dos estudantes surdos? Na intenção de obtermos os dados para
analisar este problema, foram trabalhadas e analisadas as seguintes questões de pesquisa:
Quais estratégias de ensino são usadas para ensinar Biologia para o sujeito surdo? Como o
professor trabalha com os nomes científicos para o estudante surdo? Quais instrumentos de
avaliação utilizados pelo professor para o estudante surdo? Qual a estrutura oferecida para
aplicação da Lei Federal nº 10.436/2002? O objetivo deste trabalho é compreender as
estratégias de ensino utilizadas pelos professores de Biologia para estudantes surdos. E na
intenção de observarmos estas estratégias, bem como de respondermos a estas questões,
temos como objetivos específicos: Identificar como a Lei Federal nº 10.436/2002 está sendo
aplicada; Identificar o planejamento dos professores em relação aos conteúdos de Biologia, as
atividades e avaliações do estudante surdo.
2 EDUCAÇÃO DO SUJEITO SURDO E O ENSINO DE BIOLOGIA
Conhecer a história dos surdos é uma das formas para compreender a deficiência
biológica, as limitações que esta pode apresentar. Sendo importante perceber que o biológico
não pode ser visto como único, mas ele é o sujeito social que se apresenta na sociedade e tem
necessidades de relacionar-se, levando-nos a interagir com eles e assim tomar conhecimento
dos acontecimentos relacionados à educação de várias épocas (QUADROS, 1995).
Na antiguidade, “para os gregos os surdos não eram considerados humanos, pois a fala
era essencial, resultado dos pensamentos. Até o século XII, as pessoas surdas eram privadas
de escolarização e de se casarem” (HONORA et al., 2000, p.19). Na Idade Média, o número
de surdos era grande devido às famílias nobres, que acabavam se casando entre si, gerando
então seres com anomalias na fala. O surdo na Idade Moderna torna-se alvo da medicina e da
Igreja Católica, mas é no final da Idade Média que os dados com a educação do sujeito surdo
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tornam-se viáveis. Os primeiros educadores surgem a partir do século XVI com Gerolamo
Cardano (1501-1576 apud HONORA et al., 2000), para ele a surdez não impedia os mesmos
de receberem instruções, onde a escrita justificava o som da fala e a ideia do pensamento. Já
no século XX, o surdo frequentava oito anos de escolaridade, e ao sair os que não conseguiam
se adaptar ao oralismo, eram considerados inaptos. Atualmente o método mais usado nas
escolas é o bilinguismo sendo a língua materna a Língua Brasileira de Sinais e como segunda
língua a Língua Portuguesa Escrita, mas precisamos sempre reafirmar que o surdo é capaz e
participante ativo da sociedade.
A história da educação dos surdos passou por mudanças profundas com o início do uso
da língua de sinais no processo de ensino, onde ocorreram grandes sucessos e fracassos. “A
escola possuía uma visão delimitada à escolarização de um grupo privilegiado, ocasionando
uma exclusão legitimada pelas práticas educacionais. Criou-se o paradoxo inclusão/exclusão,
contudo continuando a excluir os considerados fora do padrão” (SILVA, 2010, p. 16).
Hoje a educação constitui direito de todos os cidadãos brasileiros, surdos ou não, e
cabe aos sistemas de ensino viabilizar as condições de comunicação que garantam o acesso ao
currículo e à informação. Segundo Quadros (2006), o surdo percebe o mundo de forma
diferenciada dos ouvintes, através de uma experiência visual e faz uso de uma linguagem
especifica para isso a língua de sinais. Esta língua é, antes de tudo, a imagem do pensamento
dos surdos e faz parte da experiência vivida da comunidade surda. O que para Mesquita,
(2007, p. 16), “significa entender o surdo como uma pessoa que possui não só uma língua
diferente, mas uma língua materna que não é a língua portuguesa”.
No que confere o ensino de Biologia, consideramos a “existência de um campo de
estudos, de pesquisas e de práticas sustentado por uma comunidade de educadores e de
pesquisadores cuja atividade de cunho didático, confere sentido a esse campo”
(MARANDINO et al., 2009, p.21). Surgem, pois tentativas de se buscar novas formas e
estratégias de ensino e onde as observações e experiências tentam prever o comportamento
dos estudantes e assim ajudar nas atividades dos docentes. Mas de acordo com Krasilchik
(2008, p 23) “como qualquer campo, há controvérsias sobre as diferentes teorias que admitem
várias concepções de aprendizado”. E levando em consideração as diversidades dentro da
escola, não só culturais como também as diferentes construções de conhecimento de cada um,
o professor é o mediador responsável por este processo de cognição. Segundo Krasilchik
(2008, p. 11), “um conceito cada vez mais presente nas discussões dos educadores é o da
‘alfabetização biológica’, um processo contínuo de construção de reconhecimentos
necessários a todos os indivíduos que convivem nas sociedades contemporâneas”.
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Mas outro problema enfrentado pelos professores de Ciências e Biologia é a
realização de aulas práticas, as carências de materiais adequados, de espaço físico, de verbas e
de acesso à bibliografia específica limitam essas aulas. Onde se poderiam trabalhar com
plantas e animais vivos, onde, segundo Armando e Araújo (1988, p. 09) “os estudantes do
Ensino Médio tem no máximo cadáveres para manipular ou observar dentro de vidros
específicos, perde-se toda beleza intrínseca”. O ensino de ciência deve proporcionar aos
estudantes a inquietação diante do desconhecido, “buscando explicações lógicas e razoáveis,
amparadas em elementos tangíveis” (BIZZO, 2002, p. 14), possibilitando que o estudante
questione e torne-se um sujeito crítico. E considerando que os conteúdos são voltados para
sua denominação científica, o aprendizado dos estudantes surdos requer uma compreensão
maior do subjetivo ao objeto. De acordo com Armando e Araújo (1988, p. 09), “busca-se
então, através do estudo e do convívio diário com seres vivos, práticas que estimulam o
respeito, a sensibilidade e a profunda curiosidade do estudante em ralação ao mundo dos seres
vivos”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) contribuem como referencial para
educação em todo o País na busca de melhoria na qualidade do ensino, tendo em sua função
socializar discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e
professores inclusive “daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a
produção pedagógica atual” (PCNs, 1997, p.13).
3 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS
Reconhecendo que toda pesquisa é uma prática necessária na construção da vida
social, optou-se por uma pesquisa qualitativa e descritiva, onde, segundo Minayo (2010, p.
24) “amplia-se em um conjunto de interpretações que descrevem e decodificam elementos
complexos”. E considerando que a entrevista é uma técnica importante para obter informações
contidas nas falas (MINAYO, 2010), foram entrevistados três professores que trabalharam
com estudantes surdos na disciplina de Biologia no ano de 2013.
Sendo assim, foram tomados alguns procedimentos para a realização deste estudo.
Primeiramente houve um contato com a escola para mapear os professores de Biologia que
atuam com estudantes surdos no decorrer do ano de 2013. Estes professores foram contatados
para esclarecimento da pesquisa e agendamento da entrevista; Encaminhamento do termo de
esclarecimento e consentimento para a realização da pesquisa; Realização da entrevista,
individualizada, com os professores selecionados que aceitaram participar da pesquisa;
Transcrição da entrevista, análise e interpretação dos dados.
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4 ANALISE DE DADOS
Para analisar os dados coletados, foi feito um exame dos conteúdos, que é o resultado
das entrevistas com os professores da escola, em três momentos, que conforme Bardin (1977)
apresenta: pré-análise; descrição analítica e análise das respostas que será embasada e apoiada
nos referenciais teóricos para quaisquer hipóteses que venham a surgir.
Como na Biologia existe a especificidade de se usar nomes científicos, percebemos
que esta nomenclatura em latim, não possui um sinal específico em Libras, tendo que ser
usado os sinais de soletração, que se identifica por datilologia. Os nomes fictícios de cada
indivíduo presente nesta pesquisa foram escolhidos como forma de “homenagear” aqueles
que contribuíram com este trabalho, servindo não só para preservar suas identidades, mas nos
proporcionando a oportunidade de usar nomes científicos para ilustrar as dificuldades que
existem não só na pronuncia quanto para soletração em libras. Assim, identificamos os
professores como insetos artrópodes, pela forma particular de seus olhos, que são compostos
por omatídeos dando-lhes uma visão peculiar. Foram identificados como Maculinea alcon,
uma borboleta azul, Orthemis ferruginea uma libélula rosa e como Phaneroptera falcata que
é um gafanhoto verde (BRUSCA & BRUSCA, 2007).
4.1 Um olhar através dos omatídios dos professores.
Sendo os professores aqui identificados por nomes científicos de insetos
descreveremos um breve resumo das características desses olhos de uma forma mais científica
como são abordados em aulas de Ciências e Biologia, seguindo as terminologias específicas:
Os insetos possuem olhos compostos que compreendem de poucas a muitas unidades
fotorreceptoras distintas, denominadas omatídeos. Cada omatídeo é suprido pelo seu próprio
trato nervoso que se liga ao nervo óptico principal e cada um tem o seu próprio campo de
visão através de uma faceta quadrada e hexagonal de cutícula localizada sobre a superfície do
olho, segundo Brusca & Brusca (2007). Estas estruturas lhes permitem uma visão mais
panorâmica do meio.
Relacionamos assim esta visão ampla dos insetos com o modo de ver dos professores
aos seus estudantes, podendo identificar dentro da sala de aula as especificidades de cada um
sendo que os mesmos têm suas particularidades e possibilitando atender a todos de forma a
promover o conhecimento não só do grande grupo, mas também individualmente.
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4.1.1 O olhar da borboleta azul – Professora Maculinea alcon.
A primeira entrevista foi realizada com a professora Maculinea alcon, formada no
estado do Paraná, e trabalha há dois anos em Santa Catarina. Começou a frequentar um curso
gratuito de libras oferecido pelo estado, mas devido ao choque de horários com as escolas,
não conseguiu dar sequência ao estudo. Declara possuir um bom relacionamento com as
turmas em que trabalha. Este fato se evidencia a partir do momento em que a respectiva
professora “vivencia situações de respeito, amizade e compreensão” (VELTRONE e
MENDES 2007, p.4), tanto com os estudantes surdos, quanto com os estudantes ouvintes.
Desenvolve as atividades de forma tranquila, mas questiona-se quanto a sua habilidade de
comunicar-se diretamente com os estudantes surdos.
Esta reflexão surge devido ao fato de na sua formação docente não contemplar
nenhuma disciplina específica na área da surdez. Neste contexto, há de se considerar a
importância da formação continuada que propicie bases para lidar com os eventos inusitados
que compõem o cotidiano de trabalho docente. Nessa mesma direção Saraiva et al. (2007) se
refere que seria de grande valia o planejamento pelos órgãos responsáveis ou que se envolvem
em práticas da formação dos docentes, o oferecimento desses cursos no período letivo.
A Professora Maculinea alcon reflete que a implantação da Lei 10.436 é muito
relevante e reforça a sua importância, mas alega que seria necessária uma nova reformulação
dentro do modelo de ensino. Onde não só ter o intérprete como um apoio, mas uma
preparação para o professor em sala de aula. Segundo Veltrone e Mendes (2007, p. 02) “a
inclusão exige da escola novos posicionamentos que implicam num esforço de atualização e
reestruturação das condições atuais”, para que professores se aperfeiçoem e que o ensino se
modernize, adequando as ações pedagógicas à diversidade dos estudantes. “A educação
inclusiva não se fará se não forem introduzidos na sala de aula instrumentos diferentes dos
que têm vindo a ser utilizados” (SANCHES, 2005, p. 131).
Ao trabalhar a disciplina de Biologia a professora Maculinea alcon não faz nenhuma
distinção entre os estudantes. Ministra sua aula apresentando o conteúdo e conversando com a
intérprete e tenta elaborar uma forma com que o estudante surdo compreenda o tema
apresentado. Também declara que percebe um limite de cognição no sujeito surdo, onde ele
não consegue interpretar o conteúdo exatamente como o ouvinte. Percebe-se com esta fala,
alguns elementos da integração, onde o estudante está inserido e não incluído ao meio, e que
por causa de sua limitação em ouvir terá uma capacidade inferior aos dos colegas. Pressupõe
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pelo fato da necessidade de um intérprete esse limite está explícito. Também percebemos em
sua fala alguns estigmas sociais em que vê o ouvinte como mais importante. Dessa maneira a
professora Maculinea alcon faz suas avaliações de uma forma mais ampla e não diferenciada
dos ouvintes, mas aborda o tempo de maturidade cognitiva dos mesmos, não distinguindo
estudantes surdos dos ouvintes.
Em relação ao intérprete em sala de aula, a entrevistada alega que surgem problemas
na transmissão dos conteúdos. Havendo necessidade de o interpretador entender o conceito
para poder estar transmitindo. E pontua as dificuldades na elaboração de aulas específicas,
como vídeos, para melhor ilustrar as aulas para os estudantes surdos. Mas conforme
Krasilchik (2008, p. 77), devemos incluir uma “diversidade de modalidades didáticas, pois
cada situação exige uma solução própria, ou seja, as variações das atividades podem atrair e
interessar os estudantes atendendo as diferenças individuais”. E neste contexto atendendo a
todas as diversidades existentes em sala de aula.
4.1.2 O olhar da libélula rosa – Professora Orthemis ferruginea.
A segunda entrevistada, professora Orthemis ferruginea, que leciona na escola desde
2002 e atua há onze anos com estudantes surdos em sala de aula, diz ter domínio completo
das turmas e facilidade em trabalhar com eles, mas declara que foi só com a própria prática
que aprendeu a desenvolver suas aulas voltadas para estudantes surdos. Visto que na
formação desta professora não houve uma disciplina que abrangesse a surdez
especificamente, sendo esta, graduada antes da implantação da Lei Federal 10.436, a qual vê
com bons olhos. Mas trás que os materiais de apoio vêm da própria escola que acaba
comprando materiais didáticos direcionados aos surdos, e que estes se constituem
fundamentais na educação destes, visto que deixam mais concretos os conceitos que seriam
vistos de uma forma mais abstrata. Além desses materiais didáticos, a escola também
disponibiliza data show em cada sala de aula. O que vem a contribuir com imagens os
conceitos e as terminologias específicas de Biologia, facilitando assim a compreensão do
conteúdo pelo estudante surdo e beneficiando os ouvintes na assimilação da matéria.
Segundo Marandino et al. (2009) se não houvesse essa participação da escola com o professor
para estar incluindo esses materiais, a adoção dessa perspectiva no âmbito escolar implicaria a
exclusão de uma série de conteúdos de ensino. Dentro das contribuições da escola, os
estudantes têm aulas de Libras uma vez por semana para todos, em disciplinas
diferentes. Possibilitando um entrosamento e uma comunicação mínima dos ouvintes com os
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surdos. Assim, a professora percebe que a inclusão é benéfica não só para o sujeito surdo,
mas também para a construção da personalidade do ouvinte.
No contexto da avaliação, a professora Orthemis ferruginea menciona a dificuldade
em preparar as provas, sendo que utiliza de figuras em algumas delas para auxiliar o surdo,
mas que não consegue fazer isso em todas as avaliações. Ressalta ainda que o sistema de
Ensino Público não disponibiliza um tempo específico para os professores da Rede Estadual
que trabalham com surdos para elaborar as aulas e buscar materias como vídeos com tradução
em Libras.
Com relação aos intérpretes a professora Orthemis ferruginea argumenta que muito do
desenvolvimento dos surdos se deve a eles, pois conseguem transmitir o que ela passa de
conteúdo e o que ela explica. Salienta que antes os estudantes surdos vinham de outra escola e
era mais difícil para eles acompanharem os ouvintes, mas que agora, como eles já começam
no Ensino Fundamental nessa escola, eles já competem de forma igual com os ouvintes.
Apesar disto, a professora não necessita do auxílio do intérprete para preparar suas aulas. E
esclarece que o intérprete está ali apenas como um intermediador para a hora da aula.
Então, esta professora vê como uma facilidade o fato do estudante surdo começar na
escola desde a primeira série do Ensino Fundamental, já com intérprete, e seguir na mesma
escola. Diz que isso abre um caminho para eles compreenderem melhor os conteúdos. Mas
ressalta ainda a sua maior dificuldade, que se trata da elaboração das aulas para estes
estudantes. Comenta que ideias têm, mas não tem é tempo de se dedicar especificamente
como ela gostaria.
4.1.3 O olhar do gafanhoto verde – Professor Phaneroptera falcata
O professor Phaneroptera falcata trabalha com surdos desde 1996 e informa que
durante a sua graduação não houve nada de específico em relação à surdez. O que fez com
que buscasse, como autodidata, os conhecimentos necessários para se trabalhar com o sujeito
surdo. Neste sentido o professor frisa que a Lei federal 10.436 é excelente, porém, faz uma
ressalva quanto a outras síndromes associadas à surdez. Pois percebe uma dificuldade em
trabalhar com outras deficiências se não a surdez da qual se preparou após a sua primeira
experiência. E reflete sobre uma classificação dentro dessa Lei, pois o professor intérprete
precisa estar lidando com umas cinco ou seis síndromes além da surdez e isso faz com que
haja uma dificuldade de comunicação. Esta classificação poderia estar norteando o professor
intérprete dentro da sala de aula.
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Quanto ao ensino de Biologia pondera que com os estudantes surdos, consegue
trabalhar bem o conteúdo, para que façam uma boa assimilação dos conceitos, buscando
associar ao dia a dia dos estudantes, no que condiz da relação entre o conteúdo específico e o
ambiente do seu entorno. Podemos perceber que a metodologia para os estudantes surdos são
as mesmas para os estudantes ouvintes e ao trazer esta associação para os estudantes surdos,
está associando ao mesmo tempo para os estudantes ouvintes. O que podemos considerar
como um ponto positivo da inclusão. Segundo Krasilchik (2008, p. 12), “espera-se que ao
concluir o Ensino Médio, o estudante seja capaz de pensar independentemente, adquirir e
avaliar informações, aplicando seus conhecimentos na vida diária”.
Em relação à avaliação, o professor Phaneroptera falcata se baseia nos quatro pilares
da educação, no qual Delors et al (1998, p. 89), nos trás: “aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser”. Mas não dispensa a parceria com o intérprete
na preparação de suas aulas e avaliações, pois considera indispensável à participação deste
para que possa estar atendendo ás necessidades específicas do sujeito surdo. Acredita ser
fundamental esta participação, visto que já trabalhou com outras pessoas não capacitadas para
esta função. E hoje percebe uma grande mudança em relação a isso.
Como o professor faz o seu planejamento voltado para os estudantes surdos e declara
que trabalha em conjunto com o intérprete onde este o auxilia na elaboração das aulas.
Observa que ter um intérprete habilitado em sala de aula representa grande facilidade para se
trabalhar com os surdos. Mas percebe que quando estes se apresentam com outras síndromes
associadas, isso constitui uma grande dificuldade para ministrar suas aulas.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
As estratégias desenvolvidas pelos professores de Biologia como a utilização de
recursos que estes dispõem, como materiais didáticos, moldes, data show e vídeos legendados
para ministrar suas aulas, são de fundamental importância para assimilação dos conceitos da
disciplina. Verificou-se que os professores com mais tempo de práticas voltadas para
estudantes surdos em sala de aula se sentem mais seguros e confiantes para ministrar suas
aulas. Mas o contrário acontece com quem tem menos experiência, já que não trazem da
graduação disciplina referente ao ensino para surdos, especificamente, e no qual Veltrone e
Mendes (2007) nos diz que se fazem necessários cursos específicos, sendo a inclusão uma
realidade atual das escolas, e que Vieira (1999), considera que mais que estrutura acabada, o
professor é um processo em contínua metamorfose cognitiva.
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No que se refere ao ensino de Biologia as maiores dificuldades em trabalhar, segundo
os dados coletados, estão em transmitir alguns nomes científicos, pois não existem sinais na
maior parte do conteúdo. Sendo assim tudo o que o professor da disciplina levar de concreto,
de visual, o estudante terá uma melhor interpretação. Identificamos também que a escola
estudada consegue no que tange à Lei Federal 10.436, aplicar no que se refere ao
acompanhamento do estudante surdo por um intérprete. Verificamos que o planejamento dos
professores em relação aos conteúdos de Biologia, as atividades e as avaliações para o
estudante surdo, são a mesmas aplicadas aos estudantes ouvintes. Mas percebemos que há
uma falta de tempo por parte dos professores para buscar imagens ou vídeos para ilustrar
melhor as suas aulas como gostariam e que quando as têm, integram estes recursos e tanto os
surdos quanto os ouvintes são beneficiados “relevando-se o fato, que em cada aula de
Biologia os estudantes entram em contato com pelo menos seis vocábulos novos” (GOMES et
al., 2008, p. 02). E de acordo com os relatos, há uma preocupação com o processo de
inclusão, pois a Biologia possui particularidades de nomenclaturas, o que dificulta sua
tradução, ficando por vezes um entendimento incompleto de conceitos. No que se referem à
apropriação do conhecimento pelos estudantes surdos, os professores a observam de forma
mais singular, pois estes demonstram entender apesar de suas limitações, o que, por outro
lado, nos mostra que o estudante surdo é sujeito ativo e participativo, como qualquer
estudante ouvinte, na comunidade escolar.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As estratégias utilizadas pelos professores no ensino de Biologia para o aprendizado
de estudantes surdos foram identificadas como sendo alguns recursos simples de materiais
didáticos como uso de data show, moldes, vídeos com legenda e abordagens dos conteúdos
científicos voltados, ou exemplificados, com o cotidiano e o meio em que o estudante surdo
vive e se expressa. Com base no referencial teórico, analisamos que estes procedimentos
utilizados facilitam a compreensão do conteúdo de Biologia pelo estudante surdo como
também agrega conhecimento para o estudante ouvinte. Contudo, a Ciência trabalha com
terminologias não usuais ao vocabulário diário dos estudantes, o que pode parecer que se
afasta da realidade em que eles vivem, mas que com estes métodos, a aproximação das
vivências, faz com que os estudantes percebam que a Ciência, a Biologia e a Pesquisa estão
mais integradas a rotina destes. E que a inclusão mostra-se com maior relevância quando
olhamos nas personalidades florescentes dentro do ambiente em que estes estudantes estão se
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desenvolvendo, pois faz com que o estudante surdo tenha uma socialização maior com o
ouvinte e vice versa, onde se percebe um espaço vivenciado por diferenças contrastantes, mas
que ao mesmo tempo um tentando aproximação com a realidade do outro. Com todas essas
informações provenientes diretamente do ambiente escolar, aonde acontece processo de
inclusão, o estudante surdo consegue ousar, pois ele deve ter plena consciência de que é capaz
de realizar as mesmas compreensões que o estudante ouvinte faz sendo também estimulado
pela comunidade escolar.
Não obstante, se faz necessário uma nova pesquisa no que se refere à formação dos
professores, tendo em vista que este trabalho abordou apenas os que foram licenciados antes
que Lei federal 10.436/2002 entrasse em vigor e consequentemente, estes não obtiveram a
disciplina de Libras em suas graduações. Portanto seria interessante uma análise quanto ás
mudanças ocorridas, se houve ou não, depois da inserção desse preceito nas universidades do
Brasil. A criação e documentação de sinais para termos e conceitos específicos da Biologia
são levantadas também como uma possibilidade para construção de uma linguagem científica
em Libras visto que a aprendizagem significativa dos conteúdos da área da Biologia se faz
necessário sendo que em sua maioria possui nomenclatura própria, não havendo sinais para
determinados termos.
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SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
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ESTRATÉGIAS DE ENSINO DE BIOLOGIA PARA SURDOS EM