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Reproductive Health Matters 2007;15(30):134-144
0968-8080/06 $ – see front matter
PII: S0968 - 8080(07)30326-1
QUESTÕES DE
´
SAUDE
reprodutiva
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Mortalidade materna em Pernambuco, Brasil:
o que mudou em dez anos?
Sandra Valongueiro Alves
Coordenadora, Comitê de Mortalidade Materna do Estado de Pernambuco, e Pesquisadora,
Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
E-mail: [email protected]
Resumo: Este estudo analisa as mudanças nos níveis e padrões da mortalidade materna em
Pernambuco, Brasil, em 1994 e 2003. A pesquisa foi realizada em cinco sub-regiões de Pernambuco
utilizando o Método Ramos,, a partir das declarações de óbito de mulheres em idade reprodutiva
registradas no Sistema de Informação de Mortalidade. Entrevistas detalhadas com os membros das
famílias também foram conduzidas para os óbitos relacionados ao aborto. Dos 1.258 óbitos femininos
investigados, foram identificados 54 óbitos maternos, correspondendo à taxa de mortalidade materna
de 77 por 100 mil nascidos vivos. O nível de subnotificação estimado (46%) corresponde ao fator de
correção de 1,9. O status ilegal do aborto no Brasil continua a ser um fator importante nos óbitos
relacionados ao aborto. Aproximadamente 94% dos óbitos maternos foram consideradas evitáveis por
melhorias no atendimento à saúde. A mortalidade materna declinou em 30% nos últimos 10 anos e o
nível de erro de classificação dos óbitos maternos persiste. Melhorias no atendimento à maternidade
para as mulheres e a notificação dos óbitos maternos continuam se fazendo urgentemente necessários.
Palavras-chave: morbidade e mortalidade materna, erro de classificação, aborto clandestino
e inseguro, Brasil.
A
taxa de mortalidade materna global para
os países da América Latina e Caribe foi
estimada em 190 óbitos a cada 100 mil
nascidos vivos em 2000, tendo sido associada a
causas obstétricas diretas, complicações oriundas de aborto e Aids. As Américas apresentam a
maior iniqüidade em mortalidade materna no
mundo. Enquanto no Canadá a taxa de mortalidade materna, em 1996, era de quatro por
100 mil nascidos vivos, no Haiti era de 52,3.1,2
O uso da mortalidade materna como um indicador de desenvolvimento e sua importância
na agenda internacional associada a campanhas
de movimentos feministas chamaram a atenção
58
dos legisladores da saúde do Brasil. Desde os
anos 1990, iniciativas locais e nacionais têm
tentado obter uma estimativa melhor da mortalidade materna e controlar sua magnitude.
Todavia, ainda existe uma grande lacuna entre
a taxa estimada pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) em 2000, de 260 por 100 mil
nascidos vivos, e a mais recente taxa estimada
pelo Ministério da Saúde, de 54 por 100 mil
nascidos vivos em 2004.3 Um estudo conduzido em 26 capitais brasileiras encontrou uma
taxa de 74 por 100 mil nascidos vivos em 2002
e um nível de erro de classificação de 28%,4 que
variou de acordo com a região.
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
Essa diferença entre as estimativas é provavelmente o resultado de diferentes metodologias
aplicadas. Enquanto a OMS utilizou técnicas indiretas, Laurenti et al. empregaram o método RAMOS e o Ministério da Saúde utilizou estatísticas
vitais nacionais, sem quaisquer ajustes,1,3,4 o que
mostra as dificuldades em avaliar a mortalidade
materna em um país grande e desigual como o
Brasil. Encontrar a melhor abordagem é um grande desafio, porque algumas regiões do país se encontram na metade do caminho entre os países
africanos, com sistemas de saúde precários, e os
países desenvolvidos, enquanto outras têm estatísticas vitais e atendimento à saúde de qualidade,
como, por exemplo, o Sul e o Sudeste.
O estado de Pernambuco realizou apenas um
estudo sobre mortalidade materna, em 1994,
com o método RAMOS, encontrando uma taxa
de 103 por 100 mil nascidos vivos na Região
Metropolitana e 195 na região do sertão.5 O erro
de classificação alcançou um percentual de 30%.
Hipertensão induzida pela gravidez, hemorragia
e complicações no aborto foram as causas de
óbito mais comuns, e as causas diretas de óbito
foram responsáveis por aproximadamente 80%
de todos os óbitos maternos.
Esse estudo gerou políticas de intervenção
integradas em Pernambuco, coordenadas pelo
Departamento de Saúde da Mulher, utilizando
um conjunto de estratégias locais e nacionais
que levaram em consideração a distribuição
geográfica do óbito materno no estado e suas
principais causas. Médicos e enfermeiras de
hospitais e ambulatórios das Gerências Regionais de Saúde (GERES) foram treinados em
emergências obstétricas e iniciou-se a vigilância
da mortalidade materna.6 Foram também instituídos serviços públicos de aborto permitidos
por lei,7* juntamente com o tratamento para
* O aborto somente é permitido quando a gravidez acontece depois de um estupro ou quando a vida da grávida
está em risco.
abortos incompletos utilizando aspiração a vácuo. Apesar disso, depois de quase uma década
as mulheres em idade reprodutiva em Pernambuco ainda estão expostas a causas de óbito evitáveis, e desde 1994 não há dados precisos sobre a incidência ou tendências da mortalidade
materna. As exceções são as cidades de Recife e
Camaragibe, ambas situadas na Região Metropolitana, que têm monitorado e analisado seus
dados mais sistematicamente.8,9
Esta investigação tem como objetivo superar os obstáculos da pesquisa para a mensuração
da mortalidade materna no Nordeste do Brasil
e reforçar o sistema de registros vitais por meio
da estimativa do nível de mortalidade materna
e de erro de classificação das certidões de óbito nas regiões de Pernambuco, comparando os
achados com os de 1994. Visa igualmente entender o papel do status da mulher e da provisão de atendimento à saúde nesses óbitos.
Desenho de estudo e população
O estudo utilizou a Classificação Internacional de Doenças (CID-10),10 que define o óbito
materno precoce como o óbito de uma mulher
durante a gravidez, durante o aborto ou dentro
de 42 dias após o término da gravidez, por causa
relacionada ou agravada pela gravidez ou seu manejo, mas não por causas acidentais ou incidentais, e o óbito materno tardio entre 43 dias e um
ano após o parto ou aborto. O termo “aborto”
é utilizado no Brasil tanto para o abortamento
espontâneo como para o abortamento induzido.
Foram coletados e analisados dados quantitativos e qualitativos. O método RAMOS, a
abordagem quantitativa utilizada, é baseado na
identificação de óbitos maternos entre todos os
óbitos de mulheres em idade reprodutiva por
meio de registros de hospitais, serviços de autópsia e entrevistas domiciliares.1 Entrevistas
minuciosas com os parentes das mulheres falecidas e a equipe médica representaram a abordagem qualitativa.
59
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
O trabalho de campo foi realizado em Pernambuco, de junho de 2003 a setembro de
2004. Pernambuco, situado na região Nordeste
do Brasil, contava em 2003 com uma população de 8,2 milhões de habitantes, incluindo 2,7
milhões de mulheres com idades entre 10 e 49
anos.11 O estado tem cinco regiões políticas e
administrativas: Região Metropolitana, Mata,
Agreste, Sertão e São Francisco. Cada região
tem suas Gerências Regionais de Saúde (GERES), somando um total de 10 em 2003.
Com relação a indicadores socioeconômicos, 22% da população com idade de 15 anos
não tinha educação formal e 49% ganhava
menos da metade do salário mínimo brasileiro. A Região Metropolitana, sub-região mais
desenvolvida e urbanizada, abriga 45% da população do estado, tendo a melhor cobertura
e qualidade de serviços de saúde. A região do
Sertão (GERES IX) apresentava a pior cobertura e qualidade de atendimento obstétrico, e o
Agreste (GERES V), a pior cobertura e qualidade do sistema de registro vital.11-13
A taxa de fertilidade total em Pernambuco,
em 2003, foi de cerca de 2,1%. Noventa e sete
por cento dos nascimentos aconteceram em
hospitais,11-13 e a taxa de cesárea (38%) situou-se
acima das recomendações da OMS, mesmo no
setor público (no setor privado essa taxa pode
chegar a 90%). Não havia nenhuma política de
planejamento familiar, e a prevalência de esterilização feminina era alta (45% das mulheres em
união em 2001 no Recife). Além disso, a qualidade do pré-natal era precária, e havia apenas
dois serviços fazendo abortos permitidos por
lei, localizados na capital do estado.11,14
Quanto aos dados nacionais sobre mortalidade, em 2003 o nível de cobertura para Pernambuco foi estimado em 77%, abaixo do nível nacional de 84%. A Região Metropolitana
apresentou a melhor cobertura. Pernambuco
tinha a menor proporção de óbitos sem causa
específica (19%) no Nordeste; a média nacio-
60
nal foi de 14%.13 Em 1995, formou-se o Comitê de Mortalidade Materna de Pernambuco,
e em 1997 teve início a vigilância da mortalidade feminina. Até o ano de 2003, dois Comitês
Regionais de Mortalidade Materna e quatro
municipais foram também implementados. Todavia, em 2002 apenas 42% do total de óbitos
das mulheres em idade reprodutiva haviam sido
sistematicamente investigados.12
A área de estudo foi uma GERES em cada
região de Pernambuco, as mesmas selecionadas
para o estudo de 1994. Os critérios utilizados
foram a presença de um sistema de registros vitais organizado e um hospital de referência para
realizar os partos.
Instrumentos e coleta de dados
Três questionários foram testados em campo
com 64 mulheres falecidas com idade reprodutiva fora da população do estudo, e a Ficha
Confidencial de Investigação de Óbito Materno foi validada e modificada.9 Os instrumentos
foram usados na seguinte ordem:
Ficha de Notificação de Óbitos de Mulheres
(Q1) – utilizada para listar e classificar todos os
óbitos de mulheres com idade de 10 a 49 anos
em 2003 nas regiões e a informação geral registrada onde ocorreram os óbitos.
Ficha Confidencial de Investigação de Óbito Materna (Q2) – informação sobre a causa
possível do óbito (com erro de classificação)
e as mortes maternas declaradas em hospitais
(causas básicas definitivas de óbito materno) ou
em serviços de autópsia por meio de registros
médicos e da autópsia.
Ficha Confidencial de Entrevista Domiciliar
(Q3) – baseada na técnica de autópsia verbal e
utilizada para entrevistar parentes e outros relacionados com a mulher falecida.15
Assistentes treinados realizaram a coleta de
dados utilizando o método RAMOS. As questões éticas foram discutidas e explicadas.
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
Para estimar a cobertura da notificação de
óbitos femininos, os atestados de óbito foram
localizados no registro público de estatísticas
vitais. Os atestados das mulheres que viveram
nas regiões estudadas mas morreram em outras
cidades ou estados vizinhos, foram localizados
no Sistema de Informações sobre Mortalidade.
Os dados foram checados com informações do
Departamento de Epidemiologia para obter o
número esperado de óbito feminino. Foram excluídos os atestados de óbito das mulheres que
faleceram na área estudada mas eram de outras
regiões ou estados.
Para eliminar os óbitos não-maternos, mais
de uma fonte de dados foi consultada: a combinação de registros de hospital/autópsia e entrevistas domiciliares foi utilizada em 21,6% dos
casos, e em 69,5% dos casos somente entrevistas domiciliares. Para os demais 6,3%, foram
consultadas outras fontes de dados (Programa
Saúde da Família,* mídia e organizações de mulheres). O trabalho de campo durou 16 meses.
A proporção de recusas nas entrevistas domiciliares foi menor que 0,2% para todos os óbitos
femininos investigados.
Processamento de dados
Um grupo de especialistas do Comitê de Mortalidade Materna do estado de Pernambuco e
da cidade do Recife (composto por médicos,
enfermeiros, epidemiologistas e representantes
de departamentos de obstetrícia e movimentos
feministas) analisou os óbitos de cinco sub-regiões. A conclusão de cada caso utilizando todos
os dados coletados foi alcançada por consenso.
Os percentuais de mortalidade materna e as
estimativas de erro de classificação foram calculados utilizando dados da população femini* O Programa Saúde da Família16 é a principal entrada
do sistema público de saúde no Brasil, exceto para atendimentos de emergência, por meio de unidades de saúde
descentralizadas na comunidade.
na com idade de 10 a 49 anos por sub-regiões
estimadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); os nascimentos vivos
foram coletados no Sistema de Informações de
Nascidos Vivos (SINASC/DATASUS), que alcançou a cobertura de 90% para o estado em
2003.13 A fim de comparar as taxas de mortalidade materna de 1994 e 2003 e também de
corrigir os registros de nascimento incompletos
do ano anterior, as estimativas de 1994 foram
recalculadas utilizando os nascimentos de 1994
obtidos no SINASC em 2005.
Foram identificados 61 óbitos relacionados
à gravidez nas cinco sub-regiões (Figura 1).
Cinco eram óbitos violentos não-obstétricos e
um foi um suicídio relacionado a aborto, tendo sido excluídos da análise por se tratarem de
mortes não obstétricas. Um dos óbitos aconteceu mais de um ano após o término da gravidez
e, apesar de ter sido um óbito obstétrico, foi excluído por ter ocorrido depois de um ano. Para
comparação internacional, a taxa de mortalidade materna foi calculada apenas com óbitos
até 42 dias depois do parto. Óbitos maternos
tardios (10 casos, 18%) foram incluídos, por
terem sido contabilizados no estudo anterior.
Assim, analisaram-se 54 óbitos maternos, dos
quais três foram relacionadas a aborto.
A análise qualitativa foi conduzida utilizando-se tanto entrevistas quanto prontuários médicos. Parentes de cada uma das falecidas foram
contatados, tendo sido agendadas entrevistas
em suas cidades de residência. Foram entrevistados maridos, pais, irmãs, mães, amigos e
sogras. Solicitaram-se a confirmação de dados
sociodemográficos e de saúde reprodutiva, informações específicas sobre as circunstâncias do
óbito e sua percepção do processo inteiro, desde o atendimento pré-natal até o óbito.
Os 54 óbitos representam a população do
estudo; assim, podemos assumir que representam todos os óbitos maternos de mulheres que
viveram e foram registradas naquelas regiões de
61
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
saúde durante 2003, mas não constituem uma
amostra dos óbitos maternos do estado de Pernambuco. Portanto, não foram realizados testes
estatísticos de diferenças significativas através
das áreas e subpopulações. Apesar de os dados
terem sido coletados em cinco GERES, os resultados foram agregados nas três principais regiões, para maior consistência: Região Metropolitana, Mata/Agreste e Sertão/São Francisco.
Limitações da pesquisa
Estudos de mortalidade se tornam mais robustos se for possível coletar dados de pelo menos
três anos; o conjunto de dados utilizado neste
estudo refere-se a apenas um ano. Além disso,
como os óbitos maternos são eventos raros,
para reunir uma quantidade maior de dados
em Pernambuco seria necessário mais de um
ano de investigação. Alguns prontuários médicos não puderam ser localizados facilmente,
alguns foram relatados como perdidos e muitos
estavam incompletos. Os serviços de autópsia
eram limitados na GERES I e na GERES VIII
e não foram tão úteis como esperado. Apesar de
terem sido utilizadas todas as fontes de dados
disponíveis, é impossível ter certeza da ocorrência de apenas 54 óbitos maternos nas cinco subregiões. Finalmente, o número relativamente
pequeno de óbitos maternos permitiu o uso de
estatísticas descritivas como a única maneira de
analisar os dados. Idealmente, métodos multivariados deveriam ser utilizados.
definidos e 42 presumidos). Um foi excluído
porque a data do óbito excedeu um ano. Seis
óbitos relacionados a dano foram classificados
como óbitos maternos não obstétricos, restando 54 óbitos obstétricos conforme a CID-10.
Dez (18%) foram óbitos maternos tardios e
quatro foram óbitos relacionados ao aborto,
dos quais três foram óbitos obstétricos de acordo com o CID-10 e um foi um suicídio para
esconder a gravidez. O suicídio foi classificado
erroneamente como sendo de causa desconhecida, mesmo no relatório da autópsia, mas foi
classificado como suicídio relacionado ao aborto depois de duas entrevistas domiciliares.
A maioria das mulheres que morreram (41%)
vivia no Recife, GERES I, e 16% na GERES
VIII. Apenas pouco mais da metade dos óbitos (52,5%) aconteceram na GERES I e 19,7%
na GERES VIII. A GERES V respondeu por
8,2% dos óbitos. Três mulheres morreram fora
das regiões de saúde estudadas. Noventa e dois
por cento dos óbitos aconteceram em um serviço de saúde; 72%, em hospitais públicos (incluindo hospitais universitários federais); 24%,
Figura 1. Fluxograma dos óbitos femininos e os estágios
de investigação
1.258 óbitos maternos
Q1
Resultados
A Figura 1 resume o processo de investigação e
os resultados obtidos utilizando três instrumentos. Dos 1.264 óbitos de mulheres em idade
reprodutiva investigados, seis foram excluídos
porque não se sabia a qual GERES pertenciam.
Dos 1.258 óbitos, 45 (3,5%) foram classificados como casos não-resolvidos, enquanto 74
(6%) ocorreram durante a gravidez ou dentro
de um ano da gravidez (29 óbitos maternos
62
29 óbitos
maternos
declarados
45 óbitos
maternos
presumidos
1.139
óbitos
não-maternos
45 causas
indeterminadas
Q2 e Q3
61 óbitos relacionados a gravidez
29 óbitos
maternos
declarados
45 óbitos
maternos
presumidos
1.139
óbitos
não-maternos
45 causas
indeterminadas
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
Tabela 1. Taxas de mortalidade materna,a risco e subnotificação nas três principais regiões, Pernambuco, 2003
Principais regiões (GERES)
Nascidos
vivosb
Óbitos
maternos
Taxa de
mortalidade
materna
Risco – 1
em:
Fator de
ajuste devido
ao erro de
classificação
dos óbitos
maternos
Metropolitana (GERES I)
33.909
23
68
656
2.1
Mata/Agreste (GERES III e
GERES V)
21.659
14
64
498
2.0
Sertão/São Francisco (GERES
VIII e GERES IX)
14.783
17
115
290
1.5
Todas as principais regiões
estudadas
70.351
54
77
512
1.9
a
Óbitos maternos precoces e tardios. b Fonte de nascidos vivos: SINASC/DATASUS, 2003.13
em hospitais públicos conveniados (serviços de
saúde privados contratados para complementar
o sistema público de saúde); e 4% (dois óbitos), em hospitais privados no Recife. Os óbitos
aconteceram em sua maioria em maternidades
de referência, com unidades de terapia intensiva. Nenhum óbito ocorreu a caminho de um
serviço de saúde ou na rua.
Estimativa da mortalidade materna
Em 2003, a taxa geral de mortalidade materna
foi de 77 por 100 mil nascidos vivos (Tabela 1).
Se fossem computados apenas os óbitos maternos precoces, a taxa seria de 63 por 100 mil nascidos vivos. As maiores taxas foram encontradas
nas regiões do Sertão e São Francisco, seguidas
das regiões Metropolitana e Mata/Agreste. A
taxa global de risco de óbito materno ao longo
da vida, para 2003, foi de uma mulher em 512
durante o período reprodutivo. Na região do
Sertão/São Francisco ocorreu um óbito em 209
e um em 656 na Região Metropolitana.
Em 2003, o Sistema de Informação de Mortalidade relatou 29 óbitos maternos, e o estudo
identificou mais 25, resultando em um erro de
classificação de 46%, que corresponde ao fator
de correção de 1,9. A taxa bruta, sem ajustes,
seria de 41, em vez de 77 por 100 mil nascidos
vivos (Tabela 1).
Os percentuais mais altos de erro de classificação de óbitos maternos foram encontrados nas regiões Metropolitana e Mata/Agreste, cerca de 2,0. A principal razão do erro
de classificação foi a falha dos médicos em
registrar uma gravidez recente nas certidões
de óbito. A esse respeito, existem dois importantes instrumentos para ajudar os médicos a
declarar a causa básica: prontuários médicos
e autópsia. Apesar de não ser possível saber
se os prontuários foram consultados pelos
médicos antes de declarar o óbito da mulher,
a qualidade desses prontuários foi, no geral,
precária. Em termos de necropsia, 32% dos
óbitos maternos (17 casos) foram submetidos
a autópsia, dos quais apenas dez tiveram o
útero e outros órgãos reprodutivos analisados
durante o processo.
O boxe para preenchimento da situação da
mulher em relação à gravidez, incluído nas certidões de óbito brasileiras desde 1995, foi marcado em 31 casos (57,4%) dos óbitos relacionados à gravidez, dependendo se as causas básicas
foram declaradas ou não.17 Entre os 29 óbitos
maternos declarados, 21 (72%) tiveram a caixa
63
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
marcada. Dos 25 óbitos maternos não-declarados, 15 (60%) não tiveram o item assinalado.
Causas dos óbitos e características das
mulheres falecidas
A maioria das mulheres que morreram tinha
idade variando de 20 a 29 anos; duas adolescentes com 15 anos de idade vieram a óbito.
Uma mulher teve dois abortos, um natimorto
prematuro e dois nascidos vivos. Ela morreu
de complicações de uma hipertensão induzida pela gravidez e, de acordo com sua mãe,
sofria violência física por parte do parceiro e
cunhado dela, o que pode estar relacionado
com resultados negativos na gravidez anterior.
O risco de mortalidade relacionada à gravidez
foi sete vezes maior em mulheres com menos
de 16 anos e 12 vezes maior entre aquelas com
mais de 40 anos.
As mulheres pardas e negras totalizaram
78% de todos os óbitos maternos. Apesar dos
poucos óbitos registrados entre mulheres negras, estas tinham cinco vezes mais chances de
morrer por causas maternas do que as mulheres
brancas, e as pardas, 1,7.
Mulheres com menos de três anos de escolaridade representaram 35% dos óbitos maternos, 15% não tinham educação e apenas 2%
tinham mais do que 12 anos de estudos. Quanto ao estado civil, 42% eram solteiras e 30%
casadas. No geral, a ocupação mais comum era
o trabalho doméstico (58%), seguido do trabalho rural (19%).
Os prontuários obstétricos anteriores revelaram que 41% das mulheres não ficaram grávidas nenhuma vez ou apenas uma vez. Quase
30% tinham tido mais de 10 gravidezes. Uma
mulher, com 42 anos de idade, teve 23 gravidezes, incluindo três abortos, 19 nascidos vivos e
um natimorto.
Hipertensão induzida pela gravidez (18,5%)
liderou a causa de óbito (Tabela 2). Doenças
do sistema circulatório e respiratório represen-
64
taram a segunda e a terceira causas, com 13%
e 11%, respectivamente, seguidas de óbitos relacionadas ao aborto. O aborto foi a causa de
óbito mais frequente na região do São Francisco e, surpreendentemente, todas as falecidas
haviam procurado tratamento para as complicações; um dos casos foi relatado como aborto
espontâneo, mas, apesar disso, todas receberam
tratamento inadequado nos hospitais.
No geral, óbitos maternos diretos foram
mais precisamente classificados do que os indiretos. O erro mais comum na classificação da
causa de óbito foi referente às doenças no sistema circulatório.
Por que as mulheres morreram
Treze por cento das mulheres não receberam
nenhum cuidado pré-natal, mas a avaliação da
qualidade do atendimento para aquelas que o
receberam, utilizando a classificação proposta
por Kotelchuck, adaptada por Leal,18 sugeriu
que o atendimento foi adequado para apenas
21% dos casos.
Dos 98% nascimentos hospitalares, apenas
28% ocorreram em hospitais que poderiam lidar com as complicações desde o princípio. A
metade das mulheres tentou mais do que um
hospital antes de serem admitidas, e a maioria
precisou ser transferida de um hospital local
para um hospital de referência fora da região
de saúde da sua residência. Essa situação foi
pior no interior, embora na Região Metropolitana apenas 40% tenham sido admitidas na
primeira tentativa. Após chegar a uma unidade de saúde, 37% receberam assistência imediatamente, mas somente 80% foram atendidas no intervalo de duas horas. Uma mulher
precisou esperar 30 horas em um hospital
para receber assistência.ao parto. Um total
de 53% dos óbitos aconteceu em hospitais de
referência, em sua maioria no Recife (Região
Metropolitana) e em Petrolina (região do São
Francisco). Além disso, o acesso e a assistência
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
Tabela 2. Causas de óbitos maternos (CID-10), regiões de Pernambuco, 2003
Causa do óbito (n=54)
%
Causas diretas
59,0
Hipertensão induzida pela gravidez
18,5
Hemorragia
11,1
Sepse
11,1
Aborto (espontâneo e induzido)
5,6
Complicações pela anestesia
3,7
Embolia
3,7
Outras causas diretas
5,6
Causas indiretas
37,0
Doenças do sistema circulatório/hipertensão prévia
13,0
Doenças do sistema respiratório
13,0
Doenças do sistema digestivo
3,7
Doenças infecciosas e parasitárias
3,7
Outras causas indiretas
3,7
Óbitos maternos não-resolvidos
3,7
não significaram efetividade no atendimento
à saúde, como mostra um exemplo da Região
Metropolitana:
Uma mulher com 36 semanas de gravidez
procurou por atendimento médico apresentando graves problemas respiratórios. Ela foi
a dois pronto-socorros, utilizando seu próprio
transporte, mas as equipes médicas de ambos
os lugares não se sentiram capazes de atendêla porque ela estava grávida. De acordo com o
registro da autópsia, ela morreu na chegada ao
terceiro hospital por insuficiência cardiovascu-
lar aguda causada por complicações de hipertensão essencial. Ela ainda estava grávida.
Não existe diferença entre parto normal e
cesárea em termos de distribuição dos óbitos.
Apesar de ser complexo avaliar se uma cesárea
é apropriada ou não, pelo menos três mulheres que morreram após esse procedimento não
tinham indicações médicas claras. Em um dos
casos, no setor privado, a indicação foi registrada como “solicitação da mulher”. Ela tinha
17 anos e tinha medo do parto normal; morreu
horas depois do parto por complicações anes-
Tabela 3. Taxas de mortalidade materna padronizadas por regiões principais, Pernambuco, 1994 e 2003
Região principal
1994
2003
Metropolitana
74
64
Mata/Agreste
129
67
Sertão/São Francisco
195
126
Todas
103
73
65
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
tésicas. As outras duas cesáreas, ambas no setor
público, tiveram indicações como desproporção
cefalopélvica e parto obstruído, mas, de acordo
com seus parentes, ambas queriam fazer laqueadura: uma morreu por sepse pós-operatória e
outra, de embolia.
Dos 47 partos estudados (34 nascidos vivos e 13 natimortos), os registros mostraram
que 81% foram atendidos por um médico,
11% por uma parteira prática e 2% por uma
parteira tradicional (parto em casa). Parteiras
práticas são técnicas de enfermagem que atendem partos em hospitais sem serem treinados
para tanto. Apesar dos registros insuficientes, a
maioria dos partos que aconteceram em hospitais locais foi, na verdade, realizada por essas
parteiras práticas, que substituíram os médicos
extra-oficialmente durante o trabalho de parto
e o parto vaginal.
No geral, 23 mulheres (46%) necessitavam
de transfusão de sangue, mas seis (26%) delas
não a receberam devido à ausência de banco de
sangue na sua cidade ou no hospital, ao atraso
na identificação da necessidade ou a demora na
disponibilização do sangue. Setenta e quatro
por cento das mulheres que morreram precisavam estar em uma unidade de terapia intensiva,
mas 37,8% não tiveram acesso.
Apesar de as mulheres terem seguido todas
as diretrizes do Ministério da Saúde brasileiro
relativas ao cuidado pré-natal e parto hospitalar,
a baixa qualidade do pré-natal, da assistência ao
parto e do atendimento de emergência tiveram
implicações diretas nos seus óbitos.
Uma jovem mulher, de 21 anos, primeira
gravidez, da região do Sertão começou com o
pré-natal durante o primeiro trimestre e completou nove consultas no hospital local; em
todas foi atendida por um técnico em enfermagem sob supervisão de um médico. A partir
da 28° semana começou a apresentar sinais de
hipertensão induzida pela gravidez, com elevada pressão sanguínea e ganho excessivo de peso.
66
Ela foi admitida ao mesmo hospital onde estava realizando o acompanhamento pré-natal.
Na sua chegada, sua pressão subiu mais ainda, e
também apresentou dores de cabeça e inchaço.
Ela passou 12 horas sem tratamento adequado
na enfermaria do hospital. Não recebeu medicamentos específicos para pré-eclampsia até depois de sua primeira convulsão. Ela passou por
uma cesárea após o óbito para tentar salvar a
vida do bebê, que também morreu.
Taxas de mortalidade materna:
1994 e 2003
Para comparar as estimativas de mortalidade
materna entre 1994 e 2003 (em ambos os anos,
foram incluídos óbitos maternos precoces e tardios), foram revisadas as taxas de fertilidade e
mortalidade por faixa etária. No geral, a taxa de
fertilidade total foi reduzida de 2,3 crianças por
mulher em 1994 para 2,1 em 2003 para todas
as regiões estudadas. O maior declínio aconteceu entre mulheres mais velhas e registrou-se
um aumento entre as mais novas, principalmente entre adolescentes. A idade específica
da mortalidade materna foi reduzida em todos
os grupos de idade. Não se registrou nenhum
óbito materno em mulheres com idade abaixo
de 15 anos para 2003 e acima de 45 anos para
ambos os anos. A taxa nos grupos de idade de
20-24 e 25-29 anos caiu para cerca de 50%.
As taxas de mortalidade materna para 2003
nas principais regiões continuaram altas, mas
no geral foram menores do que em 1994, com
diferentes níveis de declínio por região (Tabela
3). O maior declínio se deu na Mata/Agreste,
seguida do São Francisco. O menor declínio foi
registrado na Região Metropolitana.
Apesar de a causa básica de óbito – hipertensão induzida pela gravidez – não ter mudado desde 1994, a distribuição das outras causas
mudou. Óbitos maternos diretos diminuíram
28%, enquanto óbitos maternos indiretos
aumentaram 42%. Entre as causas indiretas,
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
doenças do sistema circulatório e respiratório
foram as mais freqüentes. Doenças crônicodegenerativas, como o diabetes, têm atingido
a população feminina em idade reprodutiva,
contribuindo para um novo padrão de óbitos
maternos que demanda uma atenção na assistência à saúde da mulher que vai além de assistência obstétrica durante a gravidez e o parto.
Discussão
A taxa de mortalidade materna nas três regiões
para o ano de 2003 foi 30% menor do que em
1994,5 nível similar ao estimado por Laurenti
et al para as capitais do Nordeste em 2002 (74
por 100 mil nascidos vivos).4 Todavia, o estudo
identificou uma diferença de quase 50% entre as regiões Metropolitana e Sertão durante
o período.5 O historicamente baixo nível de
mortalidade materna na Região Metropolitana,
comparado com o outras regiões, pode explicar
por que tem sido mais fácil reduzir os níveis nas
regiões do Sertão e Mata/Agreste.
O nível de erro de classificação (46%) e o
conseqüente fator de correção (1.9) demonstram que, para cada óbito materno registrado
no Sistema de Informações de Mortalidade,
aproximadamente um outro caso foi identificado nessa investigação, novamente semelhante ao encontrado nas capitais do Nordeste em
2002 (1,76).4 O erro de classificação dos óbitos
maternos geralmente depende da qualidade das
estatísticas vitais locais e nacionais e, em particular, do comprometimento e consciência dos
médicos em relatar a presença de uma gravidez
precoce na certidão de óbito.
A natureza, o momento e o local de ocorrência dos óbitos maternos por causas indiretas
são elementos da omissão da gravidez nas certidões de óbito; óbitos em unidades de terapia
intensiva, alguns dias ou semanas após o parto
ou aborto, são menos prováveis de ter a gravidez relatada na certidão de óbito. Óbitos maternos diretos que ocorrem em maternidades
logo após o parto ou aborto são mais prováveis
de serem relatados. A proporção de óbitos por
causas indiretas na Região Metropolitana poderia explicar por que o erro de classificação foi
tão alto nesse local.
A hipertensão induzida pela gravidez continua sendo a principal causa básica de óbito para
todas as regiões, exceto para o São Francisco,
onde foi superada pelos óbitos relacionados ao
aborto. Desde os anos 1980, a hipertensão induzida pela gravidez tem sido a principal causa
de óbito materno no Brasil.5,19,20 De fato, uma
análise recente confirmou que desordens hipertensivas da gravidez são as principais causas de
óbitos maternos na América Latina e Caribe.21
Nesta investigação, múltiplos fatores envolvendo a qualidade do atendimento foram responsáveis por 94,4% dos óbitos maternos evitáveis. O atendimento de pré-natal precário foi
encontrado em todos os locais, mas foi pior no
interior. As mulheres estão sendo atendidas sem
a mínima supervisão médica22 e faltam referências para os casos de pré-natal de alto risco.
Apesar de a maioria dos partos ser realizada
em hospitais,13 a mulher em trabalho de parto
não tem garantido o leito em um hospital público, mesmo que tenha feito todo o acompanhamento de pré-natal ou tenha uma gravidez de
alto risco. Neste estudo revelou-se que a maioria
das mulheres tentou ser admitida em mais de
um hospital, um problema comum, relatado
em outros lugares do país.5,19 Por exemplo, no
Rio de Janeiro, um terço das 6.652 mulheres em
trabalho de parto precisaram procurar por atendimento em mais de um hospital.23 Números
limitados de leitos nas unidades neonatal e de
cuidado intensivo adulto foram os motivos mais
comuns para esse problema na Região Metropolitana, sendo a pequena quantidade de médicos
o motivo mais comum no interior do estado.
O relacionamento entre cesáreas e óbitos
maternos continua a ser controverso. Cesáreas
têm sido muito mais associadas à mortalidade
67
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
e morbidade maternas do que o parto normal.
Septicemia, hemorragia e embolia pulmonar,
complicações anestésicas e partos prematuros
são os resultados negativos mais frequentemente descritos24-28. No Nordeste, sua severidade irá
depender do tempo e da adequação do cuidado
em cada caso, da saúde da mulher e da disponibilidade da equipe médica necessária, especialmente no interior, em particular de anestesistas.
Nosso achado em dois casos de óbito relacionado à cesárea é de que as mulheres continuam a
se submeter ao procedimento para fazer laqueadura, um problema particularmente brasileiro.
O relativamente melhor acesso à tecnologia médica e à transfusão de sangue, uma
alta prevalência de esterilização feminina e o
uso de Misoprostol para induzir o aborto em
substituição a métodos invasivos não seguros
são os elementos responsáveis pela relativa diminuição de óbitos por hemorragia, infecções
puerperais e complicações do aborto. Além
disso, o trabalho dos Comitês de Mortalidade
Materna, que destacaram a natureza evitável
de tantos óbitos em debate público, pode ter
ajudado a reduzir a mortalidade materna no
estado de Pernambuco.
Um primeiro e importante passo para a redução da mortalidade materna é a sua mensuração em uma região de um país em desenvolvimento. Todavia, essa prática constitui ainda
um desafio, pelas falhas nos sistemas de informação, erros na classificação das causas básicas
de óbito, a natureza rara dos óbitos maternos,
a necessidade de uma amostra volumosa e os
obstáculos financeiros.
O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal no Programa Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher22
objetiva a redução da mortalidade materna em
15% entre 2004 e 2006.3 O Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 5 exige a redução
da mortalidade materna em 75% entre 1990
e 2015. Para que tais objetivos sejam atingidos
68
existe a necessidade de melhorias importantes
no sistema de saúde em todo o estado de Pernambuco. Óbitos relacionados ao aborto, por
exemplo, foram associados ao acesso desigual
ao planejamento familiar e à negligência durante o tratamento de abortos incompletos, mas a
ilegalidade do aborto é a principal questão.
São necessários esforços e investimentos
contínuos para melhorar o sistema de vigilância do óbito materno em nível local e regional.
Em nível local isso requer ações intersetoriais
que abranjam populações rurais e urbanas, incluindo o Programa de Saúde da Família, cemitérios municipais, cartórios de registro civil,
hospitais locais e parteiras tradicionais. Nas cidades com mais de 100 mil habitantes, faz-se
necessária uma articulação mais complexa para
considerar todas as fontes de dados de mortalidade, tais como Programa de Saúde da Família, hospitais locais e de referência, cartórios de
registro civil, serviços de autópsia, bem como
mídia e organizações de mulheres. Nas escolas
de Medicina (para estudantes de Medicina e
médicos residentes) é necessário destacar a importância de prover informações precisas em
eventos vitais, tanto nos sistemas de estatística
vitais (certidões de nascimento e óbito) como
nos prontuários médicos.
Para reduzir os níveis de mortalidade materna é fundamental o acesso ao planejamento
familiar, de acordo com a Lei de Planejamento
Familiar brasileira (1997),29 mas com a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos. É preciso um atendimento neonatal integral e a promoção e monitoramento de assistência à saúde
para todas as mulheres grávidas. Deveria ser
realizado um estudo sobre a carência de leitos
para grávidas tanto de baixo como de alto risco
por todo o estado, de acordo com os parâmetros da OMS e do Ministério da Saúde.
A respeito das complicações do aborto, o
guia de Atenção Humanizada ao Abortamento
de 200423 necessita ser seguido, e serviços le-
S. Alves / Questões de Saúde Reprodutiva 2008;3(3):59-70
gais de aborto deveriam ser oferecidos em todas
as localidades dos GERES para dar à mulher o
direito de interromper sua gravidez nos casos
previstos por lei. Idealmente, o aborto deveria
ser legalizado.
Por último, os Comitês de Mortalidade Materna deveriam estar baseados em todas as cidades com mais de 100 mil habitantes. Os Comitês de Mortalidade Materna interinstitucionais
e multiprofissionais podem contribuir tanto
para o aperfeiçoamento dos dados sobre a saúde
materna quanto para a redução da mortalidade
materna. Essa responsabilidade em Pernambuco pertence às organizações feministas e de saúde da mulher.
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Agradecimentos
Gostaria de agradecer à equipe do Departamento de Informação de Mortalidade da Secretaria
de Saúde do Estado de Pernambuco (níveis central e regional) e às cidades de Recife, Olinda e
Camaragibe, pela parceria durante o trabalho de
campo e processamento de dados, e ao Comitê de
Mortalidade Materna do Estado de Pernambuco,
pela discussão de todas as mortes maternas. Esta
pesquisa foi financiada pela Fundação Mellon por
meio do Centro de Pesquisa Populacional da Universidade do Texas em Austin (Population Research Center, University of Texas), e pelo Ministério
da Saúde brasileiro pela Secretaria de Vigilância
em Saúde.
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Abstract: This study examines changes in levels and patterns of maternal mortality in Pernambuco,
Brazil, in 1994 and 2003. The research was carried out in five sub-regions of Pernambuco using the
Reproductive Age Mortality Survey (RAMOS) method and based on death certificates of women of
reproductive age registered in the local System of Information on Mortality. In-depth interviews with
family members were also conducted for the abortion-related deaths. Of the 1,258 female deaths
investigated, 54 maternal deaths were identified, corresponding to a maternal mortality ratio of 77
per 100,000 live births. The estimated level of under-reporting (46%) corresponds to an upward
adjustment factor of 1.9. The illegal status of abortion in Brazil remains an important contributory
factor for the abortion-related deaths. Approximately 94% of the maternal deaths were judged to be
avoidable with improvements in health care. Maternal mortality declined by 30% over the ten-year
period but the level of misclassification of maternal deaths remains. Improvements in maternity care for
women and reporting of maternal deaths are still urgently needed.
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