POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO LULA: A DEFESA DA
FOCALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O FINANCIAMENTO DAS
UNIVERSIDADES FEDERAIS (2003 – 2010)1
Luiz Fernando Reis – [email protected] (Unioeste/UERJ)
Eixo Temático 1: Financiamento na Expansão da Educação Superior
O trabalho trata do financiamento das universidades federais no Governo Lula (20032010) tomando como parâmetro de análise as prioridades estabelecidas pelo Ministério
da Fazenda para a política econômica e para o financiamento dos gastos sociais. São
objetivos deste trabalho: a) Identificar quais foram as políticas e os gastos sociais
considerados prioritários pelo Ministério da Fazenda. b) Verificar se houve
convergência entre as prioridades estabelecidas pelo Ministério da Fazenda e os
recursos efetivamente alocados, via orçamento da União, para o financiamento do gasto
social e, particularmente, das universidades federais. Para alcançar os objetivos
propostos foram consultados documentos do Ministério da Fazenda, publicados no
início do governo Lula, e demonstrativos de despesas e receitas da União. Os resultados
deste estudo indicam que houve prioridade para o pagamento da dívida pública e para o
financiamento de políticas consideradas adequadas, pelo ministério da Fazenda, para o
enfrentamento à pobreza. No caso do financiamento das universidades federais, houve
crescimento dos recursos a elas destinados. Entretanto, a partir de 2007, verificou-se
uma redução de 19,18% das despesas com as universidades, quando comparadas às
despesas totais do Ministério da Educação.
Palavras-chave: Financiamento das universidades federais – Financiamento da
Educação superior – Governo Lula (2003-2010) – Financiamento das políticas sociais.
Introdução
A compreensão do financiamento das universidades federais no período de
2003-2010 (Governo Lula) exige a compreensão, dentre outras questões, das prioridades
estabelecidas pelo governo para a destinação dos recursos do orçamento da União. A
alocação dos recursos do fundo público para determinada política social não é uma mera
decisão técnica. Tal decisão se sujeita a tensões político-ideológicas e disputas entre
1
Este trabalho é parte das reflexões que realizamos até o presente momento para o desenvolvimento da
pesquisa “Política Econômica e Política Pública de Educação Superior no Brasil: o Financiamento das
Instituições Federais de Ensino Superior no Governo Lula” realizada com a orientação da Prof.ª Dr.ª
Deise Mancebo, no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFHUERJ).
1
grupos e classes sociais, portadores de projetos societários divergentes e/ou antagônicos.
A partir da chamada crise da dívida, que atingiu os “países em desenvolvimento”
nas décadas de 1980/1990, o controle do gasto público ganhou maior relevância na
condução dos destinos dos Estados nacionais. No Brasil, assim como dos demais países
latino-americanos, o financiamento das políticas sociais passou a depender, em grande
medida, das prioridades estabelecidas pelo Ministério da Fazenda, responsável pela
condução da política econômica.
Ao tratarem do papel desempenhado pelo Ministério da Fazenda nos governos
contemporâneos, Loureiro e Abrucio (1999, p. 71) afirmam que tal Ministério “[...] se
transformou em agência dominante na estrutura governamental em razão do imperativo
fiscal que guia os governos de praticamente todo o mundo”. (LOUREIRO; ABRUCIO,
1999, p. 71).
Para compreender o papel do Ministério da Fazenda na definição das prioridades
quanto ao financiamento das políticas sociais no Brasil e, particularmente, do
financiamento das universidades federais, é preciso buscar respostas às seguintes
questões: Quais foram as prioridades da política econômica proposta pelo Ministério da
Fazenda no Governo Lula? Quais foram as políticas e os gastos sociais considerados
prioritários? Houve convergência entre as prioridades estabelecidas pelo Ministério da
Fazenda e os recursos alocados, via orçamento da União, para o financiamento do gasto
social e, particularmente, das universidades federais?
Para compreender as prioridades estabelecidas pelo Ministério da Fazenda para a
política econômica e para o financiamento dos gastos sociais serão analisados dois
documentos publicados pelas autoridades da área econômica: a) “Política Econômica e
Reformas Estruturais” (abril de 2003) e b) “Gasto Social do Governo Central: 20012002” (novembro de 2003). Em nosso entendimento tais documentos se complementam
e podem oferecer algumas respostas às questões acima elencadas.
Para compreender as consequências das prioridades estabelecidas pelo
Ministério da Fazenda para o financiamento do gasto social, serão analisados os
recursos destinados às políticas sociais, especialmente da educação e das universidades
federais, no período de 2003 a 2010. Para tanto, utilizaremos informações relativas às
despesas com a educação, com as universidades federais e demais áreas sociais
constantes nos demonstrativos da execução do Orçamento da União disponibilizados
pela Secretária do Tesouro Nacional e pelo Senado Federal.
2
1. Política econômica do Governo Lula: a focalização das políticas sociais como
prioridade
A eleição do presidente Lula reavivou esperanças e gerou muitas expectativas
quanto a adoção de um novo modelo de desenvolvimento que pudesse reverter a política
econômica adotada pelo governo do governo anterior. A política econômica de Fernando
Henrique, em consonância com diretrizes do FMI e Banco Mundial, concedia absoluta
prioridade ao pagamento dos juros e amortizações da dívida pública em detrimento de
investimentos nas políticas sociais consagradas na Constituição Federal de 1988.
A esperança em relação ao governo Lula logo feneceu e as expectativas foram
frustradas. A política econômica do Governo de Fernando Henrique foi mantida. A
continuidade da política econômica, vigente já há algum tempo, adiou, mais uma vez, o
cumprimento das determinações da Constituição Federal de 1988. De acordo com
Filgueiras e Gonçalves (2007):
[…] com a vitória e consolidação do neoliberalismo a partir da década
de 1990, a ampliação dos direitos inseridos na nova Constituição, e,
em seguida, todos os direitos passaram a ser questionados – sempre
em nome de ajustes fiscais (déficit público) e monetários (combate à
inflação). Isso explica o ataque sistemático à Constituição de 1988,
levado adiante pelas classes dominantes, desqualificando-a como
“populista”, “irresponsável”, “desfocada da realidade econômicofinanceira do Estado e do país” […] (FILGUEIRAS; GONÇALVES,
2007, p. 157-158).
A continuidade do governo Lula em relação ao Governo Fernando Henrique
decorre de sua adesão às orientações dos organismos internacionais, particularmente o
FMI e o Banco Mundial. A revista Reportagem, em abril de 2004, relatou que logo após
a posse de Lula, Wolfenshon, presidente do Banco Mundial, e outros membros das
diretorias do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento reuniramse com Lula e nove ministros na Granja do Torto. Os representantes dos Bancos
argumentaram que as reformas na previdência, na tributação e no chamado setor de
desenvolvimento humano, onde se inclui a educação, “eram urgentes e deveriam ser
feitas com responsabilidade fiscal para aumentar a credibilidade do novo governo junto
ao mercado internacional e diminuir a aversão ao risco por parte dos investidores” (À
SOMBRA ..., 2004, p. 15-16).
3
O cardápio de reformas apresentado pelo Banco Mundial ao “novo” governo
brasileiro sugeria que o país não iria muito longe se abandonasse as políticas de ajuste
fiscal, de austeridade monetária, de modernização produtiva. Para não aumentar os
gastos e a dívida pública, seria preciso “elevar a qualidade do gasto público” e a
“eficiência dos programas de governo dentro da severa restrição fiscal, esperada para o
futuro previsível” (À SOMBRA ..., 2004, p. 16).
Em abril de 2003, o Ministério da Fazenda tornou público o documento
“Política econômica e reformas estruturais”. Tal documento tinha como objetivo “[...]
apresentar as prioridades da agenda econômica do Ministério da Fazenda [...] e apontar
como estas prioridades se inserem no contexto de mudanças do país” (BRASIL, 2003a,
p. 4). O documento que sistematizava “a agenda inicial de reformas” não deixava
dúvidas quanto aos compromissos da política econômica do Governo Lula:
[...] o novo governo tem como primeiro compromisso da política
econômica a resolução dos graves problemas fiscais que caracterizam
a nossa história econômica, ou seja, a promoção de um ajuste
definitivo das contas públicas. […] o ajuste sustentável das contas
públicas, com gestão mais eficiente das contas públicas, dos
recursos disponíveis, assim como reformas estruturais que
assegurem o equilíbrio de longo prazo do orçamento público e
permitam a retomada do investimento do governo em infraestrutura e expansão dos gastos sociais (BRASIL, 2003a. p. 8,
grifos nossos).
A política econômica deveria ter como primeiro compromisso o ajuste
sustentável das contas públicas e a realização de reformas que assegurassem a retomada
do investimento do governo em infraestrutura e a expansão dos gastos sociais.
Entretanto, é preciso indagar: o governo se propunha a ampliar quais gastos sociais?
Quais seriam os gastos sociais prioritários?
A preocupação em honrar o pagamento da dívida pública e de atender os
interesses dos credores internacionais, pedra angular da política econômica, aparece no
documento por meio de um eufemismo: “o compromisso do governo é diminuir o
endividamento em proporção ao PIB” (BRASIL, 2003a, p. 9). De acordo com o
documento do Ministério da Fazenda:
Para escapar da armadilha resultante da elevada relação dívida/PIB
[…] uma das tarefas do governo é a execução de uma política fiscal
sólida nos próximos anos que traga consistência de médio e longo
prazo nas contas públicas, e uma melhoria na qualidade do ajuste
4
fiscal realizado nos últimos anos. […] são necessárias medidas que
produzam superávits primários, neste e nos próximos exercícios,
suficientes para reduzir a relação dívida/PIB” (BRASIL, 2003a, p. 8,
grifos nossos).
O Governo Lula se comprometia a manter e, ainda, melhorar o ajuste fiscal que
vinha sendo realizado pelo Governo Fernando Henrique. Segundo o Ministério da
Fazenda “o ajuste saudável das contas do setor público”, necessário a redução da
relação dívida/PIB e a consequente recuperação da capacidade de investimento dos
setores público e privado, “tornam imprescindíveis as reformas estruturais” (BRASIL,
2003a, p. 10). As reformas estruturais que o governo se propunha a realizar eram as
seguintes: da previdência, tributária, monetária e do mercado de crédito.
Ao defender a necessidade da reforma da previdência, o Ministério da Fazenda
argumentava que “A reforma da previdência é fundamental para assegurar o direito à
aposentadoria, inevitavelmente comprometida em um sistema desequilibrado. Essa
reforma é também uma questão de justiça social”. (BRASIL, 2003a, p. 10-11, grifo
nosso).
Para exemplificar a “distorção” na transferência de renda e a “injustiça social”
decorrente, especialmente, da “crescente alocação de recursos” no regime de
previdência do setor público, o documento afirmava que o governo federal gastara, em
2002, 33 bilhões para pagar aposentadorias e pensões de 1 milhão de beneficiários do
setor público. Em contrapartida, no setor privado foram alocados 88 milhões para
atender 18 milhões de beneficiários.
O documento do Ministério da Fazenda, ao tratar de “Políticas sociais e redução
de desigualdades”, tornava explícita a concepção de política social e os gastos sociais
que deveriam ser priorizados.
[...] no que se refere às políticas sociais, é fundamental que se
implementem reformas que corrijam graves distorções no que tange à
estrutura tributária do governo e à focalização e à eficácia dos
programas sociais. [...] apesar do montante de recursos alocados
aos programas sociais pelo governo central no Brasil não ser
pequeno, sua eficácia em diminuir a pobreza ainda é bastante
reduzida. A efetividade dos programas sociais depende tanto da sua
focalização nos grupos de menor renda quanto do seu impacto sobre
os beneficiários. A pouca capacidade dos gastos sociais da União
em reduzir a desigualdade da renda decorre do fato de boa parte
dos recursos é destinada aos não-pobres, assim como da gestão
ineficiente dos recursos destinados aos programas sociais
(BRASIL, 2003a. p. 15, grifos no original)
5
Para o Ministério da Fazenda, o principal problema das políticas sociais no
Brasil não seria a falta de recursos. O documento foi taxativo “o montante de recursos
alocados nos programas sociais não é pequeno”. O problema fundamental, de acordo
com o Ministério da Fazenda, seria que tais recursos são destinados para os “nãopobres”, como seria o caso dos servidores públicos, beneficiários da previdência, e os
estudantes das universidades federais, como veremos adiante. A solução para tal
problema seria focalizar as políticas e gastos sociais nos pobres em detrimento dos
“não-pobres”. Portanto, o Ministério da Fazenda se contrapunha às políticas
universalistas e defendia, como prioritárias, as políticas focalizadas nos pobres.
A defesa da focalização, de acordo com Saraiva (2004), fundamenta-se na ideia
que a aplicação dos recursos públicos nesse tipo de política social seria mais eficiente e
racional. Seria mais barato, pois atenderia apenas os que mais necessitam e não a todos
indistintamente como é o caso de políticas sociais de caráter universal. No caso das
políticas sociais de caráter focalista “a ideia seria tratar os diferentes diferentemente, ou
seja, por exemplo, garantir educação gratuita para aqueles que efetivamente não tenham
condições de ter acesso a esse tipo de bem ou serviço por seus próprios meios”
(MEDEIROS, apud SARAIVA, 2004, p. 93).
Para o Ministério da Fazenda os “não-pobres” receberiam do Estado mais
benefícios do que os “pobres”, reforçando, dessa forma, a má distribuição da renda e a
própria pobreza, tratada como o problema fundamental a ser enfrentado. Entretanto, a
pobreza não é tratada como parte do processo de exploração econômica. A distribuição
assimétrica da riqueza, a concentração da propriedade e a superexploração da força de
trabalho no Brasil não são tratadas como problemas. A pobreza é dissociada do conflito
capital trabalho e convertida num fenômeno derivado de atributos pessoais e/ou de
grupos específicos. De acordo com tal concepção a sociedade estaria polarizada entre
“pobres” e “não-pobres”, entre “excluídos” e “privilegiados”.
De acordo com Filgueiras e Gonçalves (2009) a transformação, ideológica e
simbólica, do conflito capital e trabalho numa oposição formal entre “pobres” e
“pseudo-ricos” (“não-pobres”) contou com a formulação decisiva de instituições
multilaterais como, por exemplo, o FMI e o Banco Mundial, e necessitou de uma
operação político-ideológica. Tal operação:
[…] apartou, radicalmente, a “exclusão social” (a pobreza) do
6
“mundo do trabalho” (o emprego e a produção), considerando-a,
implicitamente, um fenômeno exógeno ao novo padrão de
acumulação capitalista. Em consequência a pobreza passou a ser
tratada de forma pontual, como resultado, fundamentalmente, de
atributos individuais ou familiares (idade e escolaridade, entre outros).
Nessa perspectiva, a dinâmica econômico-social geradora e
reprodutora da pobreza – associada à concentração da propriedade, às
formas de exploração do trabalho, às características regressivas do
sistema tributário e ao modo de atuação do Estado – desaparece
completamente (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2009, p. 1, grifo
nosso).
Quanto aos gastos com a educação, o Ministério da Fazenda afirmou que “[...]
cerca de 70% do gasto direto do Governo Central com educação e cultura foi destinado
ao ensino superior” e conclui que “[...] a canalização de grande parte do orçamento
da educação para o financiamento das instituições federais de ensino superior
reduz o montante de recursos disponível para os demais estágios da educação”
(BRASIL, 2003a, p. 52, grifo nosso). Para o Ministério da Fazenda o gasto público
federal deveria ser direcionado à educação fundamental e média, pois estes níveis de
educação proporcionariam maiores benefícios aos pobres.
A focalização das políticas sociais e a maior eficiência dos programas sociais do
governo, segundo o Ministério da Fazenda, permitiria reduzir a fração dos grupos mais
pobres, atenderia a critérios de justiça social e traria impactos significativos no
comportamento da economia brasileira. (BRASIL, 2003a, p. 17).
Depois de diagnosticar que o problema no Brasil não seria a ausência de
políticas sociais, ou a falta de recursos para financiá-las, o Ministério da Fazenda
conclui que “o expressivo volume de gastos” investidos não teriam contribuído para a
redução das desigualdades (BRASIL, 2003a, p. 41). O Ministério da Fazenda recomendou
que seria preciso ampliar os gastos com assistência social que são mais focalizados e
têm maior capacidade de redução da pobreza:
[...] a participação dos gastos com assistência social, que em geral
apresentam um grau de focalização sobre a população pobre bem
superior aos demais programas sociais, é de apenas 1,7% [dos gastos
sociais da União], correspondendo a 0,4% do PIB. (BRASIL, 2003a,
p. 50).
Ao tratar da “Efetividade da Política social” reforça, mais uma vez, a ideia de
que o problema das políticas sociais no Brasil não seria “quanto se gasta”, mas sim
“como se gasta”. De acordo com o Ministério da Fazenda: “[...] uma política social deve
7
ser avaliada por sua capacidade de reduzir a pobreza, e não pelo volume de recursos que
consome ou mesmo pelo volume de benefícios que distribui”. (BRASIL, 2003a, p. 50).
A preocupação central do Ministério da Fazenda era tornar o gasto social mais
eficiente, eficaz e focalizado.
A política social, via de regra, beneficia mais os não-pobres. No
Brasil, a despeito de ter praticado uma ampla política social ao longo
das duas últimas décadas, o que constitui mais de 15% da renda
nacional, o grau de desigualdade do país permaneceu essencialmente
inalterado no período devido à ausência de melhorias no grau de
focalização. Portanto, há poucas chances de que maiores gastos
sociais no futuro tenham impactos significativos sobre a redução
da desigualdade e da pobreza, caso a política social continue mal
focalizada, beneficiando principalmente os segmentos não-pobres
da população. (BRASIL, 2003a, p. 52, grifo nosso).
A conclusão do Ministério da Fazenda não nos permite alimentar muitas
expectativas em relação a uma ampliação significativa de recursos para o conjunto das
políticas sociais universalistas, consagradas na Constituição Federal de 1988 como
“dever do Estado” e “direito de todos” (incluindo os chamados “não-pobres”).
As universidades públicas, de acordo com o Ministério da Fazenda, seriam um
dos bens e serviços que beneficiam os “não-pobres”. Não faltariam recursos para a
educação básica se grande parte do orçamento da educação não fosse canalizado para o
financiamento das universidades federais. Essa conclusão do Ministério da Fazenda
desconsidera que “o problema do financiamento da educação brasileira não reside no
fato de o gasto com a educação superior ser excessivo, e sim que os investimentos na
educação básica são insuficientes”. (CASTRO; CORBUCCI, p. 149).
Em novembro de 2003, o Ministério da Fazenda publicou outro documento,
intitulado “Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002”, que procurava “descrever o
gasto social do Governo Central”. Tal documento nos permite compreender, de forma
mais específica, as prioridades estabelecidas em relação ao financiamento da política
educacional em geral e das universidades federais, em particular, objeto mais específico
de nossas preocupações.
De acordo com o Ministério da Fazenda são considerados gastos sociais os
dispêndios associados às áreas de previdência e assistência social, saúde, educação,
moradia, habitação, saneamento básico, amparo ao empregado e, no caso do Brasil,
organização agrária. O documento, além de descrever o gasto social do governo federal,
também se propunha a “[...] discutir em que medida esse gasto está contribuindo para
8
reduzir as desigualdades sociais e melhorar a distribuição de renda no país” (BRASIL,
2003b, p. 2).
Para reforçar a defesa da focalização das políticas sociais, inclusive na educação,
o documento do Ministério da Fazenda :
[...] os gastos sociais que têm maior poder de enfrentamento da
pobreza e das desigualdades sociais – como a educação fundamental
e média, saúde básica e programas de renda mínima - apesar de
crescentes, ainda têm uma participação bastante reduzida no
orçamento do Governo Central. (BRASIL, 2003b, p. 3, grifo nosso).
Para o Ministério da Fazenda, em matéria de política educacional, seria
necessário tratar como prioritários os investimentos em educação básica (fundamental e
média). Os formuladores da política econômica retomaram o discurso da centralidade da
educação básica (focalização), bastante enfatizado, nas décadas de 1980/90, nos
documentos de orientação do Banco Mundial para a reforma dos sistemas educacionais
nos “países em desenvolvimento”. O Ministério da Fazenda concluiu que “[...] cerca de
46% dos recursos do Governo Central para o ensino superior beneficiam apenas
indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população” (BRASIL, 2003b,
p. 35).
O Ministério da Fazenda defendeu explicitamente que o gasto social deveria ser
direcionado, prioritariamente, aos “pobres” e, para tanto, seria necessário reduzir os
“privilégios de acesso dos mais ricos”.
A possibilidade de o poder público ampliar os recursos destinados
aos brasileiros mais pobres e de fornecer uma verdadeira rede de
proteção social, capaz de amparar a população mais vulnerável,
depende de forma decisiva da realização de reformas estruturais
que reduzam os privilégios concedidos pelo atual sistema – tanto
por meio de gastos diretos quanto através de renúncias fiscais - a
grupos de renda mais alta. (BRASIL, 2003b, p. 3).
Ao analisar os gastos da União com a educação, o Ministério da Fazenda
concluiu que a maior parte dos recursos era destinada ao ensino superior, o que estaria
de acordo a Constituição Federal. Entretanto, tal situação “acaba beneficiando
segmentos de maior renda e restringindo a aplicação de recursos na educação
básica, cujo impacto sobre o bem-estar social seria mais expressivo” (BRASIL, 2003b,
p. 23).
9
A análise realizada a respeito dos dois documentos publicados pelo Ministério da
Fazenda em 2003, indica que a prioridade da política econômica adotada pelo Governo
Lula foi a manutenção do ajuste fiscal e a realização de reformas que assegurassem o
pagamento da dívida pública e a adoção de políticas sociais focalizadas, em detrimento
da ampliação dos recursos para políticas de caráter universal. Para Filgueiras e
Gonçalves:
Nesse contexto de ajuste fiscal permanente, colocado em prática a
partir do segundo governo Cardoso e mantido durante o governo Lula,
a política social transformou-se em sinônimo de política social
focalizada, voltada aos mais pobres e miseráveis, com a criação de
inúmeros programas de complementação de renda. Implementada de
forma tímida nos governos Cardoso, essa orientação foi ampliada e
aprofundada pelo governo Lula, que lhe deu continuidade, sob
aplausos do Banco Mundial. (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p.
160, grifo nosso).
É evidente que as prioridades estabelecidas pelo Ministério da Fazenda não
determinam, por si mesmas, o montante de recursos a ser destinado a uma determinada
política social. O Ministério da Fazenda tem dado demonstrações inequívocas do seu
poder de influência. Entretanto, tal ministério “não governa sozinho”, há divergências e
disputas internas no governo. Outros sujeitos (partidos, sindicatos e movimentos
sociais) por meio de sua organização coletiva entram na disputa política e podem
pressionar para a ampliação do financiamento de áreas sociais não tratadas como
prioritárias pelo governo federal.
2. O financiamento das políticas sociais e das universidades federais no governo
Lula: das prioridades da política econômica à destinação efetiva dos recursos do
Orçamento da União
Para verificar se houve convergência entre as prioridades estabelecidas pelo
Ministério da Fazenda e a destinação efetiva de recursos para as áreas sociais, será
realizada a seguir a análise da execução do Orçamento da União, no período de 2003 a
2010. A análise focará, em primeiro lugar, os recursos destinados ao pagamento da
dívida pública, uma das prioridades definidas pelo Ministério da Fazenda. Em seguida
serão examinados os gastos da área social para verificar se houve a ampliação de tais
gastos e se houve prioridade no financiamento de políticas focalizadas nos pobres,
10
conforme orientação presente nos documentos do Ministério da Fazenda.
Primeiramente, serão comparadas as despesas com o pagamento da dívida
pública (juros, encargos, amortizações e refinanciamento) com as demais despesas da
União, no período de 2003 a 2010. A Tabela 1 discrimina o total das despesas da União
e as agrupa em seis rubricas: as despesas com a dívida pública, os principais gastos
sociais (Previdência, Saúde, Educação, Assistência Social) e outras despesas (Judiciário,
Legislativo, Defesa Nacional, Segurança Pública, Urbanismo, Habitação, Saneamento,
por exemplo).
Tabela 1 – Execução do Orçamento da União: despesas selecionadas em percentuais
DESPESAS1
DÍVIDA PÚBLICA
2
PREVIDÊNCIA
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
61,66
57,31
59,39
56,65
52,21
47,17
48,20
44,91
16,87
18,55
17,47
18,57
19,95
20,32
20,80
22,11
SAÚDE
2,97
3,39
3,10
3,16
3,42
3,75
3,72
3,92
EDUCAÇÃO
1,52
1,49
1,31
1,49
1,71
2,01
2,31
2,88
ASSISTÊNCIA SOCIAL
0,92
1,53
1,45
1,86
2,09
2,40
2,48
2,74
16,06
17,72
17,28
18,27
20,62
24,35
22,50
23,43
100
100
100
100
100
100
100
100
OUTRAS DESPESAS
TOTAL
Fonte: Senado federal (Portal Orçamento – SIGA Brasil) – Organização do autor.
(1)
Inclui apenas despesas pagas no exercício (excluídas as despesas pagas no exercício seguinte).
(2)
Inclui as despesas com juros e encargos, amortização e refinanciamento.
A proporção de gastos do Orçamento da União com a dívida pública, embora
apresente queda constante de 2003 a 2010, na maioria dos anos selecionados, superou o
montante de 45%.
Analisando-se a execução do Orçamento Federal em 2010, último ano do
governo Lula, verifica-se que quase metade dos recursos orçamentários foi destinada ao
pagamento da dívida em detrimento dos gastos sociais. As despesas com a dívida (juros,
encargos, amortizações e refinanciamento) consumiram 44,91% do Orçamento Geral da
União2, ou seja, o equivalente a R$ 635 bilhões, e foram muitas vezes superiores aos
gastos com áreas sociais fundamentais, como saúde (3,92%), educação (2,88%) e
assistência social (2,74%). Além disso, foi quase nulo o valor destinado a outras áreas,
incluídas na rubrica outras despesas, como Organização Agrária (0,16%), Transporte
(0,77%), Ciência e Tecnologia (0,38%) e Saneamento (0,04%).
A prioridade dada ao pagamento da dívida pública (interna e externa), desde
Fernando Henrique, entretanto, não serviu para conter o crescimento dessa dívida. Em
2
O Orçamento Geral da União executado no exercício financeiro de 2010 totalizou R$ 1,414 trilhão.
11
dezembro de 2002 a dívida pública federal (interna e externa) totalizava R$ 892,944
bilhões (SILVA; CARVALHO; MEDEIROS, 2009). No final do governo Lula, em
dezembro de 2010, a dívida pública federal totalizava R$ 1,694 trilhões, um
crescimento de quase 90%, em relação a 2002, apesar dos R$ 4,763 bilhões destinados
ao pagamento de juros, encargos, amortizações e refinanciamento.
As informações relativas aos recursos da União destinados ao pagamento da
dívida pública e a comparação destes com alguns gastos sociais selecionados,
comprovam que houve convergência entre a prioridade definida pelo Ministério da
Fazenda e destinação dos recursos do Orçamento da União destinados prioritariamente
ao pagamento da dívida pública.
A Tabela 2 discrimina o Gasto Social do governo federal, no período de 1995 a
2010, como percentual do PIB, de acordo com algumas áreas. Tais áreas selecionadas
respondem por aproximadamente 90% do Gasto Social.
Tabela 2 – Gasto Social Federal (GSF) por área de atuação em percentual do PIB 1995-2010
ANO
PREVIDÊNCIA
SOCIAL
BENEFÍCIOS A
SERVIDORES
FEDERAIS (1)
SAÚDE
EDUCAÇÃO
ASSISTÊNCIA
SOCIAL
OUTROS
GASTOS
TOTAL
GSF
1995
4,98
2,46
1,79
0,95
0,08
0,98
11,24
1996
5,25
2,28
1,53
0,80
0,09
1,03
10,98
1997
5,15
2,35
1,67
0,74
0,17
1,43
11,51
1998
5,76
2,46
1,58
0,79
0,24
1,42
12,25
1999
5,75
2,48
1,69
0,78
0,29
1,17
12,16
2000
5,77
2,47
1,70
0,87
0,40
1,35
12,56
2001
6,00
2,58
1,71
0,83
0,49
1,39
13,00
2002
6,08
2,57
1,68
0,76
0,60
1,23
12,92
MÉDIA%
1995-2002
5,59
2,46
1,67
0,82
0,30
1,25
12,08
2003
6,52
2,38
1,58
0,71
0,66
1,10
12,95
2004
6,65
2,31
1,62
0,73
0,75
1,14
13,20
2005
7,00
2,29
1,59
0,77
0,83
1,34
13,82
2006
7,20
2,25
1,68
0,81
0,91
1,50
14,35
2007
7,04
2,23
1,66
0,88
0,93
1,64
14,38
2008
6,78
2,18
1,63
0,88
0,97
1,75
14,19
2009
2010
7,16
7,38
2,33
2,26
1,82
1,68
1,02
1,11
1,06
1,07
2,15
2,04
15,54
15,54
MÉDIA%
2003-2010
6,97
2,28
1,66
0,86
0,90
1,58
14,25
Fonte: Castro et. al. (2012). – Organização do autor.
(1)
Nos Benefícios a Servidores Federais estão alocados os recursos para garantir, por exemplo, assistência médica e outros
benefícios e auxílios diversos, como Auxílio-Alimentação e Vale-creche.
12
Na análise da Tabela 2 observa-se que no governo Fernando Henrique houve um
crescimento de aproximadamente 15% do Gasto Social: no período de 1995 a 2002, tal
gasto se elevou de 11,24% do PIB para 12,92%. No governo Lula, o total do gasto
social, apresentou um crescimento de 20%, um pouco superior ao governo Fernando
Henrique. O gasto social se elevou de 12,95% do PIB, em 2003, para 15,54%, em 2010.
Entretanto, há trajetórias diferenciadas de crescimento do gasto social, no
período de 1995 a 2010, dependendo da área social. No governo de Fernando Henrique
(1995 – 2002) as áreas da educação e saúde tiveram uma redução do investimento, de
20% e de 6,15%, respectivamente. Os gastos com educação foram reduzidos dos 0,95%
do PIB, em 1995, para 0,76%, em 2002 e os gastos com saúde foram reduzidos dos
1,79% do PIB, em 1995, para 1,68%, em 2002. A área social que apresentou um
impressionante crescimento foi a Assistência Social. No período de 1995 a 2002, os
investimentos em Assistência Social foram ampliados em 650%: de 0,08% do PIB, em
1995, para 0,60% em 2002, bem próximo ao percentual destinado à educação.
No Governo Lula os gastos, em praticamente todas as áreas sociais foram
ampliados. A Assistência Social e a Educação foram as duas áreas onde se observou o
maior crescimento percentual de investimento. Na Assistência Social, os recursos foram
ampliados em 62,12%: de 0,66% do PIB, em 2003, para 1,07%, em 2010. Na Educação,
os recursos foram ampliados em 56,34%: de 0,71% do PIB, em 2003, para 1,11%, em
2010. Entretanto, nos gastos com Benefícios a Servidores Federais observou-se uma
redução dos recursos alocados. No período de 2003 a 2010, os investimentos em
“Benefícios a Servidores Federais” foram reduzidos em 5,04%: de 2,38% do PIB, em
2003, para 2,26%, em 2010.
Os recursos para a área da saúde permaneceram praticamente inalterados nos
últimos 16 anos (1995 a 2010). Se tomarmos como referência o percentual médio
aplicado no governo de Fernando Henrique (1,67% do PIB) e o percentual médio no
governo Lula (1,66% do PIB), concluímos que a maior política de caráter universalista
do governo federal, permaneceu, praticamente, com os mesmos recursos.
Outra área do gasto social federal que merece destaque é a Assistência Social.
Em 1995, a área de Assistência Social recebia 0,08% do PIB e passou a receber 1,07%
em 2010, houve um crescimento impressionante de 1.237%. Os dados relativos aos
recursos da União destinados à Assistência Social, e a comparação destes com a
trajetória dos outros gastos sociais, comprovam que houve sintonia entre os recursos,
realmente alocados pelo Orçamento da União, e a prioridade definida pelo Ministério da
13
Fazenda quanto à ampliação dos gastos com a Assistência Social, considerada uma
política mais efetiva no combate à pobreza.
Um terceiro aspecto a destacar em relação à Tabela 2, diz respeito à ampliação
dos recursos para a educação. Observamos que no governo Lula houve um expressivo
crescimento de tais recursos (56,34%). Entretanto, os documentos do Ministério da
Fazenda, analisados na parte inicial deste trabalho, orientavam que o governo federal
deveria priorizar os investimentos em educação básica, que teria maior poder de
combate à pobreza.
Para verificar se a recomendação do Ministério da Fazenda, de focalização dos
recursos na educação básica foi atendida, será necessário realizar uma análise
discriminada dos recursos investidos em educação pelo governo federal. Para tanto,
serão consideradas as despesas totais do Ministério da Educação e as despesas com as
universidades federais, incluindo os Hospitais Universitários. Tais despesas serão
comparadas com o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e com as Receitas da União.
Para a realização de tais comparações foram utilizados os demonstrativos da “Execução
Orçamentária por Órgão e Unidade Orçamentária”, disponibilizados pelo Senado
Federal (Portal Orçamento: SIGA Brasil), e os Demonstrativos das Receitas da União,
disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional (Ministério da Fazenda).
Tabela 3 – Execução da Orçamentária da União por Órgãos: despesas do Ministério da
Educação e despesas das universidades federais como proporção do PIB. Valores em R$
milhões, a preços de março de 2013 - IGP-DI/FGV
DESPESAS TOTAIS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
%
%
(C)
(C/A)
(C/B)
DESPESAS TOTAIS
UNIVERSIDADES FEDERAIS
%
%
(D)
(D/A)
(D/B)
ANO
PIB
BRASIL
(A)
RECEITA
CORRENTE
LÍQUIDA
(B)
2003
2.978.761
394.120
29.036
0,97
7,37
15.516
0,52
3,94
2004
3.031.575
412.777
26.791
0,88
6,49
16.881
0,56
4,09
2005
3.297.197
465.296
27.767
0,84
5,97
16.989
0,52
3,65
2006
3.512.013
510.956
32.124
0,91
6,29
20.555
0,59
4,02
2007
3.699.971
537.590
34.236
0,93
6,37
20.600
0,56
3,83
2008
3.790.958
535.804
36.237
0,96
6,76
21.362
0,56
3,99
2009
4.122.649
556.406
46.310
1,12
8,32
25.978
0,63
4,67
2010
4.331.814
574.345
54.379
1,26
9,47
28.122
0,65
4,90
Fonte: IBGE; Senado Federal (Portal Orçamento – SIGABrasil); Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração do autor.
14
Na Tabela 3, observa-se, que no período de 2003 a 2010, há um crescimento de
29,29% das despesas do Ministério da Educação: em 2002 representaram 0,97% do PIB
e em 2010 passaram a representar 1,26%. No caso das despesas com as universidades
federais verificou-se também um crescimento 25% de tais despesas: em 2002
representaram 0,52% do PIB e 2010 passaram a representar 0,65%. Em relação à
Receita Corrente Líquida da União, as despesas do Ministério da Educação
apresentaram um crescimento de 28,499%: em 2002 representaram 7,37% da Receita
Corrente Líquida e em 2010 passaram a representar 9,47%. As despesas com as
universidades federais apresentaram um crescimento 24,37%: em 2002 representaram
3,94% da Receita Corrente Líquida e em 2010 passaram a representar 4,90%.
A constatação de que houve um crescimento das despesas com as universidades
federais, em percentual do PIB e da Receita Corrente Líquida da União, não é suficiente
para afirmar que houve prioridade para o financiamento de tais instituições ou se as
despesas com os demais níveis da educação foram priorizadas em detrimento das
universidades federais. Para tanto se faz necessário comparar as despesas das
universidades em relação às despesas totais do Ministério da Educação.
Tabela 4 – Despesas das universidades federais como percentuais das Despesas do
Ministério da Educação - Valores em R$, a preços de março de 2013 (IGP-DI/FGV)
ANO
DESPESAS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
(A)
DESPESAS
UNIVERSIDADES
(C)
%
(C)/(B)
2003
29.036.397.035
15.516.001.048
53,44
2004
26.791.375.072
16.880.508.101
63,01
2005
27.766.617.665
16.988.551.980
61,18
2006
32.124.230.481
20.554.558.474
63,98
2007
34.236.484.394
20.599.986.234
60,17
2008
36.237.216.107
21.361.758.228
58,95
2009
46.310.376.348
25.977.646.180
56,09
2010
54.378.964.093
28.122.000.217
51,71
Fonte: Senado Federal (Portal Orçamento – SIGABRASIL). Organização do autor.
Na Tabela 4, observa-se que as despesas com as universidades federais em
relação às despesas totais do Ministério da Educação oscilaram, alternando um período
de crescimento seguido de queda. No período de 2003 a 2006 as despesas das
15
universidades federais apresentaram um crescimento de 19,72% em relação às despesas
totais do Ministério da Educação: de 53,44% para 63,98%. Entretanto, a partir de 2007,
as despesas com as universidades federais, proporcionalmente, foram perdendo espaço
em relação às despesas totais do Ministério da Educação. Em 2010 as despesas com as
universidades federais representaram 51,71% das despesas totais do Ministério da
Educação, uma redução de 19,18%, se comparadas ao ano de 2006.
A partir da análise da Tabela 4 conclui-se que, apesar do crescimento das
matriculas e do número de novos campi das universidades federais, as mesmas
proporcionalmente vem perdendo espaço, do ponto de vista dos recursos orçamentários,
em relação aos demais níveis e modalidades de ensino.
3. Considerações finais
A análise de dois documentos do Ministério da Fazenda que apresentavam as
prioridades da agenda econômica do governo Lula, indicou que um dos objetivos
principais do governo Lula, em matéria de política econômica, foi a manutenção do
ajuste fiscal, necessário para realizar o pagamento da dívida pública. Nesse contexto, de
manutenção da política de ajuste das contas públicas, o Ministério da Fazenda defendia
que o acesso dos pobres aos bens e serviços públicos dependeria da adoção de políticas
sociais focalizadas em contraposição a políticas universais que, de acordo com o
Ministério da Fazenda, privilegiavam os “não-pobres”.
Na avaliação do Ministério da Fazenda o problema fundamental das políticas
sociais no Brasil não seria a falta de recursos, mas a má distribuição desses recursos
que, por falta de focalização nos pobres, acabava por beneficiar os “não-pobres”. Uma
política social efetiva deveria ser eficiente, eficaz e focalizada. Deveria, com menos
recursos, atender um número maior de beneficiários e superar a condição de pobreza e
de extrema pobreza da população atendida. Para tanto, os recursos públicos deveriam
ser focalizados, direcionados prioritariamente para atender os pobres. De acordo com tal
concepção de política social, os investimentos na área da educação deveriam priorizar a
educação básica, pois esta beneficiaria um número maior de pobres. Sendo assim, o
investimento nas universidades públicas não foi considerado prioritário, tendo em vista
que
os
seus
beneficiários
foram
caracterizados
como
“não-pobres”,
como
“privilegiados” que se apropriavam de grande parte dos recursos públicos que deveriam
ser canalizados para a educação básica.
16
Na análise do Orçamento da União percebemos que há sintonia entre as
recomendações do Ministério da Fazenda, em termos de políticas sociais, e os gastos
efetivamente realizados pelo governo federal. Os gastos com o pagamento da dívida,
considerados prioritários, consumiram nesse período praticamente metade do
Orçamento da União. Houve um grande crescimento dos recursos destinados à
Assistência Social, considerada uma política eficaz no combate à pobreza.
Quanto ao financiamento das universidades federais, os números do orçamento
da União demonstraram que, de 2003 a 2006, houve um crescimento dos recursos
destinados a tais instituições. Entretanto, a partir de 2007 os recursos destinados às
universidades federais declinaram em relação aos recursos totais destinados ao
Ministério da Educação. Em 2006 os recursos destinados às universidades
representavam 63,98% das despesas totais do Ministério da Educação. Em 2010, as
despesas com as universidades federais passaram a representar 51,71% das despesas
totais do Ministério da Educação, uma queda de 19,18%, em relação ao ano de 2006.
Essa queda pode indicar, como tendência, a prioridade do governo federal em financiar
outros níveis e modalidades da educação ou mesmo a preferência governamental pela
expansão da rede federal de instituições de ensino superior por meio da criação de
institutos federais de educação, ciência e tecnologia em detrimento de universidades
federais.
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