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CARTOGRAFIA DOS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA
ATUAR NA ESCOLARIZAÇÃO DE SURDOS
Yrlla Ribeiro de Oliveira Carneiro da Silva
DESU – INES
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar um dos programas de formação de
professores para atuar na escolarização de surdos. Este programa tem um aspecto inovador,
já que é o primeiro Curso Bilíngue de Pedagogia da América Latina. Dentre as disposições
cruciais desse novo Curso, relevam-se as seguintes: a) a Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS constitui-se na língua de instrução do Curso; b) a LIBRAS, o bilinguismo e a
escolarização de surdos são temáticas aprofundadas numa Atividade Formadora intitulada
Tópicos Avançados de Âmbito Bilíngue, presente no currículo ao longo de sete períodos; b)
todos os candidatos só são admitidos, surdos e não surdos, quando apresentam fluência em
LIBRAS; c) aulas e demais atividades do Curso estão a cargo de docentes com suficiente
informação sobre características linguísticas próprias do campo da surdez; d) as avaliações
de aprendizagem podem ser realizadas em LIBRAS e registradas em vídeo. Este currículo
tem como aspecto marcante, o abandono, em definitivo, de uma concepção de organização
sequencial de conteúdos, ou disciplinas. Optou-se por uma modalidade curricular que
disponibiliza ao licenciando capacidades de estabelecer redes de significações e de relações
entre conteúdos disciplinares. O Curso Bilíngue de Pedagogia do INES formou sua
primeira turma em dezembro de 2009 e já percebemos, após os estágios curriculares, a
importância da formação destes professores para a escolarização das crianças surdas,
principalmente, no modelo de inclusão difundido nas escolas de educação básica do Brasil.
Deste modo, propomos discutir a formação de professores para a inclusão de surdos a partir
da experiência que tem sido desenvolvida no âmbito do Curso de Pedagogia Bilíngue do
INES à luz de autores como Bueno 2001; Roldão 2007; Rocha 2008; Pedreira 2008 que nos
dão pistas para uma formação docente sensível a diversidade e a inclusão de surdos numa
perspectiva bilíngue.
PALAVRAS - CHAVE: formação de professores; escolarização de surdos e Curso
Bilíngue de Pedagogia
Introdução
A presente pesquisa tem por finalidade cartografar e analisar os programas de
formação de professores destinados a formar docentes para atuar na escolarização de
surdos.
O trabalho docente se caracteriza nos dias atuais como um trabalho de crescente
complexidade em virtude das novas demandas sociais que se apresentam, dentre elas está o
desafio da escolarização de surdos.
As demandas sociais dirigidas atualmente à escola exigem desta um novo projeto,
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um outro perfil de professor, com uma nova base formadora, “(...) para aderir a uma
perspectiva mais complexa, a da formação do cidadão nas diversas instâncias em que a
cidadania se materializa: democrática, social, solidária, igualitária, intercultural e
ambiental” (Mizukami, 2002, p. 12). E, assim, a formação de professores pode atender as
novas exigências sociais, estabelecendo relações do saber docente e do saber escolar com a
realidade na qual as práticas sociais se produzem.
Considera-se que as experiências inovadoras e instituintes em educação se dão na
urgência dos movimentos de professores para a reinvenção da escola e da sala de aula, bem
como na possibilidade de uma reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas produzidas
coletivamente pelos professores, em diálogo com a realidade escolar, num espaço de
interlocução. “Como os caminhos da liberdade – que se desdobram e se recombinam – essa
pedagogia recolhe, sistematiza e intensifica pistas e caminhos para uma outra educação e
uma outra sociedade” (Linhares, 2003, p.15).
Segundo Nóvoa (1995), são três os pilares para a formação docente: o professor e o
seu desenvolvimento pessoal; o desenvolvimento profissional e a escola com o seu
funcionamento, organização e projetos.
O desenvolvimento pessoal do professor também é estimulado pelo processo de
formação: “Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e
criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vistas à construção de uma
identidade, que é também uma identidade profissional” (NÓVOA, 1995, p. 25). É o
professor apropriando-se de seus processos formativos, mobilizando não só os
conhecimentos adquiridos, mas também as suas vivências na produção de saberes.
Essa dimensão abrange a sua identidade pessoal e possibilita a (re)construção e a
(re)significação de sua própria história de vida, para o que é necessário um constante
exercício de reflexividade crítica, que tanto alimenta a produção de saberes, como
influencia também as diferentes dimensões da vida do professor.
Todas as dimensões da formação docente devem ser enfocadas na formação do
professor, como bem salienta Nascimento (1997, p. 74-76): dimensão pessoal e social
(auto-conhecimento, os professores ensinam não só aquilo que sabem, mas também aquilo
que são); dimensão da especialidade (buscam a atualização de seus conhecimentos,
reavaliam criticamente o saber escolarizável); dimensão pedagógica e didática (formação
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na prática, engloba os conhecimentos das ciências da educação); dimensão históricocultural (valorização da identidade cultural do país, da região e da escola); dimensão
expressivo-comunicativa (valorização da criatividade e expressão do professor, utilização
da arte como consciência sensível).
A formação de professores é indissociável da mudança e intervenção na escola, por
outro lado, é necessário a escola se engajar no processo de transformação, de apropriação e
produção de conhecimentos. Essa dialética pode ser possibilitada na dinâmica da formação
de professores.
No caso da educação especial para crianças com deficiência, de forma mais geral, a
literatura tem apontado que esse tipo de ensino “tem excluído, sistematicamente, grande
parcela de seu alunado sob a alegação de que esta, por suas características, não possui
condições para receberem o mesmo nível de escolarização que as crianças que não
apresentam deficiência” (BUENO, 2001, p. 4). Por outro lado, a simples inserção de alunos
com necessidades educativas especiais nas escolas regulares, sem qualquer tipo de apoio ou
assistência aos profissionais que ali atuam, tem redundado no fracasso escolar dessas
crianças.
Introduzida, no Brasil, na década de 1990, a educação bilíngue para surdos vem se
desenvolvendo de forma incipiente, a partir da introdução de intérpretes de LIBRAS,
responsáveis pela mediação entre surdos e ouvintes (PEDREIRA, 2008). O que algumas
pesquisas têm constatado é que a simples presença dos intérpretes nas salas de aula também
não tem sido suficiente para garantir, aos estudantes surdos, a aquisição da Língua de
Sinais, o acesso ao conhecimento e muito menos a aprendizagem da Língua Portuguesa
como uma segunda língua (PEDREIRA, 2008).
Contudo, sabemos que a exclusão não é um processo que tem se abatido apenas
sobre os estudantes do ensino especial, mas também sobre aqueles do ensino regular,
sobretudo os originados das camadas mais pobres da população (BUENO, 2001).
A literatura tem apontado ainda a falta de uma política de formação de professores,
quer para a atuação no ensino regular, quer para o ensino especial. Se, por um lado,
sabemos que grande parte dos professores do ensino regular não possui preparo mínimo
para trabalhar com crianças que apresentem deficiências evidentes, por outro lado,
observamos que a formação dos professores para o ensino especial está centralizada na
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minimização dos efeitos específicos das mais variadas deficiências (BUENO, 2001).
Assim, torna-se imprescindível pensar como os programas de formação de professores vêm
se organizando para atender as principais demandas para a formação de um professor que
seja capaz de enxergar, analisar e criticar o processo pedagógico de forma ampla e
abrangente.
A escolha desse campo de pesquisa se deu em decorrência dos recentes movimentos
que se inserem no âmbito do poder público para a implementação de uma política para a
educação especial no Brasil. Encontra-se, no texto da Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que a formação do professor para
atuar na modalidade do ensino especial deve ser obtida em cursos de graduação, pósgraduação e formação continuada, seguindo as Diretrizes Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia que define que as instituições de ensino superior devem prever
em sua organização curricular formação docente voltada para a atenção à diversidade e que
contemple conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades
educacionais especiais. No âmbito da educação de surdos, destaca-se a recente publicação
da “Lei de Libras”. Com efeito, o Decreto da Presidência da República nº 5.626, de 22 de
dezembro de 2005 que, em seu artigo 5º, determina que “a formação de docentes para o
ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser
realizada em Curso de Pedagogia ou Curso Normal Superior, em que Libras e Língua
Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação
bilíngüe”.
É dentro desse quadro que se apresentam algumas experiências inovadoras de
formação de professores. Há aquelas destinadas exclusivamente à formação de docentes
para atuar na escolarização de surdos, como é o caso da emblemática formação inicial
desenvolvida através do Certificat d’Aptitude au Professorat de l’Enseignement des Jeunes
Sourds (CAPEJS), na Université de Savoie, em Chambery, na França; ou ainda aquelas
destinadas a formar docentes de uma forma geral, mas que dão ênfase ao processo de
escolarização de surdos, como é o caso do primeiro Curso Bilíngue de Pedagogia da
América Latina, oferecido pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES.
O Curso Bilíngüe de Pedagogia do INES
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Neste trabalho apresentaremos o programa de formação inicial oferecido pelo Curso
Bilíngue de Pedagogia do INES. Este curso surge num contexto de reconhecimento dos
direitos da pessoa surda e consequentemente num processo de mudança na escolarização
destes sujeitos.
A Construção De Uma Proposta Bilíngue No Ines
O Curso Bilíngue de Pedagogia funciona dentro no Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES), reconhecido como Centro de Referência Nacional sobre a Surdez.
Fundado no ano de 1857, o INES constituiu-se, ao longo destes anos, como espaço de
experimentação e validação de diversos métodos de ensino. É importante colocar em
perspectiva este processo, tendo a noção de que as decisões sobre os métodos de ensino
foram realizadas em determinados contextos histórico, social e cultural. Portanto, por mais
que algumas iniciativas possam parecer esdrúxulas ou mesmo absurdas sob a ótica atual, os
profissionais da educação acreditavam que estavam fazendo o melhor para o sucesso do
aprendizado dos alunos surdos (ROCHA, 2008).
Até 1880 não havia uma discussão sistemática nem pesquisas sobre o melhor
método de ensino para a escolarização de surdos. Em 1880, o método oral foi considerado,
por representantes dos institutos de diversos países que participavam do Congresso de
Milão, superior ao método que utilizava sinais. O oralismo, ou método oral, é o processo
pelo qual se pretende capacitar o surdo na compreensão e na produção de linguagem oral,
partindo do princípio de que o indivíduo surdo, mesmo não possuindo nível de audição para
receber os sons da fala, pode ser um interlocutor por meio da linguagem oral. Desde então,
as aulas para surdos foram ministradas através da língua oral, mais engajada na aquisição
da fala do que propriamente na instrução.
Este método de ensino começou a ser implementado de forma mais sistemática no
INES na década de 1950. Em relação ao oralismo, os estudos apontavam que o trabalho
educativo melhorou em alguns aspectos e os surdos saíam da escola com maior poder de
comunicação. No entanto, segundo análises avaliativas, eles ainda apresentavam sérias
dificuldades em expressar sentimentos e ideias e para se fazerem compreender em
contextos extra-escolares.
Na década de 1960, começaram a surgir estudos, fora do país, sobre as línguas de
sinais utilizadas pelas comunidades surdas, sendo representativa a pesquisa realizada por
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Willian C. Stokoe (1960). Apesar da proibição dos oralistas ao uso de gestos e sinais,
raramente se encontrava uma escola ou instituição para surdos que não tivesse
desenvolvido, às margens do sistema, um modo próprio de comunicação através de sinais.
Na década de 1970, a insatisfação com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de
sinais deram origem a novas propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da
pessoa surda. A Comunicação Total – método de ensino que se utiliza de todas as formas
de comunicação, incluindo linguagem de sinais, alfabeto manual, leitura da fala, leitura
labial, desenho e escrita – surge como um método alternativo, embora, na prática, alguns
professores utilizarem-na ainda de maneira incipiente com seus alunos.
Uma das críticas feitas à comunicação total remonta ao fato de não ser possível
efetuar a transliteração de uma língua falada em sinal, palavra por palavra, ou frase por
frase, pois as estruturas são essencialmente diferentes. Desta forma é impossível preservar
as estruturas das duas línguas ao mesmo tempo.
No Brasil, surge, na década de 1990, outra proposta educativa como fruto de
pesquisas sobre a educação de surdos, sobre a língua de sinais e sobre as comunidades
surdas. A educação bilíngue considera a língua de sinais como a natural do surdo, por ser
uma língua de natureza visual-motora, canal de maior apreensão destes sujeitos, sendo
aprendida de forma espontânea no contato com outros surdos em curto tempo e, por ser
através dela que os surdos conseguem se expressar com clareza. (PEDREIRA, 2008)
Neste modelo, a proposta é que os alunos surdos aprendam duas línguas, considerase a língua de sinais como primeira língua e a língua majoritária dos ouvintes, como
segunda língua, desenvolvida através da leitura e da escrita, entendida como uma língua
instrumental.
Um aspecto fundamental para o fortalecimento do bilinguismo foi o reconhecimento
por lei da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) no ano de 2002, que culminou na
publicação do Decreto da Presidência da República nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005
que, em seu artigo 5º, determina que:
a formação de docentes para o ensino de LIBRAS na educação infantil e
nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em Curso de
Pedagogia ou Curso Normal Superior, em que LIBRAS e Língua
Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a
formação bilíngüe.
Sendo assim, a partir deste decreto foi possível a criação do Curso Bilíngue de
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Pedagogia do INES.
Em 21 de outubro de 2004, o Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES apresentou ao Ministério de Educação a solicitação de Autorização para um Curso Superior
Bilíngue de Pedagogia, na modalidade de Licenciatura. O referido Curso Superior fazia
parte do PDI do INES então apresentado para o quadriênio 2004-2008.
Em 2005 foi publicada no DOU a Portaria nº. 2830 de 17 de agosto de 2005, que
autoriza o funcionamento do Curso Normal Superior - Licenciatura - com habilitações para
o Magistério em Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Foi dessa forma
que o primeiro vestibular para ingresso realizou-se entre 12 e 19 de março de 2006, sendo
que, para preenchimento de vagas ainda ociosas, um outro vestibular aconteceu entre 23 e
28 de abril do mesmo ano. Em 08 de Maio de 2006 começou então a efetivamente
funcionar o Curso Normal Superior Bilíngue do INES.
Em função da homologação, em 15 de maio de 2006, do Parecer CNE 03/2006 e em
seguida da Resolução CNE/CP nº. 01/2006, que dispõem sobre as Diretrizes Nacionais para
Cursos de Pedagogia, o INES decidiu transformar o Curso Normal Superior em Curso de
Pedagogia.
Dentre as disposições cruciais desse novo Curso, relevam-se as seguintes:
- devidamente já regulamentada, a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS - constitui-se na
própria língua de instrução do Curso;
- a LIBRAS, o bilinguismo e a escolarização de surdos são temáticas aprofundadas numa
Atividade Formadora intitulada Tópicos Avançados de Âmbito Bilíngue, presente no
currículo ao longo de sete períodos;
- por meio de processo seletivo próprio para ingresso na Educação Superior e em estrita
consonância com as disposições anteriores, em idêntica proporção são admitidos candidatos
surdos e não surdos que obrigatoriamente apresentem suficiente fluência em LIBRAS;
- durante todo o Curso há presença de capacitados intérpretes de LIBRAS/Língua
Portuguesa;
- aulas e demais atividades do Curso estão a cargo de docentes com suficiente informação
sobre características linguísticas próprias dos indivíduos surdos;
- há flexibilidade na correção de provas e/ou trabalhos redigidos pelo discente surdo,
quando são considerados o aspecto semântico e a singularidade linguística manifesta no
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nível formal de sua escrita;
- as avaliações de aprendizagem podem ser realizadas em LIBRAS e registradas em vídeo.
O currículo do Curso Bilíngue de Pedagogia tem como questão primordial uma
modalidade de trabalho pedagógico que prima pela interdisciplinaridade e alimenta seus
objetivos mais centrais nos princípios de integração, trabalho, autonomia, cooperação e
solidariedade.
Este currículo tem, como aspecto marcante, o abandono, em definitivo, de uma
concepção de organização sequencial de conteúdos ou disciplinas.
Optou-se por uma modalidade curricular que cuida de disponibilizar ao licenciando
capacidades de estabelecer redes de significações e de relações entre conteúdos disciplinares.
Analisando alguns aspectos:
Ao analisar a grade curricular do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES,
percebemos que o número de disciplinas da área pedagógica é o mesmo de disciplinas
voltadas para a área da surdez, quando a análise é feita a partir do nome das disciplinas. Já
quando analisamos as referências bibliográficas apresentadas para cada disciplina,
constatamos que para as disciplinas, por nós classificadas como da área pedagógica, há
títulos de cunho pedagógico e títulos destinados aos estudos voltados para a área da surdez.
Entretanto, as referências bibliográficas das disciplinas que contemplam a área da surdez
são exclusivas desta área. Desta feita, podemos entender que os egressos deste curso têm
uma formação que contempla mais a área específica da surdez do que a área pedagógica
como um todo. No entanto, para que possamos dar conta das especificidades que envolvem
a escolarização de surdos, precisamos antes de tudo, enquanto docentes, compreender como
se desenvolvem os processos pedagógicos de forma mais ampla, aspecto este que precisa
ser mais aprofundado no referido curso.
Nos confrontamos no dia a dia com diversos desafios, tais como: a dificuldade dos
alunos surdos em ler materiais na linguagem acadêmica, a interação entre alunos surdos e
ouvintes e a aprendizagem efetiva da Língua de Sinais pelos professores. Na verdade, a
grande questão do curso é a língua utilizada por todos para a construção da aprendizagem,
seja ela individual ou coletiva. O referido curso tem um projeto de criação de um núcleo de
produção de material acadêmico em LIBRAS (projeto este que começou numa experiência
piloto em dezembro de 2011). Além disso, vem se estruturando para oferecer um Curso de
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LIBRAS para todos os professores, tendo este curso a preocupação de atender às
necessidades da prática docente acadêmica. Há, também, um grupo de pesquisa elaborando
um manuário (glossário + dicionário) de termos acadêmicos em LIBRAS. Todos estes
projetos, e outros que ainda estão em fase de elaboração, vêm sendo pensados, no curto
tempo de existência do curso, para dar conta de uma formação de professores que de fato
prepare estes profissionais para atuar na escolarização de surdos, seja esta especial ou
inclusiva.
Um outro desafio é a existência neste espaço de formação do tripé primordial do
ensino superior - ensino, pesquisa e extensão. O Curso Bilíngue de Pedagogia se insere
numa instituição secular de educação básica e que por isso não tem em sua cultura o
entrelaçamento da pesquisa, do ensino e da extensão. As instituições de ensino, como
qualquer outra instituição social, desenvolvem e reproduzem sua própria cultura específica
com seus valores, expectativas e crenças. (ROLDÃO, 2007; BARRETO e GATTI, 2009).
O desenvolvimento institucional está intimamente ligado ao desenvolvimento humano e
profissional das pessoas que vivem a instituição e vice-versa. Compartilhando o espaço do
INES, o curso Bilíngue de Pedagogia acaba sendo levado a reproduzir uma cultura mais
escolar do que acadêmica. Entretanto, o grupo de docentes vem conquistando um espaço de
diálogo e de construção do ambiente acadêmico tão importante para a formação de
professores, visto que é fundamental no exercício da docência, o olhar reflexivo, o olhar de
pesquisador.
O conceito de profissional reflexivo constitui-se como elemento estruturante de
estudos sobre o tema da formação de professores, respaldado, entre outros, em trabalhos de
Schön (2000) e Zeichner (2000), quando afirmam que na função e na formação docente
deve ser imanente o exercício da criticidade, que promove a curiosidade ingênua ao
patamar de curiosidade epistemológica. Esse salto qualitativo é enriquecido no cotidiano
escolar através da relação dialógica entre professor e aluno.
A atitude de reflexão do professor implica seu envolvimento para além de uma
transposição linear do conhecimento, conduzindo-o, na esfera da prática, para uma postura
de relacionar todas as suas experiências, valores, ideologias e compromissos sociais, com
os quais compartilha e apropria-se para a construção de significados.
Essas práticas se fazem mais presentes quando há no espaço de formação a
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integração da pesquisa, do ensino e da extensão.
Considerações Finais
Mesmo com tantos desafios, este Curso, pioneiro no Brasil, vem proporcionando
uma formação que considera a surdez como diferença política e diferença linguística, que
precisam ser reconhecidas nos ambientes educativos para potencializar a educação dos
surdos. Assim, em um trabalho ainda inicial, o Curso vem difundindo uma forma de
reconhecimento do outro e uma perspectiva dialógica, através da educação bilíngue, para
conseguir num processo contínuo promover a transformação das representações sobre os
surdos e a surdez como limitação ou incapacidade, para uma representação que reconheça,
numa visão sócio antropológica, a potencialidade destes sujeitos.
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