Planos Diretores Estratégicos de São Paulo,
nova roupagem velhos modelos (vol.1)
Paulo Ricardo Giaquinto
Orientadora: Profa. Dra. Nadia Somekh
2
PAULO RICARDO GIAQUINTO
Planos Diretores Estratégicos de São Paulo,
nova roupagem velhos modelos.
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial à obtenção do título de
Doutor em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Nadia Somekh
S ã o P a u lo
2009
G434p Giaquinto, Paulo Ricardo.
Planos diretores estratégicos de Săo Paulo, nova roupagem
velhos modelos / Paulo Ricardo Giaquinto – 2010
2 v.: il.; 30 cm.
Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 166-169.
1. Plano diretor. 2. Zoneamento estratégico. 3. Uso e ocupaçăo
do solo. 4. Variáveis urbanísticas. 5. Índices urbanísticos. I. Título.
CDD 711.4098161
3
PAULO RICARDO GIAQUINTO
Planos Diretores Estratégicos de São Paulo,
nova roupagem velhos modelos.
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutor.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
Prof.a Dr.a Nadia Somekh – Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof.a Dr.a Gilda Collet Bruna
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Valter Luis Caldana Junior
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Flávio José Magalhães Villaça
Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Prof. Dr. Nabil Georges Bonduki
Universidade de São Paulo
4
A G R ADECIM ENTOS
Agradeço inicialmente à Professora Doutora Nadia Somekh, entre muitas outras
coisas, pela amizade, qualidade da orientação, rigor e principalmente pela paciência.
Agradeço também a todos os professores da Pós-graduação pelas aulas e indicações
de leituras que foram fundamentais.
Agradeço especialmente aos professores e colegas Gilda Collet Bruna, Valter Luis
Caldana Junior e Luis Guilherme Rivera de Castro, sem o incentivo dos quais não
teria chegado até aqui.
Agradeço aos Arquitetos Nabil Bonduki, Raquel Rolnik, Jorge Wilhein, Cândido Malta
e Flávio Villaça, bem como, ao Engenheiro Claudio Bernardes pelas entrevistas
concedidas.
Agradeço a Fernanda Freire e a todos os funcionários da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie que muito me ajudaram.
Um agradecimento especial à Arquiteta e Mestre Rechilene Maia Braga, pois sem a
sua colaboração seria impossível de realizar esta tese de doutoramento.
E finalmente agradeço à minha esposa Olivia e a minha filha Joana pelo apoio e
carinho que sempre me dedicaram.
5
resumo
Esta tese analisa escolhas e utilizações de variáveis e índices urbanísticos de
parcelamento, uso e ocupação do solo (zonas e coeficiente de aproveitamento, por
exemplo) do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (2002) e dos Planos Regionais
Estratégicos das Subprefeituras (2004), comparando-os com o zoneamento e planos
anteriores. E, não por acaso, apesar de discursos afirmando ao contrário, a escolha
e a forma de utilização das variáveis e dos índices urbanísticos adotados são, na
maioria das vezes, idênticos. Estas escolhas e forma de utilização de variáveis e
índices urbanísticos fazem parte da característica do planejamento urbano em São
Paulo de priorizar a regulação da produção do mercado imobiliário e a proteção dos
bairros jardins. Isto ocorre, não somente nas questões gerais, mas em cada mapa,
tabela, conceito ou, principalmente, na implementação cotidiana, perpetuando uma
visão individualista, lote a lote, da construção do espaço urbano que insiste em não
olhar para os problemas da cidade.
Palavras-Chaves: Plano diretor; Zoneamento estratégico; Uso e ocupação do solo;
Variáveis e índices urbanísticos.
6
abstract
This work analyzes the choices and use of urban variables and ratios for the
subdivisions, use and occupation of the land (zones and floor area ratios, for example)
of the Strategic Master Plan for the City of São Paulo (2002) and of the Regional
Strategic Plans of the Sub-Municipalities (2004), comparing them with the previous
existing zoning and master plans. And, not by chance, despite speeches otherwise,
the selection and manner of using and adopting urban variables and ratios are, in the
majority of the cases, identical. These selections and manner of uses of urban variables
and ratios are part of the characteristics of urban planning of the city of São Paulo
only prioritizing the regulation of the real estate market production and the protection
of the garden neighborhoods. This occurs not only in the general questions, but on
each map, schedule, concept or, specially, in the daily implementation, perpetuating a
individualist view, plot per plot, for the construction of the urban built space that insists
in not looking to the problems of the city.
Key-words: Master plan; Zoning; Strategic; Use and occupation of land; Urban
variables and ratios;
7
sum ário
Introdução
09
Capítulo 1: A produção do espaço urbano e sua regulação
17
1.1. Planejamento urbano, política de desenvolvimento urbano e política urbana
1.2. Referências institucionais
19
24
1.2.1. Lei Federal 6.766/79 (Lei Lehmann)
24
1.2.2. Constituição Federal de 1988
25
1.2.3. Estatuto da Cidade
26
1.3. Plano Diretor e Zoneamento
30
1.4. Instrumentos, variáveis e índices urbanísticos
35
Capítulo 2: Planos Diretores e Zoneamento em São Paulo (1971 - 2002)
37
37
2.1. Planos e Zoneamento em São Paulo
2.1.1. A reprodução do Plano Discurso (1971 - 1988)
39
2.1.2. Plano Diretor de 1991: inovações
48
2.1.3. Plano Diretor de 1997: a retomada do Plano Discurso
50
2.2. Instrumentos, variáveis e índices urbanísticos nos planos e no zoneamento
50
2.2.1. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado 1971 - PDDI/71
2.2.2. Zoneamento
54
2.2.3. Plano Diretor de 1988 - PD/88
75
2.2.4. Plano Diretor de 1991 - PD/91
75
51
8
Capítulo 3: Planos Diretores Estratégicos de São Paulo
80
80
3.1. PLano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (2002)
3.1.1. Estruturação e conteúdo
3.2. Lei do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei 13.430 / 2002 - PDE)
80
82
3.2.1. Concepção, discussão e aprovação
82
3.2.2. Estruturação e conteúdo
84
3.3. Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras (Lei 13.885 / 04 - PRE)
99
3.3.1. Concepção, discussão e aprovação
3.3.2. Estruturação e conteúdo
100
3.3.3. Os Planos Regionais
104
3.3.4. O Zoneamento
120
99
Capítulo 4: Comparações e conclusões
123
4.1. Instrumentos urbanísticos
123
4.2. Variáveis e índices urbanísticos
124
4.2.1. Variáveis Urbanísticos de uso do solo
163
4.3. Conclusão final
166
Referências Bibliográficas
166
9
Introdu ção
O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo promulgado em 2002 e os Planos
Regionais Estratégicos promulgados dois anos após (2004) têm sido foco de debates,
estudos e análises; e, não poderia ser diferente, pois substituíram uma legislação
urbanística que já contava com mais de 30 anos. Esta substituição ocorreu por várias
razões, em especial pela exigência do Estatuto da Cidade (2001) estabelecendo que
até o ano de 2006 todas as cidades com mais de vinte mil habitantes adequassem
ou aprovassem seu novo Plano Diretor, incluindo os instrumentos de política urbana
apontando na direção da função social da propriedade urbana. O caso de São Paulo
se revestiu de condições muito especiais, pois o Plano Diretor Estratégico se propôs
a introduzir estas mudanças.
O Plano Diretor Estratégico previa em seu texto a obrigação legal de revisão após
quatro anos de vigência, revisão esta que ainda não ocorreu e tem incrementado
discussões sobre o tema.
Esta tese analisa como os instrumentos, variáveis e índices urbanísticos de regulação
do parcelamento, uso e ocupação do solo foram implementados por estes planos,
abordando como o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo trata as
suas determinações específicas através da comparação do tratamento dado a estas
variáveis e índices urbanísticos em relação os planos e leis que o antecederam,
10
levando-se em consideração a diversidade de análises expostas neste capítulo.
O tema desta tese consiste, portanto, na análise da escolha e da utilização de
instrumentos, variáveis e índices urbanísticos de regulação do parcelamento, uso e
ocupação do solo nos planos diretores estratégicos vigentes no Município de São
Paulo, identificando suas semelhanças na escolha e na utilização destes nos planos
diretores anteriores e com a antiga lei de zoneamento, tendo como objeto o Plano
Diretor Estratégico do Município de São Paulo acompanhado de sua regulamentação
inicial, ou seja, os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras. Não se trata
apenas de identificar números e determinações iguais, mas também de identificar a
reprodução interminável de uma maneira muito restrita de pensar a cidade.
Esta tese comprova que a escolha e a forma de utilização de índices, variáveis e
instrumentos urbanísticos de regulação do parcelamento, uso e ocupação do solo
adotados nos planos de 2002 e 2004 são muitas vezes semelhantes, senão idênticas,
a planos e legislações anteriores, confirmando e reforçando a tradição do planejamento
urbano em São Paulo que prioriza a regulação da produção do mercado imobiliário e
a proteção dos bairros onde reside a elite paulistana. Tanto Gottdiener (1997) como
Mancuso (1980) apontam para a estreita relação entre a normatização urbanística e
a hegemonia de classe. Villaça (2005), por sua vez, detectou o imenso desequilíbrio
político entre os agentes do mercado imobiliário, os moradores dos bairros “nobres” e
o restante da população em muitas das audiências públicas dos planos.
O período que é estudado nesta tese inicia-se em 2000 com a elaboração do Plano
Diretor Estratégico e termina com a promulgação dos Planos Regionais Estratégicos
das Subprefeituras em 2004. Para realizar estas análises é preciso que se entenda
o que vinha ocorrendo até então. Para tanto, estudaremos planos diretores, leis e
decretos que foram elaborados desde 1971, período em que foram elaborados muitos
planos diretores, e somente quatro transformaram-se em lei.
Estuda-se nesta tese os planos diretores que se tornaram leis e o Plano Diretor
de 1991, em função das significativas contribuições que trouxe para o tema. Com
exceção dos Planos de 1985 e 1991, a partir de 1971 os planos diretores elaborados
para São Paulo consistiram em um discurso inicial amplo e generalista acompanhado
11
da implementação do zoneamento de uso do solo. Todos estes constituíam-se em
pequenas alterações da lei de 1972 (GIAQUINTO, 1995). O Plano de 1985 tinha a
agravante que não possuía implementação alguma e o Plano de 1991 trazia muitas
novidades, tanto no que se refere a instrumentos como na utilização das variáveis e
índices urbanísticos.
Embora alguns autores discordem, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado foi
implementado pela Lei de Zoneamento de 1972, basta verificar que as zonas de uso já
faziam parte da lei de 1971. Esta legislação esteve em vigor por trinta e dois anos até
o início de 2005, período em que foi objeto de várias alterações e complementações.
Compara-se nesta tese a escolha e a utilização de variáveis, índices e instrumentos
urbanísticos de regulação do parcelamento, uso e ocupação do solo em cada um
dos planos e legislação apontados acima. Os resultados destas comparações são
analisados segundo um arcabouço teórico específico para o caso.
Com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 - Lei Federal que regulamenta
os artigos da Constituição Federal dando suporte jurídico às restrições ao direito de
propriedade da terra urbana em razão da sua função social - um novo período do
planejamento urbano tem início no Brasil, principalmente porque essa Lei demandou
que em um prazo de cinco anos os municípios com mais de vinte mil habitantes
elaborassem ou adequassem seus planos diretores.
Inicialmente nesta tese é apresentado um conjunto de pontos de vista, conceitos e
referências teóricas, que orientam o estudo da problemática que cerca os Planos
Diretores de São Paulo e que vai subsidiar as análises das comparações, bem como,
facilitar o entendimento dos contextos que envolvem o assunto.
Em seguida, são estudadas as referências institucionais e legais, aspecto muito
importante neste trabalho, pois o objeto de análise e os elementos de comparação
consistem em documentos legais.
Ainda neste capítulo, são estudados temas e conceitos básicos como o planejamento
urbano, a política desenvolvimento urbano e política urbana, o Plano Diretor, os
instrumentos urbanísticos, o planejamento urbano e o zoneamento funcional que
12
permitem a compreensão do Estado capitalista. São analisados os papéis dos
agentes sociais e econômicos, incluindo o corpo técnico que elaborou os planos e leis.
Também são consideradas as especificidades locais e cronológicas, principalmente
quanto à globalização. E, por fim, a questão do plano diretor ungido como principal
instrumento.
Dispondo deste aprofundamento teórico, legal e institucional, é apresentada no capítulo
II, uma síntese dos contextos sob os quais os planos e leis foram elaborados, bem
como, relações entre estes contextos e a utilização das variáveis e dos instrumentos
urbanísticos. Desta forma, é possível evitar alguns obstáculos muito freqüentes, como
naturalizar problemas sociais e econômicos ou confundir processos históricos com
visões de mundo particulares de autores, inclusive do autor desta tese.
No capítulo III, são os planos estratégicos vigentes em São Paulo e são identificados
os instrumentos, variáveis e índices urbanísticos utilizados tanto no objeto desta tese
bem como a maneira que foram utilizados.
Com este conjunto de dados em mãos, no capítulo IV, serão comparados os
instrumentos, variáveis e índices urbanísticos de cada um dos planos de leis anteriores
com os identificados nos planos vigentes. Ao mesmo tempo, serão analisados os
resultados destas comparações.
Por fim, em anexo, além dos mapas e quadros, relevantes para a análise desta tese,
consta também um conjunto de entrevistas de técnicos, cujas participações foram
muito significativas no processo de elaboração dos planos estratégicos de São Paulo
(2002 e 2004).
Por outro lado, não se pode esquecer o legado de anos e anos de trabalho de
estudiosos brasileiros e estrangeiros sobre o planejamento urbano, os planos diretores,
a legislação específica e a produção do espaço construído nas cidades, que dentre
muitos se destaca alguns a seguir.
Em “A ilusão do Plano Diretor”, Flávio Villaça (2005), por ocasião das análises do Plano
Diretor Estratégico de São Paulo, entre vários assuntos, aborda a validade de alguns
planos diretores em função do modo de como estão sendo elaborados ultimamente.
13
Este autor, tanto neste trabalho como em muitos outros textos, destaca e exemplifica
o caráter de dominação ideológica que o planejamento urbano tem assumido
especialmente em São Paulo, e seu caráter de garantir as vantagens econômicas e
comodidades urbanas para regiões privilegiadas da cidade.
Nesta obra especificamente, Villaça dá ênfase a análise das inúmeras audiências
públicas, muitas delas ocorridas nas próprias regiões das subprefeituras, o que
talvez seja, o grande avanço do processo de formulação do plano. Ficava evidente a
desigualdade do poderio político e econômico dos agentes do mercado imobiliário e
dos moradores de bairros “nobres” em relação ao restante da população. Ressalta-se
também, que o autor faz reflexões sobre o conceito de Plano Diretor utilizado, e sobre
as suas diferenças em relação ao zoneamento funcionalista do território da cidade.
Destaca-se que as determinações dirigidas ao poder público, obras, serviços e ações
estratégicas localizam-se nas partes iniciais dos planos, sempre com um caráter
genérico sem mecanismos de aplicação. Enquanto que para o parcelamento, o uso e
a ocupação do solo, de interesse do setor privado, a regulação foi muito detalhada e
quase que completamente implementada.
Paul Singer (1996) em “Um governo de esquerda para todos”, analisa o alcance dos
planos diretores e dá indicações dos papeis e dos pontos de vista explicitados por
vários agentes políticos, econômicos e sociais durante a elaboração e discussão do
Plano Diretor de 1991, inclusive dentro do corpo de técnicos da própria Prefeitura
de São Paulo. O autor descreve, como um espectador privilegiado, o processo de
elaboração e discussão do Plano Diretor de 1991 desde o início da sua formulação,
com as divergências internas dentro da própria secretaria, passando pelas expectativas
desmesuradas de setores da sociedade, a discussão com representantes de agentes
econômicos e sociais com interesses ligados ao tema e aborda a forte campanha
pública contra o projeto de lei.
Em, “A cidade vertical e o urbanismo modernizador: São Paulo 1920 – 1939”, Nadia
Somekh (1994), também abordando o papel dos agentes sociais e econômicos,
destaca a adoção de um discurso contraditório em relação a expansão interminável da
mancha urbana. O planejamento urbano no município continua adotando um conjunto
14
de variáveis e índices urbanísticos de regulação do parcelamento, uso e ocupação do
solo cada vez mais restritivos à verticalização, favorecendo o crescimento da cidade
no sentido da periferia e a valorização improdutiva da terra urbana. A autora conclui
que não se trata de uma questão técnica como muitos urbanistas apregoam, mas de
um problema político-econômico de direcionamento da gestão pública.
Nesta mesma direção, Milton Santos (2003) lembra que o planejamento no Brasil tem
sido instrumento de manutenção e agravamento das disparidades sociais utilizando a
linguagem técnica como forma de despolitizar o debate.
Estes textos e fatos mais específicos não estão desligados de contextos mais amplos
estudados por outros autores, propiciando a compreensão do processo da construção
da cidade capitalista, como: Ermínia Maricato (2001), em “Cidades: alternativas para
a crise urbana”, e em “O pensamento único das cidades” (Arantes, Maricato e Vainer,
2000); Mark Gottdiener (1985), em “A produção social do espaço urbano”; João
Sette Whitaker Ferreira (2007), em “O mito da cidade global: o papel da ideologia na
produção do espaço urbano”.
Sob outro ponto de vista, também muito interessante, que trata dos irrisórios
resultados atingidos pelos planos diretores mesmo após o Estatuto da Cidade, em
“Políticas públicas e planos de urbanismo na escala local intra-urbana: instrumentos
e metodologias de avaliação e acompanhamento” (Relatório de pesquisa coordenada
por Alvim, et all, 2006), reforça as necessidades de serem realizadas mais pesquisas
de avaliação da formulação e implementação dos planos urbanísticos, quanto a
sua eficiência, eficácia, efetividade e legitimidade, como é o caso desta tese. Os
autores deste relatório, demonstram a preocupação da falta de “feedback” de muitas
experiências mais ou menos exitosas por todo o país, o que provoca a reincidência
de muitos problemas e, principalmente, propicia pouca visão crítica sobre seus efeitos
concretos.
Outro aspecto também muito importante no tema desta tese consiste no processo
histórico em que o planejamento, os planos e a legislação urbanística da cidade de
São Paulo, o que foi um processo muito conflituoso, tanto entre os diversos estratos
da sociedade paulistana, como mesmo dentro de sua elite. Este processo é estudado
15
por Raquel Rolnik (1997) em “A cidade e a lei”, por Sarah Feldman (2005) em “O
planejamento e o zoneamento 1947-1972” e por Nadia Somekh e Cândido Malta
Campos (organizadores, 2002) em “A cidade não pode parar: Planos Urbanísticos
de São Paulo no século XX”. Pode-se perceber um verdadeiro embate contínuo na
tentativa idealista e pouco democrática de conduzir, estruturar e controlar o crescimento
da cidade.
Mais uma vertente da temática que se insere este trabalho, consiste no fato de que o
planejamento urbano em São Paulo há muito tempo tem como seu principal instrumento
a legislação de regulação do parcelamento, uso e ocupação do solo (o zoneamento),
isto é, a tentativa de regulação do mercado imobiliário por uma lei de distribuição das
funções urbanas no território da cidade.
Por meio da leitura de Franco Mancuso (1980) em “Las experiencias del zoning”
pode-se situar o papel exercido pelos planos diretores, pela legislação urbanística
e principalmente pelo zoneamento na produção do espaço urbano e suas
conseqüências.
O autor analisa as razões, os passos, as circunstâncias e motivações para a ampla
utilização do zoneamento de uso em cidades por todo o mundo. Investiga também as
características do zoneamento como uma forma de tentativa de regulação da produção
do espaço construído com forte caráter ideológico, político, econômico, tecnicista e
segregacionista. O zoneamento possui uma tendência nitidamente conservadora no
sentido de preservar os interesses de setores da sociedade.
Pode-se considerar São Paulo um caso clássico de zoneamento funcional do espaço
urbano, onde as atividades e os usos de interesse da elite estão espacialmente
definidos, enquanto que o restante da cidade é deixado em um patamar indefinido
(GIAQUINTO, 1995).
Há ainda outras publicações que tratam eminentemente de questões práticas como
o texto “O Plano Diretor Estratégico de São Paulo”, em “Planos Diretores Municipais
– Novos conceitos de planejamento territorial” (BONDUKI, 2007) onde o autor, que
foi o relator do projeto de lei do plano na Câmara de Vereadores de São Paulo,
16
analisa e relata o processo de elaboração e aprovação, deixando claro que o Plano
Diretor feito de acordo com as diretrizes do Estatuto da Cidade não poderia ser uma
iniciativa isolada, mas deveria fazer parte de um conjunto de mudanças em toda a
administração pública municipal. Destaca ainda, a descentralização efetiva por meio
das subprefeituras, os conselhos de representantes em cada região e a necessidade
da remontagem de uma instância metropolitana de planejamento, já que muitos destes
problemas não se restringem ao âmbito municipal.
Muito curioso também é o livro “Plano Diretor Estratégico, Lei de Zoneamento e a
atividade imobiliária em São Paulo” do Engenheiro Cláudio Bernardes (2005), membro
da diretoria do SECOVI, sindicato patronal e principal porta voz do mercado imobiliário.
Em seu livro disseca o plano abordando os pontos de interesse de proprietários,
incorporadores e construtores e as possibilidades que podem ser exploradas.
Pretendeu, por um lado, entender os instrumentos de política urbana do Estatuto da
Cidade incluídos no Plano Diretor e, por outro, familiarizar os profissionais da área
imobiliária com os novos mecanismos da legislação.
Por último, existe o ponto de vista do Direito Urbanístico, cujo mais importante porta-voz
é o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, José Afonso da
Silva, que em seu livro “Direito Urbanístico Brasileiro” (1997) aborda o enquadramento
das leis e dos planos urbanísticos no arcabouço jurídico nacional. Segundo o autor, cabe
ao Direito Urbanístico somente “oferecer instrumentos normativos ao Poder Público a
fim de que possa, com respeito ao princípio da legalidade, atuar no meio social e no
domínio privado, para ordenar a realidade no interesse da coletividade” (Silva, 1997,
pg.36) e completa mais adiante dizendo que “ordenar os espaços habitáveis o que
equivale dizer: conjunto de normas reguladoras da atividade urbanística” (Silva, 1997,
pg.37).
O entendimento de como o espaço é produzido em uma cidade capitalista e da
relação dos interesses econômicos com o papel do Estado é fundamental para a
análise dos planos diretores e da legislação. O capítulo seguinte aborda exatamente
estes aspectos.
17
CAPÍTULO 1
A produção do espaço urbano
e sua regula ção
Pode-se afirmar que São Paulo é uma típica metrópole capitalista do terceiro mundo
(MARICATO, 1996), pois, embora diferentes estágios das sociedades contribuam para
formas singulares de produção do espaço urbano (GOTTDIENER, 1985), a cidade
apresenta algumas características muito marcantes, verdadeiros sintomas, sem que
se pretenda naturalizar esta abordagem (VILLAÇA, 1999). E um importante sintoma
consiste no fato de conviverem atividades de ponta de primeiro mundo com níveis de
pobreza assustadores.
Ao contrário do que ocorre no restante da cidade, na região sudoeste habitada
principalmente por suas elites, existe uma grande concentração dos principais
equipamentos públicos (Parque do Ibirapuera, Hospital das Clínicas, Instituto do
Coração, Universidade de São Paulo e até estádios esportivos). Os investimentos em
transportes e sistema viário (túneis, pontes, avenidas, primeira linha do Metrô, trens
com ar condicionado e o primeiro trecho do rodoanel), também sempre foram maiores
no quadrante sudoeste (VILLAÇA, 1998).
Nesta pequena parte do território do município, observam-se residências, condomínios
e shoppings centers luxuosos compatíveis com a legislação urbanística, contrapondose aos loteamentos clandestinos, favelas e cortiços que compõem a cidade real
18
majoritariamente irregular (VILLAÇA, 1998). Os grandes empresários exaltam São
Paulo como uma cidade global à custa de um processo de modernização excludente
(FERREIRA, 2007).
Embora o surgimento de novas especializações e fragmentações da sociedade
provoquem mudanças no modo de produção do espaço urbano e nas relações de
propriedade da terra, em uma cidade tipicamente capitalista, o Estado permanece
refletindo as relações políticas e sociais (GOTTDIENER,1985), mantendo uma relação
de representação das camadas dominantes da sociedade (SOMEKH, 1997) .
Os investimentos em bens e serviços de consumo coletivo (habitação popular,
transporte público, equipamentos saúde, creches e escolas) sempre foram os menores
possíveis, estritamente necessários para garantir a reprodução da mão de obra. A
burguesia paulistana nunca admitiu pagar os custos desta urbanização.
Do ponto de vista urbanístico, deve ser lembrado que São Paulo, sendo uma metrópole
capitalista de terceiro mundo (MARICATO, 1996), é uma cidade produzida pelo setor
privado, cabendo ao Estado completar o tecido urbano. Os benefícios do processo de
urbanização concentraram-se nas mãos de poucos, mas os, ônus foram distribuindo por
toda a população (GOTTDIENER,1985). Isto faz com que, simbólica e historicamente,
o lote e a habitação sejam suas principais mercadorias. O sonho de todo imigrante era
comprar seu terreno em um loteamento na periferia e construir sua casinha.
O Estado pode agir por meio de intervenções diretas através de investimentos e obras
ou indiretas através de legislação e atos administrativos (GIAQUINTO, 1995). Assim
sendo, pode-se concordar com a assertiva que o planejamento urbano é uma das
faces do poder (GOTTDIENER,1985).
Em São Paulo, o planejamento urbano tem cumprido um papel ideológico, dando uma
aparência racional e natural aos problemas urbanos, ao mesmo tempo em que legitima
a ação do Estado em favor das camadas dominantes (VILLAÇA, 1999), organizando
um discurso sem compromisso com a realidade e sem qualquer preocupação de
eficácia.
A legislação urbanística paulistana possui alguns objetivos não explicitados como a
19
preservação dos bairros habitados por sua elite e a regulação do mercado imobiliário.
Estes objetivos representam duas faces de ideologias burguesas: do desenvolvimento
e do não desenvolvimento (GOTTDIENER, 1985), fazendo com que o debate destas
duas posições, falsamente antagônicas, aparente ser a questão mais importante da
cidade.
Os planos e a legislação urbanística, elaborados pela e para as classes dominantes
(GOTTDIENER,1985), como os que são objeto desta tese, contribuem para que
a maioria da população da cidade habite, trabalhe e consuma muitas vezes em
edificações precárias e irregulares.
1.1.
Planejamento
urbano,
política
de
desenvolvimento
urbano e política urbana.
Tendo como ponto de partida o tema e o objetivo desta tese, tratamos a seguir de
algumas das maneiras de como são abordados, definidos e compreendidos o
planejamento urbano e a política de desenvolvimento urbano, bem como, a política
urbana e, a partir deles compreender outros conceitos básicos.
Os conceitos, as definições e os pontos de vista aqui expostos permitem começar a
visualizar a atuação de diversos agentes que participam do processo de construção
de uma típica metrópole capitalista de terceiro mundo como São Paulo, em especial o
poder público municipal (MARICATO, 1996).
Visando facilitar a compreensão do conjunto de conceitos e abordagens que são
utilizados nesta tese, organiza-se três grandes grupos destes conceitos e abordagens
do assunto utilizados nesta pesquisa, segundo suas próprias especificidades; um
grupo extraído de obras de urbanistas e pesquisadores brasileiros, bem como,
estrangeiros que vêem estudando a produção do espaço urbano, o planejamento,
os planos diretores e as leis urbanísticas e que tem visões críticas ou esperançosas
sobre o tema; outro grupo proveniente do direito urbanístico, que apresenta um ponto
de vista interessante, enfoca principalmente a coerência do arcabouço jurídico; e,
finalmente, os conceitos e abordagens que fazem parte do Estatuto da Cidade, muitos
20
deles resultando de anos de lutas e conquistas dos movimentos sociais em pró da
Reforma Urbana. Desta forma, o primeiro grupo é de caráter analítico, o segundo
prioriza a coerência jurídica e o terceiro fornece um conjunto de novos conceitos e
instrumentos.
Segundo Villaça (1999, pg.172) “o conceito dominante de planejamento urbano entre
nós tem como especificidade a organização do espaço urbano”, embora tenha sido
encontrado em vários textos um significado de cunho muito mais positivista por meio
da utilização do conceito de ordenamento do espaço urbano, conceito este que consta
inclusive na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001.
Já José Afonso da Silva (2006) expressa o ponto de vista do Direito Urbanístico
abordando vários aspectos de caráter jurídico, iniciando com a conceituação de
planejamento como: “um processo técnico instrumentado para transformar a realidade
existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos” (SILVA, 2006, pg. 89), e
prossegue afirmando que “o processo de planejamento passou a ser um mecanismo
jurídico por meio do qual o administrador deverá executar sua atividade governamental
na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento”
(SILVA, 2006, pg. 94).
O mesmo autor quando se aprofunda no tema passa a usar uma denominação
juridicamente mais precisa, por considerar uma atividade essencialmente físicoterritorial: planejamento urbanístico (id).
A Constituição Federal de 1988 em seus artigos 182 e 183 supera os conceitos de
planejamento urbano passando a adotar o termo “política de desenvolvimento urbano”,
mas utiliza-se de conceitos arcaicos afirmando que esta política “tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem
estar de seus habitantes”, como se o problema consistisse em somente ordenar o
que está por aí. Também, determina que o Plano Diretor seja o principal instrumento
com atribuição de implementar a função social da propriedade. Ressalta-se que os
problemas urbanos possuem complexidade muito mais profunda.
O Estatuto da Cidade, por sua vez, também se utiliza de outro termo superando
21
amplamente o conceito de planejamento urbano e de sua característica
predominantemente físico-territorial, “política urbana”, que tem objetivos muito mais
claros, embora mantenha o conceito da ordenação como solução.
O artigo 2º do Estatuto da Cidade reitera que a política urbana tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da sociedade e da propriedade urbana,
mediante as seguintes diretrizes:
“I - Garantia do direito à cidade sustentável, entendido como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
para as presentes e as futuras gerações;
II - Gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários seguimentos da comunidade
na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
III - Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais
setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento
ao interesse social;
IV - Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição
espacial da população e das atividades econômicas do Município e
do território sub sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as
distorções do crescimento urbana e seus efeitos negativos sobre o
meio ambiente;
V - Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes
e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da
população e as características locais;
VI - Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) A utilização inadequada dos imóveis urbanos;
22
b) A proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) O parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana;
d) A instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente;
e) A retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) A deterioração das áreas urbanizadas;
g) A poluição e a degradação ambiental;
VII - Integração e complementaridade entre as atividades urbanas e
rurais, tendo em vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município
e do território sob sua área de influência;
VIII - Adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços
e de expansão urbana compatíveis com os limites de sustentabilidade
ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua
área de influência;
IX - Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo
de urbanização;
X - Adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e
financeira e de gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento
urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bemestar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI - Recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha
resultado a valorização de imóveis urbanos;
23
XII - Proteção, preservação e recuperação do meio natural e construído
do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII - Audiência do Poder Público municipal e da população interessada
nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades
com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural
ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV - Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas
especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação,
consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas
ambientais;
XV - Simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do
solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos
e aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI - Isonomia de condições para agentes públicos e privados na
promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de
urbanização, atendido o interesse social”.
Não faz sentido analisar os objetivos e diretrizes do Estatuto da Cidade, pois eles
corporificaram algumas das demandas dos movimentos sociais de luta por moradia e
consistem em um primeiro passo para realizar estas conquistas. Resta ainda a disputa
política que se dá no seio das discussões dos planos diretores.
O caso de São Paulo é paradigmático e muito importante, pois normalmente as
políticas urbanas aplicadas neste município servem de referência para a elaboração
de planos e projetos por todo o país.
De acordo com o disposto no Estatuto da Cidade, consta no início do Plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo que este é “parte integrante do processo de
planejamento municipal, devendo o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e o
Orçamento Anual incorporar as prioridades nele contidas”.
24
1.2. Referências institucionais.
Nas referencias institucionais dos planos diretores, em geral, pode-se observar
tentativas de caráter positivistas e tecnocráticas de direcionar o crescimento urbano
por meio da ordenação, da regulação e do controle da produção do espaço criado ou
construído pelo mercado imobiliário.
Coerente com esta linha de pensamento em 1979 foi promulgada a Lei Federal 6.766
como Lei Lehmann, tendo como objetivo enfrentar o déficit habitacional, o crescimento
de favelas e a intensificação na ocorrência de loteamentos clandestinos, através da
criação de normas para o parcelamento do solo para todo o território nacional.
Cabe lembrar que está em processo de aprovação no Congresso Nacional um projeto
de lei que visa substituir a Lei 6.766, no entanto, este processo está encontrando
muitas dificuldades devido aos vários interesses antagônicos envolvidos, assim como
ocorreu com o Estatuto da Cidade.
A reforma urbana vem sendo tema de discussões desde a década de 1960
(ANTONUCCI, 1999). Este movimento, sufocado durante uma boa parte do período
de ditadura militar, culminou com a inclusão de dois artigos na Constituição de 1988 e
com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 (lei federal) que os regulamentou,
passando a dar suporte jurídico a restrições ao direito de propriedade da terra urbana
em razão da sua função social, iniciando novo período do planejamento urbano
no Brasil. Seu aspecto mais efetivo foi a definição de um prazo de cinco anos aos
municípios com mais de vinte mil habitantes para que elaborassem ou adequassem
seus planos diretores.
1.2.1.Lei Federal 6.766/79 (Lei Lehmann).
Esta lei tinha como objetivo regular o parcelamento da terra urbana em todo o território
nacional sem levar em conta as diferentes estruturas de controle que as prefeituras
dispunham, o que levou esta lei a ser aplicada principalmente nos grandes centros e
nos Estados mais desenvolvidos. Mesmo assim, sua aplicação consolidou a utilização
de conceitos do planejamento territorial, variáveis e índices urbanísticos como
25
loteamento, desmembramento, frente mínima, área de lote, porcentagem de áreas
públicas entre outros.
Além disto, estabeleceu limitações para loteamentos como o impedimento de realizálos em terrenos alagadiços, aterros com material nocivo, com declividade acima de
30% sem tratamento das encostas, áreas poluídas ou protegidas. Definiu critérios
técnicos como porcentagem mínima para sistema viário, áreas verdes e institucionais,
bem como, dimensões mínimas ou máximas dos lotes e faixa de proteção de cursos
d’água. Criou também, a exigência que as prefeituras emitissem previamente a
Certidão de Diretrizes que deve conter todos os critérios técnicos, variáveis e índices
urbanísticos que o parcelamento deve atender, visando entre outros aspectos integrálo à malha urbana.
A Lei 6.766/79, embora alterada pela Lei 9.785/99, permanece em vigor, mas desde
2000 tramita na Câmara Federal um projeto de lei para substituí-la. Este projeto
de lei trata do parcelamento do solo para fins urbanos e da regularização fundiária
sustentável de áreas urbanas. Repetindo o conflito que ocorre na aprovação de leis
urbanísticas, esta demora decorre principalmente do embate relativo às restrições ao
direito de propriedade além de questões como a permissão de grandes loteamentos
fechados (isolamento da classe dominante) e maior rigor com o loteador irregular e
institui a responsabilidade territorial urbana.
1.2.2.Constituição Federal de 1988.
Em relação às anteriores, a elaboração da Constituição Federal de 1988 ocorreu numa
realidade muito diferente no país, a maioria da população que deixou de morar no
campo passou a morar nas cidades, em especial, nos aglomerados metropolitanos,
gerando muitos conflitos e desigualdades. Assim, o texto legal incorporou dois artigos
(182 e 183) que respondiam às demandas de um forte movimento popular de luta
por moradia. Embora a inclusão seja irrisória e de forma bastante ultrapassada,
significou um grande avanço na questão da limitação do direito de propriedade da
terra urbana.
26
O artigo 182 define que o planejamento urbano é atribuição municipal, devendo
ordenar o pleno desenvolvimento da função social da cidade e garantir o bem estar
de seus habitantes. Já o artigo 183 define o plano diretor como instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbanos e da função social da propriedade,
determinando que todos os municípios com mais de vinte mil habitantes devessem
adequar ou elaborar o seu plano diretor em cinco anos.
Constituição Federal de 1988 também alinhavou os principais mecanismos por meio
dos quais a função social da propriedade seria atingida como edificação, ocupação ou
parcelamento compulsórios de imóveis vazios ou subtilizados; IPTU progressivo no
tempo; desapropriação com pagamento através de títulos da dívida pública; usucapião
urbano e concessão de uso.
1.2.3.Estatuto da Cidade.
O Estatuto da Cidade consiste na Lei Federal Complementar nº 10.257/2001 que
regulamentou os dois artigos da Constituição de 1988 e estabeleceu condições legais
para a execução de políticas urbanas.
Entre a promulgação da Constituição Federal e a aprovação do Estatuto da Cidade,
passaram-se treze anos de muita luta política e muita disputa de interesses, afinal
estava-se promovendo o cerceamento ao direito de propriedade da terra em um país
e em uma sociedade eminentemente patrimonialistas.
A lei define que a propriedade urbana deve ser utilizada em favor do bem coletivo, da
segurança e bem estar dos cidadãos, visando o equilíbrio ambiental.
No capítulo I estabeleceu as diretrizes para desenvolver a função social da
propriedade:
“I - Garantia do direito à cidade sustentável, entendido como o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
para as presentes e as futuras gerações;
27
II - Gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários seguimentos da comunidade
na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
III - Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais
setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento
ao interesse social;
IV - Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição
espacial da população e das atividades econômicas do Município e
do território sub sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as
distorções do crescimento urbana e seus efeitos negativos sobre o
meio ambiente;
V - Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes
e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da
população e as características locais;
VI - Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a utilização
inadequada dos imóveis urbanos; a proximidade de usos incompatíveis
ou inconvenientes; o parcelamento do solo, a edificação ou o uso
excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana; a
instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar
como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura
correspondente; a retenção especulativa de imóvel urbano, que
resulte na sua subutilização ou não utilização; a deterioração das
áreas urbanizadas; a poluição e a degradação ambiental;
VII - Integração e complementaridade entre as atividades urbanas e
rurais, tendo em vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município
e do território sob sua área de influência;
VIII - Adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços
e de expansão urbana compatíveis com os limites de sustentabilidade
28
ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua
área de influência;
IX - Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo
de urbanização;
X - Adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e
financeira e de gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento
urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bemestar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI - Recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha
resultado a valorização de imóveis urbanos;
XII - Proteção, preservação e recuperação do meio natural e construído
do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII - Audiência do Poder Público municipal e da população interessada
nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades
com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural
ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV - Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas
especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação,
consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas
ambientais;
XV - Simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do
solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos
e aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI - Isonomia de condições para agentes públicos e privados na
promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de
urbanização, atendido o interesse social.
29
Na seção I do Capítulo II, definiu os instrumentos disponíveis para os municípios
executem políticas urbanas:
“I - planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território
e de desenvolvimento econômico e social;
II - planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas
e microrregiões;
III - planejamento municipal, em especial: plano diretor; disciplina do
parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental;
plano plurianual; diretrizes orçamentárias e orçamento anual; gestão
orçamentária participativa; planos, programas e projetos setoriais;
planos de desenvolvimento econômico e social;
IV - institutos tributários e financeiros: imposto sobre a propriedade
predial e territorial urbana - IPTU; contribuição de melhoria; incentivos
e benefícios fiscais e financeiros;
V - institutos jurídicos e políticos: desapropriação; servidão
administrativa; limitações administrativas; tombamento de imóveis ou
de mobiliário urbano; instituição de unidades de conservação; instituição
de zonas especiais de interesse social; concessão de direito real de
uso; concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios; usucapião especial de imóvel
urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa
do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito
de construir; operações urbanas consorciadas; regularização fundiária;
assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos
sociais menos favorecidos; referendo popular e plebiscito;
VI - estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de
impacto de vizinhança (EIV)”.
E, nas demais seções deste capítulo, explica os principais instrumentos.
30
Como o Estatuto da Cidade foi sancionado com veto em toda a seção relativa à
concessão de uso especial para fins de moradia, foram necessários alguns meses para
que fosse feita a Medida Provisória 2.220/01 que trata do tema da concessão e criando
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano. O instrumento de concessão de
uso especial é um dispositivo muito importante, pois somente por meio dele poderão
ser regularizadas favelas localizadas em áreas públicas.
A
lei ainda possui características fundamentais para que fosse superado o
planejamento urbano positivista e tecnicista, por meio da forte limitação ao direito
de propriedade, do reconhecimento dos assentamentos habitacionais populares
irregulares ou precários, bem como dos direitos de seus moradores. A atribuição
municipal, a obrigatoriedade da função social da propriedade, a inclusão da
questão ambiental e sustentação jurídica para os instrumentos de política urbana
disponibilizados consistiram em uma mudança significativa de paradigmas. No entanto,
restaram resquícios anacrônicos como a não explicitação da auto-aplicabilidade dos
instrumentos do plano diretor e a idéia de ordenação como se os problemas urbanos
se resumissem à desordem territorial.
1.3. Plano Diretor e Zoneamento.
Considerando que o objeto desta pesquisa é o Plano Diretor Estratégico do Município
de São Paulo e os Planos Regionais das Subprefeituras é fundamental que diversas
compreensões de alguns conceitos de plano diretor sejam conhecidas.
Flávio Villaça (1999) ao discorrer sobre as diversas facetas que os planos urbanísticos
possuíram ao longo do século XX no Brasil apresenta uma conceituação predominante
de Plano Diretor “como um momento do planejamento urbano” e
“[...] uma atividade multidisciplinar que envolveria uma pesquisa
prévia – o diagnóstico técnico – que revelaria os problemas urbanos
e seus desdobramentos futuros, cujas soluções seriam objetos de
proposições que integram os aspectos econômicos, físicos, sociais
e políticos das cidades e cuja execução tocaria a um órgão central
31
coordenador e acompanhador de sua execução e contínuas revisões
(VILLAÇA, 1999, pg. 187)”.
Outro ponto de vista, perceptível atualmente entre pesquisadores do assunto, constituise nas diversas características pertinentes a um plano diretor após o Estatuto da
Cidade (FONTES, SANTORO E CYMBALISTA, 2007).
O Plano Diretor deve definir tanto o conteúdo da função social da propriedade no
município como a realização concreta dos instrumentos de política urbana. O Plano
Diretor deve ser instrumento importante contra a retenção especulativa de imóveis
urbanos, deve interferir nas decisões sobre investimentos públicos e sobre a legislação
urbanística e deve incluir instrumentos de recuperação da valorização imobiliária
provocada por investimentos públicos.
Lembrando-se da avaliação sobre a escolha do plano diretor como principal
instrumento de política urbana, muitos pesquisadores o consideram ultrapassado,
tipicamente modernista, totalizante, simplificador, tentando abarcar todas as soluções
para a cidade em um só documento, muitas vezes relegando a um segundo plano as
disputas políticas que o envolve. Embora não sendo propriamente porta-voz desta
linha de pensamento, David Harvey (1992) afirma que
“[...] no campo da arquitetura e do projeto urbano, o pós-modernismo
no sentido amplo como uma ruptura com a idéia modernista de que
o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos
urbanos de larga escala, de alcance metropolitano, tecnologicamente
racionais e eficientes, sustentados por uma arquitetura despojada
(as superfícies ‘funcionalistas’ austeras do modernismo de ‘estilo
internacional’). O pós-modernismo cultiva, em vez disso um conceito
do tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um
‘palimpsesto’ de formas passadas superpostas umas às outras e uma
‘colagem’ de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros”
(Harvey, 1989, pg. 69).
É interessante conhecer o ponto de vista do ex-Secretário de Planejamento do
32
Município de São Paulo (1989-1992), o economista Paul Singer sobre o Plano Diretor,
exposto quando afirma que este
“[...] teria que abrir caminho para uma ‘reforma urbana’ de tal forma,
por exemplo, moradores de favelas recebessem direitos legais à terra
em que moravam e os pobres tivessem acesso ao solo urbano e a
serviços urbanos básicos”. (Singer, 1995, pg. 180)
Este enfoque significa uma visão mais atual do problema, embora também idealize os
papéis do plano diretor.
Segundo o pensamento predominante no direito urbanístico brasileiro (SILVA, 2006) o
Plano Diretor fica bem conceituado a partir do que deveria ser seu conteúdo. O plano
diretor deve abordar os aspectos físicos que se referem à ordenação do solo municipal
também denominado planejamento territorial; aspectos sociais que se concentram na
busca da melhoria da qualidade de vida da população por meio de transformações
nos diversos setores da administração pública (educação, saúde, saneamento
básico, habitação, bem estar social, lazer, recreação, cultura e esporte); os aspectos
econômicos prevendo as alterações no uso do solo preparando o município para ser
base do desenvolvimento econômico e os aspectos administrativos e institucionais
contemplando os meios para implementação, execução, continuidade e revisão do
plano diretor e do processo de planejamento urbano.
Numa visão bastante formalista como é própria do direito, este autor também ressalta
quais os itens que devem compor o conteúdo básico do plano diretor. E ainda, os
estudos preliminares devem avaliar “de forma sumária a situação e os problemas
do desenvolvimento do Município” e estabelecer “as características e o nível de
profundidade dos estudos subseqüentes” estabelecendo as políticas de planejamento
(SILVA, 2006, pg. 144).
O diagnóstico deve pesquisar e analisar “em profundidade os problemas de
desenvolvimentos selecionados na etapa anterior” e identificar “as variáveis que
devem ser consideradas para as soluções” e prever “suas perspectivas de evolução”.
O plano de diretrizes deve estabelecer “uma política para as soluções dos problemas
33
escolhidos” e fixar “objetivos e diretrizes da organização territorial” (SILVA, 2006,
pg.144).
E, finalmente, a instrumentação do plano deve compreender “a elaboração dos
instrumentos de atuação, de acordo com as diretrizes estabelecidas” e deve identificar
“as medidas capazes de atingir os objetivos escolhidos” (SILVA, 2006, pg. 144).
Os planos vigentes em São Paulo não seguiram exatamente estas etapas, percorrendo,
em parte, outro caminho, não dando tanta importância ao diagnóstico, mas sim,
acreditando em um acúmulo do saber dos diversos setores da administração, o
que implicou na reprodução da estrutura da máquina administrativa no texto da lei.
Fato este que se tornou mais marcante no que se refere aos técnicos da Secretaria
Municipal de Planejamento, que contribuíram para que fossem utilizadas novamente
maneiras equivocadas de se fazer planejamento urbano.
O Plano de 1991 utilizou mecanismos mais inteligentes, evitando tanto o exposto no
parágrafo anterior como o racionalismo formalista do direito urbanístico, reconhecendo
limites do instrumento e utilizando uma leitura dirigida das questões urbanas, e a partir
daí, definir objetivos mais claros.
Por outro lado o Estatuto da Cidade também estabelece algumas características
institucionais de um plano diretor. Segundo esta lei a propriedade urbana cumpre
a sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento
e expansão urbana e que deve ser parte integrante do processo de planejamento
municipal juntamente com o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento
anual. Embora este estatuto centralize os instrumentos no plano diretor, significa um
grande avanço em relação a anos de discursos idealistas e tecnicistas.
O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo reitera e amplia o discurso
constante do Estatuto da Cidade, estabelecendo que o plano é “instrumento global
e estratégico da política de desenvolvimento urbano, determinante para todos os
agentes públicos e privados que atuam no Município”.
Sob a ótica do direito urbanístico alguns aspectos deste instrumento devem ser
34
ressaltados, em especial, o fato da ordenação de uso e ocupação do solo ser
considerada “um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico” e preconizar
idealisticamente “uma estrutura mais orgânica para as cidades, mediante a aplicação
de instrumentos legais de controle do uso e ocupação do solo – com o que se procura
obter uma desejável e adequada densidade populacional e das edificações nos
aglomerados urbanos”, independentemente dos problemas subjacentes na sociedade
(SILVA, 2006, pg.239),
Segundo este mesmo autor, a expressão tem sido aplicada comumente como
“Instrumento legal utilizado pelo poder público para controlar o uso da terra, as
densidades de população, a localização, a dimensão, o volume dos edifícios e seus
usos específicos, em prol do bem estar geral”, continuando “O Zoneamento consiste
na repartição do território municipal à vista da destinação da terra, do uso do solo
ou das características arquitetônicas”, conceitua ainda afirmando que “o zoneamento
pode ser entendido como um procedimento urbanístico destinado a fixar os usos
adequados para as diversas áreas do solo municipal ou para o exercício das funções
urbanas elementares” e concluí que “o zoneamento constitui, pois, um procedimento
urbanístico que tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios
em áreas homogêneas, no interesse do bem estar da população” (SILVA, 2006, pg.
240, 241 e 242).
Cabe sempre ressaltar que a abordagem do Direito Urbanístico se concentra muito
mais na coerência jurídica do tema do que em seu próprio conteúdo, pois este está
preocupado em impedir que o planejamento urbano incorra em inconstitucionalidades
e ilegalidades, invalidando sua implementação.
Por outro lado, alguns urbanistas superaram esta expectativa idealista. Mancuso
afirma que o zoneamento é
“[...] um modelo de cidade perfeito no que se refere à valorização de
diversas partes que a compõem. Enquanto que protege as pequenas
construções residenciais e os valores do solo de intromissores
prejudiciais, incluídas os constituídos por grupos sociais indesejáveis
como os de cor e cria garantias para as inversões no solo e na
35
construção” (MANCUSO, 1980, pg. 325 – tradução do autor).
O mesmo autor comenta que este instrumento
“[...] atua de forma ilhada, sem o apoio de outras políticas de
intervenção sobre a cidade; é um objetivo mais que um elemento de
um sistema; opera no seio da estrutura administrativa, estrutura esta
que não é capaz de fazer frente aos crescentes problemas da cidade;
simplifica a cidade a poucos elementos relacionados facilmente entre
si, e a correspondência com o modelo ‘natural’ de desenvolvimento e
apesar de todo o esforço – especialmente em fases mais avançadas
– por articular ao máximo a gama das funções, não produz um espaço
articulado, senão, ao contrário, uma depauperação global de seus
significados” (MANCUSO, 1980, pg. 327).
Villaça (1999, pg.177), por sua vez, estabelece um conceito objetivo do instrumento:
“Entende-se por zoneamento a legislação urbanística que varia no espaço” e acrescenta
que
“[...] na maioria dos planos diretores brasileiros o zoneamento aparece
apenas como princípios vagos e não operacionais. Ao contrário, as
leis específicas de zoneamento, separadas dos planos diretores
são operacionais, aprovadas nas Câmaras Municipais e executadas
(evidentemente com os percalços típicos da execução das leis no
Brasil)” (Villaça, 1999, pg. 178).
Já o Estatuto da Cidade (2001) estabelece que a disciplina do parcelamento, do uso e
da ocupação do solo é um instrumento do planejamento municipal assim como o são,
entre outros, o zoneamento ambiental, o orçamento anual e os planos e programas
setoriais.
1.4. Instrumentos, variáveis e índices urbanísticos.
Para efeito deste trabalho serão utilizadas as delimitações a seguir com objetivo de
36
tornar mais claras as análises. Os conceitos utilizados permitem que se entenda
melhor a maneira com que é feita a escolha e a aplicação das variáveis e dos índices
urbanísticos bem como a confirmação desta tese que consiste na constatação da
enorme semelhança entre os planos e leis anteriores e os vigentes em São Paulo.
Instrumentos urbanísticos ou de política urbana ou ainda de política de desenvolvimento
urbano são aqueles especificados no Capítulo II do Estatuto da Cidade.
Variáveis urbanísticas são condicionantes, numéricos ou não, como, por exemplo,
área mínima de lote, recuos mínimos, zonas e categorias de uso que podem assumir
diferentes valores ou aspectos, de acordo com as circunstâncias, provocando
diferentes resultados ou efeitos (Giaquinto, 1995) e tem por finalidade contribuir para
que o zoneamento funcional de uso do solo possa tratar diferentemente cada região,
zona ou lote.
Índices urbanísticos são relações entre variáveis urbanísticas, valores de medidas
ou graduações, por exemplo, coeficiente de aproveitamento, possuindo as mesmas
finalidades das variáveis urbanísticas.
As variáveis e os índices urbanísticos podem estar relacionados ao parcelamento, ao
uso e à ocupação do solo.
Estes conceitos são de suma importância para este trabalho, pois darão sustentação
às comparações entre as leis e de que maneira foram ou não utilizados, que valores
foram adotados, que significado tem as semelhanças e diferenças destes instrumentos,
variáveis e índices urbanísticos.
Com a aplicação dos conceitos explicitados acima, os capítulos seguintes demonstram
quais instrumentos, variáveis e índices urbanísticos foram adotados em cada plano
ou lei de zoneamento, como foram utilizados e a semelhança dos resultados. São
identificados também alguns dos interesses que os influenciaram bem como a
contribuição de cada detalhe na produção do espaço construído de uma cidade
capitalista como São Paulo.
37
CAPÍTULO 2
P lanos D iretores e zoneamento
em São Paulo ( 1 9 7 1 a 2 002)
Neste capítulo são estudados os planos diretores de São Paulo que antecederam o Plano
Diretor Estratégico - Lei 13.430 de 2002, a partir do Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado - Lei 7.688 de 1971 e também são identificadas a adoção e a utilização dos
instrumentos, variáveis e índices urbanísticos destes planos diretores abordados no
intervalo.
2.1. Planos e Zoneamento em São Paulo.
Neste intervalo foram elaborados seis planos, mas somente dois transformaram-se
em lei:
• Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI /71 (Lei 7.688/71);
• Plano Diretor de 1985 – PD / 85;
• Plano Diretor de 1987 – PD / 87;
• Plano Diretor de 1988 (Lei 10.676/88) – PD / 88;
• Plano Diretor de 1991 – PD / 91;
• Plano Diretor 1997 – PD / 97.
38
O PDDI de 1971 foi mantido quase que sob sigilo até o momento de seu envio à
Câmara de Vereadores onde foi aprovado rapidamente e praticamente sem discussões,
aprofundamentos ou questionamentos (GIAQUINTO, 1995).
Já no caso do Plano Diretor de 1988 (PD / 88) foi utilizado o Decurso de Prazo, artifício
esse que previa a qualquer projeto de lei que não fosse votado pelos vereadores no
prazo determinado, torna-se automaticamente e integralmente promulgado. Assim,
os vereadores que apoiavam o prefeito quando o projeto estava prestes a entrar em
votação se ausentaram do plenário, o que implicou a sua aprovação. Este plano diretor
era um pequeno conjunto de alterações na Lei de Zoneamento (1972), como será
visto em sua análise específica, praticamente não provocando mudanças no processo
de planejamento da cidade.
Na esfera estadual logo após o PDDI/71 foi elaborado e promulgado o Plano
Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI)1 que teve sua implementação
praticamente resumida ao Zoneamento Industrial da Região Metropolitana de São
Paulo e à Lei de Proteção dos Mananciais2.
Houve também tentativas inacabadas no final da década de 1970 de uma revisão ao
PDDI / 71 sem obtenção de resultados práticos, pois foram abortadas antes do final.
Uma destas tentativas baseou-se em análises do binômio uso do solo / circulação por
meio de modelos matemáticos de simulação do crescimento urbano.
É sempre importante destacar que a regulamentação do PDDI/71 e do PD/88 se deu
exclusivamente através do Zoneamento, que inicialmente foi implantado através da
Lei 7.805/72 e muitas leis, decretos e outras determinações que foram alterando-a e
regulamentando-a pontualmente ao longo de mais de trinta anos de vigência (Cadernos
de Leis e Decretos de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, SEMPLA).
Cabe lembrar que somente serão pesquisados os planos que se tornaram lei, suas
regulamentações e o Plano Diretor de 1991. Não será analisado o Plano Urbanístico
Básico (PUB) pelo fato deste não ter sido implantado, embora nos anos 1960 fosse o
1 A Secretaria de Estado de Economia e Planejamento, através do Gegran, estabeleceu o Plano Metropolitano de Desenvolvimento
Integrado.
2 Lei de Proteção dos Manancias de 1976 e Lei de Desenvolvimento e Zoneamento Industrial de 1978, ambas elaboradas pela
EMPLASA e pela SNM (Secretaria de Negócios Metropolitanos) que foi fundada em 1975.
39
primeiro plano deste período do planejamento urbano em São Paulo.
No entanto, será apresentado um breve comentário introdutório e uma resumida
contextualização sobre cada um dos planos e os pontos de seus textos legais que
servirão para comparação com os Planos Estratégicos de 2002 e 2004. Como já foi
dito, estes pontos formarão sempre dois conjuntos de dados, por um lado conceitos,
objetivos e diretrizes e por outro, a implementação, a regulamentação e as repostas
aos objetivos. Desta maneira, será possível nestes comentários, perceber como
a Prefeitura, em especial a Secretaria Municipal de Planejamento3, enxerga o
planejamento urbano em São Paulo.
2.1.1.A reprodução do Plano Discurso (1971 – 1988).
a) Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo de
1971 (PDDI / 71)4.
O PDDI/71 é o típico exemplo de planejamento urbano tecnocrático e autoritário,
característico do período de atuação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo –
SERFHAU.
“No dia 30 de dezembro de 1971, antevéspera da passagem de ano
e no auge da ditadura militar, é aprovada a Lei nº 7688, que instituía o
Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de São Paulo (PDDI). O
PDDI/71 foi elaborado na maior discrição por técnicos da prefeitura e
não por técnicos alheios à administração” (VILLAÇA, 1999).
Desde a sua ementa o PDDI/71, como exemplo perfeito do plano discurso (VILLAÇA,
1999), mostra o seu fundamento principal, isto é, para propiciar o bem estar da
comunidade bastava apenas ordenar e disciplinar os desenvolvimentos físico,
econômico, social e administrativo da cidade.
Os muitos objetivos constantes deste plano têm caráter genérico e sem ligação
com o território da cidade e, guardam relação com as principais preocupações que
3 Atual Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.
4 As informações a seguir foram extraídas integralmente da Lei 7.805/71.
40
nortearam sua elaboração, tal como: o desenvolvimento urbano, o sócio-econômico e
o administrativo.
O PDDI/71 se propõe por um lado a criar e manter ambiente favorável ao desempenho
das funções urbanas (habitar, circular, trabalhar e cultivar o corpo e o espírito) e por
outro, a prever a localização mais adequada de usos e destinação de áreas.
Quanto aos objetivos de caráter social, aponta inicialmente um discurso genérico
propondo ampliar as oportunidades de desenvolvimento e depois demonstra seu
ponto de vista simplista em relação às questões sociais que se resume ao acesso aos
equipamentos públicos, produzir moradias populares, ampliar as atividades culturais,
sociais e recreativas e estimular maior participação de grupos sociais.
Quanto à questão administrativa, existe uma visão recorrente de modernização
sempre baseada na implantação de padrões de desempenho, compatibilidade entre
financiamento e custos, bem como, descentralização dos serviços e equipamentos,
sendo que nada disso foi implementado.
Por fim, a preocupação ambiental surge com um viés sanitarista por meio de objetivos
simplistas tal como: melhorar as condições sanitárias, diminuir a morbidade e garantir
a preservação do meio ambiente contra a poluição hídrica, atmosférica e sonora.
Na formulação das diretrizes, encontramos as mesmas preocupações observadas nos
objetivos. Sendo que as diretrizes de desenvolvimento urbano, em quantidade muito
superior às demais, introduzem a necessidade de definição de uma unidade territorial
de análise e intervenção para ser aplicada em toda a cidade, e em seguida, estabelece
que as densidades, as zonas, os equipamentos e os serviços devem guardar relação
com as unidades territoriais. As unidades territoriais (UTN) seriam hierarquizadas em
níveis: 1 (100 a 200 ha), 2 (duas ou mais UTN 1), 3 (duas ou mais UTN 2).
O desenvolvimento urbano foi abordado também através do estabelecimento de áreas
prioritárias de intervenção, áreas de renovação urbana e construção de um centro
administrativo da Prefeitura.
Em seguida, o PDDI/71 propõe uma grande malha de vias expressas e arteriais extraída
41
do PUB formando bolsões e hierarquizando o sistema viário, que permitiriam definir
as unidades territoriais e concentrar atividades em pólos. A partir daí, propunha uma
organização físico-territorial por meio da distribuição das densidades habitacionais,
localização de pólos e corredores, malha de vias expressas, rede de transporte de
massa e rápido.
A circulação e os transportes foram tratados em seus vários modos, isto é, rodoviário,
ferroviário, dutos (material a granel), hidroviário e aéreo. O sistema viário, por sua vez,
foi hierarquizado em vias expressas e vias arteriais, ambas de primeira ou segunda
categoria, principais e locais. Foram tratadas questões específicas como relacionar
as localizações industriais com ferrovias, rodovias e vias expressas, expandir o Metrô
integrado às redes de trem e ônibus e relacionar a ocupação e o adensamento a áreas
arruadas e melhoramentos viários.
Finalizando, tratou também de assuntos muito caros ao planejamento urbano em
São Paulo, propondo a distribuição dos usos por predominância e estabelecendo o
coeficiente de aproveitamento máximo em 4,0. O uso do solo (orientação e controle
da localização, dimensionamento, intensidade uso e edificação). O zoneamento foi
introduzido por meio de alguns índices urbanísticos como densidade construtiva
(coeficiente de aproveitamento e taxa ocupação), variáveis como atividades
permitidas ou não (categorias de uso), localização (zonas de uso), dimensionamento
(características urbanísticas) e controle (conformidade de uso).
As diretrizes de desenvolvimento social praticamente repetem os objetivos reafirmando
a necessidade de amplo acesso à habitação, a coordenação das ações dos setores
pública e privada para suprir a necessidade de equipamentos e serviços à população
(educação, saúde, lazer e outros); e de forma deslocada a criação de um sistema de
áreas verdes e preservação ambiental, diretriz esta que vai permear vários planos
diretores até 2004. Nota-se que este sistema de áreas verdes seria implantado através
da classificação, índices e características de ocupação e uso do solo.
As diretrizes de desenvolvimento econômico se confundem com as sociais e as
administrativas propondo a descentralização dos serviços públicos, a integração destes
serviços nas unidades territoriais e o estabelecimento de sistema de planejamento e
42
controle de gestão.
Nas diretrizes gerais surgem algumas propostas que reapareceram várias vezes até
2004 sem jamais ter alguma aplicabilidade, como por exemplo, a integração com outras
instâncias governamentais, integração metropolitana e relacionar os investimentos, os
incentivos, estímulos e as obras governamentais com as disposições do PDDI/71.
O plano estabelece diretrizes administrativas como a necessidade de fixação e
cumprimento de metas, níveis de atendimento, padrões numéricos, reformulação
administrativa à semelhança da iniciativa privada e prazos para níveis de prioridade:
curto (3 anos), médio (5 anos) e longo (10 anos).
É fácil perceber que o PDDI/71 tem um forte viés tecnicista ou mesmo tecnocrático,
positivista, administrativista e autoritário, a começar pela sua ementa que afirma que
por meio da ordem e da disciplina pretende propiciar o bem-estar da comunidade
(GIAQUINTO, 1995). No entanto é preciso lembrar que nada foi implementado a não
ser o zoneamento, implicando que somente o mercado imobiliário e os bairros jardins
viriam a sentir as conseqüências do plano. Destaca-se que o país vivia a época mais
radical do regime militar onde o autoritarismo e a tecnocracia predominavam em todas
as instâncias de poder. As capitais eram consideradas áreas de segurança nacional
e, portanto, seus prefeitos eram nomeados entre pessoas da mais estrita confiança
do regime militar.
São Paulo passava, do ponto de vista da suas elites, um dos momentos mais críticos
da sua história, pois com a forte imigração ao longo de muitos anos, o avanço do papel
do automóvel como meio de transporte, os escassos investimentos em infraestrutura
urbana, equipamentos e serviços públicos até a década anterior e o milagre econômico
transformavam radicalmente a cidade.
Poucos anos antes, ainda em São Paulo, em função dos enormes congestionamentos
das principais vias foram montados verdadeiras operações de guerra para enfrentar,
mesmo que de forma equivocada, o problema da circulação de veículos.
O prefeito nomeado à época era o Engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz (1971
/ 1973), proprietário de um dos maiores escritórios de engenharia da cidade, membro
43
de uma das mais tradicionais famílias da elite paulistana e, pode-se dizer saudosista.
Tinha como intenção subjacente que São Paulo voltasse a ser a cidade europeizada
do início do século XX. E, ao ver que a cidade de aparência europeizada estava
desaparecendo, o Prefeito cunhou um lema que revela a forma de pensar do grupo
social a que ele pertencia: “São Paulo precisa parar” (ANTONUCCI, 1999, pg. 100),
em contraposição a frases de políticos populistas que o antecederam.
Portanto, o PDDI/71 possuía, além de todos os atributos já apresentados, características
conservadoras com o objetivo em termos territoriais de congelar os bairros habitados
e freqüentados pelas classes dominantes, enquanto, a população em geral seria
distribuída por outras regiões (GIAQUINTO, 1995).
Com exceção das propostas básicas do zoneamento, as diretrizes não foram
implementadas, em especial a malha de vias expressas. A ordenação do uso do solo
se configurou no único instrumento aplicado e sua regulamentação se inicia com a Lei
7.805/72, pois tratava-se de um verdadeiro “plano sem mapa” (VILLAÇA, 1999).
Mesmo assim, o plano consistiu como referência para o planejamento urbano no que
tange a conceitos, a denominações e principalmente à consolidação da visão de que
o planejamento urbano se resume à ordenação, ao pretenso controle da produção do
mercado imobiliário formal e à preservação dos bairros jardim (GIAQUINTO, 1995).
b) Zoneamento
Ao contrário do PDDI/71, a Lei municipal 7.805/72 foi a tentativa de finalmente oficializar
a implantação de mecanismos de regulação da produção imobiliária, variando seus
mecanismos conforme a localização das atividades no território, ou seja, zoneamento
por usos e “serviu para atender a interesses claros e específicos, particularmente
os bairros da população da mais alta renda” (VILLAÇA, 1999). Pode-se afirmar que
existia uma antiga intenção de se implantar este instrumento na cidade e “o processo
de construção do zoneamento em São Paulo se estendeu por décadas” (FELDMAN,
2005) antes de ser aprovado.
A seguir resumidamente são apresentadas as principais características do conteúdo
da Lei de Zoneamento, relembrando que esta coletânea também contempla os
44
dois conjuntos de pontos que interessam para esta pesquisa, por um lado objetivo
e problemas a serem enfrentados e, de outro, instrumentos, variáveis e índices
urbanísticos, a fim de que possa servir de comparação com os planos vigentes.
Os objetivos explicitados na Lei de Zoneamento retomam o que o PDDI/71 determinava
para o desenvolvimento urbano como, por exemplo, controlar o parcelamento, uso
e ocupação do solo, obedecendo ao disposto no PDDI/71 de equilibrar as funções
urbanas, orientar o crescimento, facilitar o controle e incrivelmente harmonizar conflitos,
bem como evitar atritos, abordando o zoneamento como se fosse ferramenta eficaz.
Alguns problemas foram destacados dentro dos objetivos da lei, como os que
deveriam ser enfrentados prioritariamente, tais como, parcelamento indiscriminado,
especulação com terrenos desocupados, expansão da mancha urbana com muitos
vazios intersticiais, dificuldades para extensão de redes de infraestrutura urbana e
necessidade de legislação mais rigorosa. Este é um exemplo típico de plano discurso,
ou seja, a substituição das ações políticas e administrativas por textos técnicos, como
se isto bastasse.
As propostas para o pretensioso controle da produção do espaço construído também
retomam as diretrizes do PDDI/71 por meio da utilização de categorias de uso do solo
básicas (residencial, comercial, serviços, industrial e institucional), do escalonamento
da intensidade construtiva através de subcategorias de uso (R1, R2 e R3 ou C1, C2
e C3 etc.) e da utilização de uma grande zona como base para toda a cidade (Z2),
bem como, da distribuição de zonas de uso restrito total ou parcial, residencial (Z1) e
industrial (Z6 e Z7), onde se pretendia conservar o que já estava implantado. Incluía
também a previsão de zonas e usos especiais sem caracterizações específicas (Z8
e E4), e zonas mais adensadas predominantemente residenciais ou mistas (Z3, Z4 e
Z5).
Os dispositivos deste mesmo pretenso controle de parcelamento, uso e ocupação do
solo por meio das zonas de uso, consistiam na permissão ou não da localização de
atividades (conformes, não conformes e sujeitos a controle especial), valores máximos
ou mínimos de variáveis e índices urbanísticos relativos à ocupação do solo (taxa
de ocupação, recuos e dimensionamento dos terrenos), valores máximos de índices
45
urbanísticos de intensidade de edificação (coeficiente de aproveitamento), padrões
para controle da poluição e de incomodidade (classificação e proibição de tipos e
tamanhos de indústrias). Portanto, o planejamento urbano de São Paulo consistiu na
distribuição de usos e de densidades construtivas.
Inicialmente o zoneamento da cidade de São Paulo possuía oito tipos de zonas de uso
que constam de parte específica deste trabalho sobre o zoneamento e duas zonas
de áreas verdes. E, no final, chegou a ter mais de vinte tipos de zonas por meio de
alterações e regulamentações durante a sua vigência por mais de trinta anos.
A Lei de 7.805/72 possuía um instrumento básico (Quadro 2) onde se resumiam suas
principais variáveis e índices urbanísticos, que variavam por zona de uso. Neste
quadro as linhas eram ocupadas pelas zonas de uso e as colunas contemplavam as
variáveis e índices urbanísticos utilizados (usos conformes, usos sujeitos a controle
especial, frente mínima dos terrenos, área mínima do terreno, recuos mínimos das
edificações em relação às divisas do terreno, taxa de ocupação máxima e coeficiente
de aproveitamento máximo). E em revisões posteriores foi acrescentado o número
mínimo de vagas de estacionamento dentro dos lotes.
Excluindo-se definições, conceitos e o parcelamento do solo, todo o restante desta
lei, bem como todas as posteriores, consistem no detalhamento, no tratamento à
exceções, na utilização e na resolução de casos omissos dos assuntos tratados no
Quadro 2.
A lei de zoneamento não pretendia enfrentar os conflitos da cidade real, transformando
os problemas sócio-políticos em técnicos (MANCUSO, 1980). Sendo totalmente dirigida
aos dois grandes objetivos não explícitos do planejamento urbano de São Paulo no
período, sendo a preservação dos bairros exclusivamente residenciais onde moravam
as elites (Z1) e a regulação do mercado imobiliário formal (GIAQUINTO, 1995). Esta
atitude está refletida nas raríssimas vezes em que a legislação abrange a questão da
moradia social ou moradia popular, como pode ser visto em parte específica deste
texto relativa ao zoneamento.
Somente no detalhamento das subcategorias de uso é que surge a figura do conjunto
46
habitacional (R3.02), que no entanto, recebe normatização como se existissem apenas
conjuntos habitacionais para a classe média.
Em detrimento disso, tanto os conjuntos da COHAB5 como do CDHU6 permaneceram
irregulares, pois não conseguem atingir os padrões exigidos e nem a documentação
necessária solicitada (Cadastro de Edificações Irregulares – CEDI – da Prefeitura do
Município de São Paulo).
Desta forma, a questão habitacional ficou a cargo do Código de Obras7, segundo
o qual as moradias econômicas deveriam ter seus padrões técnicos determinados
por decreto do executivo, fato que veio ocorrer de maneira muito tímida somente na
década de 1980.
Outra característica que se deve ressaltar é que apesar do discurso em relação
aos vazios urbanos, o planejamento urbano em São Paulo elegeu como vilã não a
especulação imobiliária e a expansão horizontal do tecido urbano, e sim a verticalização
nas proximidades dos bairros de elite, visando evitar que pressões imobiliárias
pusessem em risco a qualidade de vida de seus moradores (SINGER, 1995).
c) Plano Diretor de 1985
O Plano Diretor de 1985 ou PD/2000, como era denominado em função da sua data
limite de aplicação, possuía algumas características interessantes que o distinguiu
dos anteriores, pois foi o primeiro plano diretor elaborado após o final do regime militar
num “contexto da redemocratização do país” (ANTONUCCI, 1999) e tentou ser um
contraponto tanto contra os planos diretores sem utilização de mapas (VILLAÇA,
1997) como os planos de modelos matemáticos.
O plano contou na sua elaboração com o retorno dos mapas coloridos e dos
diagnósticos com gráficos em forma de pizzas como forma de análise, isto é, consistia
em um vasto diagnóstico de desempenho das questões tradicionais do planejamento
urbano da década de 1950 e 1960 (demografia, uso do solo, transportes, sistema
5 Companhia Metropolitana de Habitação
6 Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
7 Dispõe sobre as regras gerais e específicas a serem obedecidas no projeto, licenciamento, execução, manutenção e utilização
de obras e edificações, dentro dos limites dos imóveis
47
viário, infraestrutura urbana, espaços, equipamentos e serviços públicos), propunha a
revisão da estrutura urbana paulistana por meio do estímulo à criação e consolidação
dos subcentros, complementação da rede viária e em políticas de desenvolvimento
setoriais e territoriais.
Como uma das tônicas tanto do governo estadual como municipal da época era a
descentralização, surge no PD 2000 a figura do Plano Regional e das audiências
públicas. Foram elaborados os Planos Regionais de Itaquera, Guaianazes, Ermelino
Matarazzo, São Miguel Paulista, Freguesia do Ó, Santo Amaro e Campo Limpo,
todos mantendo as características do plano geral. Esses planos regionais foram mais
inócuos ainda, pois a população participou poucas vezes e a estrutura administrativa
da Prefeitura não estava preparada para atuar regionalmente com o planejamento
urbano. E, mesmo dentro da Secretaria de Planejamento, quem tratava dos planos
não tratava do zoneamento, isto porque o domínio sobre a legislação de parcelamento,
uso e ocupação do solo consistia em verdadeiras secretarias independentes dentro
da SEMPLA8 e da SEHAB9.
O Plano Diretor foi enviado à Câmara no final do mandato de Mário Covas (1985) e
como Jânio Quadros derrotou Fernando Henrique Cardoso na eleição para prefeito do
ano de 1985, o projeto de lei foi retirado de pauta.
d) Plano Diretor de 1987
Consiste na primeira tentativa de elaboração de um plano diretor na gestão Jânio
Quadros (1985 -1988), e trata o assunto como instrumento normativo e orientador de
transformações na gestão do planejamento urbano por meio da redução da máquina
pública e maior participação do setor privado nas intervenções urbanas (ANTONUCCI,
1999).
e) Plano Diretor de 1988
Tratava-se da segunda tentativa de elaboração e aprovação de um Plano Diretor na
gestão Jânio Quadros, e como não poderia deixar de ser, o processo todo possuiu
8 Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de São Paulo.
9 Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de São Paulo.
48
traços marcantes do populismo. Elaborado por poucos técnicos, com quase nenhuma
transparência e participação, este plano por um lado defendia os interesses do mercado
imobiliário e por outro formalizava propostas provocadoras como o solo criado, as
operações urbanas e interligadas.
Tendo sido aprovado por decurso de prazo, embora muitos contestassem à época,
Plano Diretor de 1988 transformou-se em Lei.
Tratava-se de mais um plano diretor com discurso descolado da implementação. Incluía
temas genéricos e introdutórios como: finalidade, abrangência, objetivos estratégicos,
diretrizes, áreas de intervenção diferenciada, diretrizes, novo sistema de planejamento
e outros. E, contava com o anexo, a Síntese dos Estudos Básicos e três mapas.
Mas a parte que regulamentava estes aspectos tratava de forma direta somente as
questões de uso e ocupação do solo, relativas ao mercado imobiliário formal.
O Plano Diretor de 1988 confirmou o coeficiente de aproveitamento máximo igual
a 4,0 e introduziu os instrumentos urbanísticos do solo criado e operação urbana.
Pretendeu também dar suporte jurídico e urbanístico às Operações Interligadas,
mecanismo muito contestado à época e posteriormente considerado inconstitucional.
As Operações interligadas consistiam na permissão além dos limites de variáveis e
índices urbanísticos por meio do custeio da construção de habitações de interesse
social.
Na prática, tratava-se de uma pequena revisão na legislação do zoneamento (Lei
municipal 7.805/72), acrescidas de algumas brechas e rupturas em favor dos
incorporadores imobiliários.
2.1.2. Plano Diretor de 1991: inovações.
Trata-se de uma proposta com avanços significativos em direção à algumas questões
que pouco tinham sido abordadas pelos planos anteriores.
A gestão da Prefeita Luiza Erundina (1989 – 1992), que representava a ascensão ao
poder de um partido de esquerda, tinha como grande lema a inversão de prioridades.
49
Ressalta-se que esta postura também teve repercussão na política habitacional e
no planejamento urbano, o que ocasionou uma verdadeira ruptura com o que se
praticava na Prefeitura anteriormente (ANTONUCCI, 1999). Porém, esta ruptura teve
seus custos, pois até mesmo uma parte dos técnicos da SEMPLA não participou da
elaboração do plano diretor, restringindo-se a tratar das questões do zoneamento.
Este plano trazia para o centro das discussões alguns pontos das reivindicações do
Fórum Nacional da Reforma Urbana (ANTONUCCI, 1999) e das lutas populares por
habitação, que, mais tarde, viriam a se converter em muitos dos instrumentos do
Estatuto da Cidade.
O plano estava baseado em preceitos muito importantes como: gestão democrática
da cidade, política redistributivista, direito à cidade e à moradia.
As principais intenções deste plano eram a racionalização na utilização da infraestrutura
urbana implantada, a potencialização dos investimentos, a recuperação da valorização
imobiliária pelo poder público e a distribuição mais justa de ônus e benefícios do
processo de urbanização (ANTONUCCI, 1999).
Este plano também foi responsável pela introdução no cotidiano das discussões do
planejamento urbano, bem como de dispositivos como zonas Especiais de Interesse
Social – ZEIS, coeficiente de aproveitamento único, aquisição de potencial adicional
de construção, estoque de potencial adicional de construção por região calculados em
função da disponibilidade e infraestrutura, zonas adensáveis e não adensáveis, fundo
de urbanização, regularização fundiária e urbanística, planos de urbanização para as
ZEIS.
As demais propostas do PD/91 significavam uma forte simplificação nas questões de
uso e ocupação do solo, mesmo em relação ao mercado imobiliário formal.
Este plano não foi transformado em lei, devido à forte oposição apresentada pelos
representantes do mercado imobiliário, pois alegavam que não deveriam pagar por
direitos até então gratuitos e que isso significaria o encarecimento na produção de
habitações e de outros tipos de edificações. O conflito permaneceu mesmo com a
inclusão de um mecanismo de redução gradativa dos coeficientes de aproveitamento
50
máximos até atingir os valores pretendidos inicialmente. Este mecanismo ficou mais
conhecido por “degelo”.
2.1.3.Plano Diretor de 1997: a retomada do Plano Discurso.
No período de 1993 a 2000, ocorreu o retorno ao poder de prefeitos com fortes
características conservadoras e ligados ao mercado imobiliário (Paulo Maluf e Celso
Pitta). No entanto, com os avanços expressos no PD/91, estes prefeitos não possuíam
condições políticas para fazer com que o planejamento urbano retorna-se aos moldes
do que era praticado anteriormente. Assim o PD/97 foi elaborado com características
peculiares, principalmente na sua formulação.
Este plano também não se transformou em lei, mas teve um processo de elaboração
bastante particular. Inicialmente houve um estudo e uma proposta preliminar da equipe
da SEMPLA, coordenada pela Arquiteta Heloisa Proença, funcionária de carreira que
tinha participado da elaboração de planos anteriores.
Após as propostas serem tornadas públicas, iniciou-se um processo de reelaboração
agora coordenada por um grupo de especialistas dentre os quais estava o Arq. Jorge
Wilheim, que posteriormente viria a se tornar Secretário de Planejamento na gestão
da Prefeita Marta Suplicy (2001 – 2004), responsável pela elaboração dos Planos
Estratégicos do Município de São Paulo, objeto desta pesquisa.
O Plano Diretor de 1997 tinha outra vez um viés generalizante e pouco auto-aplicável
e tentava reunir uma pequena parte dos avanços do plano de 1991 com a tradição de
concentrar as preocupações com a regulação do mercado imobiliário formal.
2.2. Instrumentos, variáveis e índices urbanísticos nos planos
e no zoneamento.
Serão identificados em cada um dos planos ou objetos desta pesquisa, os instrumentos
urbanísticos ou de política urbana ou ainda de política de desenvolvimento urbano,
variáveis e índices urbanísticos nos termos definidos no início deste trabalho. Serão
51
também identificadas as formas e os valores que estes instrumentos, variáveis e
índices assumem.
2.2.1. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado 1971
(PDDI/71).
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo foi
oficializado por meio da Lei 7.688 de 30 de dezembro de 1971 e os instrumentos
variáveis e índices urbanísticos aqui descritos serão os constantes deste texto legal.
Retomando, o PDDI/71 não continha mapas embora um dos seus capítulos seja
destinado a uma definição de divisão territorial baseada em unidades territoriais (UTN)
hierarquizadas em níveis: 1 (100 a 200 ha), 2 (duas ou mais UTN 1), 3 (duas ou mais
UTN 2). Trata-se, portanto, de uma espécie de plano definido por Flávio Villaça como
sem mapas (VILLAÇA, 1999).
Dentro do que convencionamos denominar neste trabalho de instrumentos urbanísticos,
isto é, os que constam do Estatuto da Cidade, dois estão explicitamente presentes: o
próprio Plano Diretor e a disciplina de uso do solo, embora exista um ano de intervalo
entre os dois documentos legais.
Além disso, alguns aspectos assemelham-se ao instrumento urbanístico de “planos,
programas e projetos setoriais” do Estatuto da Cidade, tais como metas, padrões
e níveis de atendimento para setores administrativos: Educação, Saúde, Promoção
Social, Recreação, Esporte, Cultura, Infraestrutura, Comunicação, Abastecimento,
Limpeza, Circulação e Transportes.
Como pode ser observado o PDDI/71, de acordo com as linhas mestras do
planejamento integrado, trás consigo a característica administrativista e tecnicista de
tentar estabelecer objetivos, diretrizes e metas para todos os setores da Prefeitura,
fato este que voltará a se repetir no Plano Diretor Estratégico de 2002.
Ao contrário dos instrumentos, as variáveis e índices urbanísticos já apareciam nas
suas formas mais clássicas, e perduraram durante anos na legislação da cidade. As
52
principais variáveis e índices urbanísticos eram:
a) Categorias de uso:
R1 - Residência unifamiliar, uma habitação por lote;
R2 - Residência multifamiliar, mais de uma habitação por lote;
R3 - Conjunto residencial, mais de uma habitação por lote com espaços e instalações
comuns;
C1 - Comércio varejista de âmbito local, principalmente relacionado ao uso
residencial;
C2 - Comércio varejista diversificado;
C3 - Comércio atacadista;
I1 - Indústria não incômoda;
I2 - Indústria diversificada, que necessitam de padrões específicos de implantação;
I3 - Indústria especial, prejudiciais ao bem estar e ao meio ambiente;
S1 - Serviços de âmbito local, principalmente relacionados ao uso residencial;
S2 - Serviços diversificados;
E1 - Instituições de âmbito local, principalmente relacionadas ao uso residencial;
E2 - Instituições diversificadas;
E3 - Instituições especiais, grande concentrações de público e veículos e níveis de
ruído altos;
E4 - Usos especiais.
b) Zonas de uso, taxa de ocupação (TO) e coeficiente de aproveitamento (CA)
máximos:
Z1 – estritamente residencial (TO = 0,5 e CA = 1,0);
53
Z2 – predominantemente residencial (TO = 0,5 e CA = 1,0);
Z3 – predominantemente residencial (TO = 0,5 e CA = 2,0);
Z4 – mista (TO = 0,7 e CA = 3,0);
Z5 – mista (TO = 0,8 e CA = 4,0);
Z6 – predominantemente industrial (TO = 0,7 e CA = 2,0);
Z7 – exclusivamente industrial (TO = 0,5 e CA = 1,0);
Z8 – especiais (leis específicas).
O coeficiente de aproveitamento e a taxa de ocupação foram eleitos como índices
urbanísticos mais importantes e com estes se pretendia controlar o adensamento. A
taxa de ocupação relaciona a projeção horizontal da edificação com a área do lote e o
coeficiente de aproveitamento que relaciona a área edificada com a área do lote.
O coeficiente de aproveitamento limite para todo o município foi estipulado em 4,0
vezes a área do terreno. São considerados não computáveis para o cálculo do mesmo,
pavimento em pilotis sem vedação e a área de carga e descarga coberta.
De acordo com a zona onde se localizam, os usos foram classificados como: Conforme
(adequado às características da zona de uso), Sujeito a Controle Especial (com
restrições específicas) e Não Conforme (inadequado à zona de uso).
O sistema viário foi hierarquizado em quatro tipos de vias sendo: Vias Expressas de 1ª
e 2ª categorias, Vias Arteriais de 1ª e 2ª categorias, Vias Principais e Vias Locais.
O quadro nº 5 da lei, define papéis e características de cada categoria de via, sendo:
função, acesso aos lotes, fluxo, cruzamentos e conversões, transporte coletivo,
número de pistas, número de faixas de rolamento por pista, acostamento e velocidade
de projeto.
A preocupação com as características do sistema viário estava intimamente ligada à
intenção de implantação de uma nova malha de vias expressas, arteriais e principais,
alterando a estrutura da cidade de predominantemente radioconcêntrica para
54
ortogonal delimitando as UTN (unidades territoriais), mudanças estas que não se
concretizaram.
O Sistema de Áreas Verdes foi, por sua vez, a forma encontrada para, semelhantemente
às zonas de uso, classificar e diferenciar as áreas verdes públicas ou privadas visando
aplicar-lhes outros valores para as variáveis e índices urbanísticos.
As áreas verdes públicas (AV) foram classificadas como: recreação infantil (AV – 1),
parque de vizinhança (AV – 2), praça pública (AV – 3), campo esportivo (AV – 4),
centro educacional e esportivo (AV – 5), parque distrital (AV – 6) e reserva natural (AV
– 7). As privadas como: clubes esportivos (AV – 8), clubes de campo (AV – 9) e áreas
arborizadas (AV – 10).
As taxas de ocupação máxima para áreas cobertas foram fixadas para todas as AV
em 0,1, com exceção da AV – 9 fixada em 0,2. As taxas de ocupação máximas para
áreas descobertas com instalações foram fixadas para todas as áreas verdes, com
exceção da AV – 9 em 0,4 e para AV – 9 em 0,6. O Coeficiente de aproveitamento
máximo para áreas cobertas foi fixado para todas as AV, com exceção da AV – 9 em
0,2 e para AV – 9 em 0,5.
2.2.2.Zoneamento
O zoneamento funcional do território do município foi oficializado por meio da Lei 7.805
de 1º de novembro de 1972 contemplando vários instrumentos, variáveis e índices
urbanísticos. O artigo 1º resume o conteúdo da lei:
“Esta lei dispõe sobre a divisão do território do Município em zonas de
uso e regula o parcelamento, uso e ocupação do solo, tendo em vista
os seguintes objetivos:
I – assegurar a reserva de espaços necessários, em localizações
adequadas, destinados ao desenvolvimento das diferentes atividades
urbanas;
II – assegurar a concentração equilibrada de atividades e pessoas no
55
território do Município, mediante o controle do uso e do aproveitamento
do solo;
III – estimular e orientar o desenvolvimento urbano”.
É interessante ressaltar que a lei em questão nunca se refere a si mesma como parte
do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de 1971, sua instrumentalização ou
implementação.
Mais uma vez, a única ocorrência de um instrumento urbanístico nos termos do
Estatuto da Cidade, consiste na própria disciplina de parcelamento, uso e ocupação
do solo urbano.
Já constavam dessa lei as principais variáveis e índices urbanísticos que estiveram
vigentes por mais de 30 anos no município de São Paulo e foram referência para todo o
país. Ao longo do período citado a lei de zoneamento foi regulamentada, parcialmente
revogada, emendada e alterada muitas vezes, mas sempre a partir das variáveis e
dos índices urbanísticos por ela estabelecidos.
A lei de zoneamento foi elaborada apenas com quatro capítulos e por muitas tabelas
e quadros. Estes capítulos estão apresentados a seguir de forma sucinta.
O capítulo I, denominado Objetivos e Definições, é composto dos objetivos expostos
no artigo 1º e de definições diretamente relacionados à produção privada do espaço
urbano. Os conceitos principais eram:
a) Vias de circulação - espaços destinados à circulação de veículos ou pedestres,
oficial ou particular;
b) arruamento - parcelamento do solo mediante a abertura de vias de circulação;
c) loteamento - parcelamento dos terrenos em lotes;
d) alinhamento ou frente - linha divisória entre os terrenos e os logradouros públicos;
e) fundo do lote - divisa do lote oposta à frente;
f) profundidade - distância entre a frente e o fundo do lote;
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g) recuo - distância entre a edificação e a divisa do lote;
h) uso misto - utilização do mesmo lote por mais de uma categoria de uso;
i) desmembramento - divisão de área em outras sem se configurarem em lotes;
j) desdobro - divisão de um lote em outros.
Estas definições foram alteradas algumas vezes durante a vigência da lei de
Zoneamento, em especial pelas Leis 8.001/73, 8.238/75 e 9.413/81.
O capítulo II aborda exclusivamente o parcelamento do solo, isto é, a produção de
novos lotes urbanos.
Os parcelamentos do solo urbano foram proibidos em baixios, terrenos alagadiços
e sujeitos a inundações, terrenos aterrados com material nocivo à saúde pública e
terrenos com declividade superior a 30%.
Os projetos de parcelamento do solo deveriam atender diretrizes prévias do poder
público que fixariam variáveis e índices urbanísticos além das características e
dimensões mínimas definidas para cada zona de uso, tais como, traçados de vias
de circulação e localização das áreas verdes e institucionais a serem doadas à
Prefeitura.
Os projetos de arruamento e loteamento deveriam atender índices urbanísticos no que
tange porcentagens mínimas de terreno, destinadas ao sistema viário, áreas verdes e
institucionais, respectivamente 20%, 15% e 5%.
Os tipos e as características técnicas das vias foram expressas no Quadro nº 1,
através de variáveis e índices urbanísticos específicos. Outras duas variáveis foram
introduzidas nesta lei: o comprimento máximo de face de quadra e a distância máxima
entre qualquer lote a uma via principal.
Frente e área mínima de lote foram as variáveis urbanísticas relativas aos lotes,
incluídas no Quadro 2, juntamente com variáveis e índices urbanísticos de uso e
ocupação do solo.
57
O capítulo III aborda os aspectos relativos a uso e ocupação do solo, retomando as
categorias de uso do PDDI / 71, mas também introduz novas categorias e subcategorias
de uso, variáveis e índices urbanísticos que se repetiria muitas vezes ao longo de trinta
anos. No caso das categorias de uso, os estabelecimentos comerciais, institucionais,
industriais ou de prestação de serviços, foram contemplados com padrões específicos
de implantação. Já as subcategorias de uso propiciaram a desagregação ainda maior
das determinações.
Dentro da categoria de uso R2 foram criadas duas subcategorias, as unidades
residenciais agrupadas horizontalmente com frente para via (R2 – 01) e as unidades
habitacionais agrupadas verticalmente (R2 – 02).
Na categoria de uso R3, novas subcategorias de usos residenciais foram criadas:
R3 – 01 (até 400 unidades ou em terreno inferior a 20.000,00m2); R3 – 02 (acima dos
limites de R3 – 01) e R3 – 03 (vilas).
Ao mesmo tempo surgiram novas variáveis urbanísticas delimitando as categorias de
uso não residenciais e os conjuntos habitacionais. Para os conjuntos residenciais (R3)
com mais de uma habitação por lote com espaços e instalações comuns, passouse a exigir áreas coletivas de lazer descobertas na relação de 6,00m2 por unidade
habitacional no mínimo, espaços coletivos de equipamentos sociais na relação de
4,00m2 por unidade habitacional no mínimo, espaços destinados a comércio e serviços
(C1 e S1) na relação de 2,00m2 por unidade habitacional no máximo, recuo mínimo
de 3,00m de todas as divisas e vias de circulação interna de veículos de acordo com
Quadro nº 1.
Semelhantemente o comércio varejista de âmbito local (C1) relacionado ao uso
residencial, as indústrias não incômodas (I1) e os serviços de âmbito local deveriam
ter área construída máxima de 250,00m2.
Já as instituições de âmbito local (E1), além da área construída máxima de 250,00m2,
deveriam ter lotação de 100 pessoas. E, as instituições diversificadas (E2) deveriam
ter área construída máxima de 2.500,00m2 e lotação de 1.000 pessoas.
Também foi incluída a relação entre a largura de vias e a proibição de implantação de
58
determinados usos. As categorias de uso C1, C2, I1, S2, S3, E1 e E2 não poderiam
se instalar em ruas com menos de 14,00m de largura, e as categorias de uso C3, I2,
I3, e E3 em ruas com menos de 18,00m de largura com algumas exceções. Estes
limites foram alterados posteriormente pela Lei 8.001/73 para números mais próximos
a realidade.
Surgiram também muitas regras e exceções isoladas relativas ao uso, à taxa de
ocupação, ao coeficiente de aproveitamento e aos recuos, visando adaptação da lei
às necessidades do mercado imobiliário e mais raramente às necessidades de uma
realidade complexa da cidade. A mais importante destas exceções conhecidas como
fórmula de Adiron10, imposta pelo mercado imobiliário de edifícios de apartamentos,
previa que o coeficiente de aproveitamento máximo poderia ser superado até novos
limites se a taxa de ocupação fosse reduzida, isto é, se o edifício ficasse mais
esbelto.
Tanto os coeficientes de aproveitamento como as taxas de ocupação constam do
Quadro nº 2, que resume o verdadeiro núcleo de toda a lei.
A estrutura do texto da lei possui uma característica interessante. As normas gerais
constam na maioria das vezes nos quadros e as exceções estão nos artigos e
parágrafos, o que também irá se repetir nos planos diretores vigentes. Assim a análise
dos quadros passa a ter grande importância.
O Quadro nº 1, Vias de circulação, retoma e reduz bastante o Quadro nº 5 do PDDI/71,
relacionando somente algumas características e tipos de vias, aspectos mais
diretamente ligados à loteamentos e arruamentos.
Aos tipos de vias foram acrescidas apenas as vias de circulação de pedestres, já as
características (variáveis e índices) foram resumidas a largura mínima, faixa carroçável
mínima, passeio lateral mínimo, canteiro central mínimo, declividade máxima e
declividade mínima.
Confirmando o fato de que o zoneamento é dirigido ao mercado imobiliário, para as
vias expressas que de maneira geral são construídas pelo Estado, quase não existiram
10 Fórmula de Adiron, - ao se diminuir a taxa de ocupação pode-se-ia aumentar o coeficiente de aproveitamento.
59
exigências, enquanto para as demais vias todos os detalhes foram previstos.
O Quadro nº 2 é o coração do zoneamento de São Paulo e reúne as principais variáveis
e os índices urbanísticos da lei, sendo composto de oito linhas correspondentes às
zonas de uso e dez colunas sendo as oito primeiras colunas relativas a variáveis
urbanísticas e as duas últimas aos índices.
Nas três primeiras colunas estão as variáveis de uso do solo, sendo que na primeira
coluna estão todas as oito zonas de uso, e na segunda e terceira colunas estão as
categorias de uso permitidas (conformes e sujeitas a controle especial) para cada
zona de uso.
Nas duas colunas seguintes aparecem as variáveis de parcelamento do solo (frente e
área mínimas de lote) com uma visão bastante desconectada da realidade, pois não
eram permitidos lotes com menos de 10,00m de frente e com menos de 250,00m2
de área, o que fora dos bairros de elite é uma raridade. E, nas zonas industriais Z6 e
Z7 os lotes deveriam ter no mínimo 1.000,00m2 e 5.000,00m2 respectivamente, com
frente mínima de 20,00m e 50,00m.
As determinações de controle dos usos industriais eram muito exigentes, porque a Lei
de Zoneamento foi elaborada à época do milagre econômico no início da década de
1970, quando o crescimento econômico parecia não ter limites.
As três colunas seguintes são os recuos de frente, lado e fundo (variáveis de ocupação
do solo) que também representam um modelo dos bairros nobres para ocupação dos
terrenos, isto é, com jardim ou estacionamento no recuo de frente, edificações com
quintal nos fundos e corredor lateral livre, o que não corresponde à maneira com que
foi erigida quase toda a periferia da cidade, onde cada metro quadrado construído é
uma verdadeira conquista para a população pobre.
A alegação para a esta ocupação no terreno era que o recuo de frente permitiria o
alargamento das ruas sem posteriores demolições e que os recuos laterais e de fundo
garantiriam a ventilação e a iluminação natural dos cômodos.
Nas Z5 eram permitidas, eventualmente, edificações sem recuos frontais ou laterais e
60
nas Z4 sem os recuos laterais.
As últimas duas colunas incluem os índices urbanísticos Taxa de Ocupação Máxima
(TO) e Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CA) que medem as possibilidades e a
intensidade de ocupação dos terrenos. Neste caso, o direcionamento é ainda maior,
pois estes índices, em especial o CA, vão compor o preço da terra que juntamente
com a localização são os focos de interesse do mercado imobiliário.
As Taxas de Ocupação Máximas era de 0,5 na maioria das zonas chegando a 0,8 na
zona central Z5.
Como a Z2 representava por volta de 75% do território e as Z1 outros 5%, podese afirmar que para a maioria da cidade o CA máximo era 1,0 e para os prédios de
apartamentos o CA máximo poderia chegar a 2,0 através da aplicação da fórmula de
Adiron.
Nas Zonas 3, 4 e 5 os índices iam aumentando gradativamente, e nas zonas
industriais a TO tornava-se mais importante que o CA, pois as plantas industriais são
predominantemente horizontais.
Embora, o máximo previsto para o CA no Plano Diretor fosse 4,0 no Quadro nº 2 da
primeira versão da Lei de Zoneamento, o limite era 3,5 para as Zonas 5 (Z5).
Os modelos de cidade que serviram de base para a formulação do PDDI 71 e da lei do
zoneamento eram os bairros jardins e os edifícios de apartamentos, ambos destinados
à população de alta renda, com exceção do centro velho e da Avenida Paulista, já
bastante verticalizados e das zonas industriais que possuíam características próprias.
O restante da cidade foi quase que totalmente ignorado.
Inicialmente para as Zonas 8 (Z8), uma espécie de antecedente das Operações
Urbanas e das Áreas de Intervenção Urbana (AIU), as variáveis e índices urbanísticos
estavam previstos no Quadro nº 5. As exceções seriam determinados em um projeto
urbanístico que deveria ser elaborado pela Prefeitura. Posteriormente incluiu-se as
Z8 – 100 denominação dada à zona rural e a Z8 – 200 que consistia na designação de
bens e áreas de interesse histórico e cultural.
61
O Quadro nº 3 abordava os usos sujeitos a controle especial, significando somente o
estabelecimento de recuos maiores e horários de funcionamentos regulamentados. E,
o Quadro nº 4 tratava das regras de estacionamento de veículos e áreas de carga e
descarga nos lotes em função do uso, independentemente da localização.
Os demais quadros completavam a tentativa de controle do uso e ocupação do solo
por meio de um conjunto variado de determinações, estabelecendo multas e sanções
e designando vias com recuos de frente mínimos específicos.
O mapa do zoneamento para toda a cidade mostrou uma grande variedade de zonas
de uso no centro e no quadrante sudoeste. No restante da cidade, eram utilizados
somente duas ou três tipos de zonas (ver Anexo I – Mapa: Zoneamento do Município
de São Paulo).
Esses regramentos dirigidos e abstratos foram se alterando ao longo de mais de trinta
anos, na maioria das vezes, por pressão do mercado imobiliário. Nos três primeiros
anos foram necessárias profundas adaptações por meio das Leis nº 8.001/73 e
8.328/75, bem como, do Decreto nº 11.106/74.
Quadro N0 1, Referente à Lei N0 7.805, de 1 de novembro de 1972 - Vias de Circulação.
Fonte: SEMPLA / PMSP
62
Quadro N0 2, Referente à Lei N0 7.805, de 1 de novembro de 1972.
Características das Zonas de Uso.
Fonte: SEMPLA / PMSP
63
Quadro N0 3, Referente à Lei N0 7.805, de 1 de novembro de 1972.
Restrições para Usos Sujeitos a Controle Especial.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
64
Quadro N0 4, Referente à Lei N0 7.805, de 1 de novembro de 1972.
Estacionamento, Carga e Descarga.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
65
Quadro N0 5, Referente à Lei N0 7.805, de 1 de novembro de 1972.
Zona de Usos Especiais.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
66
Centenas de outras alterações foram feitas, porém, nesta pesquisa serão privilegiadas
as mais significativas e as que alteraram as variáveis e os índices urbanísticos
(GIAQUINTO, 1995).
Por meio da Lei nº 8.001/73 foi introduzida a primeira grande mudança: a criação
dos Corredores de Uso Especial. Os Corredores de Uso Especial (Z8 – CR), que
variam de 1 a 6, consistiam em zonas lineares em forma de faixas ao longo de vias,
cujas edificações com frente para esta via tinham características ou abrigavam usos
não permitidos nas zonas lindeiras. Esses corredores também serviam para transição
entre zonas de uso estritamente residências e as demais.
O corredor Z8 – CR1, lindeiro ou no interior das zonas de uso Z1, permite somente
residências unifamiliares e usos compatíveis com estas, possui limites de altura e de
número de pavimentos. O corredor Z8 – CR2 tem variáveis urbanísticas um pouco
mais permissíveis que o Z8 – CR1.
Os corredores Z8 – CR3 e Z8 – CR4 eram corredores comerciais e de prestação
de serviços, adaptando o zoneamento ao sistema viário predominantemente
radioconcêntrico da cidade.
Quadro N0 1A, Integrante à Lei N0 8.001, de 24 de dezembro de 1973 - Vias de Circulação.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
67
68
Quadro N0 2A, Integrante à Lei N0 8.001, de 24 de dezembro de 1973.
Características da Zonas de Uso.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
69
Quadro N0 3A, Integrante à Lei N0 8.001, de 24 de dezembro de 1973.
Restriçoes para Usos Sujeitos a Controle Especial.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
70
Quadro N0 4A, Integrante à Lei N0 8.001, de 24 de dezembro de 1973.
Estacionamento, Carga e Descarga.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
71
72
Quadro N0 5A, Integrante à Lei N0 8.001, de 24 de dezembro de 1973.
Zonas de Usos Especiais.
Fonte: SEMPLA / PMSP.
73
O Decreto nº 11.106/74 cumpre a sua atribuição de regulamentar o PDDI / 71, e as leis
de zoneamento. Porém algumas novidades foram consideradas de grande importância
na época para aplicação da legislação, como: a listagem detalhada de categorias de
uso, subcategorias e grupos de atividades; os desenhos explicativos para os recuos;
e os níveis máximos para alguns tipos de poluição ambiental.
A Lei nº 8.328/75 apresenta novidades como: o detalhamento ainda maior das Z8; a
criação de quatro novas modalidades de zonas de uso; e um novo tipo de corredor de
uso especial.
A zona de uso 9 (Z9) era estritamente residencial como a Z1, mas com variáveis
urbanísticas menos elitistas, sendo que as zonas de uso 10 (Z10), 11 (Z11) e 12 (Z12)
são versões da Z2, Z3 e Z4 respectivamente. O que difere a Z2 da Z10, a Z11 da Z3
e a Z12 da Z4 foram, principalmente, os privilégios dados ao mercado imobiliário de
edifícios residenciais. Existia uma grande disputa de terrenos entre empreendimentos
residências e de escritórios o que inflacionava o preço da terra.
Na Lei nº 8.769/78 foi criada a zona de uso 13 (Z13) com a particularidade de
estimular e facilitar a reunião de pequenos lotes em um terreno maior, beneficiando as
incorporações imobiliárias.
O zoneamento em áreas de proteção dos mananciais foi objeto de abordagem
específica, por meio da criação das Z14, Z15 e Z16, liberando alguns terrenos para o
mercado formal.
A Lei nº 9.049/80 cria mais zonas e corredores de uso. O corredor Z8 – CR6 era mais
um corredor de comércio e serviços, porém, lindeiro a Z1. Já as zonas de uso 17 e
18 eram zonas de transição entre as residenciais de baixa densidade e as de alta
densidade ou comercias. Nelas as edificações ficam limitadas a 25,00m de altura.
Uma grande mudança de perspectiva no planejamento urbano de São Paulo surgiu
timidamente por meio da Lei nº 9.300/81, com a criação do Pólo Industrial da Zona
Leste, cuja pretensão era de gerar empregos naquela região periférica da cidade. As
consequências foram irrisórias.
74
A Lei nº 9.413/81 reviu todas as variáveis e os índices urbanísticos para parcelamento
do solo, e em especial criou as categorias de loteamento para tratar diferentemente
as particularidades do mercado. As categorias eram: loteamento de “alto padrão” (L1),
loteamento de “padrão médio” (L2), loteamento popular (L3) e loteamento fechado
(L4).
A legislação urbanística não dava respostas aos problemas efetivos da cidade,
(Mancuso,1980). Assim, novos instrumentos urbanísticos foram criados, como as
Operações Interligadas, as Áreas Especiais de Tráfego, as Operações Urbanas e a
Zona Metro Leste (Z19).
A questão habitacional foi tratada por meio de decretos regulamentadores do Código
de Obras, que dava à Prefeitura a atribuição de estabelecer regras específicas para
as moradias econômicas.
Pela primeira vez, surgiu em 1976, na legislação paulistana, o termo Habitação de
Interesse Social (HIS) e para essa modalidade foram permitidos índices urbanísticos
menos rigorosos e elitistas.
Como o problema habitacional não se resumia a índices urbanísticos, uma nova
tentativa em 1982 criou incentivos para que o setor privado produzisse as HIS, mas
com a falência do Banco Nacional de Habitação (BNH) esta proposta também não
prosperou.
Em 1992 foi feita nova tentativa mais elaborada, mas como a questão habitacional não
se resumia a problemas urbanísticos e sim disponibilidade de terra, financiamento,
subsídios e política habitacional, mas uma vez, o esforço foi infrutífero.
É sempre importante ressaltar que tanto o PDDI / 71 como o Zoneamento tinham um
modelo de cidade por trás de suas determinações que, de forma simplificada, consistia:
expansão horizontal da cidade com algumas ilhas de verticalização formando unidades
de vizinhança; nos bairros com forte interesse imobiliário verticalização facilitada por
vários mecanismos; preservação dos bairros jardins; e manutenção da verticalização
das áreas centrais e da Avenida Paulista. As questões habitacionais e de transportes
deveriam ser tratadas em setores específicos, com exceção dos empreendimentos de
75
HIS do setor privado.
2.2.3.Plano Diretor de 1988 - PD/88.
A elaboração deste Plano Diretor dava resposta a algumas questões políticas. Permitia
que o Prefeito Jânio Quadros não ficasse com o desgaste de ter retirado da Câmara
de Vereadores a proposta da gestão anterior e atendia a grita do mercado imobiliário
que afirmava que o zoneamento tinha ficado ultrapassado e que estava congelando
o desenvolvimento urbano.
O próprio texto declarava que se tratava de um plano de caráter físico-territorial e
indicativo, pois nenhuma de suas propostas era auto-aplicável.
O discurso para a cidade possuía duas alterações importantes: o retorno ao centro e
o adensamento como solução, mas na prática nada se alterava.
O plano era composto de duas características principais: conteúdo tecnicistaadministrativista e orientação neoliberal. A primeira tratava de questões sociais,
ambientais e urbanísticas, almejando que os problemas pudessem ser resolvidos após
a promulgação de uma lei. A segunda tratava de rever o papel do Estado provedor
na cidade, transferindo atribuições ou promovendo parcerias com o setor privado
(SOMEKH, CAMPOS, 2002).
Porém, o plano possuía objetivos não explícitos que consistiam em dar suporte jurídico
e técnico para as Operações Urbanas e para as Operações Interligadas.
No que se refere a instrumentos, variáveis e índices urbanísticos, além de confirmar
o limite de 4,0 para o coeficiente de aproveitamento máximo em toda a cidade, o
plano representava a possibilidade de ruptura pontual ou fragmentada no zoneamento
(GIAQUINTO, 1995).
2.2.4.Plano Diretor de 1991.
Embora não tenha sido aprovado, este plano é um ponto de inflexão no planejamento
urbano de São Paulo, bem como, de todo o Brasil em razão da inclusão de vários
76
instrumentos urbanísticos de limitação do direito da propriedade privada da terra,
questão esta que consistia na demanda de muitos movimentos sociais de luta por
moradia.
O próprio Estatuto da Cidade (2001), em muitos aspectos utilizou instrumentos
urbanísticos que foram formatados pela primeira vez nesse plano.
O PD/91 trazia um grande número de novidades entre as quais se destacavam propostas:
de gestão democrática; de participação popular; e de políticas redistributivas. Todas
faziam parte das reivindicações do Movimento da Reforma Urbana (ANTONUCCI,
1999).
Estas novidades tinham por trás intenções bastante explícitas, tais como:
racionalização do uso da infraestrutura urbana, potencialização dos investimentos,
distribuição igualitária dos ônus e benefícios do processo de urbanização, recuperação
da valorização imobiliária, adensamento por meio da outorga onerosa, produção e
regularização de habitações de interesse social, preocupação efetiva com o meio
ambiente, priorização para os transportes coletivos por meio da separação funcional
e parcerias do poder público municipal com o setor privado.
Mais uma grande contribuição do PD/91 foi a produção de um documento denominado
“São Paulo – Crise e Mudança11” que consistia em uma leitura da cidade visando
a compreensão do seu processo de construção do espaço urbano suas carências
e potencialidades, muito diferente de freqüentes diagnósticos extensos e pouco
objetivos.
A apresentação pública do plano foi seguida a um período de discussão com
representantes dos agentes sociais e econômicos interessados, em especial do
mercado imobiliário que, posteriormente, se tornou fortíssimo opositor.
Este plano foi objeto de críticas de representantes da classe dominante, como alguns
técnicos da Prefeitura, incorporadores, construtores e burgueses ambientalistas.
Por ser democrático e distributivo, o plano reuniu contra si eternos inimigos históricos:
11 Coordenado por Nadia Somekh, Raquel Rolnik e Lúcio Kowarik, e produzido pela Prefeitura do Município de São Paulo.
77
os representantes conservacionistas e os desenvolvimentistas da elite paulistana.
As principais críticas focavam: o pagamento pelo direito adicional de construir que
anteriormente era gratuito; a inexistência de um zoneamento funcional, tradicional e
detalhado; o eventual perigo de um adensamento excessivo; ausência de proteção
explícita aos bairros jardins; destinação de recursos para urbanização de favelas; falta
de proposta para reestruturação urbana; não confiabilidade dos dados utilizados; e
discordância da compatibilização com a infraestrutura.
O PD/91 foi responsável pela definitiva inclusão de muitos instrumentos, variáveis e
índices urbanísticos nos debates sobre a cidade.
O plano possuía uma proposta básica muito interessante e inovadora, para os assuntos
que não tratavam diretamente de questões sociais, que consistia no estabelecimento
de um coeficiente de aproveitamento único igual a 1,0 para toda cidade. Todos os
demais direitos, instrumentos, variáveis e índices urbanísticos regulamentavam
ou excepcionavam essa regra básica. Esta proposta era muito interessante, pois
simplificava e facilitava o entendimento do plano diretor.
O macrozoneamento dividia o município em zonas rural e urbana, e estas em zonas
adensáveis onde o coeficiente de aproveitamento poderia ultrapassar o coeficiente
único e não adensáveis. Esta divisão baseava-se nas condições do meio físico, na
disponibilidade e na capacidade da infraestrutura urbana. Este enfoque se configurou
em uma grande novidade, pois até então, o lote era abordado separadamente.
O limite previsto de área construída acima do coeficiente de aproveitamento único
foi estabelecido por meio de estoques de área edificável adicional residencial ou não
residencial para cada uma das quinze zonas adensáveis.
Foram criadas também as zonas especiais: Zonas Especiais de Interesse Social
(ZEIS), de Preservação (ZEP) e Industrial (ZI).
As ZEIS eram destinadas primordialmente à produção e manutenção de habitações
de interesse social e foram subdivididas em quatro tipos: ZEIS 1 – favelas; ZEIS 2
– loteamentos irregulares; ZEIS 3 – terrenos não edificados, subutilizados ou não
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utilizados; e ZEIS 4 – cortiços, sendo que sobre elas não incidia a outorga onerosa do
direito de construir.
As ZEP eram definidas em função do interesse de preservação, manutenção ou
recuperação do patrimônio histórico, paisagístico, cultural ou ambiental e foram
classificadas em: ZEP 1, que consistiam em imóveis de valor histórico, paisagístico,
cultural ou ambiental, áreas impróprias para ocupação, reservas, parques e praças,
e ZEP 2, bairros exclusivamente residenciais. E, as ZI praticamente reproduziam as
antigas Z6.
Foram previstas ainda, as Áreas de Controle Adicional, isto é, áreas que em função de
suas características específicas necessitavam de atenção especial do poder público,
tendo sido objeto de variáveis e índices urbanísticos também específicos. As Áreas de
Controle Especial foram divididas em Áreas de Interesse Urbanísticos ou Ambientais,
para propiciar o estabelecimento das condições de sua utilização.
São Paulo estava sendo objeto de grandes empreendimentos, em especial shoppings
centers, que alteravam radicalmente o espaço construído do entorno onde se
implantavam. Prevendo-se que a cidade necessitaria de um instrumento mais
apropriado para enfrentar o problema, o plano introduziu o Relatório de Impacto de
Vizinhança, que exigia medidas mitigadoras desses impactos.
O plano também era inovador no sentido de prever vários instrumentos de política
urbana que depois viriam a fazer parte do Estatuto da Cidade e de planos diretores
de outros municípios, como: descentralização do planejamento urbano, fundo de
urbanização composto pela receita da outorga onerosa de potencial construtivo
adicional, transferências de potencial construtivo, urbanizações e edificações
compulsórias, operações urbanas e de interesse social, consórcio imobiliário, planos
de urbanização de favelas, imposto territorial progressivo, sistema de planejamento e
de informações.
Esse plano inovou também ao incluir no meio técnico e nas discussões sobre a cidade,
novas variáveis e índices urbanísticos, como coeficiente de aproveitamento único,
taxa de permeabilidade, índice de áreas verdes, potencial construtivo e macrozonas.
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Em resumo, o plano pretendia promover “alterações significativas na lógica da produção
do espaço urbano, garantindo qualidade de vida para maior parte da população”
(ANTONUCCI, 1999, pg. 96).
Constavam também do projeto de lei alguns quadros e mapas. O quadro 1 continha os
estoques de área edificável adicional por zona adensável e por tipo de uso (residencial
ou não residencial). O quadro 2 trazia as taxas de ocupação máximas para as zonas
de interesse ambiental que se localizavam em várzeas, meia encostas ou encostas
com alta declividade ou ainda próximas a corpos d’água. O quadro 3 apresentava as
taxas de ocupação máximas, as taxas de permeabilidade e os índices de áreas verdes
para terrenos com equipamentos comunitários. Faziam parte do plano cinco mapas,
sendo que: o mapa M 1 delimitava as macrozonas; o Mapa M 2 definia as zonas
especiais; o Mapa M 3 localizava as áreas de interesse ambiental e urbanístico; o
Mapa M 4 especificava a proposta de rede viária estrutural; e o Mapa M 5 apresentava
a proposta de rede estrutural de transporte coletivo.
No capítulo seguinte são analisados sob a mesma ótica o Plano Diretor Estratégico de
2002 e os Planos Regionais Estratégicos de 2004.
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Paulo Ricardo Giaquinto1