Segregação Dinâmica:
Modelagem e Mensuração1
Vinicius de Moraes Netto
Romulo Krafta
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ÍNDICE
SUMÁRIO
1. Introdução
1.1. Crítica das abordagens usuais
2. Representação do panorama social urbano e das formas de apropriação das classes
2.1. Dinâmica das atividades sociais - descrição das rotinas
2.2. Lógicas das formas da apropriação
3. As redes de apropriação social
3.1. Simplificação do quadro social: macro-atratores
3.2. Modelagem da atratividade para o cenário de movimentação social
3.3. Redes de movimentação das classes em função das formas de deslocamento
4. Segregação social e o grau de sobreposição das redes
4.1. É possível modelar o contato entre as classes?
5. Processo algorítmico da modelagem
6. Mensuração do Nível de Segregação Urbana
6.1. Cálculo da segregação de cada trecho axial (trechos de rua) da cidade
6.3. Cálculo da segregação de cada macro-atrator urbano
6.4. Etapas do cálculo da segregação total dos macro-atratores
6.5. Grau de segregação total do sistema urbano (trama de espaços públicos e macro-atratores)
7. Conclusões: O modelo como representação da dinâmica da segregação
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
O fenômeno da segregação urbana pode ser observado nas sociedades caracterizadas por
profunda divisão social, como as cidades brasileiras, moldadas pelo mecanismo da segregação
social de ordem econômica. A presente pesquisa oferece uma abordagem alternativa para a
visão da segregação como processo de afastamento entre classes pela constituição de áreas ou
zonas de habitação segregadas: coloca a segregação urbana no panorama de apropriação
social sobre a macro-estrutura da cidade; assim, a movimentação e as atividades dos indivíduos
podem ser vistas como componentes do processo de segregação. O modelo estabelece, a partir
da localização das atividades e habitação, as rotinas de deslocamento e atividade diferenciadas
por critério de níveis de renda. As rotinas são constituídas através da montagem da estrutura de
percursos/dia típica de classe, em função das diferentes lógicas de percurso e formas de
deslocamento (pedestre, veicular privado e coletivo). O tratamento dos atratores (locais de
atividades de demanda de fluxo de pessoas) a partir do modelo de centralidade (Krafta, 1991)
como locais de destino gera a teia de fluxos intra-urbanos, constituída pela sobreposição das
ações de cada indivíduo do sistema urbano no tempo e no espaço da cidade. A separação da
teia em redes tipificadas por renda permite a composição das redes dinâmicas sociais distintas,
que podem ou não se valer dos mesmos espaços urbanos. A segregação social é assim
1
Este artigo foi originalmente publicado em Netto, V.M. & Krafta, R. (1999) “Segregação
dinâmica urbana – modelagem e mensuração” In Revista Brasileira de Estudos Urbanos 1, Vol.1,
p.133-152 (ANPUR, Unicamp SP).
observada na incompatibilidade ou pouca sobreposição entre as diversas redes dinâmicas em
um mesmo espaço urbano, conformando-se assim como fenômeno dinâmico.
Esta visão da segregação não como áreas segregadas mas como apropriação dos espaços
públicos (locais atratores e trechos axiais de deslocamento) possibilita mensurar o quanto uma
cidade é segregada. O modelo mostra o panorama e o nível de segregação urbana, visualizados
e mensurados em função do grau de sobreposição das redes (o mapa físico dinâmico da
segregação). A medida é gerada pela ponderação da quantidade e comprimento de trechos
axiais e atratores apropriados pelas diferentes classes em função da natureza dos usos resultando na propriedade do grau de segregação urbana.
ABSTRACT:
Social segregation can be observed in societies marked by deep social division. The present
work intends to propose a different approach to the phenomenon, usually analised as social
distance motivated by segregated areas production. The work treats segregation over urban
macrostructure, and incorporate the social movement and activity. The model states upon the
dwellings and activities location, the routines of movement (pedestrian, collective or private
vehicular forms). The concept of attractors (places of activity) based on the centrality model and
(Krafta, 1996) , which demand social flow, generates the complex web of individual appropriation
of the urban system. The separation of the web in networks of class appropriation defined by
specific income levels generates the notion of social segregation as different dynamic networks,
barely superimposed. The whole process gives a dynamic view on the phenomenon. The notion
of segregation not as segregated areas but as segregated appropriation on urban spaces (grid
and attractors) permits to measure the level of segregation of a town, upon the level of
superimposition of the different networks over the same urban macrostructure – resulting in the
property of Urban Segregation Level.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho traz os aspectos operacionais referentes a forma como seria
possível abordar de maneira analiticamente mais precisa e descritivamente mais ampla
o fenômeno da segregação social. Descrições mais acuradas da base conceitual e
outras considerações que complementam as aqui desenvolvidas estão tratadas em
outro trabalho também submetido a este VIII ENANPUR, com o título de “Retrato
dinâmico da Segregação Urbana: Lógicas de Apropriação para uma Mecânica da
Segregação”.
1.1. Crítica das abordagens usuais
A base conceitual da idéia de segregação dinâmica está na possibilidade e na
necessidade de superar as usuais visões de abordagem teórica e respectivas
medições, que de fato parecem dizer pouco sobre o fenômeno. Ao passo em que
consistem em visões estáticas referentes à áreas relativamente homogêneas de
habitação e atividade, não parece ter poder descritivo o bastante para servir de
instrumento para informar sobre o nível de contato entre os indivíduos do sistema
urbano, considerando que as pessoas usualmente se deslocam para atividades sobre
toda a estrutura urbana, informando aparentemente pouco à respeito do real panorama
das relações sociais da cidade: os locais onde ocorrem as atividades e interação social,
movimentação e as rotinas de trabalho, consumo e lazer. Os zoneamentos definidos
nesta abordagem, ainda que sejam úteis como elemento de demonstração das
desigualdades sócio-espaciais, aparentemente tem pouca extensão para gerar políticas
urbanas de aproximação de classes, por não capta analiticamente os componentes das
dinâmicas sociais que geram as demandas de movimento e contato potencial, não
demonstrando a mecânica sistêmica que envolve seus componentes, que de fato
instalam o problema. As medidas de índice de “clustering” (grau de homogeneidade e
forma da área segregada) são importantes sob alguns aspectos como o de prever
possibilidades de crescimento destas zonas, como as técnicas de celular autômata,
sendo representativos das diferenças de locação das classes, mas apresentam-se
limitados enquanto índices da repercussão da segregação na dinâmica social de uma
cidade.
2. REPRESENTAÇÃO DO PANORAMA SOCIAL URBANO E DAS FORMAS
DE APROPRIAÇÃO DAS CLASSES
A representação dos processos de relacionamento dinâmico entre as atividades sociais
e o plano físico disposto no território, assim como relacionamento entre os elementos
físicos em si (Conzen apud Krafta, 1994) é representado pelo conceito de centralidade
(Krafta, 1991; 1994). A centralidade é uma propriedade morfológica referente a
atratividade entre “matéria urbana”, isto é, a relação entre as formas construídas
(arquiteturas) de um sistema urbano. As formas construídas apresentam tensão entre si
por consistirem em locais de atividade ou de conteúdo social. O processo de interação
espacial entre as formas construídas envolve a interação de todas as formas
construídas entre si, como uma combinação de conjuntos de pares ligados pelos
espaços públicos da cidade.
A centralidade enquanto propriedade morfológica consiste na propriedade dos espaços
públicos de estarem posicionados como menor caminho entre todos os conjuntos de
pares de formas construídas do sistema urbano, e se relaciona ao grau de interação ou
tensão de cada forma construída com todas as demais (Krafta, 1994). A tensão entre
duas formas construídas é distribuída entre os trechos de espaços públicos (ou linhas
axiais – decomposição do comprimento da rua no maior número possível de retas
interligadas, representando as inflexões do traçado da rua que fazem parte das rotas
possíveis entre formas construídas). Assim, os menores caminhos assumirão valores de
tensão mais elevados que caminhos mais longos, sendo definidos como espaços mais
centrais entre o conjunto de pares. A tensão total de cada espaço axial é o somatório de
todas as parcelas de tensão alocadas a ele na relação entre as formas construídas
(Krafta, 1994). O sistema de interação entre as variáveis morfológicas de um dado
conjunto corresponde ao sistema de atividades urbano. Essa abordagem analítica da
estrutura urbana toma cada arquitetura como local de atividade ou atrator.
A cidade como estrutura de viabilização de atividades de diversas naturezas pode ser
representada por um sistema de locais de origem (habitações) e os locais que amparam
as atividades (atratores). A diferenciação dos pontos como sendo de origem ou destino
corresponde a lógica de relação entre formas construídas como sendo pontos de oferta
e de demanda de serviços ou bens de alguma natureza. Assim, o conjunto total de
formas construídas de uma cidade é inicialmente dividido em dois subconjuntos. Entre
os elementos dos dois conjuntos oferta-demanda ocorre a tensão de interação espacial
potencial, descrita na alcançabilidade dos menores caminhos possíveis (Krafta, 1996).
A formação de pares é orientada para descrever de forma mais acurada o sistema de
atividades da cidade, como um sistema de atratividade entre locais de demanda
(habitações). A divisão do conjunto de formas construídas em pontos origem-destino
coloca a possibilidade de assumir a tensão morfológica original da centralidade como
uma analogia ou aproximação à idéia de fluxo social, considerando que os atratores
demandam certo nível de movimento entre si e os pontos de origem. A relação de
tensão entre pontos é relativamente análoga ao caráter de fluxo “potencial”, porque a
tensão consiste na possibilidade de alcance entre cada local de habitação para todos os
locais de atividade, e de cada local de atividade para todos os locais de habitação,
condicionado pela lógica dos menores caminhos possíveis.
Entretanto, para a analogia ganhar precisão, a representação do fluxo deve possuir
outros componentes observáveis no fenômeno real além da alcançabilidade e
localização topológica: um local de atividade tem eventualmente maior atratividade que
outros sobre um conjunto de pontos de origem, como função de seu porte e natureza
das atividades desenvolvidas. A maior carga de um atrator em relação à concorrência e
a sua área de influência provoca alterações e heterogeneidades no conjunto de
interações possíveis entre formas construídas. A segunda característica se relaciona à
composição de pares temporariamente fechados de habitação e atividade, isto é,
considerar que cada local de habitação se relaciona apenas à determinados locais de
atividade ao dia (variável conforme classe, como veremos a seguir). Se considerará
aqui apenas a primeira característica referente a carga de cada atrator como função do
número de pessoas ao utilizá-lo ao dia; a característica da interação seletiva ou
“casamento” de pares exige formas distintas de modelagem das utilizadas neste
trabalho, e é objetivo para futuro desenvolvimento.
Na compreensão da dinâmica das atividades e do modo como esta se insere no
processo produtivo da sociedade, a cidade pode ser imaginada como um organismo
onde, sobre uma base física que viabiliza fluxos e deslocamentos de pessoas e
produtos de consumo, os indivíduos deste sistema vem e vão, executam tarefas,
utilizam lugares para interação e convívio, para consumo de alimentos e bens. A cidade
é o cenário desta multiplicidade de ações. Cada ação individual é inserida no processo
de produção, que altera virtualmente todo o sistema da sociedade. Assim, o produto
que um indivíduo consume é manufaturado em um local que demanda a mão-de-obra
de outros indivíduos, os quais viabilizam suas atividades através da renda obtida,
permitindo seu próprio consumo em outros locais de venda, e assim sucessivamente –
um processo de elevada complexidade que se entrelaça em diversas escalas,
materializado no próprio giro da moeda no mercado de produção e consumo. A ação do
indivíduo é sistêmica, amarrada a todas os demais; sua ação pode envolver qualquer
uma das áreas da produção, interferindo como subproduto indireto outros processos
individuais.
Esse emaranhado de ações dos indivíduos na cidade, entretanto, pode ser
compreendida através de representações que preservem, ainda que de forma análoga,
a lógica complexa da quantidade de elementos envolvidos e das relações processuais
entre estes. Compreender o panorama social significa apreender essa complexidade
sistêmica ao ponto de podermos representá-la, e confrontar essas representações
teóricas com o fenômeno. Tal quadro social pode ser simplificado como um conjunto de
atividades desenvolvidas em diversos locais da cidade, os quais demandam a
movimentação de indivíduos a partir dos locais de habitação. As atividades e
movimentações intra-urbanas consistem numa substancial parte da dinâmica social de
uma cidade, se considerarmos que todos esses locais são utilizados para o
desenvolvimento das relações sociais, envolvendo níveis específicos de contato e de
interação em cada um deles. Estes são basicamente:
1 - locais de consumo e lazer: envolve alimentação, eventualmente consumo
de bens e vestuário, atividades de lazer como, bares, espaços públicos abertos
(praças, feiras, espaços de esportes, rua), cinemas, shopping centers, teatros,
escolas de samba, etc. sob o ponto de vista do usuário consumidor, variável em
espécie e quantidade em função de classe social e poder aquisitivo;
2 - locais de prestação de serviços sob o ponto de vista do usuário: como
escritórios, hospitais, postos de saúde, etc.;
3 - locais de trabalho ou estudo sob o ponto de vista do trabalhador ou
estudante: como locais de comércio (incluindo os anteriormente descritos), fábricas,
escritórios de prestação de serviço; escolas, universidades, etc.;
4 - locais utilizados como distribuidores de fluxo social, como paradas de
ônibus, terminais rodoviários, estações de metrô, aeroportos, etc. sob o ponto de
vista do usuário.
2.1. Dinâmica das atividades sociais - descrição das rotinas
As lógicas de fluxo na cidade se relacionam principalmente as possibilidades de menor
caminho entre dois pontos a partir das diferentes formas de transporte. As
movimentações típicas se referem a certos exemplos de movimentação entre o conjunto
de locais de atividade e os de habitação. Nesse sentido tende a haver sempre um grau
de funcionalidade na dinâmica de fluxos e atividadesi[i] às quais o cidadão está
envolvido. À princípio podemos considerar a movimentação das pessoas na cidade em
tipos: deslocamentos entre o local de habitação para o de trabalho ou estudo, para
locais de consumo e lazer, para locais de prestação de serviço ou ainda de distribuição
– e os movimentos resultantes da combinações destes locais. Essas categorias devem
enquadrar qualquer atividade.
Deslocamentos funcionais típicos de classes sociais
Os objetivos de deslocamentos são semelhantes para as classes sob estudo. Tanto o
indivíduo de baixa renda quanto de média e alta renda (CM/A) mais comumente sai de
sua casa até o local onde desempenha suas atividades. Na CM/A existe a possibilidade
de desempenhar o trabalho no próprio local de habitação, enquanto que o trabalho para
o indivíduo CB tende a ser fixo à estrutura de produção (por geralmente fornecer
trabalho físico). Grosso modo, podemos considerar a estrutura “habitação/trajeto/local
de trabalho” independentemente do grau de fragmentação axial do percurso do trajeto.
Análogo para o lazer, a principal diferenciação para classes distintas está no maior
número de lugares que o indivíduo de CM/A pode utilizar no mesmo período de tempo
que o indivíduo de CB, em função de suas facilidades de deslocamento e facilidades
econômicas de consumo. As rotinas de lazer da CM/A envolvem uma gama de locais
provavelmente maior que para a CB; daí a importância e demanda do uso do automóvel
para deslocamentos entre pontos.
Rotinas de uso do espaço urbano
Atividades e deslocamentos diários: A fixação das faixas de tempo e do número de
atividades de consumo conformadas para o espaço disponível do dia. Tanto as
atividades de produção quanto a de consumo tendem a se realizar em faixas de tempo
relativamente delimitadas. A rotina observável consiste, grosso modo, em atividades
voltadas para o trabalho, acompanhamento dos filhos e suprimento no período de
segunda a sexta-feira, e atividades de lazer no fim de semana. Mesmo relativamente
flexível e variado, este parece o molde mais freqüente.
2.2. Lógicas das formas da apropriação
Análise a partir dos espaços axiais (trechos retilíneos de espaço público) percorridos:
Deslocamentos urbanos típicos da classe de média renda: Longas movimentações
típicas de classes média a alta podem utilizar a princípio todas as ruas da cidade. Os
usos mais freqüentes se relacionam à posição relativa dos diversos locais de atividade
que compõem as rotinas diária, semanal, mensal e demais movimentações que
escapam à padrões de repetição periódico. A flexibilidade de movimentação e o
relativamente alto número de atividades desempenhadas ao dia, semana, etc. amplifica
as possibilidades de disposição do tecido urbano. A localização das atividades não é
necessariamente próxima às residências (ainda que a proximidade seja desejável, não
será empecilho de uso ou critério de redução significativa do número de atividades).
Deslocamento veicular: tende a ser complexo, com o percurso de quantidade
relativamente alta de espaços axiais urbanos (relativamente análogo a um trajeto
pedestre). Diferente do percurso pelo transporte coletivo, as distâncias percorridas pelo
veículo individual não se dão basicamente numa única via principal, devido a
possibilidade de combinações e de formação de trajetos pessoais. O uso do automóvel
permite relativa economia de tempo, e sem a obrigatoriedade dos longos trajetos por
uma linha axial, o percurso até o destino tende a ser mais direto, aumentando a
facilidade de deslocamento sobre a trama urbana.
Deslocamento pedestre dos indivíduos de classes de média e alta renda: limitadas
a raios curtos em relação à residência; a dependência (e por conseqüência o uso dos
espaços abertos é menos freqüente que o dos grupos de menor renda, que utilizam
mais intensamente os espaços abertos como locais para interação social. As atividades
e os cenários da interação social para grupos de renda mais alta, por haver a
possibilidade de escolha e longos deslocamentos, não dependem de proximidade
espacial, sendo escolhidos sobre amplas áreas o tecido urbano, cujo acesso é
incorporado na rotina de movimentação.
Deslocamentos urbanos para indivíduos das classes de baixa renda tenderão à se
limitar aos espaços percorridos pelas linhas de transporte coletivo disponível, que
consiste numa espécie de segunda malha de apropriação com acessos a malha de
espaços públicos determinados (paradas de ônibus), que estabelecem locais de
influência da parada sobre trechos de tecido para acesso pedestre. Atividades de
trabalho e passeio eventual ocorrerão segundo essas possibilidades. percurso da rota
de transporte coletivo: Trajeto linear pré-determinado e fixo pelas rotas do transporte
coletivo. Grande parte dos trajetos se dão nas vias principais de distribuição, radiais e
transversais. A configuração física do trajeto tende a ser linear. As trajetórias são
fixadas e os espaços percorridos estão limitados basicamente às radiais e trechos
iniciais e finais de trajeto específicos do bairro. O trajeto deve procurar ser o mais direto
e reto possível (por economia de consumo de combustível, desgaste de equipamento,
tempo da viagem, relação viagem/número de passageiros, etc.), seguindo a posição e
geometria das radiais ao centro, e vice-versa. A apropriação dos espaços urbanos com
a variação e combinação de linhas segue restrita às vias de transporte. A quantidade de
espaços percorridos é limitada à esses espaços, variáveis no limite do tempo/dia gasto
para deslocamento e em função da composição de trajetos radiais. O percurso dos
espaços urbanos é dependente da existência dos trajetos de transporte coletivo que
superem as distâncias entre local de moradia e de trabalho, e do cobrimento da rede de
transporte à malha urbana. É freqüente que se localizem entre as vias principais de
acesso intra-urbano áreas habitacionais menos servidas por transporte coletivo de
acesso possivelmente mais dificultado sem o uso do automóvel.
Deslocamentos pedestres do indivíduo de baixa renda: O movimento pedestre para
classes de baixa renda serão freqüentemente restringidos pelas grandes distâncias
urbanas típicas das metrópoles, contendo-se assim às raios relativamente curtos de
poucos quarteirões em torno do local de habitação. Atividades de consumo, lazer,
contato e interação social tenderão à ocorrer na área limitada usualmente por essas
características. Trecho percorrido da habitação até o local da parada do ônibus, de
poucas quadras: o raio de caminhada em todas as direções a partir do ponto de tomada
de ônibus não excede normalmente poucas quadras (em função da cobertura das linhas
de ônibus aos bairros). Estes deslocamentos pedestres consistem de trechos de
espaços axiais (trechos de ruas) percorridos relativamente fragmentados. Esse caminho
de fragmentos axiais dos espaços do bairro são montados individualmente, da
habitação até o local do transporte. À grosso modo, um número maior de encontros
entre pessoas tende à ocorrer quanto mais próximo à parada.
3. AS REDES DE APROPRIAÇÃO SOCIAL
3.1. Simplificação do quadro social: macro-atratores
O quadro social de uma cidade poderá ser descrito suficientemente mesmo se não
considerar a presença de todos os atratores do sistema urbano, como pequeno
comércio de uso local com baixa demanda de fluxo. O panorama de fluxos sociais sobre
a macro-estrutura urbana, usualmente não captados pela abordagens usuais à
segregação, é condicionada substancialmente pelos macro-atratores, atratores
estruturadores dos movimentações sociais. Em outras palavras, poucos equipamentos
urbanos estruturam as rotinas sociais de grande parte da população, enquanto cenários
para suas atividades de trabalho, consumo, lazer, etc. Esses equipamentos urbanos,
por serem responsáveis por essa estruturação de fluxos - enquanto
atratores/distribuidores (como paradas de ônibus) ou grandes equipamentos utilizados
por largas partes da população (como universidades, shopping centers, certas praças,
etc.) – parecem portanto capazes de descrever com razoável representatividade as
rotinas de movimentação e atividade das populações
Os macro-atratores demandam fluxo de pessoas de classes distintas para
desempenhar as funções referentes à estrutura de posições de trabalho e a função de
consumo. Dessa forma, classificar atratores por público alvo é um elemento importante
na consideração de um modelo de movimentação social que capte e demonstre as
diferenças de movimentação e rotinas entre as populações das classes sociais.
3.2. Modelagem da atratividade para o cenário de movimentação social
O modelo consiste, conforme visto, em uma aproximação ao panorama de fluxos entre
os pontos de origem, de destino e distribuição de uma cidade. Descrito o conjunto de
pares O-D que compõem as redes de apropriação das classes, o modelo espalha a
carga de movimento (atratividade) demandada por cada macro-atrator sobre a estrutura
de espaços públicos. A tensão inicial de centralidade distribuída para os trechos dos
caminhos possíveis entre cada par O-D (Krafta, 1994; 1996) desse modo ganha o
“reforço” da influência do macro-atrator no cenário de movimentação, definido através
do uso da quantidade de pessoas à utilizá-lo como parâmetro de demanda de fluxo.
Cada macro-atrator considerado é introduzido no processo de modelagem com um
“peso” referente a sua capacidade de gerar demanda de fluxo. O peso é simplesmente
o dado do número médio de pessoas ao dia à utilizar o ponto como local de atividade.
Ao considerar o conceito de macro-atratores, esse dado não requer o levantamento de
uma massa grande de dados - tratam-se de atratores estruturais das rotinas sociais,
presentes em um número relativamente pequeno face ao grande número de pontos do
sistema.
Como no modelo de centralidade, o peso de atratividade é distribuído entre os trechos
que compõem todos os menores caminhos aos pontos de origem. Atratores de
capacidade variada distribuirão maiores ou menores valores à esse trechos de espaço
público, carregando os trechos axiais recebem o valor de atratividade referente a sua
proximidade para cada atrator do sistema. Assim, grandes atratores como shopping
centers carregarão consideravelmente a estrutura viária e os pontos de origem
próximos à ele (à poucos passos topológicos). Cada atrator relaciona a todos os
origens, e cada origens a todos os atratores. A maior carga de um atrator em relação
aos demais provoca alterações e heterogeneidades no conjunto de interações possíveis
entre formas construídas. O quadro final dessas influências de atratividade termina por
ser bastante complexo, onde cada ponto interfere sobre o panorama geral – atendendo
aos princípios teóricos da noção de sistema.
A capacidade de demanda de um macro-atrator representa seu nível de influência sobre
os pontos de origem, e portanto pode servir como relação para chegarmos à noção de
carregamento de fluxo no caminho entre eles. A atratividade é tratada como medida de
quantidade de pessoas a usar o atrator. A distribuição desse valor no trajeto para os
locais de origem pode ser considerada um parâmetro da quantidade de pessoas a se
movimentar naquele trajeto. O valor de atratividade distribuído nas pareações de um
atrator para conjunto de pontos de origem, entretanto, se mantém na tensão entre cada
par - sendo dividido apenas internamente nos trechos entre cada para O-D. Assim, todo
atrator tem uma mesma área de influência – que muda apenas na intensidade definida
pela atratividade considerada. Para o valor de atratividade de um local sobre os demais
ser utilizado como medida de fluxo mais próximo ao real, seu valor deve ser dividido
entre todos os caminhos possíveis ao conjunto de locais de destino. O modelo nesse
estágio de desenvolvimento operará com o parâmetro de atratividade, para efeito de
simulação aproximada do panorama de movimentação.
A co-presença de classes simultaneamente no mesmo local (ainda que sob papéis
distintos) é considerada na atração exercida pelo local como uma aproximação de sua
importância no cenário de trabalho e consumo no contexto urbano. Assim, a atratividade
é considerada na modelagem tanto para a categoria e classe de consumidores quanto
para a categoria/classe de trabalhadores a utilizar o atrator. Dessa forma, cada atrator é
considerado como local de contato potencial entre classes distintas.
3.3. Redes de movimentação das classes em função das formas de deslocamento
O posicionamento dos macro-atratores de transporte público, de consumo e trabalho
definidos por classe e atratividade, e atrelados à malha de espaços públicos da cidade,
gera as redes de movimentação segregadas a partir da sua alcançabilidade aos locais
de habitação.
Redes de transporte público e movimento pedestre para grupos de baixa renda
A rede de transporte é modelada como uma segunda rede de movimentação intraurbana, de forma a ser selecionada e utilizada para deslocamentos longos entre pontos
de origem e destino frente a possibilidade de deslocamentos pedestres.
A demanda de fluxo gerado por um macro-atrator é condicionada pela sua posição em
relação à trama de transporte coletivo, responsável pela parte mais significativa dos
acessos intra-urbanos para populações de baixa renda. O acesso destas populações
aos locais de atividade serão modelados com os mesmos critérios da cidade real: locais
próximos à habitação podem ser percorridos com movimento pedestre; locais mais
facilmente acessados através das linhas de transporte serão “cooptados” pelas paradas
ou estações (atratores de distribuição de fluxos de pessoas) inseridas no modelo,
utilizando os trajetos e composição de linhas mais curto entre pontos de origem-destino,
com o uso das paradas ou estações mais próximas ao destino.
O modelo efetua a pareação entre cada habitação e atividade definidos como CB. Em
seguida, testa possibilidades de menores caminhos tanto para a trama de espaços
públicos utilizadas na rede de movimento pedestre quanto para a rede de transporte
coletivo. A distância topológica (número de espaços axiais) entre o local de origem e o
macro-atrator de atividade para ambas as redes é comparada. Assim, para locais
distantes, a tendência de uso da rede de transporte público é maior. A relação entre a
rede de trajetos do transporte público e os locais de origem e destino se dá da seguinte
forma:
1 – localiza menores caminhos para movimento pedestre entre local de
habitação e de atividade para a trama de espaços públicos; contagem do
número de passos topológicos ou linhas axiais percorridas;
2 – localiza menores caminhos até atrator/parada de ônibus; localiza
menor caminho possível na rede de transporte coletivo; seleciona
atrator/parada com menor caminho para local de destino; conta número de
passos topológicos ou linhas axiais percorridas;
3 – escolhe menor trajeto entre o movimento pedestre e o por veículo
público. Efetua o par origem-destino.
Na
consideração
da
formação de pares entre
todos os pontos de origem e
de destino para o padrão de
movimento
típico
das
populações de baixa renda,
a simulação dos movimentos
entre pares leva em conta a
área coberta por cada
parada de ônibus ou estação
de metrô por movimento pedestre – o raio de abrangência de cada parada/estação. O
raio de abrangência será limitado a um número específico de passos topológicos, de
forma análoga à área de influência destes atratores/ distribuidores na cidade. Portanto,
a alcançabilidade entre dois pontos CB ficará limitada aos pontos cobertos pelas
paradas/estações que compõem a rede de movimentação de transporte coletivo.
A modelagem contempla as possibilidades de movimento tanto pedestre quanto
veicular, e faz a “decisão” entre ou e outra, conforme um critério de facilidade e
otimização de percurso. O conjunto de espaços públicos cobertos pela trama de
transporte público consiste numa representação aproximada do cenário urbano real de
apropriação potencial de espaços para indivíduos de baixa renda. Entretanto, a fricção
de tempo, custo da viagem, número de atividades desempenhadas (função da renda)
não permite assumir esse cenário como plenamente disponível ao indivíduo singular,
mas como um panorama de apropriação possível ao grupo social como todo.
Rede de transporte veicular e movimento pedestre para média e alta renda
A movimentação veicular privada utiliza, grosso modo, a mesma flexibilidade de
movimento pedestre, com a vantagem de romper com a fricção imposta pela distância).
A rede considerada na representação dos trajetos entre locais de atividade e habitação
a trama de espaços públicos.
A trama pedestre, analogamente à veicular, ocorre potencialmente sobre todos os
espaços públicos. Entretanto, a composição de pares através de movimento pedestre
será modelada com a propriedade de limite de raio de alcance idêntica a imposta pelo
movimento pedestre para CB. Assim, a efetivação de pares em distâncias superiores à
um determinado número de passos topológicos utilizará preferencialmente o automóvel.
4. SEGREGAÇÃO SOCIAL E O GRAU DE SOBREPOSIÇÃO DAS REDES
As redes de movimentação devem ser sobrepostas com o objetivo de demonstrar
simultaneamente o panorama de apropriações sociais por classes distintas. A
representação as rotas de movimentação descritas pelas classes a partir dos locais de
habitação e atividade sobre o tecido urbano permite visualizar o uso dos espaços pelas
redes das classes consideradas, como um “mapa dinâmico”, no qual os movimentos e
atividades assumem uma representação gráfica como linhas e pontos. A sobreposição
de redes distintas sobre o mesmo trecho de espaço público indica que aquele espaço
apresenta co-presença de classes diferentes, representando locais urbanos com
contato visual entre indivíduos socialmente diferentes. A co-presença se torna contato
potencial apenas quando há sobreposição de redes pedestres de diferentes classes,
sendo espaços mais valorizados sob o ponto de vista da necessidade de interação de
classes. Espaços axiais que apresentarem-se sobrepostos por uma única rede podem
ser considerados espaços segregados.
A graduação de segregação dos espaços pode ser modelada a partir dos valores de
atratividade de cada rede acumulada em cada trecho axial. Essa graduação pode ser
do zero (como vimos, com a presença de uma única rede no espaço axial) ao equilíbrio
de co-presença e apropriação dos espaços, quando o espaço é pluralmente ocupado
pelas classes. Esse raciocínio é análogo para a questão dos locais de atividade. Dessa
forma, uma cidade bastante segregada, com grande ausência de contatos entre classes
sociais, apresentará pequeno número de linhas axiais ou/e atratores sobrepostos, com
pouco ou nenhuma presença de uma classe nos espaços ocupados
predominantemente por outra – como podemos ver com freqüência em nossas ruas.
Cidades onde exista alto grau de contato entre classes tenderão a apresentar
considerável número de ruas e/ou locais de atividades de uso, apresentando redes
dinâmicas de classe bastante sobrepostas e compatíveis em relação aos locais de
atividade e aos espaços das ruas.
Não há uma correlação perfeita entre quantidade de atratores segregados e trechos
axiais, já que mesmo havendo co-presença d classes em todos os atratores de uma
cidade, o uso dos espaços axiais pode apresentar áreas segregadas em função das
diferentes formas de transporte, os caminhos que tendem a ser percorridos como
movimento natural (Hillier e Hanson, 1984) na estrutura sintática urbana a partir da
posição dos pontos de habitação das respectivas classes. Assim atratores e trechos
axiais são considerados conjuntamente, porém preservados enquanto entidades, pelo
papel funcional que desempenham e a natureza distinta dos contatos que propiciam.
A visualização das redes dinâmicas das classes, a priori elementos abstratos, pode
ocorrer de forma bastante simples pela representação das redes por cores distintas.
Como exemplo, considerando a divisão apenas em CB e CA/B (a partir das diferenças
de lógicas e padrões de apropriação das redes de transporte), as redes segregadas de
classes são aqui representadas como azuis (CB) e vermelhos (CA/B) são
representações e precisas urbano.
4.1. É possível modelar o contato entre as classes?
Existem duas possibilidades de modelagem:
Caminho A) O modelo considera apenas a co-presença das classes nos mesmos
espaços públicos das classes nos mesmos espaços públicos, mas não considera as
formas de contato efetivo possibilitado através de movimento pedestre das classes nos
mesmos espaços. Nesse caso, o modelo não pode ser considerado como uma
aproximação ao panorama de contatos sociais potenciais (com possibilidade de
encontro social e troca de informação nos espaços públicos), mas de co-presença de
classes. Nesse caso, as redes pedestres para as classes média e alta não requerem
modelagem.
Caminho B) O contato entre os indivíduos por meio de deslocamento diferentes
(pedestre, veicular público e privado) são considerados. Espaços onde ocorram
contatos pedestres entre classes recebem maior valorização, por apresentarem
condições efetivas à possibilidade de contato social. O modelo, ao manipular essa
diferença na forma de apropriação do espaço e contato, se mostra uma aproximação
mais acurada do problema da segregação.
Formas de movimento e transporte e sobreposição das redes
O uso dos espaços públicos de circulação deve considerar algumas diferenças e
peculiaridades: a sobreposição de redes sobre uma mesma rua ocorre freqüentemente
sob diferentes formas de transporte e deslocamento, gerando diferenças de contato
com os espaços abertos e com outros indivíduos. Essas diferenças na forma de
deslocamento moldam sobremaneira (são absolutamente determinantes) na
configuração da rua como possível palco do contato e interação social. Formas
diferentes de uso, como transporte em veículos privados para as classes médias e
altas, e veículo coletivo ou pedestre para as classes mais baixas, divisão comum em
nossas cidade, provoca, ainda que compartilhem dos mesmos espaços, uma cisão nas
possibilidades relacionais entre classes. A sobreposição de usos dos mesmos espaços
não corresponde em nossas cidades necessariamente a contato potencial e interação
entre classes – a questão das formas de transporte e graus de contato indivíduo-espaço
e indivíduo-indivíduo tem de ser consideradas. Ainda que o contato ocorrido através de
meios diferentes (sobreposição das redes mas sob formas de transporte distintas) seja
evidentemente melhor do que a ausência, é bastante coerente afirmar que esse contato
tende a não ser gerador de contato mais contundentes e possibilidade de troca de
informação.
5. PROCESSO ALGORÍTMICO DA MODELAGEM
1. Entrada listagem/locação dos pontos de habitação para cada trecho axial
Pontos origem acessados por linhas axiais das ruas
Atributos de classe social segundo os padrões de movimentação: vermelhos
(renda alta), azuis (renda baixa) – ou à definir pelo usuário (utilizando os
mesmos dois padrões básicos)
2. Entrada listagem/locação dos atratores, classificados por classe social,
categorizados por:
Consumo/lazer
Trabalho/estudo
Distribuição/transporte
Ponderação do parâmetro de atratividade do atrator [média nro. pessoas/dia
no atrator]
3. Entrada da rede axial dos espaços públicos
4. Entrada da rede axial espaços percorridos por transporte público
5. Gera atratividade para cada par origem-destino segundo classe
Estabelece rota de caminhos possíveis entre cada macro-atrator e cada
local de habitação segundo classe (pontos compatíveis) e padrão de
movimento na trama
Distribui carga de atração pelos trechos axiais entre macro-atrator e locais de
habitação
Acumula carga de atração em cada caminho possível em cada trecho axial
(como no modelo de centralidade – Krafta, 1991)
Atratores de grupos de alta renda (vermelhos) utilizam possibilidades de
caminho em todo o sistema urbano
Atratores de grupos de baixa renda (azuis) utilizam possibilidades de menor
caminho considerando a trama axial de transporte coletivo
Verifica se resta algum par: se sim, repete passos desta etapa
6. Contagem do acúmulo de carga de atratividade/apropriação em cada trecho axial em
função da proximidade entre atrator e pontos de habitação e número de vezes que o
trecho é rota comum;
7. Verifica se o trecho axial é utilizado por duas ou mais classes:
Se sim: aplica o coeficiente de interação social para diferentes formas de
transporte.
Se não: guarda valor de segregação associado à linha axial
8. Mensuração panorama de sobreposição de classes em trechos axiais e atratores de
toda a trama do sistema;
9. Saída dos dados: Tabelas dos parâmetros e valores de segregação parcial e total da
cidade
Tabela da ponderação de segregação dos espaços axiais da trama urbana
Tabela da ponderação de segregação dos macro-atratores urbanos
Valor da segregação total da cidade considerando trama e macro-atratores
10. Plotagem mapa axial das redes dos padrões vermelho (alta renda) e azul (baixa)
6. MENSURAÇÃO DO NÍVEL DE SEGREGAÇÃO URBANA
A presente abordagem da segregação como processo dinâmico representado como
modelos de movimento social permite visualizar o panorama das atividades e dinâmicas
sociais segregadas e a forma como se apresentam sobre a estrutura urbana e em
relação entre si, assim como permite a quantificação destes níveis de sobreposição das
redes de uso comum entre diferentes classes dos mesmos espaços abertos (ruas,
praças, feiras, etc.) e fechados (macro-atratores de trabalho, consumo, etc.). A
quantificação é um componente da modelagem dos locais enquanto atratores e
distribuidores de fluxos de pessoas: a influência dos atratores sobre uma determinada
quantidade de ruas e áreas habitacionais bem como áreas de concorrência a outros
atratores/equipamentos de mesma natureza (ocaso da oferta de serviços e bens) é
determinado pela distribuição da carga de atração do local de atividade pelas vias da
cidade. Assim, a quantidade de uso de uma trecho axial é função do grau de
atração/número de pessoas à utilizar determinada rua para deslocar-se entre os locais
de atividade e habitação.
Considerando as diferenças de padrão e forma de apropriação, podemos entender o
uso da rua como local de composição/sustentação dos movimentos segregados, como
parte do cenário da ocorrência da segregação urbana. A fim de demonstrar o valor de
segregação de cada trecho axial isolada da cidade no panorama social geral da cidade,
os trechos são ponderados com um determinado valor de segregação social: de um
valor nulo (apresentando uso comum entre classes) ao grau 1 (com máximo de
separação entre classes). O panorama de segregação da cidade leva em conta o nível
de segregação de cada rua gerando o número de ruas utilizada de modo segregado em
relação ao total de ruas e trechos axiais do sistema.
6.1. Cálculo da segregação de cada trecho axial (trechos de rua) da cidade
a) Parâmetro de apropriação segregada/co-presença de classes: Medida de
dispersão de usos do trecho axial para classes. Se relaciona a quantidade de
pessoas que uso a rua por classe – ou o total de quantidade de pessoas a usar a
rua é separada em quantidades de pessoas/classe e ponderada em relação ao total.
Pn = C1-C2
An
onde:
n = numero do trecho axial (n = I {1...n} (inteiros de 1 a n)
Pn = parâmetro de co-presença de classes
An = parâmetro de apropriação do trecho axial (atratividade)
C1 = parâmetro de fluxo modelada para Classe 1
C2 = parâmetro de fluxo modelada para Classe 2
condição:
0<Pn<1
Se Pn=0, trecho axial sem segregação (C1n-C2n)/ An=0 C1n=C2n (uso comum
daquele espaço)
Se Pn=1, trecho axial com o máximo de segregação (C1n-C2n)/ An=1 C1n=0ou
C2n=0 (ausência de uma classe naquele espaço)
b) Parâmetro de formas de contato entre classes:
Indica as diferenças ou compartilhamento de forma de uso da rua. Diferenças de
exposição à rua são componentes que não contribuem para a interação de classes,
ainda que exista o contato visual parcial. Esse é o único componente do cálculo que é
arbitrado como uma escolha entre dois parâmetros: formas de contato entre classes
diferentes contém mais segregação que contatos diretos pedestre-pedestre; portanto
não há reforço de integração/interação social
Contato pedestre-pedestre:
αn = 1
Contato pedestre-veículo, etc.: αn = 2
c) Valor de segregação axial:
É o resultado final do impacto dos aspectos analisados e mensurados para cada trecho
axial n avaliado. É importante colocar que todos os parâmetros anteriores são
calculados a partir dos fluxos modelados, não havendo necessidade de entrada de
dados extensiva.
SAn = Pn . αn
onde:
SAn = Valor de segregação do trecho axial
αn= parâmetro de forma de contato
6.2. Etapas do cálculo da segregação do total dos trechos axiais (ruas) da trama
a) Total do Parâmetro de apropriação segregada:
Pt=∑ Pn/∑An
b) Total do Parâmetro de formas de contato entre classes: αt=∑αn/Na
c) Total do valor de segregação axial urbano (segregação total dos trechos axiais)
SAt = ∑ Pn . ∑αn
∑An Na
onde:
SAt = Nível de segregação da trama urbana
Na = número total de trechos axiais do sistema urbano
Se Pn=0, o valor de segregação no trecho será nulo.
Se Pn>0, então o valor de segregação será multiplicado pelo parâmetro da forma de
contato (αn).
Se αn=1, há uso comum da rua, e o Pn é suficiente para informar o San SAn=Pn
Se αn=2, há uso da rua sob formas distintas (C1 pedestre e C2 veicular, por
exemplo), então duplica o valor de Pn. SAn = 2Pn
Tabela de cálculo dos parâmetros de segregação e do valor de segregação axial
parcial e total
TRECHO
AXIAL
(n)
1
PARÂMETRO
PARÂMETRO
VALOR DE
APROPRIAÇÃO/
DE FORMA DE
APROPRIAÇÃO
SEGREGAÇÃO
ATRATIVIDADE
CONTATO
SEGREGADA
SOCIAL AXIAL
ENTRE
(An)
(Pn)
(San)
CLASSES (α
αn)
An = C1n+C2n
Pn = (C1-C2)
αn=1 ou 2
SAn = Pn . αn
/An
2
...
n
∑ An
TOTAL
∑ Pn / ∑An
∑α / Na
SAt = ∑ Pn . ∑α
∑An Na
6.3. Cálculo da segregação de cada macro-atrator urbano
SMn= Mn
Nm
onde:
n = numero do macroatrator (n = I {1...n} (inteiros de 1 a n)
Nm = número total de macro-atratores no sistema urbano
At = atratividade do macro-atrator (demanda de pessoas/dia)
Mn = C1-C2
At
onde:
At = Apropriação do macro-atrator (nro pessoas/ATRATIVIDADE)
C1 = quantidade de indivíduos modelada para Classe 1
C2 = quantidade de indivíduos modelada para Classe 2
6.4. Etapas do cálculo da segregação total dos macro-atratores
a) Total do Parâmetro de apropriação segregada:
b) Total do valor de segregação axial urbano (segregação total dos trechos axiais)
SMt = ∑ Mn
∑At
onde:
SMt = Nível de segregação do total de macro-atratores
Tabela de cálculo dos parâmetros de segregação e do valor de segregação para o
macro-atrator isoladamente e para o total de macro-atratores na cidade
MACRO-
APROPRIAÇÃO
VALOR DE
ATRATOR
(n)
1
2
...
n
TOTAL
E ATRATIVID.
DO MACROATRATOR
(At)
Atn = C1n+C2n
SEGREGAÇÃO
NO MACROATRATOR
(SMn)
(C1-C2)/Atn
∑ At
∑ Mn / ∑At
6.5. Grau de segregação total do sistema urbano (trama de espaços públicos e
macro-atratores)
Existe uma grau correlação entre o grau de segregação dos atratores e aquele
espalhado pelas ruas da cidade. As cargas de fluxos sociais modelada para as ruas é
decorrência das cargas de fluxo geradas pelos atratores. Entretanto, cada trecho axial
de cada rua está sujeito à atratividade gerada por todos os locais de
atividade/distribuição do sistema.
A modelagem dos locais de atração/distribuição é interessante por que consistem nos
locais de interação social, isto é, os locais com mais probabilidade de encontro social
estático e troca de informação, condições mínimas de convívio entre os indivíduos – ao
passo que as ruas são locais de encontro potencial (Hillier e Hanson, 1984) mas
limitados como locais de interação e convívio.
STS= (Sat . SMn)
STS = (∑
∑ Pn . ∑αn) . ∑ SMn
∑An
N
∑At
onde:
SMt = Nível de segregação do total de macro-atratores
SAt = Nível de segregação da trama urbana
At = atratividade do macro-atrator (demanda de pessoas/dia)
SAn = Valor de segregação do trecho axial
αn= parâmetro de forma de contato
CONCLUSÕES:
O MODELO COMO REPRESENTAÇÃO DA DINÂMICA DA SEGREGAÇÃO
As lógicas estruturais dos traçados típicos das redes são baseados nas lógicas de
deslocamento dos indivíduos, baseado nos caminhos possíveis ponderados pela carga
de atratividade dividida no número de trechos axiais (o que carregará mais aqueles
trajetos mais curtos entre dois pontos, seguindo o modelo de Centralidade – Krafta,
1991; 1994), e nas formas de transporte disponíveis aos locais mapeados.
As seguintes conclusões podem ser extraídas do modelo:
A representação gráfica dos elementos dinâmicos componentes da vida
coletiva urbana e o processo de atração e demanda de serviços, bens e trabalho
representa esquematicamente o panorama da vida social urbana.
A modelagem das redes sociais segregadas permite enxergar a segregação
social como componentes do panorama social, vista assim como diferentes subdinâmicas dentro da dinâmica social geral (assentadas sobre lógicas, complexidades e
padrões distintos condicionadas por diferentes patamares de poder aquisitivo).
As redes dinâmicas típicas de classe podem ser visualizadas sobre a trama
urbana. Os espaços que compõem a estrutura e os principais cenários urbanos
utilizados pelas respectivas classes podem ser visualizados.
Pontos positivos do modelo
Permite manipular com relativa precisão o caráter social dinâmico e sistêmico
da cidade, através do tratamento das rotinas sociais e da interação potencial (tensão)[R]
entre formas construídas categorizadas por classe social.
Essa abordagem permite representar o caráter abstrato da segregação (do
qual consiste o fenômeno) contida na movimentação e nas atividades sociais,
visualizáveis geograficamente, assumida em tempo real e presente em virtualmente
todos os espaços urbanos.
Manipula o aspecto espacial da segregação ocorrer virtualmente em todo lugar
público, assumindo a movimentação intra-urbana dos indivíduos como componente que
supera zonas específicas.
O panorama de fluxos sociais sobre a macro-estrutura urbana, cuja influência
pode romper a noção de restrição de áreas segregadas, característica usualmente não
captada pela abordagens usuais à segregação, é representado pela idéia de macroatratores como atratores estruturadores dos movimentações sociais,
Permite inferir a quantidade de uso de cada rua da cidade por uma e outra
classe. Como vimos, as classes sofrerão agregação em função de semelhança de
objetivos e padrões de realização a partir de semelhança de forma de transporte, e
semelhança de localização destes e dos pontos de habitação e uso comum de pontos
de atividade.
A segregação é assim mensurável a partir do grau de sobreposição das redes
nos espaços urbanos – o quanto e quais os espaços sobrepostos são frente ao número
total de espaços do sistema urbano utilizado por diferentes classes/redes.
A
segregação assim é tida como redes dinâmicas de apropriação urbana pouco
sobrepostas – como podemos ver nas representações gráficas do trabalho.
Avaliação de impactos de novos equipamentos: As alterações na estrutura
urbana podem afetar o panorama social geral e o panorama de segregação em uma
cidade. O modelo desenvolvido permite medir seus impactos, sendo potencialmente útil
para o planejamento
Limitações do modelo
O número de atividades típicas de classe não é captado no modelo proposto,
que se restringirá à descrição do panorama de espaços utilizados pelas populações em
suas dinâmicas, gerando um cenário de movimentação social bastante semelhante ao
da cidade real.
Não descreve as rotinas nem o panorama social com precisão. Apenas
descreve o quadro possibilidade de apropriação de classes, como um quadro potencial
de espaços apropriáveis, por não efetivar “casamentos temporários” entre local de
habitação e um número limitado locais de atividade, simulando por exemplo a rotina
diária. Ao considerar a tensão entre cada local de habitação com todos os atratores, o
modelo representa o cenário de possibilidades de interação espacial/social – não
simulando assim as rotinas sociais.
O modelo é pouco sensível para movimentos de escala local (pequenos
movimentos intra-urbanos), por considerar o panorama de movimentos através de
macro-atratores, locais que estruturam ou demandam intenso fluxo envolvendo a escala
urbana em nível macro. Contudo, à grosso modo, tal limitação pode ser minimizada pela
ocorrência proporcionalmente menor de habitações de classes diferentes próximas
entre si.
Futuros desenvolvimentos do trabalho
Modelo multistop do panorama social urbana e redes segregadas
A segunda característica dos diferentes padrões de movimentação/atividade entre as
diferentes classes é o número de ações realizadas no dia em diferentes pontos da
cidade. Classes mais altas tenderiam a usar mais de um atrator ao dia (como para
trabalho, consumo 1, consumo 2) em áreas não necessariamente próximas a sua
residência (comportamento transpacial – Hillier e Hanson, 1984), comportamento
diferente daquele das populações de baixa renda. Seria um ponto para o modelo se
fosse possível demonstrar essas diferenças. Essa segunda característica pode ser
apreendida pela introdução das “rotinas” ou lógicas de rotinas típicas de classe. Assim,
o número e posição dos atratores/dia utilizados pode ser considerados. Pode ser feito
através da limitação e “escolha” do número de macro-atratores utilizados por um
indivíduo, com um número de fluxos determinado a partir de um único ponto de origem.
A relação de exclusividade entre atrator e origem se dá em função da posição
topológica (dependente apenas da distância relativa de número de conexões entre os
pontos, independendo do tamanho ou angulações entre ruas da trama). A carga de
atratividade maior de um atrator gerará a cooptação daquele ponto de origem.
Isso geraria um modelo do panorama das rotinas segregadas que demonstraria
claramente os padrões de movimentação – ainda que em ampla escala as
sobreposições dos movimentos individuais gere a complexa rede de movimentação
similar a do modelo O/C. Além disso, exigiria rotinas mais complexas (mas possíveis de
serem feitas) de “escolha” de atrator, de posição, limitação do número de atratores
tendo como resultado os traçados das rotas (a hipótese considera formas poligonais
para grupos de alta renda (o tamanho dos polígonos pode variar para classes média e
alta em função da posição mais/menos segregada/espraiada na área da cidade) e
formas lineares gerando “Vs” de amplos movimentos para grupos de menor renda, com
rotas mais complexas à nível local (raio em torno da habitação). Seria um modelo que
exporia didaticamente as diferenças de padrão, útil quando demonstrado para poucos
indivíduos. Exigiria também a fixação gráfica (como output) dos pontos de origem e de
atração.
REFERÊNCIAS
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Planning B vol 20
KRAFTA, R (1991) A Study of Intraurban Configurational Development. Cambridge
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KRAFTA, R (1994), “Urban convergence: morphology and attraction” Environment and
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LEFEBVRE, H (1974) La Production de l’espace. Paris, Anthropos.
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VILLAÇA, F (1998) Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo : Studio Nobel : FAPESP :
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WHEATON, W C (1981), “Urban Spatial Development with Durable but Replaceable
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Segregação Dinâmica: Modelagem e Mensuração