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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: POR QUE, PARA QUE E
PARA QUEM
BASSO, Silvia Eliane de Oliveira - IFPR
MANTOVANI, Talita Rafaele D´Agostini – UNOESTE
Nos documentos oficiais do governo apresentados no site do Ministério da
Educação, o marco da educação profissional no Brasil é o ano de 1909, quando o então
presidente da jovem república brasileira, Nilo Peçanha, cria por meio do Decreto Nº
7.566 (BRASIL,1909), dezenove Escolas de Aprendizes Artífices, para o ensino
profissional, primário e gratuito.
O mesmo documento aponta que desde o processo colonizador, índios e negros
eram tidos como objeto de ensino de ofícios, assim como trabalhadores especializados
no processo de garimpagem em Minas Gerais. Outros ofícios não foram desenvolvidos
em aprendizagem porque a indústria de maneira geral era proibida no Brasil em
obediência ao pacto colonial, que previa que a colônia adquirisse os produtos
manufaturados da metrópole.
Durante o império brasileiro, apesar de não haver-se construído um sistema de
educação, já haviam iniciativas em forma de lei impulsionadas pela urgência que as
transformações sociais e econômicas impunham. Desde a fuga da e instalação da corte
no Brasil, a Inglaterra pressionava o governo português a dar fim à escravidão em suas
colônias. As mudanças operadas na forma de produção na Europa mostravam-se
incompatíveis com uma forma de trabalho não assalariado e com as altas somas de
capital que se movimentavam em torno do tráfico.
Esse contexto cria no Brasil, intensos debates em torno dos destinos econômicos
do país e do despreparo de sua população para o trabalho livre. Os trabalhadores,
responsáveis pela produção da riqueza concretizada em toneladas de açúcar, minério e
café dentre outros produtos primários, eram escravos. Mais do que a preocupação com o
domínio técnico dessa população para o trabalho que já faziam, estava a grande e
concreta preocupação com o que seria essa sociedade em que de escravos, tornar-se-iam
homens e mulheres livres. Tal preocupação está evidenciada na fala do Visconde de
Sinimbu, no Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, de 1878, ao debaterem-se as
consequências do eminente fim da escravidão.
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A verdade é que a crise da lavoura ahi se manifesta com suas consequencias
naturaes. Encaral-a de frente, sem pensar por um só momento em voltar atrás,
procurar os meios convenientes e efficazes para a debellar, reconstruindo a
propriedade rural sobre as bases do trabalho livre, é esta, senhores, a nossa e
a vossa principal missão. Neste ponto todos estamos de perfeito accôrdo; é da
maior conveniencia que essa inevitavel transição nas condições do trabalho
se realize sem perturbação na ordem economica (1988, p. 125).
A legislação que responderia a este debate era o decreto Nº 7247 de 19 de abril
de 1879, de Reforma do ensino primário no município da corte e o superior em todo o
Império. Leôncio de Carvalho, professor da Faculdade de Direito e Conselheiro do
Ministério dos Negócios do Império, pasta à qual estava subordinada a instrução pública
no Brasil, do reinado de Pedro II, participando dos debates, das discussões e da
realidade educacional como professor, encomenda estudos sobre os sistemas
educacionais na Europa e nos Estados Unidos, a fim de fazer acelerar a educação no
Brasil por meio da implantação de uma reforma que preconizava a liberdade de ensino.
Que todos os que os que se julgassem aptos abrissem cursos livres, secundários e
superiores, que acompanhados pela fiscalização do Estado ampliariam vagas fazendo
chegar a instrução escolar ao maior número possível de pessoas.
Dentre outras ações, o decreto estabelecia o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro
como modelo a ser seguido por outros possíveis colégios secundários. A junção de
cadeiras em um prédio mantido pelo governo e primando por um padrão de ensino de
caráter informativo e enciclopédico, mantido como modelo oficial para outras
instituições, inclusive como preparatório para cursos superiores, acabou por criar, no
Brasil, a identificação de ensino secundário como propedêutico.
A liberdade de frequência, a abolição do rigor nas lições e sabatinas, a liberdade
de eleger o número de matérias a fazer dentro de um sistema determinante de matérias
aferentes e cadeiras especiais por ano, deixava, ao estudante de nível superior, a
responsabilidade pela montagem do curso e pelo próprio aprendizado, que seria
garantido através da aplicação de severidade nos exames. As faculdades ditas livres
exerceriam o autogoverno e ao Estado caberia cuidar da não agressão à legislação do
país e da vigilância às condições de higiene, de moralidade e de um programa básico já
usado nas faculdades oficiais.
Estas ideias eram frutos claros da influência que a universidade alemã exercia
sobre os liberais brasileiros. Na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, surgida em 1874
como derivação da Academia Real Militar de 1810, com o objetivo inicial de ensinar
técnicas de matemática, construção de fortificações e artilharia, onde os preceitos de
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liberdade de ensino da educação alemã foram adotados, o resultado negativo levou dois
professores a publicarem sua opinião através da expressão depreciativa de liberdade de
vadiação.
Em seu artigo 9º, a reforma expressa sua preocupação com a educação
profissional:
Crear ou auxiliar no municipio da Côrte e nos mais importantes das
provincias escolas profissionaes, e escolas especiaes e de aprendizado,
destinadas as primeiras a dar a instrucção technica que mais interesse ás
industrias dominantes ou que convenha crear e desenvolver, e as segundas ao
ensino pratico das artes e officios de mais immediato proveito para a
população e para o Estado, conforme as necessidades e condições das
localidades (BRASIL, 1879).
Fica aqui evidente a preocupação com a preparação de mão de obra que vinha
sendo causa de debates políticos e propostas desde os Congressos Agrícolas no Recife e
no Rio de Janeiro, e também sua vinculação às possíveis novas atividades econômicas
que surgissem, das quais, os empreendimentos do Visconde de Mauá eram exemplos.
Era a preparação gradual para a transformação do trabalho cativo em trabalho livre no
Brasil. Ao apresentar o estudo sobre este período Schelbauer (1998), esclarece:
Educar para a liberdade torna-se a questão em torno da qual debateram os
diferentes autores e atores do período, na crença de que a escola seria o
instrumento necessário para educar o povo para o uso de suas liberdades. [...]
a educação passa a ser enfatizada como responsável pelo combate à
ignorância e, sobretudo, pelo treinamento de mão-de-obra e disciplinarização
para o trabalho (SCHELBAUER, 1998, p. 38).
Uma reforma que se dispusesse a renovar, ampliar ou ainda garantir a instrução
pública no Brasil, não poderia estar, neste momento, alheia às questões do trabalho, que
extrapolavam
inclusive as
fronteiras
nacionais,
para assumir
proporções e
responsabilidades que colocavam a educação, senão como única alternativa, como um
dos fatores preponderantes para a manutenção do país na posição econômica em que se
encontrava. Era preciso que não só o país, mas que as pessoas estivessem preparadas
para assumir outras funções ou atividades e que fossem capazes de realizá-las com
sucesso, é isso que o próprio conselheiro defendia:
Na grande concorrência da vida moderna, sob seus diferentes aspectos, em
todas as suas manifestações, o homem que não possui uma soma relativa de
conhecimento é muito frágil; sucumbirá necessariamente sob a concorrência
daqueles que seguem a mesma carreira ou se entregam ao mesmo ramo de
atividade, dispondo desses elementos de sucesso. Em toda profissão, em toda
carreira, diz um escritor, a supremacia pertencerá sempre aos mais
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inteligentes e aos mais instruídos (CARVALHO apud ALMEIDA, 2000,
p.183).
Leôncio de Carvalho é neste momento não um educador, mas um administrador
incumbido de resolver um problema de ordem econômica e social. Retira-se neste
ponto, portanto, a realização da personalidade completa, para dar ênfase a uma instrução
de caráter prático e urgente: cidadão trabalhador.
Envolvido pela discussão política que assolava a sociedade brasileira desde a lei
Eusébio de Queirós1, a questão da instrução passava mais pela racionalização científica
que pela pedagogia ilustrada.
Sem a instrução, nenhum povo deve ser verdadeiramente livre, porque é ela
que inculca no homem a consciência de seus direitos e reprime as paixões
que, ao dar origem à anarquia, abrem um campo fácil a audaciosos
empreendimentos da ambição. Distribuindo profusamente, em todas as
classes da sociedade, os benefícios da indústria e do comércio e das artes,
cujo sopro vivifica, diminuindo os crimes e purificando os costumes, é a
instrução que fecunda no coração do povo o germe de atos generoso e os
nobres empreendimentos; fortifica seu caráter e lhe imprime a enérgica
vitalidade da qual tem necessidade, para emancipar-se da tutela do governo,
assumir a responsabilidade do auto-governo (CARVALHO apud ALMEIDA,
2000, p.181).
É curioso notar como a fala do Ministro do Império é extremamente atual,
chamando o trabalhador a preparar-se à concorrência e livrar-se da tutela do governo,
que convenhamos, no século XIX, não tutelava em praticamente nada seu povo. Outro
destaque é aos hábitos que era preciso inculcar na população.
A população livre, formada por um contingente mais ou menos desocupado de
pessoas, com vida incerta, baseada na natureza pródiga, ou por um proletariado
desconexo de uma indústria limitada pelo sistema agroexportador, amontoado nas
grandes cidades, não fornecia características de participação ativa que pudesse alterar,
econômica ou socialmente, o quadro nacional. Ou seja, não havia no Brasil a classe
trabalhadora despossuída encontrada na Europa, e os proprietários brasileiros sabiam
disso.
A partir de 1847, mesmo antes do fim oficial do tráfico, já se faziam as primeiras
experiências para a implantação do trabalho livre através da contratação do imigrante na
Europa. Na opinião do bispo Azeredo Coutinho2, um dos mais eloquentes defensores da
1
A Lei Eusébio de Queirós foi promulgada a 4 de setembro de 1850 extinguindo definitivamente o tráfico
negreiro no Brasil. In: DOMINGUES, Joelza Ester. História: o Brasil em foco. São Paulo: FTD, 1996.
2
Embora as análises de Azeredo Coutinho tivessem ainda focadas no século XVIII, é a partir do contexto
das ideias revolucionárias e da própria Revolução Francesa, que Azeredo perfaz um trajeto demonstrador
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escravidão no Brasil, esse seria um dos sérios problemas a serem encarados pelos
proprietários e governo brasileiros, já que a quantidade de terras ainda desocupadas no
Brasil, onde vivia um homem livre, sustentado pela natureza, viciaria o imigrante no
mesmo processo, ou seja, o imigrante ficaria tentado a ser proprietário e não mão de
obra (PEREIRA, 1996, p.57). Esta concepção vincula-se ao conceito de que é a
expropriação que produz o trabalhador e que civilização, o estágio a ser alcançado, é
aquela em que o homem já produz de forma regular um supérfluo que vai além das
necessidades imediatas, permitindo o desenvolvimento do comércio, manufaturas, artes
e ciências.
Este estágio, na opinião de Coutinho, se alcançaria no Brasil por intermédio da
escravidão.
[...] os povos bárbaros, não tendo nem artes, nem ciência, nem indústria, ou
não têm algum comércio regulado, ou é tão pequeno e tão restrito que não
merece o nome de comércio. O seu trabalho não vai acima do simples
necessário para as necessidades da vida, ou seja colhendo os frutos silvestres
que a natureza produz espontaneamente, ou seja pela pesca ou pela caça, ou
muito quando semeando algum grão por meio de uma cultura rude e
grosseira. Daqui vem que estes povos desde que eles têm acabado o trabalho
necessário para as necessidades da vida, se entregam à preguiça e à
indolência como os brutos, sem saber em que empregar o seu tempo e os seus
braços (COUTINHO, 1966, p.274/275 apud PEREIRA, 1996, p. 62).
Tentando também responder à necessidade da formação de uma classe
trabalhadora e contando também com a emigração, o político João Severiano 3 (1988, p.
44) critica os relatos de muitos viajantes europeus, que haveriam distorcido nossa
imagem, prejudicando a possibilidade de atração de mão de obra livre.
Sem que fosse sua intenção, o autor acaba por apresentar também um contraste
do progresso capitalista, ao evidenciar a miséria da população trabalhadora livre na
Europa que, por essa condição, aderiria mais facilmente à ideia de emigrar para países
como o Brasil.
No estado em que se acha a Europa, tantas famílias arruinadas, tantos
indivíduos desgraçados, tanta gente hábil sem emprego e descontente, não
de uma realidade distinta para o Brasil. A justificativa para a existência da escravidão não é apresentada
como opção danosa e cruel, mas como única possibilidade de existência e manutenção da nossa economia
tal como se encontrava.
3
Político e desembargador, João Severiano Maciel da Costa foi partícipe de importantes acontecimentos
da década de 1820 no Brasil. O trabalho de Maciel da Costa, Memória sobre a necessidade de abolir a
introdução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta abolição se deve
fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar, foi escrito em 1820, mas
impresso somente em 1821, ano da Revolução Constitucionalista em Portugal, retorno de D. João VI à
corte, e nomeação de Pedro de Alcântara como regente do reino no Brasil (COSTA, 1988, p. 11).
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nos seria difícil engrossar nossa população branca com os emigrados dela
(COSTA, 1988, p. 44).
Apresentando as vantagens do modelo livre de divisão de trabalho, sugere que
algumas famílias plantariam, outras manipulariam e outras conduziriam e nos leva a
crer, já que fala em divisão de riscos e menores e mais seguros lucros por parte dos
fazendeiros, que uma espécie de parceria seria solução coerente.
Quanto à questão de posse da terra, João Severiano, ciente do modelo de grande
propriedade adotado no Brasil, não dá solução ao problema, mas pede que se reflita
sobre o que seja grande ou pequeno, comparando Europa e Brasil, e diferentes tipos de
terrenos.
Talvez fossem essas reflexões como as de Azeredo Coutinho e João Maciel, que
dariam ênfase ao estabelecimento da Lei de Terras que, em 1850, criava uma
regularização para a posse de terras, impedindo que imigrantes pudessem tornar-se
donos, pelo simples fato de ocupar terras. O fato é que a classe trabalhadora europeia
passa a ser vista como regeneradora do Brasil e possibilitadora da manutenção da
produção nacional.
A crise do excesso dessa mão de obra na Europa seria solução para o drama
brasileiro, e era preciso preparar-se para manter os proprietários e criar os proletários,
daí os incentivos à educação técnica na Reforma de Leôncio de Carvalho. Uma
Comissão, formada por Rui Barbosa (relator), Tomás do Bonfim Spíndola e Ulisses
Machado Pereira Viana, depois de exames cuidadosos sobre todas as disposições
contidas nos 29 artigos da Reforma, deu pareceres sobre a mesma. A reforma passou a
inspirar mudanças, embora não fosse aprovada como lei.
Estudando a institucionalização escolar no Brasil a partir de 1879, o pesquisador
Sérgio Eduardo Montes Castanho (2013), aponta o trabalho de Maria Cristina Gomes
Machado, em que se destacam os Pareceres como parte da elaboração teóricometodológica que deu força às inúmeras iniciativas de institucionalização escolar sob a
influência da ideologia liberal e cientificista de Rui Barbosa.
Dentre esse conjunto de ideias que tiveram impacto na educação do final do
Império e início da República, destacamos:
1) O ensino secundário deveria deixar o modelo dos preparatórios aos
exames do ensino superior e adotar o sistema de liceus nos quais se
desenvolvesse um bacharelado em ciências e letras, liceus esses gratuitos
quando mantidos pelo Estado; 2) Paralelamente ao ensino secundário, deveria
oferecer-se um preparo técnico de natureza profissionalizante, sem visar ao
ensino superior (CASTANHO, 2013, p. 07).
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Encontramos aqui presente a dualidade do ensino secundário, atualmente com a
denominação de médio: um preparando para o ensino superior, então com caráter
propedêutico, e outro técnico de natureza profissionalizante. Cremos que neste ponto
Rui Barbosa concorda com o Conselheiro Leôncio de Carvalho que era preciso preparar
a incipiente classe trabalhadora para os “benefícios da indústria, do comércio e das
artes” (CARVALHO apud ALMEIDA, 2000).
É sobre os auspícios dessas crenças que encontraremos iniciativas de sociedades
e instituições que darão passos importantes para o ensino profissional no Brasil.
Burgueses, membros da casta estatal e nobres, instalavam essas instituições para o
ensino de artes e ofícios.
A Sociedade Propagadora das Belas Artes, criada por nobres, burgueses e
membros da burocracia estatal, no Rio de Janeiro, em 1857, chamou a si a
administração do primeiro Liceu de Artes e Ofícios, na capital do Império,
efetivamente inaugurado em 1858. O curso destinava-se a indivíduos livres,
sendo vedado a escravos. [...] Identicamente, em São Paulo, a Sociedade
Propagadora da Instrução Popular, de 1873, instalou em 1874 o curso
primário gratuito com aulas noturnas e, em 1882, também com aulas
noturnas, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. [...] Além dos liceus de
artes e ofícios do Rio e de São Paulo, foram criados outros em províncias
diversas, nas seguintes datas e mantidos pelas seguintes sociedades:
Salvador, 1872, Associação Liceu de Artes e Ofícios; Recife, 1880,
Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais; Maceió, 1884, Associação
Protetora de Instrução Popular; e Ouro Preto, 1886, Sociedade Artística
Ouropretana (cf. quadro em CUNHA, 2000, p. 122, acrescido de nota de
rodapé em que alude à criação, ainda no Império, de liceus congêneres na
cidade mineira de Serro, em 1879, em Florianópolis, em 1883, e em Manaus,
em 1884) (CASTANHO, 2013. p.09).
Mais tarde, muitas dessas instituições receberiam subsídios e doações do Estado
ou até mesmo seriam estatizadas por alguma instituição oficial de ensino, como foi o
caso da Escola Alemã no Paraná, que fez parte do mesmo contexto político econômico,
mas foi criada dez anos antes da Reforma Leôncio de Carvalho, por um grupo de
imigrantes alemães.
De acordo com a pesquisadora Denise Colatusso (2004) os alemães mantinham
ligação com a nação de origem por meio da língua, associações e escolas, ao mesmo
tempo em que ocupando as mais variadas funções como comerciantes e profissionais
liberais, precisaram falar bem o português e mostrarem-se úteis à sociedade lusobrasileira.
O contexto das guerras mundiais e a presença de brasileiros na Escola Alemã,
foi diminuindo a influência dos teutos até que, em 1914, a Escola passa a chamar-se
Colégio Progresso sob a direção dos brasileiros, com criação de cursos voltados ao
8
comércio nas décadas seguintes4. Essa nacionalização era preocupação expressa desde
os debates da transição república/império (1880/1889), em que a necessidade de formar
uma unidade nacional e um cidadão brasileiro era a tônica que marcava a educação,
livre ou a cargo do Estado.
[...] se os problemas que assolavam o País, tinham na crítica às instituições
monárquicas o seu principal argumento, a solução para esses problemas
passavam, antes de mais nada, pelas reformas nessas instituições, as quais,
acreditava-se, tornariam possível a consolidação de um regime político
compatível com a nova organização do trabalho que se estava consolidando.
Assim pensavam seus principais representantes. É nesse contexto que a
educação do povo é apontada como elemento fundamental na formação para
a cidadania, cabendo ao Estado a sua propagação com o objetivo de tornar a
sociedade mais participativa e democrática; bem como criar a unidade
nacional, a qual se acreditava inexistente, podendo ainda ser agravada pela
presença de inúmeros imigrantes, principalmente alemães, num momento
onde as disputas imperialistas se acirravam mundialmente (SCHELBAUER,
1998. p.59).
É essa nacionalização, criação de uma identidade nacional, do cidadão, que
parece ser a marca a tônica da Reforma Benjamin Constant, de 1890. O General de
brigada Benjamin Botelho de Magalhães Constant, positivista, professor e uma das
mentes fervilhantes dos debates republicanos é chamado ao recém criado Ministério e
Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Publica, Correios e Telégrafos, e institui
o Decreto nº 891/1890,
com o propósito de regulamentar a Instrução Primária e
Secundária do Distrito Federal, e neste ponto parece haver um retrocesso em relação à
Reforma Leôncio de Carvalho que legislava a educação para todo o país, tornado-a
obrigatória, o que não estava previsto neste decreto.
A educação profissional não é apresentada no projeto como uma necessidade,
não porque não fosse importante, pois os debates anteriores provam isso, mas porque
compreende-se que a questão central não é esta. Se não houver um ensino primário
eficiente, e o problema começa com a falta de professores que toma grande parte dos
artigos do decreto, o ensino profissional é curativo ineficiente contra um mal maior.
A insuficiência do nosso ensino primário, diz, e seu atraso são bem
conhecidos como a necessidade de prover a educação profissional, de
remediar a má organização dos estudos secundários... [...] É necessário uma
instrução primária séria, perfeitamente examinada e reconhecida antes da
admissão aos estudos secundários; estes fortes, severos, prolongados por bom
tempo, depois testados por exames honestos e leais dão aos estudantes o
direito a um título de admissão às faculdades ou escolas superiores. Tal deve
4
Anexada à Faculdade do Paraná e posteriormente como Escola Técnica da Universidade Federal do
Paraná, a inicial Escola Alemã, deu origem ao Instituto Federal do Paraná, criado em 2008.
9
ser a organização para o futuro do Brasil (MEZZARI, 2001, p. 91 apud
SEKI, 2013, p.14).
A Reforma Benjamim Constant foi considerada um fracasso para os
compromissos ideológicos que a instauração do regime republicano pedia. De acordo
com Schelbauer (1998), mais um ato político sem qualquer compromisso com a
instrução nacional que deixava a educação à mercê de si mesmo, quando ela sequer
existia como sistema. De forma ainda mais radical chegaria em 1911 a Lei Orgânica do
Ensino Superior e do Fundamental da República, conhecida como Reforma Rivadávia,
desoficializando completamente o ensino, dando às instituições completa autonomia
didática e administrativa.
Sem o desenvolvimento da educação primária, o ensino profissional volta aos
documentos oficiais, como solução emergencial. Parecia não ser possível esperar o
necessário sucesso da educação primária diante das situações emergenciais da indústria
nacional com operários estrangeiros e crises sociais crescentes5.
O Decreto nº 75.666 por Nilo Peçanha, em 1909, não era a primeira iniciativa
governamental para o ensino profissional, porém ao criar 19 escolas, uma em cada
província, no período de um ano, estabeleceu uma espécie de rede que garantia a
presença do Estado em todo o país, marcando a mensagem da importância do ensino
profissional.
E que importância era essa? O decreto inicia-se com a seguinte consideração:
Considerando que o augmento constante da população das cidades exige que
se facilite às classes proletarias os meios de vencer as dificuldades sempre
crescentes da lueta pela existência; que para isso se torna necessario, não só
habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo
technico e intelectual, como faze-los adquirir habitos de trabalho proficuo,
que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime; que é um
dos primeiros deveres do Governo da Republica formar codadões uteis à
Nação (BRASIL, 1906).
Percebe-se uma preocupação sociopolítica: a aglomeração de pessoas nas
cidades e os problemas que essa aglomeração causava. Embora o Brasil derivasse de
5
As condições de vida do nascente operariado brasileiro nas cidades mostravam os problemas políticos,
econômicos e sociais que o Estado deveria enfrentar por meio de planejamentos e execuções, mas que
haviam ficado circunscritos aos debates desde as evidências do fim da escravidão. Exemplo disso foi a
“Revolta da Vacina” em 1904, movimento popular ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, provocado pelos
baixos salários, falta de saneamento básico, condições de higiene e habitação precária que faziam da
cidade um foco de epidemias de doenças como febre amarela, varíola e peste. Os operários
movimentavam-se com a fundação da Confederação Operária Brasileira (COB) em 1906, por iniciativa
de sindicatos do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Em 1907 ocorreu
uma greve de pedreiros da cidade de São Paulo, engrossada por outras categorias, reivindicando a redução
da jornada de trabalho, elevação de salário etc. (PEREIRA, 2003 p.13, rodapé)
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uma aristocracia ligada a terra, que se titulara como nobreza pelas mãos de D. João VI,
o valor burguês do trabalho que enobrece e gera o bem individual e o progresso geral,
parece estar enunciado na justificativa do decreto.
Ao apresentar a influência da rede federal de educação tecnológica no
desenvolvimento local, o pesquisador Luiz Augusto Caldas Pereira (2003) destaca a
dupla intenção da criação das Escolas de Aprendizes e Artífices, enunciada na fala de
outros administradores públicos da época:
Em nossa opinião, tomando como base as ocorrências no período que fica no
entorno da criação das Escolas de Aprendizes e Artífices, quanto à formação
de artífices, na expressão do Decreto 7566/1909, as intenções se misturavam,
não ficando claro qual a mais importante delas, se a qualificação da força de
trabalho para a emergente indústria nacional ou se o uso da educação
profissional como dispositivo de controle da disciplina social. A
manifestação de Venceslau Brás, que assume a Presidência da República em
1914, expressa muito desta concepção (Pereira, 2003, p.34).
Mantendo-se como economia agroexportadora e tendo como carro chefe da
produção e exportação o café, a maior parte das atividades industriais brasileiras
estiveram vinculadas a essa atividade e ao capital proveniente dela. Colocada em xeque
pela crise mundial com auge em 1929, a enfraquecida economia cafeeira passa a dar
espaço para a produção industrial em áreas como a têxtil. Era o movimento para
modernizar e industrializar o país iniciando por torná-lo autônomo, substituindo
importações.
De acordo com Pereira (2003), a partir desse momento o ensino técnico e
profissional deixará de ter um caráter de aparato fabril ou assistencialista para
relacionar-se ao desenvolvimento do país. No cenário político que até então era do
debate ou não sobre a interferência do Estado, com Getúlio Vargas, a partir de 1930, a
interferência é não só admitida, como considerada vital. A organização sindical será
posta sob controle do Estado e o empresariado, por meio de confederações participa das
ações governamentais que controlam os sindicatos e a formação dos trabalhadores.
[...] o Estado, além de se ter transformado no elemento dinâmico de
desenvolvimento econômico, constituiu-se, ademais, numa arena privilegiada
para a tomada de decisões relativas à definição dos rumos da economia, e,
portanto, das próprias metas do empresariado. Em consequência, transferiuse para o interior do Estado o processo de negociação dos interesses privados,
o que trouxe um novo tipo de interpenetração entre as esferas pública e
privada. [...] Por detrás da ideologia que consagrava [perpetuada, até os dias
atuais] a colaboração de classes, o que se institucionalizou foi um estilo de
negociação bipartite, envolvendo representantes empresariais e funcionários
governamentais, excluindo-se os representantes dos trabalhadores dos
acordos corporativos (Cunha, 2000, p.4 apud Silveira, 2013, p.02).
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Com a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública em 1930 e o
Manifesto dos Pioneiros da Educação de 19326, a educação vai tomando corpo de
sistema nacional ao legislar mudanças para todo o território nacional. O ministro
Francisco Campos empreende a reforma que dava ênfase ao ensino secundário e
superior, sendo a organização do ensino secundário como etapa estruturada e não
apenas disciplinas preparatórias para o ensino superior. Com inspetoria própria, o
ensino profissional deveria ser disseminado, formando mão de obra profissionalizada, e
de preferência nacional, ou seja, era preciso fugir da dependência perigosa aos operários
estrangeiros que dominavam a técnica e traziam ideias de organização sindical.
Valorizar a busca da qualificação profissional como algo que dignificava o
trabalhador, algo que ele desejasse para seus filhos, não como um destino
fatal, mas como algo dotado de valor próprio. Para tanto, o ensino
profissional teria de deixar de ser destinado aos miseráveis, órfãos,
abandonados e delinquentes (CUNHA, 2000, p.6 apud SILVEIRA, 2013, p.
05).
A mudança de finalidades em relação ao ensino profissional dava-lhe caráter
dinâmico e abria espaço a iniciativas de pessoas e grupos que atendessem essa nova
expectativa profissional e nacionalista. É assim, por exemplo, que personagens como
Roberto Mange passam a marcar atuação no cenário da educação profissional.
Engenheiro suíço trazido ao Brasil por iniciativa de Francisco Paula de Souza, um dos
fundadores da Escola Politécnica em São Paulo, Mange representa a aplicação dos
conceitos tayloristas na educação profissional no Brasil, criando em 1931 o IDORT –
Instituto de Organização Racional do Trabalho, e a convite do Ministro Gustavo
Capanema (1934 -1945 do Governo Vargas) foi consultor em inúmeras iniciativas
oficiais para a educação profissional inclusive a criação do SENAI – Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial, em 1942.
O governo personalista de Getúlio Vargas empenhou-se em criar uma cidadania
que pudesse ser contralada e concedida àqueles que se enquadrassem no conceito de
cidadão pretendido. Para tanto a educação, era indubitavelmente aquela que poderia
ajudar a criar e imprimir estes conceitos.
A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões
[...] A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão
restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal
como reconhecido por lei. [...] A regulamentação das profissões, a carteira
6
Documento assinado por intelectuais brasileiros como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço
Filho, entre outros, constatava a elitização do ensino no país, sua desorganização e urgentes necessidades
de estruturação da escola única, laica, pública e gratuita.
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profissional e o sindicato público definem, assim, os três parâmetros no
interior dos quais passa a definir-se a cidadania. Os direitos do cidadão são
decorrência dos direitos das profissões e as profissões só existem via
regulamentação estatal. O instrumento comprovante do contrato entre o
Estado e a cidadania regulada é a carteira profissional, que se torna uma
certidão de nascimento cívico. (SANTOS, 1985, p.68-69 apud TEIXEIRA,
2000, p. 266).
A reforma de Capanema previa a obrigatoriedade do ensino primário, embora
não falasse de acesso. O ensino secundário, a ser seguido como caminho para a
universidade garantiria a formação das futuras lideranças político-econômicas da nação.
À educação
profissional
cabia
a
formação
do
cidadão
trabalhador,
comprometido com o projeto de desenvolvimento nacional como mão de obra eficiente
e disciplinada. O ensino industrial foi partilhado pelo Ministério de Educação e Saúde e
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
De acordo com Schwartzman (1984) apud Quadros (2012, p.7 e 8) os dois
ministérios apresentaram seus projetos, mas foi o projeto do Ministério do Trabalho que
culminou no decreto nº 6.029/49, de regulamentação de instalação e funcionamento dos
cursos profissionais. No projeto de Capanema, todos estabelecimentos industriais, e não
apenas os com mais de 500 funcionários como passou a vigorar, deveriam manter
ensino profissional. Destes, jovens de 14 a 18 anos receberiam tal ensino e parte deles
teria contratação garantida. O decreto estenderá o ensino aos empregados, filhos e
parentes sem nenhum tipo de garantia de contratação. Capanema também defendia que
o governo administrasse e custeasse esse ensino como sistema.
O decreto somente dava instruções deixando a cargo das próprias indústrias os
cursos, que ocorriam então, de maneira isolada. O decreto acabou gerando duas
categorias de escolas profissionais: uma técnica, industrial e artesanal, destinada em
horário completo a alunos com tempo consagrado à vida escolar. A outra, aos
aprendizes, trabalhadores da indústria.
Capanema apresentava a preocupação de que o ensino profissional alcançasse
não apenas o operário, mas o homem:
[...] É necessário que a educação industrial não se preocupe apenas em
preparar o lado técnico do trabalhador, mas, também o seu lado humano, isto
é, o seu lado espiritual, o seu lado moral, o seu lado cívico e patriótico, o que
quer dizer que o principal critério da formação do trabalhador nacional tem
que ser precisamente este – o de atingir, a um tempo, a sua preparação
técnica e a sua formação humana [...] (SCHWARTZMAN, 1984, p.249 apud
QUADROS, 2012, p. 09).
13
Embora sejam inegáveis os avanços em relação à organização e sistematização
do ensino profissional no período e as preocupações do Ministro em relação à formação
humana do trabalhador, a educação profissional mantinha a clara marca do público e
objetivo traçado para este. Eram trabalhadores e seus filhos e familiares que deveriam
permanecer na condição social que a marca do trabalho lhes dava, enquanto os filhos
das classes acima, seriam preparados numa educação clássica para dirigir as indústrias,
comércio, terras e o país a que os primeiros serviam.
As décadas seguintes marcaram avanços para minimização dessa barreira ao
estudante do ensino profissional, já que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB, de 1961, estabeleceu a equivalência dos cursos técnicos ao ensino
secundário, garantindo que os egressos deste pudessem chegar ao ensino superior.
De acordo com a pesquisadora Zuleide Simas Silveira (2013) duas correntes
estão presentes das décadas de 1950 para 1960, com forte marca no discurso
desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek. Uma como formadora da
consciência nacional e instrumentalizadora de transformações político-sociais,
representada por Álvaro Vieira Pinto e suas publicações do ISEB- Instituto Superior de
Estudos Brasileiros, pautada no contexto de inúmeros movimentos sociais e culturais
que disseminavam a educação. A outra como preparadora de recursos humanos para a
tarefa de industrialização, modernização da agricultura e expansão de prestação de
serviços, ligada à teoria do capital humano dos setores de planejamento econômico
(SILVEIRA, 2006 p.11).
Respondendo ao posicionamento político na divisão internacional do trabalho, as
nações latino-americanas, passam a discutir em reuniões da Organização dos Estados
Americanos - OEA, os investimentos estratégicos em educação. A secundarização do
ensino industrial vai tornando-se realidade em projetos implantados pelo Ministério da
Educação. As mudanças pediam revisão na regulamentação geral.
O contexto do golpe em 1964 e da ditadura militar, sujeitará toda organização
educacional ao capitalismo internacional, e sob a vigência dos acordos MEC (Ministério
da Educação e Cultura) – USAID (Agência Norte-Americana) é promulgada a Lei Nº
5692/71.
O Plano Decenal da Aliança para o Progresso e o Conselho Interamericano
Econômico e Social (CIES) - Secretaria da Organização dos Estados
Americanos para assuntos culturais, científicos e de informação - indicavam
com desconcertante franqueza que educador e educando haviam se
transformado em capital humano (SHIROMA, 2000, p.36 apud SILVEIRA,
2013, p. 12).
14
A teoria do capital humano desenvolveu-se após 2ª guerra mundial, a partir de
pesquisadores norte-americanos com base em pesquisa sobre o desenvolvimento
econômico. De acordo com esses especialistas, a educação serviria como meio de
investimento e consumo. Aumentando a capacidade cognitiva e competência técnica
dos indivíduos, mostrava a relação entre capacidade de produtividade individual, taxa
de retorno social e aumento da renda nacional (CARVALHO, 2011, p. 253).
Nesse contexto, o ensino profissional que vinha conquistando espaço e
debatendo novas concepções, parece-nos que à força de planejamentos, tornou-se regra
para o ensino secundário, ou seja, foi generalizada a profissionalização no ensino
médio. Cursos sob a responsabilidade de Estados e Municípios, sem investimentos
apropriados vão caracterizando-se pela baixa qualidade, ao lado das escolas federais,
que tradicionalmente continuavam seus trabalhos.
Cunha (2000, p.183 apud Silveira, 2013) apresenta um fato que embora nada
inesperado, parece-nos minimamente desconcertante: a necessidade que houve, diante
da profissionalização do ensino médio, de fazer campanha para “desligar” o ensino
profissional da ideia de caridade aos pobres e formação de mão de obra. O fato é que
durante este período, por força da lei, deixou de existir a dualidade do ensino médio.
Porém, por pressão da sociedade, dos empresários da educação e das escolas que
tradicionalmente trabalhavam com educação profissional, a partir de 1982, a oferta
tornou-se optativa.
De 1978 a 1984, as Escolas Técnicas Federais vão sendo transformadas em
Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs, iniciando-se pelos estados do
Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a partir da apresentação de estruturas
administrativa, de laboratórios e de recursos humanos e financeiros.
A década de 1980 marca o declínio do governo militar, que tanto em seu
estabelecimento quanto em seu desmonte evidencia os traços da conjuntura
internacional. As transformações no sistema socialista soviético e seu consequente
desmembramento apontam, ou permitem que seja intencionalmente apontado, o
capitalismo como via única de organização mundial, que apesar da crise que vivia,
readapta-se minimizando as obrigações do Estado com a sociedade por meio das
práticas neoliberais.
No Brasil a transição da ditadura para a redemocratização abre ampla
possibilidade de debates educacionais movidos por associações de pesquisadores,
15
professores e estudiosos da educação. As propostas deveriam chegar, e muitas
chegaram, à elaboração da Carta constitucional de 1988 e à nova LDB em 1996.
Em trabalho encomendado pela 31ª Reunião da Anped – Associação Nacional de
Pós-graduação e Pesquisa em Educação, em outubro de 2008, Demerval Saviani
apresenta-nos obstáculos econômicos, políticos, filosófico-ideológicos e legais para a
não sistematização e concretização de um sistema nacional de educação. O estudioso
evidencia o contexto histórico que vimos até agora tecendo neste texto, com todas as
rupturas e descontinuidades da atuação do Estado, que deveriam ter sido resolvidos com
a LDB de 1996, mas permaneceram ao aprovar-se um projeto neoliberal de educação
que postergou, e continua postergando, a articulação de um sistema nacional de
educação que resolva questões básicas como a universalização do ensino primário e o
fim do analfabetismo.
Mantém-se igualmente o obstáculo da descontinuidade, o que se patenteia no
alto grau de fragmentação das ações que compõem o PDE e nas disputas
políticas que marcam os partidos nas instâncias federal, estadual e municipal.
Em conseqüência, persistem também os obstáculos ideológicos, pois a idéia
de sistema nacional de educação permanece sujeita a considerável
controvérsia, o que interfere no ordenamento legal que continua sendo um
grande desafio para se chegar a uma normatização comum, válida para todo o
país, condição indispensável à implantação do sistema nacional de educação
(SAVIANI, 2008, p.19).
E é nessa LDB, que encontraremos nova ruptura em relação à educação
profissional, regulamentada pelo decreto 2.208, de 17 de abril de 1997. As escolas
deveriam separar o ensino regular médio da formação técnica. A dualidade se
reestabelece e introduz-se a noção de competência para a educação profissional. Os
debates se intensificam e a situação volta a ser alterada em 2004, pelo decreto Nº 5.154,
que deixou às instituições a opção de oferta da educação profissional articulada como o
ensino médio, de forma integrada, concomitante ou subsequente.
Os debates que impulsionaram este novo decreto, estavam ligadas às
expectativas e necessidades a serem atendidas pelo governo de Luís Inácio Lula da
Silva. De acordo com a pesquisadora Marise Nogueira Ramos (2011), esperava-se que
houvesse uma mobilização da sociedade civil em torno do tema da educação
profissional para que a formação dos trabalhadores caminhasse para uma concepção
emancipatória dessa classe:
Acreditava-se que a mobilização da sociedade pela defesa do ensino médio
unitário e politécnico, que conquanto admitisse a profissionalização,
integrassem em si os princípios da ciência, do trabalho e da cultura,
16
promoveria um fortalecimento das forças progressistas para a disputa por
uma transformação mais estrutural da educação brasileira. Infelizmente, nos
anos imediatos à exaração do Decreto n. 5.154/2004, a mobilização esperada
não ocorreu. O que se viu, logo a seguir, foi o inverso. De uma política
consistente de integração entre educação básica e profissional, articulando-se
os sistemas de ensino federal e estaduais, passou-se à fragmentação iniciada
internamente, no próprio Ministério da Educação (RAMOS, 2011, p. 101102).
A fragmentação dentro do Ministério da Educação iniciou-se ao separar-se a
política de ensino médio, que foi para a Secretaria de Educação Básica, e a educação
profissional. Apesar das estagnações, a autora apresenta novas perspectivas nos últimos
anos com a ampliação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, na Lei n. 11.892/2008 que criou os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, por meio da transformação de CEFETs e Escolas Técnicas, ou
criação de novas instituições.
Essas instituições são definidas como de educação superior, básica e
profissional, pluricurriculares e multicampi, especializadas na oferta de educação
profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino com base na conjugação
de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas. Ramos
(2011) vê também de forma positiva o apoio do governo federal na implantação da
educação profissional integrada ao ensino médio, nos sistemas estaduais e conclui
advertindo:
Resta saber se, nessas instituições e nas redes estaduais, a concepção desses
cursos irá ou não na perspectiva da educação tecnológica vinculada aos
princípios científicos da produção social ou retomam a ideologia de formar
para o mercado de trabalho (RAMOS, 2011, p.108).
E neste ponto da pesquisa nos encontramos. Queremos, como os vários autores,
saber se vamos avançar, ou mais uma vez protelar mudanças estruturais. Marise Ramos
questiona em que perspectiva irão trabalhar as instituições. Os Institutos federais
conseguirão dar à educação profissional o caráter que precisa ter para cumprir seu papel,
ou melhor, qual é o seu papel? Estamos falando da educação que forma para o trabalho,
apenas no seu sentido de relação econômica, ou é uma educação voltada para o homem,
tendo no trabalho, ciência e cultura, partes de sua manifestação humana?
Para muitos desses estudiosos, há um caminho a percorrer para que tenhamos de
fato uma educação e profissional que sirva ao homem e seu trabalho. Uma educação
unitária, omnilateral e politécnica, tendo como pressupostos as leituras marxinianas,
gramscnianas e de todos os pesquisadores nacionais que se tem dedicado ao debate e
17
nos ajudam a vislumbrar a construção desse caminho. É a única via possível? Não o
sabemos. Mas já sabemos por onde os caminhos neoliberais de desresponsabilização e
consagração aos ditames do mercado tem nos levado.
Como instituições recentes, mesmo quando originados das antigas Escolas
Técnicas e CEFETs, os Institutos Federais tem uma fundação própria e diferente, porém
a sociedade que os recebe, a economia que os circunda e os profissionais que neles
atuam são os mesmos que passaram por formações incompletas, avanços e retrocessos
nas políticas governamentais e nas legislações; que atenderam as expectativas do
mercado e agora precisam pensar o que devem atender.
Ao estudar a reforma curricular no Instituto Federal em São Paulo, as
consequências de sua história na passagem de Escola Técnica para CEFET, e de CEFET
a Instituto, e reportando-se a pesquisas feitas por outros estudiosos em outros Institutos
Federais, o pesquisador Celso Ferreti (2011) identifica inúmeros aspectos que ainda
precisam ser resolvidos para que se cumpra a expectativa de uma educação progressista
e politécnica, como deles se espera. Um dos aspectos preocupantes apontados por
Ferreti é:
A pouca familiaridade dos professores com os fundamentos políticoideológicos da proposta de integração entre formação geral e específica na
linha da formação politécnica e omnilateral, tal como pensada por Marx e
Gramsci e, por extensão, com as possibilidades de sua operacionalização em
termos pedagógicos. Não por acaso, mais de um dos estudos de caso
relatados no decorrer do artigo alude à necessidade de que os profissionais
que atuam nos Institutos Federais entrem em contato com a literatura a
respeito e recebam formação que os habilite a desenvolver a proposta
(FERRETI, 2011, p. 14).
Tais instituições há pouco construíram seu Projeto Pedagógico, como é o caso
do Instituto Federal do Paraná. Recebem a instrução da lei de como deve se organizar
curricularmente o ensino profissional e toda a pressão política e social de formar
profissionais competentes e preparados para os desafios (inclusive o de não ter trabalho
formal e seguro) e de adaptar-se a possibilidade de mover-se entre inúmeras ocupações
para ser empregável.
Art. 7º - Para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensino técnico,
deverão ser realizados estudos de identificação do perfil de competências
necessárias à atividade requerida, ouvidos os setores interessados, inclusive
trabalhadores e empregadores. Parágrafo único. Para atualização permanente
do perfil e das competências de que trata o caput, o Ministério da Educação e
do Desporto criará mecanismos institucionalizados, com a participação de
professores, empresários e trabalhadores. (Decreto Federal Nº 2208/97 de 17
de abril de 1997. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei
18
Federal nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional).
Base para o ensino profissional, essa pedagogia da competência apresenta-se
com caráter funcionalista e precisa ser pensada e discutida na escola por aqueles que a
desenvolvem por meio de suas ações. No entanto, Ferreti (2011) enuncia sua
preocupação ao perceber em suas pesquisas que sequer existe integração entre os vários
cursos, e mais gravemente entre os professores das disciplinas de formação geral e os de
formação técnica, evidenciando-se inclusive o conflito de interesses em relação a carga
horária e enfoque dado no curso.
Na base da construção de um projeto unitário de ensino médio que,
conquanto reconhece e valoriza o diverso, supera a dualidade histórica entre
formação básica e formação profissional, deve estar, portanto, a compreensão
do trabalho no seu duplo sentido: a) ontológico, como práxis humana e,
então, como a forma pela qual o homem produz sua própria existência na
relação com a natureza e com os outros homens e, assim, produz
conhecimentos; b) histórico, que no sistema capitalista se transforma em
trabalho assalariado ou fator econômico, forma específica da produção da
existência humana sob o capitalismo; portanto, como categoria econômica e
práxis diretamente produtiva (RAMOS, 2007, p. 07-08).
O momento é oportuno e indispensável. Ao se observar a grandiosidade do que
significa pensar e realizar em educação profissional, é preciso perguntar: à lei de criação
dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, aos seus profissionais e ao
contexto sociopolítico: educação profissional: por que, para que e para quem? É
possível
que
essa
educação
tenha
características
de
empreendedorismo
e
desenvolvimentismo, preconizadas em sua lei de criação e ainda atenda a profundidade
do conceito ontológico de trabalho que seus mais proeminentes pesquisadores nos
apresentam?
Inseridos nesse contexto parece-nos que essa discussão não ganhou ainda nos
câmpus dos Institutos Federais a repercussão e participação que merece na concretude
do trabalho dos professores, porque não lhes foi apresentada, ou porque lhes pareça
inútil, ou porque não interessa. Qual dessas é a mais grave das possibilidades, não
sabemos e nos colocamos a investigar no desejo e obrigação de instigar o necessário
debate e consequente posicionamento político do magistério da educação técnica,
tecnológica e profissional.
19
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: POR QUE, PARA QUE E PARA QUEM