Projeto “História das Instituições Escolares – dos grupos escolares às escolas de
ensino fundamental”
Profa. Dra. Mara Regina Martins Jacomeli1
O presente projeto que está em fase de implementação tem como objetivos:
•
Levantar e catalogar as fontes primárias e secundárias sobre as instituições
escolares, tendo como início o levantamento e catalogação das diversas fontes
primárias (atas, relatórios escolares, periódicos educacionais, impressos de
normatização pedagógica, diários ou semanários de registros de aulas de
professores etc.) e secundárias a respeito dos primeiros grupos escolares que foram
considerados referência de organização das escolas públicas paulistas de ensino
fundamental da região entorno de Campinas (Santa Bárbara d’Oeste, Americana,
Piracicaba e Limeira).
•
Rediscutir a história das instituições escolares pesquisadas a partir da cultura
escolar representada pelo currículo, pelo método de ensino utilizado por seus
professores, bem como pela formação que seus docentes traziam quando da análise
das fontes encontradas.
•
Redimensionar o fazer das Instituições Escolares, antigos grupos escolares e hoje
escolas de ensino fundamental, a partir do engajamento das comunidades locais,
estimuladas por um trabalho de conscientização do valor histórico das instituições,
objetivando projetar propostas pedagógicas que levem em consideração a realidade
social, econômica e cultural de cada escola.
•
Possibilitar a identificação de fontes, as mais diversas possíveis, dos acervos
documentais, iconográficos e orais dos antigos grupos escolares, como forma de
recuperar parte da memória histórica da educação dos municípios pesquisados.
A abordagem em história da educação sobre as instituições escolares é um campo
ainda por ser explorado. Muitos estudiosos, como Fernandes e Magalhães (1999), Saviani
(2004), Souza (2004), Gatti Jr. (2002), Buffa (2002) e outros apontam, a partir de suas
pesquisas, a necessidade de redimensionarmos o estudo a respeito das instituições de
ensino e da cultura escolar como forma de incrementarmos esse novo campo da história da
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Professora do Departamento de Filosofia e História da Educação da FE/Unicamp/Campinas e do Mestrado
em Educação Sócio-Comunitária do Unisal/Americana/SP.
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educação, chamado de história das instituições escolares. Da mesma maneira, a opção
por iniciarmos o debate sobre os rumos que toma o ensino fundamental, a partir do estudo
aprofundado dos primeiros grupos escolares das cidades a serem pesquisadas, decorre do
mesmo entendimento que tem Saviani (2004) e Souza (2004) sobre a importância dessas
instituições na conformação do nosso sistema público de ensino. É no início da Primeira
República (1889 – 1930) que foram divulgadas as idéias educacionais do movimento
republicano e que tiveram a sua expressão na Reforma Paulista de 1892, principalmente na
organização didático-pedagógica inovadora, dada pela implantação dos grupos escolares
paulistas. Essa forma de organização do ensino serviu de exemplo aos outros Estados
brasileiros. Assim explica Saviani (2004, p. 18) como se expressaram as diretrizes do
sistema de educação assumidas pelo poder público em São Paulo e, depois, seguidas pelos
outros Estados Federados.
... é a partir daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter
integralmente escolas, tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a
população. Essa tarefa materializou-se na instituição da escola graduada a partir
de 1890 no estado de São Paulo, de onde se irradiou para todo o país.
De fato, no âmbito dos estados a tentativa mais avançada em direção a um sistema
orgânico de educação no início do regime republicano foi aquela que se deu no
estado de São Paulo. Ali se preocupou preencher os requisitos básicos implicados
na organização dos serviços educacionais na forma de sistema:
a) organização administrativa e pedagógica do sistema como um todo, o que
implicava a criação de órgãos centrais e intermediários de formulação das
diretrizes e normas pedagógicas bem como de inspeção, controle e coordenação
das atividades educativas;
b) construção ou aquisição de prédios específicos para funcionar como escolas;
c) dotação e manutenção nesses prédios de toda a infra-estrutura como escolas;
d) instituição de um corpo de agentes, com destaque para os professores,
definindo-se as exigências de formação, os critérios de admissão e a especificação
das funções a serem desempenhadas;
e) definição das diretrizes pedagógicas, dos componentes curriculares, das
normas disciplinares e dos mecanismos de avaliação das unidades e do sistema de
ensino em seu conjunto;
f) organização das escolas na forma de grupos escolares, superando, por esse
meio, a fase das cadeiras e classes isoladas, o que implicava a dosagem e
graduação dos conteúdos distribuídos por séries anuais e trabalhados por um corpo
relativamente amplo de professores que se encarregavam do ensino de grande
número de alunos, emergindo, assim, a questão da coordenação dessas atividades
também no âmbito das unidades escolares.
Segundo Saviani (Idem, p. 28), diferentemente do Império, houve uma
preocupação no governo republicano paulista em implementar uma política de construções
escolares. Assim, foram construídos na capital e nas principais cidades do Estado, edifícios
que abrigariam as escolas normais e os grupos escolares. Dada a sua importância no
projeto de instrução pública republicano, o grupo escolar:
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... era erigido nas praças ou ruas centrais das cidades, destacando-se entre os mais
vistosos prédios públicos, competindo com a Câmara Municipal, a igreja e as
residências dos poderosos do lugar. Os grupos escolares eram, pois, um fenômeno
tipicamente urbano (...) foram firmando-se como as escolas primárias
propriamente ditas, a tal ponto que grupo escolar e escola primária se tornaram
sinônimos (grifo nosso). (...) os grupos escolares foram disseminando-se pelo
estado de São Paulo, chegando em 1910, a 101, sendo 24 na capital e 77 no
interior (....). De São Paulo o modelo irradiou-se pelos demais estados.
Ainda de acordo com o mesmo autor, o grupo escolar foi o modelo de ensino
primário que se disseminou por todo o país e que deu forma à organização pedagógica da
escola elementar que se encontra atualmente em vigência, pelo menos ao que chamamos de
quatro séries do ensino fundamental. “Com certeza é esse o principal legado educacional
que a fase inicial do ‘longo século XX’ nos deixou (Idem, p. 29)”.
Ora, se a organização do ensino fundamental, que teve o grupo escolar, a escola
primária, como modelo é o nosso principal legado educacional trazido do século XX, como
podemos entendê-la em pleno século XXI? Como um modelo idealizado para um contexto
pode ser implementado em realidades muitas vezes distintas? Além dessa, algumas
questões relativas ao surgimento dos grupos escolares como padrão oficial de escola
podem ser assim resumidas: se o ideário educacional expresso pelo grupo escolar
representou o que entendemos por escolas primárias brasileiras, como se deu a sua ruptura,
ou não, quando na década de 1970, com a Lei 5.692/71, foi substituído pelo ensino de 1o
grau e hoje, com a LDBEN 9.394/96 passou a se chamar ensino fundamental? O que
mudou em termos de cultura escolar? O que se ministrava/ministra enquanto conteúdos do
currículo? O grupo escolar educava ou instruía? E hoje? Que conhecimentos sociais eram
veiculados por essas instituições? Que projeto de sociedade buscava-se e atualmente
busca-se implantar com os ideários educacionais? Quem foram/são os seus professores e
quais métodos pedagógicos utilizavam/am? Qual era o discurso existente quanto à
formação do docente e qual era a realidade que encontramos? E outras que, com certeza,
na pesquisa surgirão do contato com as diferentes fontes de pesquisa encontradas.
Feitas essas observações tomaremos também como apoio de interpretação Souza
(2004, p. 111), que tem seus estudos voltados para a discussão em torno dos grupos
escolares paulistas. Sobre a importância de se estudar as práticas escolares, principalmente
aquelas ligadas à implementação do currículo escolar, a autora afirma que é necessário um
estudo atencioso da questão, já que esse é um campo que carece de análise mais cuidadosa.
Diz ela:
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A questão merece ser examinada no momento em que se verifica um renovado
interesse dos historiadores da educação brasileira pela história do ensino primário,
e sua resposta deve ir além do legal e voltar-se para uma interrogação inscrita no
âmbito das práticas, do modelo de organização escolar e do funcionamento interno
das instituições educativas. Para tanto, tornam-se imprescindíveis os estudos da
cultura escolar que possam explicitar as diversas dimensões do funcionamento
interno da escola em sua relação com a sociedade, particularmente o
funcionamento do currículo. Matéria prima do trabalho docente e razão essencial
da existência da escola...
Gostaria de enfatizar que a escolha dessas cidades da região próxima de Campinas
(Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Piracicaba e Limeira) decorre de serem elas
representativas, no período de implementação dos grupos escolares, de grande incremento
econômico. Como exemplo, lembramos Limeira, que foi a primeira cidade a utilizar o
trabalhador livre em suas fazendas de café, em meados do século XIX, em pleno período
de escravidão. Da mesma maneira, Americana, ou Vila de Americana, comarca de Santa
Bárbara D’Oeste, foi uma vila industrial de fabricação de tecidos, contando com
maquinaria moderna, trazida da Europa pelos imigrantes alemães, principalmente pela
família Muller. É na Vila Carioba que os Müller construíram uma escola para os filhos dos
trabalhadores de sua fábrica de tecidos. Essa escola foi doada para o Estado de São Paulo
que a transformou em grupo escolar, no início do século XX. Vale lembrar que a região de
Piracicaba e Santa Bárbara D’Oeste passava por intenso processo de industrialização,
decorrentes da implantação de usinas açucareiras, de indústrias de implementos agrícolas e
têxteis, como já mencionado.
A partir da minha pesquisa de Mestrado, que contou basicamente com as
informações de fontes primárias sobre a educação mato-grossense, percebi que o estudo
analítico dessas fontes é um rico caminho para entender a cultura escolar e se fazer
História da Educação. Com as análises referentes à implementação do ideário republicano
para a instrução pública paulista na realidade mato-grossense, pude verificar que do ponto
de vista das idéias, parecia que estava tudo de acordo com o que vinha sendo
implementado em São Paulo na Primeira República. O período inicial da República em
Mato Grosso, como também em todo o Brasil, foi marcado por tentativas de adequação
institucional, no âmbito da educação, do ideário republicano. Tal ideário era formado por
bandeiras liberais que propunham a liberdade de ensino, a gratuidade, a obrigatoriedade e a
laicidade para a instrução, além da adoção nas escolas do método pedagógico intuitivo. A
expressão de organização pedagógica desse ideário foi representada pela implantação dos
grupos escolares. No caso de Mato Grosso, a análise da adoção das bandeiras republicanas
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levou em consideração o papel que esse Estado desempenhava na divisão regional do
trabalho. Daí o entendimento porque o ideário não foi incorporado na sua plenitude, não
passando de bandeiras de discurso político, pois na discussão das implantações das
reformas educacionais evidenciou-se que a prática era outra. Sendo assim, acreditamos que
muito pode ser desvelado com a análise das práticas das instituições escolares, respeitandose as suas especificidades locais e regionais.
Também posso dizer que a minha pesquisa de doutorado contribuiu muito para
entender em que medida a atual proposta educacional para o ensino fundamental,
principalmente aquela expressa pelo currículo desse nível de educação, rompeu com o
ideário republicano para a instrução pública verificado na implementação dos grupos
escolares. Essas ponderações não surgiram ao acaso, pois com essa pesquisa resgatei as
raízes liberais e escolanovistas da presente proposta para o currículo do ensino
fundamental.
Com esses estudos pude entender como estão sendo pensadas e implantadas as
políticas educacionais para o momento histórico do capitalismo, sob a égide da
globalização. Dentre as propostas de reformas educacionais, levadas a cabo nos mais
diferentes recantos do planeta, está o cuidado com o currículo e com o conhecimento que
será veiculado pela escola.
Verifiquei que os chamados Temas Transversais (ética, saúde, pluralidade cultural
ou multiculturalismo, orientação sexual, meio ambiente, trabalho e consumo), presentes
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), são os conhecimentos sociais que devem
ser apreendidos por todo cidadão “do mundo”, pois são considerados fundamentais para
unificar a formação e dar coesão para o capitalismo globalizado. Da mesma maneira, o
ideário republicano veiculado pelos grupos escolares tinha todo um arcabouço ideológico
visando à formação da criança, para viver numa sociedade urbana e industrial, onde
valores como obediência, pontualidade, asseio, virtudes morais e valores cívicos e
patrióticos deveriam ser ensinados para formar o espírito da nacionalidade (Cf. SOUZA,
2004, p. 127).
Desde a década de 1990, com a Conferência Mundial de Educação para Todos,
ocorrida em Jomtiem2, onde o Brasil foi signatário dos acordos decorrentes desse encontro,
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Não é demais chamar a atenção para o fato de que o grande financiador das políticas educacionais dos
países em desenvolvimento é o Banco Mundial.
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várias diretrizes educacionais passaram a fazer parte da agenda política da maioria dos
países ocidentais. São elas:
a) a universalização da educação básica nos anos 90;
b) o significado político de uma certa concepção de necessidades
básicas de aprendizagem;
c) o papel do Estado e o financiamento da educação básica;
d) a qualidade na educação enquanto sinônimo de uma percepção
limitada de “aprendizagem” e “avaliação” e;
e) o papel da solidariedade internacional.
Dessa forma, toda uma reestruturação educacional foi desencadeada na maioria
dos países capitalistas, já a partir de 1990. As reformas educacionais, sob o discurso da
“qualidade”3 foram responsáveis, no caso do Brasil, pela promulgação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional de 1996 e com ela a implantação de um novo currículo para
a educação fundamental e para o ensino médio, além de trazer a implementação de
avaliações que, segundo o discurso oficial, significam uma ferramenta fundamental para o
controle da “qualidade” do sistema educacional como um todo.
Já a implantação dos grupos escolares, relembrando, foi legalizada a partir de uma
reforma educacional iniciada no Estado de São Paulo, em 1892, e que foi justificada como
necessária para adequar e instruir os indivíduos para um projeto de sociedade moderna,
urbana e industrial, nos moldes de países “desenvolvidos”, como os Estados Unidos e a
Inglaterra.
Essas relações e mediações são necessárias para que possamos entender a escola
de ensino fundamental hoje. Entretanto, nos chama a atenção o fato de que a maioria dos
educadores que estão atuando nas redes públicas de ensino, principalmente as desse nível,
não tem consciência do significado político das várias reformas, presentes e passadas, se
houveram rupturas ou não com determinados projetos de sociedade que utilizam e
utilizavam a escola para alcançar esse objetivo, bem como qual o papel que cabia aos
educadores nesse processo. Assim, suas ações acabam, na maioria das vezes, convergindo
para reproduzir as “imposições” dos órgãos superiores, sem uma análise mais detida e sem
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É a idéia da reestruturação técnica e burocrática da organização do trabalho escolar, que tem como
referência as transformações postas no mundo do trabalho e nas empresas, que proclamam uma outra lógica
de gestão do trabalho: não mais no molde fordista/taylorista, mas agora sob a ótica do toyotismo, do
trabalhador multifuncional e flexível.
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empreender projetos que rompam com práticas que reforçam as desigualdades sociais na
escola.
Da mesma maneira, o discurso das “novas políticas educacionais” enseja que sua
formulação surge de um “passe de mágica”, desconsiderando toda a história da
conformação do que hoje chamamos “ensino fundamental”. É aí que acredito que um
projeto de pesquisa que resgate as especificidades e conformação da escola pública, no
caso a paulista e de ensino fundamental, é importante para evidenciar como foram
construídas e reformuladas as nossas escolas. Mais que isso, ao buscar entender o
“interior” dessas instituições, as suas práticas, com certeza uma nova direção tomará os
estudos em torno das políticas educacionais e das instituições escolares.
A minha experiência profissional tem demonstrado a necessidade de trabalhos de
pesquisa que estabeleçam um diálogo entre o objeto de estudo e a realidade pesquisada.
Além disso, precisamos socializar o saber elaborado na Academia com aquelas instituições
sociais, como a escola que, por seu caráter de controle já muito discutido, não tem sido o
melhor espaço de desenvolvimento de projetos em que a teoria e a prática estão
articuladas. É mais que sabido que uma visão pragmática de pesquisa considera que a
escola é apenas espaço de implementação de práticas que devem ser pensadas bem longe
dali. A velha dicotomia teoria x prática deve ser posta em suspensão, sendo considerada a
noção de práxis a melhor forma de pesquisar qualquer objeto na área educacional.
Entretanto, acreditamos que esse processo não prescinde de conhecermos a
história da construção das nossas escolas, que é o primeiro passo para entendermos como a
cultura e as práticas escolares foram/são pensadas e implementadas.
Bibliografia Citada
BUFFA, Ester. História e Filosofia das Instituições Escolares. IN: ARAÚJO, José C. S;
GATTI JR., Décio. Novos temas em história da educação brasileira: instituições
escolares e educação na imprensa. Campinas/SP: Autores Associados; Uberlândia/MG:
EDUFU, 2002, p. 25 – 38.
FERNANDES, Rogério; MAGALHÃES, Justino. (Orgs). Para a história do ensino liceal
em Portugal: actas dos Colóquios do I Centenário da Reforma de Jaime Moniz (1894
– 1895). Braga: Universidade do Minho, 1999.
8
GATTI JR., Décio. A história das instituições educacionais: inovações paradigmáticas e
temáticas. IN: ARAÚJO, José C. S; GATTI JR., Décio. Novos temas em história da
educação brasileira: instituições escolares e educação na imprensa. Campinas/SP:
Autores Associados; Uberlândia/MG: EDUFU, 2002, p. 3 – 24.
SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do “longo século XX” brasileiro. IN:
SAVIANI, Dermeval et. al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas/SP:
Autores Associados, 2004, p. 9 – 57.
SOUZA, Rosa Fátima. Lições da escola primária. IN: SAVIANI, Dermeval et. al. O
legado educacional do século XX no Brasil. Campinas/SP: Autores Associados, 2004, p.
109 – 161.
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