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O ARTIGO CIENTÍFICO
características atuais e previsões para seu futuro
Fernando Paganella Pires1
RESUMO
A comunicação científica sofre mudanças e se adapta a novas tecnologias desde que foi
formalizada no século XVII, data de publicação dos primeiro periódicos científicos. Os artigos
científicos, partículas fundamentais para este tipo de comunicação, ainda são a forma
preferencial de troca entre pesquisadores por serem ferramentas ágeis, econômicas e de
fácil divulgação. Em vista disso, o comportamento de cientistas quanto a periódicos eletrônicos é bastante próximo do uso de periódicos impressos, o que resulta na subutilização das
possibilidades que os meios digitais podem oferecer. Estas ferramentas são: a criação de
novos métodos de avaliação por pares, como comentários abertos e públicos para cada texto; difusão automatizada de informações, como através do uso sistemático de DOIs; e a
fragmentação do conteúdo, como, por exemplo, com o uso de Structured Digital Abstracts.
Palavras-chave: Artigo científico. Born digital. Comunicação científica.
1 INTRODUÇÃO
A tecnologia amplia o espectro de possibilidades para a comunicação entre
cientistas já que cada método analógico de comunicação pode ser mimetizado e aprimorado
digitalmente. Isto significa dizer que se antes os cientistas conversavam informalmente em
corredores e por telefone, hoje eles também trocam e-mails ou conversam por mensageiros
instantâneos; se antes os cientistas utilizavam o correio para enviar artigos datilografados
aos editores, hoje fazem o upload de arquivos digitais diretamente para o servidor da revista
e aguardam a resposta dos avaliadores por e-mail. A tecnologia, assim, complementa as
metodologias já consolidadas e, por vezes, até as obriga a evoluir. Contudo, o artigo — uma
das bases da comunicação científica — mantém sua estrutura linear praticamente inalterada
desde a sua origem e os textos hoje publicados, tanto no formato analógico quanto no
digital, são idênticos em sua maioria, fato comprovovável ao se comparar revistas que
publicam nas duas modalidades. Assim, a questão é descobrir quais são as possibilidades do
1
Artigo apresentado como requisito parcial de avaliação na disciplina BIB03226 – Comunicação científica no
campo da informação ministrada pela professora doutora Sônia Elisa Caregnato para a turma do segundo semestre de 2009 do curso de Biblioteconomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail para contato: [email protected]
meio digital ainda não exploradas pelos editores e cientistas que desejam publicar suas
experiências.
Para se fazer a análise, na primeira parte, dados sobre a história da comunicação científica foram buscados e discutidos a fim de se compreender a importância e a estrutura do artigo acadêmico. Apesar de constantes revisões formais quanto a questões de padronização, este tipo de texto mantém uma estrutura fixa até hoje, procurando oferecer
nele mesmo um pequeno panorama do avanço científico de determinada área: há uma revisão da literatura para embasamento, a apresentação de dados de pesquisa nova, a análise
destes dados e uma conclusão que sistematiza aquele conhecimento para os outros cientistas. Trata-se, portanto, de um texto quase completamente linear, por vezes permeado de
figuras ilustrativas, quadros e tabelas, complementares aos sentidos das palavras. Mesmo
sendo esta uma formatação adequada para a publicação em papel, deixa-se de se utilizar
características importantes do meio digital, como os hiperlinks e a hipermídia, que podem
oferecer uma gama completamente nova de abordagens e possibilidades para a construção
do conteúdo. São questionados aqui, portanto, a maturidade dos escritores e dos leitores de
artigos acadêmicos em relação ao uso das tecnologias digitais de escrita e leitura desestruturada, não-linear.
Este questionamento está disposto na segunda parte do presente artigo, onde
são discutidas pesquisas já realizadas sobre o uso de periódicos acadêmicos — digitais e impressos — e outras fontes on-line. Através da análise dos resultados são definidos os comportamentos dos pesquisadores e leitores em relação à comunicação científica dita formal, e
quão sintonizados eles estão quanto às modificações tecnológicas possíveis para tais estruturas. Isto é, nesta seção, é apresentada uma discussão sobre a preferência por periódicos
científicos ou outras fontes de informação, além de uma apresentação de dados sobre o uso
de periódicos digitais e impressos. Não é abordado neste artigo, contudo, a visão dos editores de periódicos, mesmo ela tendo grande relevância. Os cientistas autores de artigos geralmente se adequam às políticas editoriais vigentes, o que exige sua discussão profunda
através de pesquisas rigorosas, o que foi impossível fazer no espaço deste artigo.
Já a abordagem sobre as características inovadoras e disponíveis — porém
subutilizadas — do texto digital aparecem na terceira seção deste texto. Foram analisados
artigos das áreas STM, ou “científica, tecnológica e médica”, na sigla em inglês, onde há a
maior necessidade de tais mudanças. São apresentadas as tecnologias utilizadas e discutidas
suas aplicações hoje em dia, além de se fazer um questionamento sobre o uso destas novas
metodologias pelos escritores e leitores.
A complementação da metodologia de artigos científicos através da tecnologia — como ocorre em outras instâncias da comunicação científica —, desta forma, é uma
preocupação legítima de cientistas da informação, uma vez que estes devem se ater em oferecer a informação mais clara possível aos usuários, além de fomentar políticas de intercâmbio facilitado das mesmas. Nos textos estudados, foi identificada uma preocupação interna
dos pesquisadores das áreas STM sobre o assunto: os estudiosos destas novas metodologias
já estão ligados às áreas STM e, portanto, conhecem as necessidades e prioridades destes
campos a fundo. Contudo, o conhecimento específico do profissional da informação, como o
background sobre fontes e tecnologias informacionais, é importante e, assim, é identificada
uma possibilidade de convergência nos estudos.
2 UMA PEQUENA HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA IMPRESSA
A comunicação científica é geralmente dividida em formal e informal, sendo o
periódico acadêmico o exemplo clássico do primeiro. Isto ocorre, pois, devido a uma série de
fatores desde o seu surgimento este foi o método escolhido naturalmente pelos pesquisadores para transmitirem seus conhecimentos às futuras gerações, proclamando sua originalidade nas pesquisas e abrindo oportunidades para críticas de seus pares. Apesar dos conhecimentos filosóficos já serem repassados desde a Grécia clássica nas Academias, foi na Europa do século XVII que a necessidade por uma formalização desta troca ocorreu.
Stumpf (1996) faz uma síntese sobre o assunto, explicando os principais envolvidos na criação desta nova forma de comunicação de descobertas. Com dois meses de
diferença, em 1665, os dois periódicos seminais surgiram: Journal des Sçavants, editado por
Dennis de Sallo em Paris, e o Philosophical Transactions, iniciado por Henry Oldenburg em
Londres. Apesar da proximidade, os jornais eram bastante diferentes entre si. Enquanto o
primeiro era focado na disseminação de conteúdos variados na área das Ciências, discorrendo desde sobre experimentos, oferecendo resumos de livros e informando o necrológio de
importantes cientistas, o segundo era editado dentro de uma sociedade científica, a Royal
Society. Este fato, portanto, dava ao conteúdo da segunda revista um ar mais específico,
contando também com atas e comunicações internas da referida sociedade. O conteúdo de
estudos experimentais do Philosophical Transactions deu origem e embasamento para a
criação do periódico científico moderno, enquanto o caráter polissêmico do primeiro pode
ter ajudado a caracterizar o periódico moderno de humanidades (MEADOWS, 1999).
O próprio surgimento destas sociedades foi um fator determinante para o impulso da comunicação científica. Antes de seu estabelecimento, os pesquisadores solitários
comunicavam-se privadamente através de cartas, comentando apenas sobre aquilo que
chegava a suas mãos diretamente. Havia uma dependência do correio, especialmente dos
correios reais, mais eficientes formas de comunicação à distância da época. Mas, a partir do
momento em que pesquisadores se reuniam para estudar e comentar juntos os fatos descobertos, também aumentou a necessidade de transmitir estes conhecimentos a outros grupos. Deste modo, pessoas internas a estas sociedades — no caso da Royal Society, quem
tomou frente a esta função foi seu secretário, Henry Oldenburg — passaram a juntar anotações e a imprimi-las em um volume único, pois sua reprodução fora facilitada desde a popularização da prensa.
Ainda, outras características do periódico editado pelas sociedades, segundo
Stumpf (1996), são a brevidade e a especificidade do texto em relação a cartas e atas que
eram trocadas anteriormente, o fato do processo investigativo ser resumido para facilitar a
análise do texto e a impessoalidade na apresentação dos resultados. Percebe-se assim outra
grande diferença entre a simples troca de cartas e a edição de textos padronizados: as correspondências eram dirigidas a pesquisadores definidos — geralmente afins às pesquisas do
cientista que as escrevia —, o que podia causar distorções de ordem de crítica e de análise,
pois facilmente se poderiam evitar críticas indesejadas. A distribuição dos textos em volumes
também exigiu a adoção de uma língua franca para a comunicação entre os diversos pesquisadores espalhados pelo globo, como para os povos nórdicos e seus diversos idiomas e dialetos. Em adição a isso, a publicação de textos curtos e monotemáticos — cada pesquisa resultava em um artigo, e o avanço científico era identificável pelo acúmulo de artigos sobre um
determinado tema — era mais ágil e barata para o autor do que a publicação de monografias. Curiosamente, Newton, por exemplo, é citado como desfavorável à aplicação desta for-
ma de publicação “instantânea”, sentindo-se mais confortável em relação ao livro devido a
sua inerente profundidade de discussão (DE SOLLA PRICE, 19802 apud SCHAUDER, 1994).
A agilidade, que se aproxima do fator custo, portanto, é outro dos fatores que
justificam a existência de periódicos científicos baseados em textos relativamente curtos, os
artigos. A partir do século XVIII os registros publicados em periódicos científicos começaram
a ter outras funções que não apenas as de informar pares sobre novidades. Os artigos começaram a ter a função de registrar — e de tornar disponíveis — as indicações sobre as autoridades e responsabilidades sobre determinadas descobertas, além de facilitarem a indexação
do conteúdo de determinada área em frações menores. Ainda, o próprio custo da publicação
de um artigo é menor do que a publicação de uma monografia completa por um autor, que,
para produzir o segundo, dependeria de uma extensiva coleta e análise de dados.
Já quanto à estruturação dos artigos, Meadows (1999) enfoca a necessidade
de tal preocupação devido ao aumento da quantidade de publicações — segundo Houghton,
19753 (apud Schauder, 1994), havia 700 periódicos médicos e científicos em 1800, enquanto
este número saltou para 10.000 em 1900. Para ele, por mais que os artigos hoje pareçam
estar estruturados de forma óbvia, é preciso levar em consideração de que esta estrutura
está em constante revisão desde o século XVII. Um exemplo é o título dos textos, que no
início tendiam a ser pouco informativos, ao contrário de hoje em dia. Também cabe ressaltar
que hoje outras informações são desejáveis de se expor na página inicial de um artigo, como
a data de recebimento do original, que, mais uma vez, vem atestar a natureza de prioridade
de determinado autor em relação aos outros. Assim, para Meadows:
O aspecto a ser aqui ressaltado é que muitas das mudanças por que têm
passado [os elementos do artigo científico] estiveram relacionadas com o
crescente aumento e complexidade da comunidade científica e com a conseqüente necessidade de melhorar a eficiência de suas atividades de comunicação. (MEADOWS, 1999, p. 13),
o que nos faz questionar qual o próximo passo de aproximação da técnica que se dará.
O texto acadêmico é estruturado e linear a fim de se facilitar a comunicação,
garantindo que o autor seja reconhecido como tendo prioridade em relação àquela descoberta e possibilitando a análise e a crítica por seus pares. Também é importante que sejam
2
DE SOLLA PRICE, D. Terminal librarians and the ultimate invention. In: ANTHONY, L. J. (ed.). EURIM 4: a European conference on innovation in primary publication: impact on producers and users. London: Aslib, 1980. p.
103-106.
3
HOUGHTON, B. Scientific periodicals: their historical development, characteristics and control. Hamden, CT:
Linnet, 1975.
reconhecidos e bem compreendidos os dados utilizados e os embasamentos teóricos feitos
pelo autor, a fim de solidificar a posição daquele texto dentro da Academia moderna. Percebe-se, então, que estas estruturas são baseadas nas necessidades dos contemporâneos do
autor e das disponibilidades técnicas e tecnológicas presentes.
Hoje, contudo, muito é utilizado o meio digital para a propagação do texto acadêmico, mas nem por isso ele se adequou a essa nova tecnologia — notável através da
expansão da quantidade de repositórios digitais e revistas com conteúdo on-line. É válido
perguntar, portanto, a que ponto os pesquisadores estão interessados nas modificações estruturais possíveis pelas novas tecnologias.
3 AS PREFERÊNCIAS NA COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA HOJE
A comunicação científica é feita por cientistas e para cientistas, logo, a fim de
se compreender o uso dos periódicos acadêmicos, deve-se estudar este nicho populacional.
Para tanto, foram selecionadas duas pesquisas, publicadas em 1994 e em 2007, que partem
deste pressuposto para estudar o comportamento dos pesquisadores quanto ao uso dos
periódicos científicos eletrônico.
Contudo, primeiramente, o conceito de “periódico científico eletrônico” deve
ser discutido. Kurata e seus colegas fizeram uma pesquisa sobre este tema e chegaram à
conclusão de que esta definição é variada em diversos autores; que ela era utilizada até a
metade da década de 1990 para designar periódicos relativamente novos e exclusivamente
eletrônicos, mas que agora são compreendidos como versões eletrônicas dos periódicos
tradicionais (KURATA et al., 2007). Ou seja, o próprio conceito não está completamente estabelecido na literatura, mas, atualmente, tende a apontar no sentido de ser uma ferramenta equalizada à publicação impressa, o que, provavelmente, diz bastante sobre seus modos
de uso. As fontes eletrônicas, contudo, não se resumem aos periódicos digitais: também
devem ser levados em conta os repositórios de e-prints, os websites de autores e de instituições acadêmicas, além de discos ópticos e bases de dados.
Esta variedade de fontes, no entanto, não foi suficiente para que seja questionada, no meio dos cientistas, a validade do periódico como ferramenta principal na sua
comunicação: estes profissionais usam ambas as suas formas, independentemente de seu
suporte, em detrimento de outros tipos de fontes. Também foi descoberto nesta pesquisa
que os pesquisadores japoneses têm o artigo acadêmico como fonte primária de informações das áreas científicas, tecnológicas e médicas, provavelmente devido a sua agilidade,
síntese e clareza formal. Cabe ressaltar, contudo, que estas são impressões gerais e médias
retiradas da análise de áreas diferentes: ao mesmo tempo em que o periódico e o artigo
científico são preferidos por todos, eles são mais preferidos pelas áreas da Química e da Patologia, enquanto há, de fato, uma tendência de aceitação entre pesquisadores da Física por
repositórios de e-prints. E estes pesquisadores que, além de consultarem, publicam em tais
repositórios, também publicam em periódicos, demonstrando, novamente, a prevalência do
uso dos periódicos.
Nesta mesma pesquisa, foi descoberto que os pesquisadores profissionais
mantêm o comportamento de procurar copiar os documentos para obter uma posse própria, seja ele um texto eletrônico ou impresso — no caso do artigo eletrônico, ele é salvo no
computador e impresso; e no caso do artigo publicado impresso, ele é fotocopiado. Nos resultados de Kurata e seus colegas, 10% ou menos dos pesquisados lêem os artigos diretamente em seus computadores, e “O baixo uso de arquivos HTML [em detrimento de arquivos PDF], apesar de a referenciação ser facilitada através de hiperlinks, sugere que pesquisadores mantêm os hábitos de leitura tradicionais, apesar de utilizarem ferramentas eletrônicas.4” (KURATA et al., 2007, p. 1408, tradução nossa). Esta preferência não é discutida no
artigo em questão, o que abre precedentes para uma busca mais profunda sobre o tema em
estudos futuros. Tal insistência no formato impresso, ainda, pode ser um indicativo da relutância em ceder às oportunidades tecnológicas que serão discutidas na terceira parte deste
artigo. Outra motivação para esta relutância foi definida pela falta de segurança na acessibilidade, incerta, já que a permanência e preservação do documento digital ainda são mais
sensíveis do que as do documento impresso devido a diversos fatores, como, principalmente, a obsolescência de formatos.
Enquanto isso, Schauder (1994) oferece uma visão ocidental sobre o tema,
analisando o comportamento de pesquisadores dos Estados Unidos da América, do Reino
Unido e da Austrália. O autor comenta, desde o início, que é um consenso entre os cientistas
que os principais fatores para se submeter um artigo a determinado periódico são o seu
prestígio e sua penetração no mercado. Esta preferência é compreensível através do concei4
No original: “The low usage of HTML files, in spite of reference facilitated by hyperlinks, suggest that researchers retain their traditional reading habits, though utilizing electronics tools.”
to de círculo virtuoso (PACKER; MENEGHINI, 2006), que afirma que os periódicos mais importantes e respeitados também são os que mais recebem originais para avaliação. Outra
característica marcante encontrada por Schauder (1994) foi o valor dado à revisão por pares
— 78% deles julga importante este processo, o que demonstra a necessidade da avaliação e
da crítica das pesquisas — e, apenas para confirmar a percepção da importância da comunicação, 95% dos respondentes afirmaram que o texto de outros autores era um fator importante para o seu próprio trabalho.
Schauder descobre em 1994, fato corroborado com as descobertas de Kurata
e colaboradores (2007), que a vasta maioria dos pesquisadores imprimia o artigo eletrônico
em papel para lê-lo, comportamento que permanece até hoje, através da transposição direta do texto que foi composto para ser publicado em um arquivo PDF. Este fator está diretamente ligado às qualidades do texto acadêmico moderno, que apesar do uso incipiente de
hiperlinks, ainda é bastante linear.
Percebe-se, desta forma, que os pesquisadores — como produtores e consumidores de artigos científicos — ainda estão atrelados às características do texto impresso,
que o conhecimento científico é produzido para ser lido linearmente, em papel ou na tela, já
que ambas as tecnologias são utilizadas de modo muito semelhante. Uma hipótese para justificar esta preferência talvez seja o fato de que o papel exige pouco conhecimento técnico
de manuseio: o uso das tecnologias sugeridas na próxima seção talvez ainda exija um estudo
e prática para seu domínio, o que pode dificultar a independência do autor.
4 O ARTIGO NASCIDO DIGITAL
Diferentemente dos textos publicados nas duas modalidades, o texto nascido
digital — o born digital inglês — não é criado para ser lido impresso. Um texto desta categoria é escrito tendo sido levadas em conta as características hipertextuais e hipermidiáticas
dos objetos eletrônicos, dificilmente transpostas para o meio analógico. Ressaltamos, contudo, que apenas ser escrito através de um software de edição de texto não o torna nascido
digital: esta é uma característica inerente de sua estrutura, como a disposição de seções de
forma não-linear, e de uma apresentação final que facilita o intercâmbio de informação, seja
entre pessoas, seja entre computadores.
Foram utilizados, portanto, os escritos de três autores ligados às áreas STM,
especificamente das áreas biológicas. Acredita-se que exista esta prevalência devido à característica inerente das disciplinas das áreas STM. Meadows (1999), por exemplo, é enfático na
distinção de conteúdo das áreas duras e flexíveis: 98,1% dos artigos da área bioquímica se
utilizam de análise quantitativa contra 52,6% da área sociológica; 91% dos artigos da bioquímica incluem gráficos ilustrativos — o que está de acordo com o volume de análise quantitativa neles contido — contra 22,6% de uso de gráficos da área da Sociologia.
A idéia por trás dos artigos born digital, assim, é otimizá-los tanto para a leitura humana no computador e por máquinas ao se apoderar das disponibilidades do hipertexto virtual, além, é claro, de explorar as possibilidades de comunicação telemática propiciadas
pela Internet. Além disso, Seringhaus e Gerstein (2007) comentam da gradual fusão entre
periódicos eletrônicos e bases de dados, apontando o comportamento semelhante que pesquisadores têm frente a estas fontes. Já Shotton (2009) fala de sua visão desta nova metodologia de comunicação, a publicação semântica, que diz respeito a formas de aumentar o valor intrínseco das informações escritas, possibilitando seu cruzamento.
As sugestões dos autores, então, tratam basicamente dos seguintes aspectos:
a revisão por pares, comentários e anotações; o acesso e difusão automática dos textos; e a
fragmentação do conteúdo. Em relação à revisão por pares, Seringhaus e Gerstein (2007)
prevêem diversos níveis. Esta nova metodologia está relacionada a técnicas de open review e
de anotações comunitárias, através das quais os leitores — também cientistas — podem
agregar conhecimento sobre o documento de modo aberto e público, em uma espécie de
curadoria das bases de dados. A característica social da Internet também está caracterizada
nos dois próximos aspectos.
A preocupação com o acesso e com a difusão automática dos conteúdos está
representada na necessidade de existirem buscadores web de texto completo — ou que os
textos possibilitem sua indexação pelos software-aranha destes buscadores. Também, Shotton (2009) afirma que, mesmo que já exista uma utilização de Digital Object Identifiers, ou
DOIs, para artigos acadêmicos, seu uso poderia ser ainda mais sistemático e difundido, possibilitando o desenvolvimento de um “ecossistema” de conteúdo, onde as ligações entre
diferentes textos possam ser facilmente identificáveis.
Outras preocupações quanto à estrutura do conhecimento dos artigos e a sua
fragmentação são a adição de marcadores semânticos de conteúdo pelos autores; uma na-
vegação por abas, ou partes, do texto, propiciando uma leitura não-linear; e o uso de Structured Digital Abstracts, ou SDA, resumos legíveis por computador que facilitariam todas as
sugestões anteriores. Não há dúvidas, portanto, de que sua utilização depende em larga escala dos autores, que, além de precisarem escrever a parte textual, precisariam, em um primeiro momento, também descrever o conteúdo com marcadores semânticos, efetuar ligações com outros artigos e fazer o upload de informações suplementares, como dados quantitativos. Esta última possibilidade, talvez, seja o motivo para a existência de interesse tão
explícito pelas áreas científicas, tecnológicas e médicas, devido a sua dependência da análise
quantitativa.
Diversas também podem se tornar as necessidades caso, de fato, haja um
movimento neste sentido: a criação de uma nomenclatura unificada possibilitaria o intercâmbio semântico entre artigos e a curadoria de bases de dados, através de uma participação ativa no debate e comentários públicos de artigos, deveria ser compreendida como mais
uma forma de contribuição à Ciência. Ou seja: a comunicação científica deslocar-se-ia para o
ambiente digital em sua completude, sendo os artigos produzidos para serem lidos diretamente no computador. A motivação para esta mudança, caso ocorra, é simples: a tecnologia
já possibilita diversos novos usos no espaço do texto científico, usos necessários e importantes especialmente para as áreas do conhecimento que exigem análises quantitativas.
Apesar de todos estes benefícios, como foi discutido anteriormente, os produtores e consumidores de artigos acadêmicos ainda estão atrelados à corporalidade do papel:
muitos, se não quase todos, ainda imprimem a versão digital do artigo para manter uma
cópia pessoal, seja para fazer anotações marginais ou para arquivá-la com suas outras leituras. A subutilização do meio digital, portanto, é conseqüência da falta de interesse por parte
do meio científico contemporâneo, pois um texto nascido digital deve ser criado já tendo em
vista seu material adicional — camadas de comentários, informações suplementares (como
listas e tabelas de dados), abas que desestruturam o conteúdo e marcação semântica para
recuperação automática da informação.
5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES
A evolução da comunicação científica através de vieses tecnológicos é uma
constante histórica. Estas modificações graduais na forma de se fazer Ciência sempre surgem
da vontade dos autores, que adequam as tecnologias às suas necessidades. A comunicação,
então, depende de como os autores e leitores percebem a tecnologia e de como se propõem
a adotá-la.
Diversas são as possibilidades do texto digital — mas não do texto escrito para
ser lido no papel e, então, lido digitalmente: o texto digital aqui discutido é o texto nascido
digital, escrito para ser lido no computador e complementado da hipertextualidade e hipermidiaticidade inerente deste meio. Esta mudança, ao que se descobriu, será bastante lenta,
uma vez que os pesquisadores ainda preferem seus artigos adaptados à linearidade do texto
analógico. Uma sugestão de estudo posterior é compreender, entre os pesquisadores das
diversas áreas do conhecimento, a motivação para a manutenção do comportamento analógico no meio digital. Descobrir por que os pesquisadores imprimem os artigos da Internet
pode ser um passo no desenvolvimento de tecnologias amigáveis para a criação de textos
nascidos digitais.
No entanto, já existem discussões nos meios científicos, tecnológicos e médicos sobre publicações born digital, que abarcam algumas sugestões da seção 4 deste artigo.
Deste modo, tem-se como sugestão para estudos posteriores, uma discussão sobre a implementação destas sugestões em disciplinas humanas e sociais, que, como visto, não depende tão largamente das análises quantitativas das áreas STM. Aqui, também, pode ser
encaixada a discussão sobre a função das políticas editoriais que aceitam artigos para publicação eletrônica: até que ponto os editores destas revistas têm interesse nas possibilidades
subutilizadas no artigo científico?
Ainda, mas não menos importante, é necessário que o cientista da informação
se interesse por estas pesquisas a fim de, caso este realmente venha a ser o modo de publicação acadêmica emergente — não apenas através de periódicos eletrônicos, mas também
de repositórios de e-prints —, ele saiba identificar tecnologias, desenvolvendo-as com viés
universalista de intercâmbio de conhecimento entre os artigos. Isto é, o bibliotecário deve se
juntar a iniciativas de desenvolvimento de novas tecnologias para o texto nascido digital para garantir que haverá padrões úteis, necessários e relevantes ao tratamento dos documentos digitais. Talvez, inclusive, o profissional da informação possa auxiliar na criação de novas
tecnologias de disseminação e publicação seletiva dos artigos eletrônicos.
THE SCIENTIFIC ARTICLE
Its present and future characteristics
ABSTRACT
Scientific communication suffers changes and adaptations caused by new Technologies since
it has been formalized on the 17th century, time of publication of the first scholarly journals.
Scientific articles, elementary particles for this communication, are still the main form of
exchange between researchers because they are fast, cheaper and more easily divulged. On
that account, researchers’ behavior when related to electronic journals is quite similar to the
one related to printed journals. This same behavior is not adequate to the possibilities of the
electronic media such as innovation of peer reviewing systems, automated diffusion of information and content fragmentation (community comments and notes, DOI links and Structured Digital Abstracts, respectively).
Keywords: Born digital. Scientific article. Scientific communication.
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STUMPF, Ida Regina Chitto. Passado e futuro das revistas científicas. Ciência da Informação,
v. 25, n. 3, 1996. 6 f. Parte deste trabalho foi extraída da tese intitulada Revistas
Universitárias: projetos inacabados, apresentada à ECA/USP, em 1994, para obtenção do
título de doutor. Disponível em:
<http://revista.ibict.br/ciinf/index.php/ciinf/article/view/463>. Acesso em: 24 out. 2009.
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Fernando Paganella Pires