Oliveira DC, Clos AC
Editorial
Entre outros objetivos, os periódicos científi-
cos visam à disseminação da produção científica da comunidade de pesquisadores, devendo alcançar os
interlocutores nacionais e internacionais, condição fundamental para que possam contribuir para o avanço do
conhecimento. A disseminação internacional da produção científica da enfermagem brasileira, e também de outras áreas do conhecimento, é prioridade do
momento atual, o que exige eficiência de seus mecanismos de difusão.
A expansão crescente da produção bibliográfica dificultou o acompanhamento da extensa literatura produzida, seja em nível nacional ou em nível mundial. Dessa forma, a indexação em serviços nacionais e internacionais de recuperação da informação é imprescindível para o processo de comunicação e de dar visibilidade à ciência.
A indexação e a qualidade da editoração dos periódicos, além de contribuírem para a recuperação da informação, são importantes para sua difusão e também determinam parâmetros para avaliação da produção
científica nacional e internacional. Vale observar que um dos problemas críticos para os países em desenvolvimento é a reduzida representatividade de sua literatura técnico-científica nas principais bases de dados internacionais.
Considerando a avaliação dos manuscritos submetidos à apreciação do Conselho Editorial e de Consultores
Ad Hoc, nas suas idas e vindas entre autor, editor, conselheiros e consultores, destaca-se a função educativa
do periódico científico, ou seja, a de elevar o nível das contribuições mediante a troca entre parceiros.
É preciso ressaltar que não é somente a circulação do periódico que garante participação da produção científica nacional no desenvolvimento da ciência mundial. Concordamos com o esforço dos editores em apresentar as revistas nos diversos serviços internacionais de informação, assegurando a qualidade dos artigos e
a regularidade das publicações para que, de fato, se concretize a transferência dessas informações à comunidade científica internacional, o que se expressa pela garantia da continuidade do ciclo da comunicação
científica.
As questões de ordem estrutural, ou seja, do espaço e do papel dessa área de conhecimento na estrutura de
ciência e tecnologia do país e da sua inserção no mundo globalizado, começa pelo seu posicionamento
interno no embate com as outras áreas do conhecimento com as quais a enfermagem estabelece interlocução.
Nesse particular, o próprio conceito de qualidade é objeto de debate entre os editores brasileiros e estrangeiros, uma vez que esse conceito estabelece ligação direta com os objetivos que se pretende atribuir aos periódicos científicos.
Em reunião realizada em janeiro deste ano no Fórum Social Mundial, que reuniu pesquisadores de todo o
país, e que recebeu o título de Desenvolvimento Científico e Tecnológico: credencial para a maioridade do Brasil
no cenário internacional, as discussões travadas sobre o ensino e a pesquisa no Brasil destacaram a desintegra-
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ção institucional da universidade, uma vez que os pesquisadores negociam diretamente com as fontes de
financiamento, não havendo nenhuma política institucional adequada, observa-se a supressão da autonomia, ou seja, um estamento burocrático se reproduz como casta acadêmica. Diante desses impasses, destacou-se a necessidade de democratizar o acesso às fontes de financiamento, uma vez que por volta de 100
pesquisadores controlam 60% das verbas de pesquisa no país, e esse processo excludente também é observado na divulgação do conhecimento no país e no exterior, onde a publicação de uma pesquisa brasileira
precisa ser barganhada em função dos interesses regionais dos periódicos ditos internacionais.
Esse encontro apontou, ainda, a contradição entre mercantilizar ou não o ensino e a produção científica,
entre o atendimento da demanda social e a necessidade de dar sustentação a uma produção de conhecimento que está concentrada em 90% nas universidades públicas. A divulgação do conhecimento, por sua vez,
também obedece a esse mesmo comportamento de dependência dos recursos públicos.
Considerando que o desafio do crescimento com justiça social, que se coloca a todos nós já tardiamente,
exige o posicionamento dos cientistas, enquanto construtores do pensamento científico e propulsores do
pensamento social, em torno dos problemas atuais, e a disseminação da informação é um desses problemas.
Esse debate passa por buscar compreender qual a finalidade real, e não apenas aparente, das normas que
criamos e do caminho que estabelecemos como ideal para o alcance da qualidade. As agências de ciência e
tecnologia vêm, de algum tempo, num processo de cartorialização da ciência, e particularmente da pósgraduação e da circulação do conhecimento aí produzido, com um impacto questionável para a almejada
melhoria da qualidade na produção do conhecimento. A avaliação da qualidade da publicação científica é
um desses campos alvo das agências de ciência e tecnologia, através da criação do sistema Qualis, o qual
representa apenas uma ponta de iceberg, na complexa discussão da avaliação da produção científica no
Brasil. Observa-se uma intencionalidade de melhoria da qualidade da informação, mas devemos questionar: além da melhoria da qualidade da informação circulante, a que mais servem os critérios de avaliação?
Quais os produtos e, especialmente, os subprodutos desse processo? Seriam os subrodutos mais nocivos do
que os benefícios buscados?
Essas perguntas não são passíveis de resposta imediata, uma vez que implicam em severa reflexão sobre o
tipo de relações que queremos construir com os nossos pares, com as agências de fomento, e com a cultura
internacional. Se queremos nos tornar apenas reprodutores de regras, ingênuos em acreditar que o seu cumprimento nos assegurará o lugar almejado, o caminho certamente está sendo construído a contento; mas se
queremos criar um pensamento crítico que não apenas se oponha, mas que contribua para o aperfeiçoamento do pensamento hegemônico dos países desenvolvidos, no sentido de ampliar a sua compreensão do que
seja ciência, e das particularidades que essa ciência assume nos países ditos periféricos, então esse debate
está carecendo de maior complexidade, uma vez que a exclusão dos países periféricos do conhecimento
mundial (diga-se dos países centrais) não se dá apenas pelo não atendimento de regras cujo cumprimento
estaria na dependência da vontade individual. Não basta reproduzir as regras e fazê-las cumprir, é preciso
compreender a sua função e contribuir para o seu aperfeiçoamento, tanto em nível nacional quanto internacional.
É preciso fazer com que a ciência brasileira seja reconhecida no mundo, e essa é uma função essencial da
divulgação científica, mas isso não pode ser feito pela obediência servil, mas antes através do compromisso
com a autonomia e identidade nacionais, reconhecendo o nosso papel num mundo globalizado. Se continuarmos a reproduzir acriticamente regras cuja função sequer conhecemos bem, estaremos condenando a
divulgação do conhecimento científico a uma atividade de poucos escritores, poucos leitores e poucos editores. Pensar na democratização da informação no presente momento político e social do Brasil, não é
apenas uma necessidade, mas uma dívida que temos com o Brasil maior.
Denize Cristina de Oliveira
Araci Carmen Clos
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