Projeto
Quixote
Texto: Perla Rossetti
C
om muitas atividades para comemorar o Dia das Crianças, São Paulo
foi surpreendido por um evento inusitado. Jovens do movimento Hip Hop
grafitaram muros do Complexo Presidiário do Carandiru e, ao contrário do
previsto, não foram repreendidos, e sim, aplaudidos. Não se assuste, foi mais
um encontro dos jovens do Hip Hop Urra, atividade que faz parte do projeto
Quixote, que existe desde 1996 e está ligado à UNIFESP – Universidade
Federal de São Paulo – antiga Escola Paulista de Medicina –, também
conveniado com a Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria de Assistência e
Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo.
Trata-se de um projeto social que atende crianças e adolescentes em
situação de risco, ou seja, crianças que estão fora da escola, na rua, ou com
problemas em casa, o que as deixam expostas à violência, ao uso de drogas ou
ainda, à gravidez indesejada.
O projeto, que já atendeu mais de 1.100 crianças e jovens, desde sua
criação, conta com uma equipe de psicólogos, pediatras e arte-educadores,
visando a atenção
à
saúde; a discussão dos problemas junto às famílias,
oferecendo trabalhos pedagógicos, com oficinas artísticas e profissionalizantes:
artes plásticas, percussão, culinária, Hi Hop, teatro, capoeira, futebol e
informática. Ou seja, espaços de expressão, criatividade e afeto, onde as
crianças podem desenvolver suas habilidades, em vez
de perambular pelas
ruas.
Atualmente, atende cerca de 150 crianças e jovens em todo o estado de
São Paulo, mas a falta de recursos impede que alguns meninos e meninas
continuem no projeto, principalmente quando falta o dinheiro do transporte ou da
alimentação. Mas as dificuldades não fazem paralisar as atividades.
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Construção da cidadania
O projeto foi criado para ajudar crianças que no seu dia-a-dia têm pouco
espaço para uma convivência mais saudável. A idéia do Quixote é se aproximar
delas, estabelecer um vínculo, um espaço onde se sintam respeitadas, para dizer
o que estão pensando e, então, juntos criarem um projeto de vida para cada uma
delas, abordando uma questão muito importante, mas às vezes esquecida, a falta
de perspectiva de futuro. Neste momento uma equipe multidisciplinar começa a
agir, de acordo com a necessidade de cada criança ou jovem, conversando com
suas famílias, e pensando juntos num projeto profissional, os profissionais do
Quixote
–
psicólogos
e
pedagogos
–
orientam
e
oferecem
cursos
profissionalizantes para facilitar a busca pelo primeiro emprego. Um processo
longo, de idas e vindas, em que nenhum detalhe como problemas familiares e
ideológicos pode ser esquecido.
Pensando nisso, o coordenador do projeto, Auro Lescher, decidiu se
aproximar do pessoal do Hip Hop, que é o movimento das periferias, com grande
presença entre a juventude, que se expressa, se posiciona e cria. Então porque
não fazer um trabalho preventivo e social junto à força expressiva do Hip Hop?
Procurando parceiros entre os núcleos, ou posses, organizaram uma atividade
coletiva, o Hip Hop Urra, que se realiza em datas comemorativas, em lugares
expressivos da cidade, numa intervenção coletiva que discute temas sociais
mostrando que o adolescente não é sinônimo apenas de problemas ou
degradação. O jovem pobre, negro, da periferia, mal visto pela sociedade,
também cria, tem opinião e, quando encontra um espaço como Hip Hop Urra,
organiza-se para fazer coisas boas, como os grafites em volta do muro do
Complexo Presidiário do Carandiru, onde estão presos alguns familiares de
muitos destes jovens.
Discussões reais
No Dia das Crianças, o tema proposto e discutido pelos jovens foi “Pai herói,
pai vilão”, tema oportuno que rendeu 25 grafites que expressam com muita
criatividade a realidade da juventude. Jovens de posses do Hip Hop no ABC
Paulista – Mauá, Santo André, São Bernardo – e regiões mais próximas, como
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Jabaquara Breakers, Aliados Jabaquara, e outros núcleos de vários bairros,
vieram de longe para deixar sua mensagem, ou melhor, suas imagens.
Com a aprovação imediata da comunidade local que acompanhou durante
todo o dia o desenvolvimento do trabalho, além da imprensa, que se agitou com
a notícia, os jovens do Hip Hop Urra mudaram o muro cinzento do Carandiru, que
jamais será o mesmo, agora, colorido e divertido expressa muitos sentimentos, e
com certeza vai fazer muita gente pensar.
Para Ana Carla Silvestre, psicóloga e coordenadora do Hip Hop Urra, o
projeto Quixote vai mais longe, além do atendimento e pesquisa, quer também
interferir nas políticas públicas – seja nas esferas municipais, estaduais, ou
federais –, por meio das atividades de formação, em que profissionais do projeto
vão para o interior do Estado, falar da sua experiência, multiplicar os
conhecimentos adquiridos sobre os benefícios gerados à população, dando
subsídios e informando quais as estratégias eficientes para enfrentar a
problemática das drogas, da violência, e testar o que dá certo,
informando de
maneira franca, sem repressão.
“É preciso investir em lazer, educação, em espaços de afeto e carinho para
os jovens, pois a prevenção não se faz com palestras ou consternação”,
completa Ana Carla.
Mas o caminho não reserva apenas espinhos. Em 1999 chegou o primeiro
reconhecimento, o projeto Quixote recebeu o Prêmio “Criança 99” da Abrinq, pela
importância dos trabalhos na defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Apesar dos êxitos, o projeto continua a buscar parceiros, empresas que desejam
participar da construção da cidadania de muitas crianças e jovens carentes no
Brasil.
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