Influência da embalagem de atmosfera
modificada e do tratamento com cálcio
na cinética de degradação de ácido
ascórbico e perda de massa em goiabas
(Psidium guajava L.)1
Fábio YAMASHITA2,*, Marta de Toledo BENASSI2
RESUMO
Goiabas de mesa (var. Pedro Sato) no estádio
verde maturo foram armazenadas a 8°C (8595% UR) por 49 dias. Uma parte das amostras
foi tratada com solução de cloreto de cálcio 2%
(p/v) e o restante permaneceu sem tratamento.
Posteriormente, foram embaladas
individualmente em dois tipos de embalagem
de atmosfera modificada (Cryovac PD-900 e
Cryovac PD-961). Goiabas sem embalagem e
não tratadas com cálcio, mantidas à mesma
temperatura de 8°C serviram como controle.
Foram realizadas análises de perda de massa,
acidez titulável, teores de sólidos solúveis
totais e ácido ascórbico. Os frutos embalados
apresentaram taxas de perda de massa menores
que os sem embalagem (p<0,05). Os frutos
tratados com cálcio não apresentaram diferença
na taxa de degradação de ácido ascórbico em
relação aos não tratados e os frutos embalados
com PD-900 apresentaram retenção de ácido
ascórbico maior. Após 4 semanas, as goiabas
sem embalagem apresentaram-se impróprias
para consumo, devido ao murchamento e
ataque de fungos, enquanto que as embaladas
estavam em bom estado. Após a sexta semana,
apenas os frutos embalados com PD-900 sem
tratamento com cálcio estavam próprios para
consumo. A embalagem de atmosfera
modificada reduziu a perda de massa e ácido
ascórbico e prolongou a vida-de-prateleira do
produto. O emprego de cálcio não afetou as
características analisadas.
Palavras-chave: goiaba; embalagem de
atmosfera modificada; cálcio; ácido ascórbico;
perda de massa; vitamina C.
SUMMARY
Influence of modified atmosphere packaging
and calcium treatement on kinetic of
ascorbic acid degradation and weight loss in
guavas (Psidium guajava L.). Fruits of guava
(var. Pedro Sato), at green color stage, were
stored at 8°C (85-95% RH) for 49 days. Part of
the samples was treated with a calcium
chloride solution 2% (w/v) and the other part
remained without treatment. They were
individually sealed in two different modified
atmosphere packages (Cryovac PD-900 e
Cryovac PD-961). Unsealed and non-calcium
treated fruits, stored at 8°C served as controls.
Weight loss, titratable acidity, total soluble
solids and ascorbic acid contents were
determined. Sealed fruits showed lower rate of
weight loss than the controls (p<0.05).
Degradation rate of ascorbic acid was the same
for calcium treated fruits or non-treated fruits
while those wrapped with PD-900 film retained
more ascorbic acid. After 4 weeks, fruits
without package were unsuitable for
consumption due to shriveling and fungal
attack, whereas all wrapped ones were in good
conditions. After six weeks, only the fruits
packaged with PD-900 film were proper for
consumption. The modified atmosphere
packaging reduced weight and ascorbic acid
losses and extended the shelf life of the
product. Calcium application did not affect the
analyzed characteristics.
Keywords: guava; modified atmosphere
packaging; calcium; ascorbic acid; weight loss;
vitamin C.
1 – INTRODUÇÃO
A goiaba é um fruto tropical não climatérico, de sabor e
aroma agradáveis e é considerada uma boa fonte de vitamina
C, apresentando altas taxas de respiração e de perda de massa
e uma vida de prateleira relativamente curta [9].
Uma forma de estender a vida útil do produto é através da
embalagem em atmosfera modificada, que é definida como
sendo a inclusão de produtos alimentícios no interior de uma
barreira a gases, onde a composição inicial do meio gasoso foi
alterada ou se modificará com o tempo [7]. Um dos maiores
problemas na armazenagem de frutos e hortaliças é a perda de
massa por evaporação de água, o que acarreta alterações de
sabor, cor e textura [3]. O uso deste tipo de embalagem,
quando empregada de forma adequada, retarda o
amadurecimento, preservando os seus nutrientes e reduzindo
perda de massa [3, 15].
Em goiaba, os sais de cálcio têm sido utilizados na précolheita [13] e pós-colheita [5] visando prolongar a vida de
prateleira. O tratamento com cálcio teria a função de retardar
os processos de amadurecimento e senescência de frutos e
diminuir a perda de massa, devido à incorporação deste
mineral a estrutura da parede celular, reduzindo a
permeabilidade ao vapor de água e prolongando a vida-deprateleira do produto [10].
Neste trabalho foi estudado o efeito da embalagem e do
tratamento com cálcio sobre a perda de massa e sobre a
cinética de degradação de ácido ascórbico em goiabas
armazenadas sob atmosfera modificada a temperatura de
refrigeração.
2 – MATERIAL E MÉTODOS
2.1 – Matéria-prima
Foram utilizadas 100 goiabas de mesa com polpa vermelha
var. Pedro Sato, em estádio de maturação completo, polpa
firme, casca verde, provenientes da região de Vista Alegre do
Alto SP, com massa média de 192 ± 20g. Os frutos fora dos
padrões de massa e estádio de maturação foram descartados,
assim como os que apresentavam manchas, doenças e injúrias
mecânicas.
2.2 – Tratamento com cálcio
As goiabas foram imersas numa solução 2% (p/v) de cloreto
de cálcio, a 30°C, por 10 minutos. Posteriormente, foram
postas para secar à temperatura ambiente, embaladas,
codificadas, pesadas e armazenadas em câmara frigorífica,
sem pré-resfriamento, a 8°C ± 1°C com umidade relativa de
85-95%. Frutos sem tratamento e sem embalagem serviram de
controle.
2.3 – Filmes plásticos flexíveis
Utilizou-se como embalagem dois copolímeros laminados
produzidos pela Grace Ltda., São Paulo, Brasil, com nomes
comerciais de Cryovac PD-900 e Cryovac PD-961. Os
dados de densidade, espessura e permeabilidade foram
fornecidos pelo fabricante (Tabela 1). Os filmes foram
escolhidos considerando-se essas características, uma vez que
a baixa permeabilidade ao O2 e CO2 não é adequada para
goiabas, que desenvolvem sabor e odor não característicos
[14]. As amostras foram embaladas individualmente em sacos
de 30cm de comprimento e 20cm de largura e seladas com
seladora manual.
2.4 – Análises físicas e químicas
As amostras, dois frutos por tratamento, foram escolhidas
aleatoriamente e analisadas a cada 3 ou 4 dias durante a
armazenagem (49 dias). Estimou-se a vida-de-prateleira com
base na aparência, uma vez que essa é a principal causa de
rejeição para goiaba [14].
2.4.1 - Perda de massa
As amostras foram pesadas periodicamente em balança semianalítica. Foram determinadas as taxas de perda de massa
(Nm) através de regressões lineares, que correlacionaram a
perda de massa com o tempo de armazenagem.
2.4.2 - Acidez titulável e teor de sólidos
solúveis
A acidez titulável (AT) foi determinada segundo as Normas
Analíticas do Instituto Adolfo Lutz [6] e expressa em % de
ácido cítrico. A análise dos teores de sólidos solúveis totais
(SST) foi feita em refratômetro do tipo Abbe. A partir dos
dados obtidos foi, ainda, calculado a relação SST/AT
("ratio").
2.4.3 - Ácido ascórbico
Foi utilizado o método padrão da AOAC [1], modificado por
BENASSI & ANTUNES [2], que substituíram a solução de
extração padrão (ácido metafosfórico) por ácido oxálico. O
emprego do ácido oxálico foi testado para goiabas e observouse extração eficiente, boa estabilidade e coloração límpida do
extrato. Amostras de 25g foram homogeneizadas com 50g de
ácido oxálico 2% em liqüidificador por dois minutos. Uma
alíquota de 20g foi tomada e diluída com a mesma solução
extratora para 50mL em balão volumétrico. Uma alíquota de
10mL dessa solução foi titulada com 2,6diclorofenolindofenol 0,01%, sendo o ponto de viragem
detectado visualmente. Cada determinação foi feita em
duplicata.
O teor inicial de ácido ascórbico foi determinado pela média
de quatro goiabas escolhidas aleatoriamente antes do início da
armazenagem (tempo 0). Os dados de cada armazenagem
foram tratados de maneira a determinar a cinética de
degradação da ácido ascórbico, calculando-se os valores de
taxa de degradação de ácido ascórbico (Naa) e tempo de meiavida (t1/2) [8].
2.5 – Análise estatística
As correlações lineares entre o tempo de armazenagem e a
perda de massa do produto e o teor de ácido ascórbico, foram
calculadas utilizando-se o procedimento REG e para
comparação entre as correlações foi utilizado o procedimento
GLM, ambos do programa SAS [11]. Para cada correlação,
foram computados o nível de significância (P) e o coeficiente
de determinação (r2) [4].
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após 4 semanas de armazenagem a 8°C/85-95% UR, as
goiabas sem embalagem, com e sem tratamento com cálcio, se
encontravam impróprias para consumo, devido ao
murchamento, ataque de fungos e manchas na casca, e as
embaladas estavam em bom estado. Após 6 semanas apenas
os frutos embalados com PD-900, sem tratamento com cálcio,
estavam próprios para consumo, apresentando cor amareloesverdeada, textura firme à compressão como os dedos e
mantendo sabor característico do fruto.
3.1 – Perda de massa
Os valores de Nm e dos coeficientes de determinação e nível
de significância das correlações de perda de massa em função
do tempo estão na Tabela 2. A perda de massa seguiu uma
cinética de ordem zero, correspondendo a uma taxa de
secagem constante, o que é admissível em processos com
grande resistência na interface. O valor médio de Nm para
goiabas sem embalagem foi, aproximadamente, 14 vezes
maior em relação às embaladas. Não foram constatadas
diferença significativa entre goiabas embaladas com
diferentes filmes, a despeito das diferentes permeabilidades ao
vapor de água (Tabela 1).
Observou-se que o tratamento com cálcio, nas condições
estudadas, não afetou significativamente a taxa de perda de
massa da goiaba (Tabela 2). O mesmo foi constatado por
CARVALHO et al. [5], trabalhando com goiabas brancas
variedade Kumagai, para diferentes combinações de
concentração da solução de cloreto de cálcio (0, 4, 5 e 6%) e
tempos de imersão (5, 10, 20 e 30 minutos).
3.2 – Acidez titulável e sólidos solúveis
As amostras apresentaram inicialmente valores de 0,41 ±
0,04% de ácido cítrico e 7,6 ± 0,4ºBrix, para AT e SST,
respectivamente. Os valores de AT, SST e "ratio" ao longo do
período de armazenagem da goiaba estão na Figura 1. Os
resultados obtidos não apresentaram um indicativo claro de
alteração do metabolismo das goiabas embaladas e/ou tratadas
com cálcio em função do tempo de armazenagem. Observouse, apenas, uma tendência de aumento da acidez titulável dos
frutos que serviram de controle, devido a perda de massa, e
uma pequena redução do teor de sólidos solúveis de todas as
goiabas, causando uma redução no "ratio" ao longo da
armazenagem, com exceção das goiabas embaladas com PD-
900 que apresentaram uma queda mais acentuada. SCALON
et al. [12], trabalhando com morangos armazenados sob
atmosfera modificada, também observaram que a aplicação de
cálcio não afetou significativamente características de
qualidade do produto (pH, AT, SST, "ratio").
3.3 – Ácido ascórbico
A goiaba pode ser considerada uma boa fonte de vitamina C,
devido a alta concentração de ácido ascórbico (88,60 ±
6,63mg/100g) encontrada inicialmente no fruto.
As curvas do teor de ácido ascórbico em função do tempo de
armazenagem configuraram um perfil sugestivo de uma
reação de primeira ordem, tanto para goiabas embaladas como
para as não embaladas (Figura 2).
Através de regressão linear com os valores do logarítmo
neperiano do teor de ácido ascórbico pelo tempo de
armazenagem (dias) foram calculados a taxa de degradação da
ácido ascórbico e o tempo de meia-vida [8]. Os valores de
Nvc, t1/2, e os coeficiente de determinação e nível de
significância das correlações estão na Tabela 3.
Os frutos tratados com cálcio não apresentaram diferença
significativa na taxa de degradação de ácido ascórbico em
relação aos não tratados (Tabela 3).
Com relação aos filmes estudados, a embalagem PD-900,
menos permeável ao O2, foi a que proporcionou maior
retenção de vitamina em relação aos demais tratamentos: t1/2
de 68 dias para goiabas não tratadas. Os frutos embalados
com PD-961 apresentaram taxa de degradação
significativamente maiores e, conseqüentemente, t1/2 inferior
a dos demais tratamentos (Tabela 3).
Interessante observar que, durante o período em que as
goiabas se conservaram próprias para consumo, a perda de
ácido ascórbico foi, em todos os casos, inferior a 50% do
valor inicial. A condição que proporcionou maior vida de
prateleira (embalagem PD-900, sem tratamento com cálcio)
foi, também, a que apresentou maior retenção de ácido
ascórbico.
4 – CONCLUSÕES
O emprego de cálcio não afetou significativamente o teor de
sólidos solúveis totais, acidez titulável das frutas e degradação
de ácido ascórbico. Apesar da literatura muitas vezes atribuir
ao cálcio redução na perda de massa, para produtos diversos,
observou-se que o tratamento com cálcio, nas condições
estudadas, não alterou a perda de massa da goiaba.
A utilização de embalagem de atmosfera modificada reduziu a
perda de massa e o ataque de fungos, aumentando a vida-deprateleira das goiabas até um máximo de seis semanas. A
embalagem PD-900 preservou por um tempo maior as
características da goiaba e reduziu significativamente a taxa
de degradação de ácido ascórbico em relação a embalagem
PD-961, provavelmente devido à maior permeabilidade ao
oxigênio e gás carbônico do último. Não foram constatadas
diferenças entre filmes com relação as características físicas e
químicas estudadas (perda de massa, teor de sólidos solúveis
totais e acidez titulável) ao longo da armazenagem.
Durante o período em que as goiabas se conservaram próprias
para consumo, a perda de ácido ascórbico foi inferior a 50%
do valor inicial, confirmando desta forma que o teor de
vitamina C é um bom parâmetro para acompanhar a vida de
prateleira da goiaba.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[14] YAMASHITA, F.;BENASSI, M.T. Influência de
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var. Kumagai. Alimentos e Nutrição, v. 9, n. 1, p. 9-16,
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[15] YAMASHITA, F.; BENASSI, M.T.; KIECKBUSCH,
T.G. Shelf life extension of individually film-wrapped
mangoes. Tropical Science, v. 37, n. 2, p. 249-255, 1997.
1Recebido
para publicação em 15/04/99. Aceito para
publicação em 22/03/00.
2 UEL – CCA – TAM – C.P. 6001 – CEP 86051-970 –
Londrina-PR [email protected]
* A quem a correspondência deve ser enviada.
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