Até quando vamos ser o país do futuro?
Mais um capítulo da novela que trata da regulamentação da moderna
biotecnologia no Brasil é adiado. O que era para ser votado em regime de
urgência, o Projeto de Lei do Executivo sobre biossegurança, após discussões,
emendas, manifestos de grupos pró e contra transgênicos, e outras
peculiaridades, acabou sendo postergado para 2004.
Enquanto isso, certamente, o país assistirá de camarote a mais uma safra ilegal
de soja transgênica espalhando-se pelo Brasil, a pesquisa tão necessária para
responder aos questionamentos sobre a segurança dos transgênicos continuará
parada e os investidores não saberão se o “celeiro do mundo” realmente merece
receber capital para avançar em tecnologia. A mesma tecnologia que não é, ao
contrário do que alguns grupos pregam, monopólio de multinacionais, deixa de
ser gerada aqui, no nosso Brasil, dentro de casa. E surge o grande paradoxo em
torno da novela dos transgênicos: se determinado plantio transgênico for
comprovadamente nocivo, seja para o meio ambiente, seja para o consumo
humano ou animal, os culpados serão, por força de lei, punidos. Mas, e se isso
não for verdade? Ou seja, e se não houver efeitos deletérios decorrentes do
cultivo dessas plantas no Brasil, como acontece nos mais de 60 milhões de
hectares anualmente plantados com transgênicos no mundo? A quem será
atribuída culpa se a falta de regras claras e definitivas comprometer nosso
principal sustento da economia, o agronegócio? Quem responderá por um
eventual atraso tecnológico e, pior ainda, pela dependência de tecnologia
importada? Quem pagará pelo atraso econômico e social que poderá ser
reforçado no país? Deixa o povo pagar, já está acostumado com isso...
Lamentável que uma legislação, a atual legislação de biossegurança, tão
elogiada internacionalmente como uma das melhores do mundo, seja objeto de
um jogo de xadrez político. Lamentável que uma comissão técnica, formada por
profissionais que deram ao Brasil destaque mundial no segmento da genômica
seja, sobretudo nesse momento tão decisivo, desprestigiada e questionada com
relação à sua competência e imparcialidade. Lamentável que se queira misturar,
numa única lei, avaliação técnica de biossegurança e aspectos econômicos,
sociais e, principalmente, ideológicos.
E nos resta a saudade dos banquinhos da escola, das conversas nos centros
acadêmicos das universidades, quando éramos convencidos de que o Brasil
seria o país do futuro. O nosso futuro chegou, a decisão está em nossas mãos,
mas preferimos continuar na mesmice. Sonhar não custa nada, mas o que fazer
se, quando acordados, não conseguimos agir para transformar o sonho em
realidade? Nos resta aguardar que os bastidores políticos definam-se o quanto
antes, torcer para que a ciência vença interesses ideológicos nãosubstanciados, que continuam nos fazendo e nos mantêm eternamente como “o
país do futuro.”
Marcos Faria é engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia, pesquisador da
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e conselheiro do CIB
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Para quem pensava que o destino, pelo menos da legislação