PROF. DR. MILTON ASSIS KANJI
CONSULTOR EM GEOLOGIA, GEOTECNIA, MECÂNICA DAS ROCHAS
M.Sc. (Un.Ill.,USA), Doutor em Ci. Geológicas e Livre-Docente em Obras de Terra (USP)
PARECER TÉCNICO SOBRE AS CAUSAS DA RUPTURA DA
BARRAGEM CAMARÁ
RESUMO EXECUTIVO
O histórico da barragem apresenta uma sucessão de julgamentos inadequados, que superpostos
uns ao outros causaram a ruptura da barragem. Não se pode imputar o lamentável evento da
ruptura a uma só causa.
8.1 Não houve qualquer tipo de seguimento e observação sistemática do comportamento da
barragem durante o enchimento da represa, exceto por algumas visitas de inspeção esporádicas,
a despeito das solicitações da Projetista para que fosse realizado monitoramento das vazões dos
drenos de alívio, verificação por corantes da comunicação com o reservatório de infiltrações por
trincas na galeria da barragem, verificação do carreamento de solo pelos drenos e ocorrência de
artesianismo por vários dos drenos de alívio, entre outras observações.
8.2 Entendemos que a monitoração e a observação do comportamento da barragem é de
responsabilidade direta da Proprietária ou de parte a quem seja delegada essa função, delegação
essa que não houve. Trata-se de atividade corrente em engenharia e manutenção de barragens.
8.3 Não houve atitudes e decisões da Proprietária ou de seus delegados sobre providências para
investigação das causas e condições das observações de ocorrências, nem quanto às
recomendações para o rebaixamento do nível d’água da represa.
8.4 Caso em maio de 2004 tivesse sido tomada a decisão de rebaixamento da represa, o que
ocorreria em cerca de 1 mês, a ruptura não teria ocorrido. Ainda que a decisão tivesse sido
tomada em início de junho, o rebaixamento teria sido suficiente para evitar a ruptura. Haveria
então oportunidade para investigações detalhadas para determinar as causas das anomalias
observadas, caso em que certamente as deficiências teriam sido identificadas e sanadas,
salvando a barragem.
8.5 A laje de rocha remanescente na ombreira esquerda a jusante da barragem, apresenta-se sem
fraturas em larga extensão, fato incomum em tal rocha metamórfica com vários eventos
tectônicos. Esse fato, aparentemente favorável geologicamente, contribuiu para a ruptura da
barragem.
8.6 É também aspecto incomum o solo de preenchimento da falha apresentar-se com alto teor
de mica biotita, auferindo baixa resistência ao cisalhamento. Essa resistência teria sido ainda
mais diminuída por pequenos deslocamentos (imperceptíveis a olho nu e na escala da obra)
devidos ao alívio de tensões pelas escavações, aproximando-se ou atingindo valores de
resistência residual.
8.7 A ruptura ocorreu inicialmente na laje de jusante na ombreira esquerda, cuja espessura é
limitada, proporcionando pouco peso, pela inclinação da falha, pelo seu baixo ângulo de atrito,
e pela subpressão atuante. É provável que corresponda ao primeiro estrondo ouvido.
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8.8 A ruptura da laje de rocha a jusante aumentou o gradiente hidráulico (pela diminuição da
distância de percolação) intensificando a erosão interna (“piping”) que o solo de preenchimento
da falha sob a barragem vinha sofrendo, acabando por remove-lo completamente. Nessas
condições, o bloco de rocha superior à falha e que servia de fundação à barragem teria ficado
suspenso, preso à base da barragem pela aderência entre concreto e a rocha. A livre passagem
de água sob o bloco de rocha e a alta carga hidrostática atuante teriam finalmente causado sua
expulsão, causando a ruptura da fundação da barragem.
8.9 A ruptura se deu pela fundação e não pelo corpo da barragem. A presença da galeria
inclinada junto à base da barragem na ombreira esquerda, representando uma zona de fraqueza,
propiciou que parte do concreto fosse junto ao bloco de rocha expulso. O arco de rocha que
restou sobre a zona rompida permaneceu por 11 dias nessa situação, vindo então a romper,
indicando boas características do concreto.
8.10 A falha subvertical paralela ao rio existente no leito do mesmo junto à margem esquerda,
não teve aparentemente nenhum papel condicionador na ruptura. É possível que a conjugação e
intersecção dessa falha com a zona de cisalhamento (falha da OE) tenha causado a surgência de
água no pé da barragem junto ao muro esquerdo da bacia de dissipação.
8.11 O restante da barragem aparentemente não sofreu nenhum dano, passível de verificação
por inspeção detalhada. Acredita-se que a obra pode ser recuperada, principalmente porque a
feição adversa representada pela falha da OE já foi removida na ruptura. Sua recuperação
requer projeto detalhado.
8.12 A mudança de tipo de barragem de terra para gravidade em concreto CCR não representa
causa da ruptura, pois o local apresenta feições propícias para o tipo adotado, caso não existisse
a falha da OE ou se a mesma tivesse sido removida.
8.13 Houve julgamento inadequado na interpretação geológica da extensão da falha. Pelas
investigações por furos de roto-percussão se concluiu que o “bolsão” de solo se estendia apenas
cerca de 3m para o interior do maciço. O julgamento inadequado pode ser explicado no aspecto
que agora se conhece, pela exposição ampla da superfície de ruptura, de que a mesma apresenta
ondulações (“amêndoas”), fazendo com que o preenchimento apresente grande variação na sua
espessura, inclusive com espessura não detectável por algumas das perfurações feitas. Isso
levou a crer que haviam removido todo o solo de preenchimento e que a fratura não se estendia
mais para o interior do maciço. Foram realizados tratamentos consistindo de remoção do solo,
substituição por concreto, injeções de contacto com caldas de cimento, e construção de muro de
gravidade.
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1 INTRODUÇÃO.
Tivemos o privilégio e a honra de termos sido convidados pelo Ministério Público da Paraíba
para elaborar um Parecer Técnico sobre a ruptura da Barragem do Camará, oficialmente
denominada Ozanete Duarte Gondim, ocorrida em 17 de junho de 2004, no Estado da Paraíba.
Para o efeito, realizamos em 15 de setembro pp. uma inspeção detalhada do local da barragem,
em conjunto com o Eng. Carlos Manoel Nieble (SP), Engos. Normando Perazzo Barbosa e
Ângelo Vieira Mendonça (UFPB), igualmente convidados para apresentar Parecer Técnico, e
acompanhantes do Ministério Público, incluindo o Sr. Procurador de Alagoa Nova. As fotos
representativas tomadas na ocasião são apresentadas neste parecer.
Analisamos extensa documentação proporcionada pelo Ministério Público da Paraíba,
relacionada no ANEXO 1.
Tendo em vista a existência de outros documentos oficiais que descrevem pormenorizadamente
as características do local e da obra, mencionaremos apenas os aspectos e feições de
importância para a análise da ruptura, a fim de evitar repetições e buscar a maior objetividade e
concisão possíveis.
Igualmente, a ordem de apresentação dos itens que julgamos de importância estará de acordo
com o que consideramos ordem lógica. Por isso, inicialmente apresentamos as observações
feitas na inspeção do local, seguindo-se o resumo dos aspectos mais significativos do projeto,
da construção, do enchimento do reservatório e, finalmente, da análise da ruptura e suas causas.
Em todas as fases, sempre que julgado necessário, ressaltaremos os aspectos geológicos que
possam ter tido intervenção na ruptura.
2 PRINCIPAIS DADOS DA OBRA.
A barragem localiza-se no Rio Riachão, afluente do Rio Maranguape, na divisa dos Municípios
de Alagoa Nova e Areia, a 162km de João Pessoa, no Estado da Paraíba.
A geologia do local é constituída de rochas pré-Cambrianas, do Complexo MigmatíticoGnáissico, representadas por migmatitos heterogêneos. No leito do rio, na área do vertedor, são
cortadas por “diques de granito de granulação fina a média”. Estas rochas têm xistosidade com
direção perpendicular ao eixo do barramento, com mergulhos para a ombreira direita. Na
ombreira esquerda, a xistosidade tem mergulho da ordem de 30o a 35o .
A barragem é do tipo de gravidade em concreto compactado a rolo (CCR), com coroamento na
cota 465m, e bacia de dissipação na elevação 416m(?). A face de montante, em concreto
convencional é vertical, e a de jusante tem inclinação (H:V) de 0,4:1 da crista até a elevação
457m e daí para baixo tem inclinação 0,8:1. A base tem 49,18m de largura. O vertedor, situado
na parte central da barragem tem crista na cota 461m. A barragem possui galeria de inspeção e
drenagem, sendo horizontal na parte central e inclinada junto às ombreiras.
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Pela Referência 2 (Anexo 1), se sabe que a cortina de injeções de caldas de cimento foi
realizada entre estacas 0+0,67 a 4+4,67 (ou seja, cobrindo toda a Ombreira Esquerda) (OE), a
cada 3,5m, a 0,75m da parede de montante, com profundidades de 9 a 28m. A linha de furos de
drenos, distante de 3,5m de furo a furo, com profundidades de 11 a 28m, foi realizada a 6,75m
de distância da linha de injeções. Na estaca 6+12,2m possui tomada d’água constituída de
tubulação de 0,8m de diâmetro, com válvula dispersora a jusante de 0,4m de diâmetro.
A obra foi executada pelo Consórcio CRE – ANDRADE GALVÃO.
3 HISTÓRICO DO TIPO DE BARRAGEM ADOTADO.
A obra foi inicialmente prevista como barragem de terra, segundo o projeto básico da
ATACEL-GEOTECNIA, de 1997, apresentado à CAGEPA (Referência 4, Anexo 1), época em
que foram realizadas as sondagens a percussão e rotativas, ao longo do eixo da barragem de
terra.
No Memória Descritivo e Justificativo do projeto original de 1997, a consideração sobre as
condições geológicas do local são assim expressas:
“(Pág. 29) As rochas apresentam-se compartimentadas em maciços, limitados superficialmente
por solos de constituição argilo-siltosa e para a profundidade, pelas fraturas de lasqueamento
resultantes de alivio de pressão a que as rochas foram submetidas....
....pela análise dos testemunhos de sondagem realizados, estas fraturas ocorrem até
profundidade de cerca de 14m da superfície do terreno no domínio das ombreiras do
barramento e de cerca de 4,3m no talvegue do vale.
Estas fraturas podem se constituir em planos de fugas ou perdas d’água (como pode-se
comprovar pelos testes de perda d’água realizados) como em pontos de quebra de estabilidade
do barramento, pois são os únicos locais onde pode haver ação significativa de pressão neutra.
(Pág. 30) As condições topográficas do local do eixo barrável são favoráveis à implantação de
barragem de terra ou de enrocamento, ou mesmo concreto compactado a rolo. Os taludes das
ombreiras são íngremes e apresentam blocos soltos, merecendo especial atenção no que diz
respeito à estabilidade, estando condicionando esta à remoção desses blocos.
(Pág. 31) A estanqueidade das fundações...se apresenta como um problema a ser solucionado.
A ombreira esquerda apresenta valores elevados de perda d’água até profundidade média de
10 a 12m,.... chegando a ser impermeável ao atingir 15m de profundidade. Na porção central
do vale a permeabilidade é desprezível a partir de 4m de profundidade. Para os primeiros 4m a
perda d’água foi total ou apresentando valores elevados de permeabilidade.
(Pág. 32) ...é indispensável o tratamento das fundações por meio de injeção de calda de água e
cimento de acordo com um plano a ser definido.” (Nossos grifos)
Ressalta-se que foram reconhecidos os aspectos de existência de fraturas de alívio de tensões
(aproximadamente paralelas à superfície topográfica) e seu condicionamento nas
permeabilidades das fundações, exigindo projeto e tratamento específicos, a serem definidos.
Outrossim, o local foi considerado apto, tanto para barragens de terra como para enrocamento
ou mesmo de concreto compactado a rolo.
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A Licitação para construção tem o número 003/1998 e o contrato o número 014/1998. A Ordem
de Serviço 001/2000 datada de 08.05.2000 previa 840 dias corridos (dados segundo Referência
2, Anexo 1).
Conforme consta do relatório da SEMARH de fevereiro de 2002 (Referência 5 do Anexo 1),
que se reporta ao Parecer Técnico 0292/2002, depreende-se que após a licitação e trabalhos
preliminares para implantação da obra (quando a 9a. medição já havia sido realizada), realizouse a adequação do projeto executivo da barragem em terra, tendo-se então adotado o tipo de
barragem gravidade em CCR.
4 REGISTROS
CONSTRUÇÃO.
DE
ASPECTOS
DA
FUNDAÇÃO
DURANTE
A
A construção foi realizada durante o ano de 2001, tendo sido completada e inaugurada em
Fevereiro de 2002. Nesse período, a documentação permite reconstituir alguns fatos,
investigações e trabalhos adicionais, bem como decisões tomadas, conforme se descreve a
seguir.
Em 14.02.01 (Relatório Diário de Obra - RDO 007) ocorre a visita do Geól. Alexandre Sagnori
para inspeção das fundações e elaboração de procedimentos de tratamento de falha com
preenchimento de solo com cerca de 30cm de espessura, encontrada na OE. As considerações
técnicas da visita constam da Referência 11 (Anexo 1) da Holanda Engenharia Ltda. Pode-se
concluir que essa falha tenha motivado a realização prévia de 3 sondagens rotativas (SR 01 a
03), pois menciona-se que a mesma foi também interceptada entre 9,5 e 11m de profundidade
na sondagem SR03 (com perda d’água total no ensaio de perda d’água).
Durante a visita do mencionado geólogo, foram realizadas e acompanhadas 4 perfurações com
perfuratriz (rock drill) no sentido da extensão lateral do preenchimento de solo da fratura e
foram anotadas as profundidades máximas de 3m e mínima de 1,6m.
O modelo resultante da interpretação geológica adotada, é reproduzido na FIGURA 1 a seguir.
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FIGURA 1: Reprodução da Figura 01 do Relatório BAR.010-R0 de Março/01
O mesmo relatório menciona as medidas de tratamento da ombreira em função da existência da
falha, conforme transcrito abaixo (págs. 4 e 5):
a) Limpeza e proteção da superfície da OE com ênfase para os planos de xistosidade
perpendiculares ao eixo da barragem com preenchimento de +/- 30cm. Sugere-se
concreto varrido ou similar.
b) Proteção da zona de preenchimento da OE para posterior execução do plano de
injeções adensado e com controle específico. Sugere-se muro de concreto ou concreto
projetado.
c) Retirada do material de preenchimento e sua substituição por concreto. Sugere-se a
retirada de seções de 3m de comprimento por desmonte hidráulico e preenchimento
com concreto projetado em trechos sucessivos ou alternados.
d) Ênfase em todo plano de injeções e drenagem ao longo do eixo da barragem, com
adensamento da malha na zona de preenchimento. Complementação dom linha
perpendicular à primária, ao longo do preenchimento no sentido de jusante, com
controle rigoroso e testes de permeabilidade. Sugere-se diferentes traços de calda.
e) Proteção a montante da barragem na interseção da zona de preenchimento com apoio
do maciço em CCR. Sugere-se solo ou concreto projetado.
Como Comentários Finais, o mesmo relatório menciona que:
“Entende-se que a solução mais objetiva para a questão do preenchimento na OE seria a
retirada do material, complementada pelo desmonte da cunha instável acima desta zona.
Entretanto, devido aos risco operacionais e de segurança, bem como do comprometimento do
cronograma, segere-se um dos tratamentos, b) ou c), citados acima.”
Depreende-se claramente que a interpretação dada, auxiliada pelas perfurações realizadas foi a
de uma fratura com preenchimento de solo, cuja profundidade máxima na ombreira seria de 3m.
Dessa forma, ter-se-ia acreditado que a remoção e substituição por concreto do solo da fratura,
conforme recomendação c) acima, seria medida apropriada e suficiente. Entende-se que o muro
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de concreto proposto teria a função de evitar o deslizamento da placa de rocha situada acima do
preenchimento da falha, para fins de segurança durante os serviços de tratamento da mesma.
Em 14.08.01 o RDO 023 registra que foi realizado o esgotamento e limpeza das fundações.
Em 20.09.01 registra-se pelo RDO 030 nova visita do Geól. Alexandre Sagnori (possibilitado
pela limpeza acima mencionada), quando orienta quanto à complementação por injeção do
tratamento da falha, conforme esquema reproduzido na FIGURA 2.
FIGURA 2: Orientação para injeções de cimento complementares ao tratamento
da falha da OE, notando-se também o muro de proteção em concreto.
Em 24.09.01 cita-se (RDO 031) que foi iniciada a escavação manual da falha da OE no poço de
inspeção. Estavam em execução 2 furos (próximos ao furo 133) para realização de ensaios de
perda d´água, solicitados pelo Geól. Alexandre Sagnori. Em 28.09.01 (RDO 034) estava em
andamento a escavação manual para tratamento da falha.
Em 28.09.01 (RDO 034) “foi entregue...o projeto BC-HOL-E-016 do muro esquerdo da bacia
de dissipação”, estando “em andamento a escavação manual de blocos de rocha a jusante da
ombreira esquerda e do ‘peito’ de montante, para tratamento da falha da ombreira esquerda”.
Em 02.10.01 (RDO 035) houve visita de inspeção com a presença dos Engos. Gilmar Ferreira
da Silva, Antonio Soares da Silva e Francisco Leonam Holanda, da SEMARH, quando, após
remoção de zona de rocha fraturada, se verificou a presença de bolsão de rocha decomposta na
base da OE, decidindo-se que será totalmente removido até encontrar rocha sã.
Em 16.10.01 o Email do Eng. Francisco Holanda orienta quanto ao tratamento da falha da OE,
solicitando:
“- limpeza fina do trecho escavado, expondo contatos preferenciais com material rochoso;
- inserir pelo menor cindo tubos de diâmetro 1/2” de PVC ou galvanizado....Estes tubos serão
posteriormente injetados após a complementação da concretagem”
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Em 16.10.01 (RDO 038) “foi iniciado o tamponamento da falha da OE, no trecho de montante,
conforme orientação preliminar da Consultoria”.
Em 23.10.01 (RDO 041) foram iniciadas as injeções de contacto no preenchimento da falha da
OE.
Em 26.10.01 (RDO 042) se encaminha “croquis do projetista com a nova conformação do
muro esquerdo da bacia de dissipação, com o objetivo de conter parcialmente o talude da
Ombreira Esquerda, que se apresenta com inclinação negativa e material fraturado em alguns
pontos, minimizando os riscos para o muro da bacia de dissipação, decorrentes de material da
Ombreira.”
Os demais RDOs não mais tratam do assunto da falha da Ombreira Esquerda e do seu
tratamento, relacionando-se a outras partes da obra.
Dispõe-se de algumas fotos de aspectos da época de construção, que ilustram a ocorrência da
falha da OE e de seu tratamento, apresentadas pelas FOTOS 1 a 5, anexas. Pelo fato de não
terem identificação não se conhece suas datas e seus locais exatos.
FOTO 1: Aspecto geral da OE durante FOTO 2: Aspecto da falha aflorando nas
construção.
escavações da OE.
FOTO 3: Aspecto de tratamento da falha da OE FOTO 4: Aspecto de tratamento da falha da
OE
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FOTO 5: Aspecto de tratamento da falha da OE
Em Fevereiro de 2002 foi apresentado pela SEMARH um relatório de “Justificativas para
Alteração das Quantidades Contratuais” (Referência 5 do Anexo 1), onde constam os perfis
longitudinais do eixo da barragem, representando as situações Original, Previsto e Realizado.
A obra foi inaugurada em Fevereiro de 2002, sabendo-se que com o reservatório praticamente
vazio, devido à ausência de chuvas na época.
4 REGISTROS DE OBSERVAÇÕES APÓS A CONSTRUÇÃO E
DURANTE O ENCHIMENTO DO RESERVATÓRIO.
Após o término da obra, o Relatório BAR.012-R0 de 19.10.02, da Holanda Engenharia Ltda.
registra as observações feitas em inspeção da estrutura de concreto (CCR e CCV), com a
participação de representantes técnicos da SEMARH, e do Consórcio CRE – ANDRADE
GALVÃO. Ressalta-se a observação referente às Transições da Galeria de Drenagem na
Ombreira Esquerda:
“No entorno da estaca e-04 conforme Projeto, foi constatado um vazamento no teto entre as
juntas de pré-moldados que indica uma comunicação muito direta com o reservatório situado
na elev. 431,50m. Considerando que a lâmina d’água ainda é pouco expressiva acima do teto
da galeria nesta estaca, esta percolação deverá ser estancada de alguma forma.
Existe a possibilidade de que tenha ocorrido uma trinca na região gerada pela descontinuidade
na fundação nesta região, a despeito da linha de ação e de providências que foram adotadas
na época.
Recomenda-se que seja feita uma investigação minuciosa pelo paramento de montante, se
possível com auxílio de mergulhadores. Uma possibilidade de identificação da origem do
problema, poderia ser feito por montante uma aspersão com pó xadrez (cor azul ou vermelha),
distribuído bem próximo da parede, verificando-se a alteração provável da coloração efluente
na galeria. Em função dessas constatações, será elaborado um procedimento de reparos para a
área afetada.”
Embora a ocorrência tenha sido verificada internamente na galeria de drenagem, foi
estabelecida uma possível ligação com a falha da OE. Não se encontraram indicações de que
tenham sido realizadas as investigações recomendadas. Constata-se que o nível d’água da
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represa (NA) situava-se na época na elevação 431,5m, portanto cerca de 30m abaixo da soleira
do vertedor.
No primeiro semestre de 2004 ocorreram chuvas que causaram pela primeira vez o enchimento
do reservatório. Não se tem conhecimento de que tenha havido uma monitoração sistemática da
barragem desde ser final de construção, incluindo instrumentação de medidas de
deslocamentos, de níveis piezométricos em diferentes pontos da fundação, e do NA do
reservatório. Os registros de NA do reservatório são esparsos e não sistemáticos, e foram
sintetizados na Referência 1 do Anexo 1, conforme a FIGURA 3 abaixo, que representa os
dados de observação e também a curva contínua da simulação do enchimento progressivo.
FIGURA 3: Enchimento do reservatório da barragem Câmara (Ref.1, Anexo 1)
Portanto, se verifica que, desde junho de 2002, até princípios de janeiro 2004, o reservatório
permaneceu com NA entre elevações 430m e 440m. Somente na segunda quinzena de janeiro
de 2004, com fortes chuvas que incidiram na região, o NA alcançou elevações da ordem de
450m, quando então subiu lentamente até a elevação 454,50m, existente na época de ruptura.
Afora o relatório de 19.10.02, acima mencionado, não existem, no nosso conhecimento, até
inícios de 2004, outros dados de observação da barragem. Apenas a partir de fevereiro de 2004,
portanto logo após o enchimento significativo da represa, temos observações de alguns fatos e
relatos de anomalias, as quais são sintetizadas na Tabela 1, anexa.
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TABELA 1: Resumo de observações sobre a barragem de Camará a partir de janeiro de 2004.
DATA
10.02.04
10.03.04
11.03.04
26.03.04
03.05.04
17.05.04
19.05.04
21.05.04
24.05.04
25.05.04
07.06.04
17.06.04
OBSERVAÇÃO
FONTE DE
REFERÊNCIA
(ANEXO 1)
Inspeção pelo Proprietário constata ruído d’água na galeria e carreamento de material Refs. 1, 17
nos drenos da galeria (foto 10-02 12 e 14), e mancha de umidade no pé do muro
esquerdo, na região da falha (fotos 10-02 06 e 13), obstrução da tubulação de
drenagem da galeria (foto 10-02 15)
NA reservatório na elevação 451m; observada mancha de umidade no pé na margem Ref. 17
esquerda da bacia de dissipação
Inspeção pelo Proprietário constata continuidade de carreamento de material nos Ref. 1
drenos da galeria
Relatório da Projetista alerta sobre carreamento de material pelos drenos da galeria, Ref. 1 e 17
relatando observações mencionadas acima, referente a data 10.02.04. Recomendação
de observar comportamento acompanhando elevação do NA da represa.
NA reservatório na elevação 453m
Inspeção conjunta do Projetista, do Consórcio CRE – Andrade Galvão e Ref. 16
representante da COGERH. Constatações:
Inundação da galeria (até 6,5m) por entupimento de tubo de drenagem,
decidindo-se pela abertura de janela para escoamento da água;
Identificados 3 pontos com artesianismo nos drenos (2 na OE, elev. 434m e
439m) e 1 na OD (elev. 429m), recomendado instalação de registros para
medir a pressão do artesianismo;
Decisão de chamar especialista em geologia para avaliação.
Início da abertura da janela para esgotar a galeria
Memorandum interno da Proprietária alertando sobre os riscos da barragem e Ref. 1
reportando as seguintes observações:
Vazamento com surgência a partir do paramento montante com vazão
preocupante;
Mais da metade dos drenos de alívio estão obstruídos
Altas vazões nos poucos drenos que estão funcionando
Acúmulo de água na galeria está na cota 430m (altura de 5m)
Continuação das chuvas na região
Emissão do Relatório de Inspeção Técnica, realizada em 08.05.04, com as seguintes Ref. 10, 11
observações:
Ponto de percolação no contacto do maciço com a rocha a 21m de altura acima da
bacia de dissipação e distante 32m do muro do vertedor nessa mesma cota (Foto 7)
Poucos drenos estão em funcionamento na parte horizontal da galeria
Recomendação de abrir janela para esgotamento e posterior reforço de injeções de
consolidação
Conclusão da abertura da janela para esgotar a galeria.
Reunião em que se constata o agravamento da situação, com recomendação de Ref. 1
proceder ao rebaixamento do NA da represa, monitorar a vazão dos drenos com
artesianismo
Ocorrência da ruptura da barragem
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5 DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA DA RUPTURA.
No dia seguinte à ruptura da barragem, o local foi objeto de documentação fotográfica, por
diversas fontes. Reproduzimos a seguir, nas FOTOS 6 a 9, algumas delas mostrando aspectos
de interesse para a análise da ruptura.
FOTO 6: Face de montante da barragem, FOTO 7: Detalhe da OE rompida a montante
vendo a ruptura pela OE e a clara marca do da barragem.
NA da represa.
FOTO 8: Vista da ruptura, de jusante, notando- FOTO 9: Aspecto da ruptura da fundação da
se a extensa laje de rocha sã exposta.
barragem, vista de jusante.
Os danos às populações vizinhas e obras de infraestrutura foram amplamente divulgados na
época pelos meios de comunicação.
Teve-se a informação que o arco remanescente da barragem de concreto, claramente visto na
FOTO 9, ruiu 11 dias após a ruptura da barragem.
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6 OBSERVAÇÕES REALIZADAS NA INSPEÇÃO AO LOCAL (14.09.04)
A inspeção que realizamos ao local permitiu constatar as principais feições do local,
objetivando esclarecer aspectos geológicos e geomecânicos que possam auxiliar na análise das
causas da ruptura e seu mecanismo.
O aspecto geral da barragem, vista ao longo do seu eixo, é mostrada na FOTO 10, onde se
constata que o arco havia sofrido colapso. A FOTO 11 detalha a vista do desmoronamento.
FOTO 10: Vista longitudinal ao longo da barragem, vendo-se a parte desmoronada
do arco do corpo da barragem que permaneceu 11 dias suspenso após a ruptura.
FOTO 11: Montagem fotográfica, mostrando o desmoronamento do arco
de concreto, notando-se a boa continuidade das camadas de CCR.
A área rompida da OE é mostrada pela montagem da FOTO 12, e a FOTO 13 apresenta a
mesma superfície, porém tomada de baixo para cima.
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FOTO 12: Montagem fotográfica com vista geral da ruptura da OE. Nota-se a laje de rocha sem
fraturas, e a zona de cisalhamento preenchida na parte superior (indicada por flecha).
FOTO 13: Montagem fotográfica da superfície de ruptura da OE tomada de baixo para cima,
notando-se a integridade da laje de rocha e a camada alterada, denominada “falha da OE”.
Aproximadamente no local indicado pela flecha foram obtidas amostras de solo da falha.
Na ocasião da visita solicitamos a coleta de solo do preenchimento da zona de cisalhamento, no
local indicado na FOTO 13, o que foi realizado posteriormente com acompanhamento do Eng.
Angelo Vieira Mendonça (UFPB). As 2 amostras amolgadas (de aproximadamente 1kg cada
uma) foram enviadas posteriormente, as quais foram encaminhadas para o Laboratório de
Mecânica dos Solos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde se realizaram
ensaios de caracterização (granulometria com sedimentação e limites de Atterberg) e ensaios de
cisalhamento direto com interface rígida, a fim de obter-se o ângulo de atrito residual
(conforme método publicado por M. Kanji, “Determinação de FI residual de Solos Argilosos
por Ensaio de Cisalhamento Direto de Interface Lisa”, 11o Congresso Brasileiro de Mecânica
dos Solos e Engenharia Geotécnica, ABMS, Brasília, Vol 2, pags. 713-719). Os resultados de
tais ensaios constam do ANEXO 2.
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Os principais aspectos geológico estruturais podem ser bem observados na parte terminal de
jusante da superfície de ruptura, mostrada na FOTO 14 e com a representação indicativa das
feições geológicas na FOTO15.
FOTO 14: Parte terminal da superfície de ruptura, onde podem
ser observadas diversas feições geológicas estruturais.
FOTO 15: Interpretação geológica da FOTO 14.
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Pelas FOTOS 14 e 15 acima pode-se notar as seguintes feições:
A rocha é formada por migmatito com bandamento, alternando camadas claras
(neossoma lecocrático, mais quarto feldspático e mais resistentes) com camadas escuras
(paleossoma mesocrático, biotítico), orientadas na mesma direção do rio,
aproximadamente.
A xistosidade do migmatito tem a mesma orientação do bandamento, N40oE, com
mergulho de cerca de 35o para SE, portanto inclinada em direção ao rio.
A rocha exposta corresponde ao plano inferior da chamada “falha” da OE, que se
constitui em zona de cisalhamento (ZC), preenchida com solo de alteração, de natureza
arenosa fina micácea.
A alternância de camadas claras e escuras e as condições do metamorfismo
(dúctil/rúptil) provocaram “ondulações” perpendiculares ao bandamento, com
inclinações importantes, indicando que a zona de cisalhamento possui ondulações na
forma de “amêndoas”, portanto não tendo suas paredes perfeitamente paralelas, mas
com ondulações no sentido perpendicular ao rio.
Existem fraturas de “alívio de tensões” ou de “alívio de carga”, aproximadamente
paralelas à superfície topográfica original, abertas, e preenchidas em diferentes graus
por produtos de alteração.
Na margem esquerda do rio ocorrem outros tipos de rocha (xisto, granito), com
orientações diferentes da rocha da ombreira esquerda, indicando a existência de falha
paralela ao rio e intrusão posterior.
A ombreira direita apresenta a mesma rocha da ombreira esquerda, porém com
xistosidade com maior mergulho, em conseqüência da falha existente no rio.
O modelo geológico do local pode ser representado esquematicamente como mostrado na
FIGURA 4.
FIGURA 4: Representação esquemática do modelo geológico do local da barragem.
É oportuno esclarecer que em geologia, o termo “falha” corresponde a um plano de ruptura
natural, que apresenta deslocamento da rocha de um lado com relação ao outro, e não no
sentido de “falta ou omissão”.
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7 CONSIDERAÇÕES E ANÁLISES
FUNDAÇÕES DA BARRAGEM.
SOBRE
A
RUPTURA
DAS
7.1 ADOÇÃO DO MODELO GEOLÓGICO DURANTE CONSTRUÇÃO.
Durante o período construtivo foi encontrada a chamada falha da OE, tendo-se interpretado essa
feição como sendo limitada e não contínua em profundidade, conforme ilustrado na FIGURA 1
(Capítulo 4) acima. Essa conclusão do geólogo especialista foi também apoiada por prospecção
expedita realizada através de perfurações a roto-percussão. Portanto, ter-se-ia acreditado que a
remoção do solo de preenchimento e sua substituição por concreto, complementada por
injeções de contacto, como ilustrado na FIGURA 2 (Capítulo 4) seria adequado e suficiente
para garantir estabilidade da fundação da barragem.
A esse respeito, consideramos ter havido julgamento inadequado do geólogo na interpretação
dessa feição, cujo motivo reside no fato de que a feição apresenta “amêndoas”, resultando em
espessamentos e adelgaçamentos da zona de cisalhamento. Como mostrado esquematicamente
na FIGURA 5 abaixo, a prospecção realizada encontrou uma das regiões de adelgaçamento,
induzindo ao julgamento inadequado na interpretação do aspecto dessa feição geológica.
FIGURA 5: Esquema reconstituindo a interpretação geológica feita durante construção,
apoiada por perfurações, na qual não se percebeu a continuidade da zona de cisalhamento
(ZC), devido a ondulações e adelgaçamentos da mesma, conduzindo a julgamento
inadequado das características da feição geológica.
O julgamento inadequado na interpretação é justificado pelo fato de que a feição foi
interceptada entre 9,5 e 11m de profundidade na sondagem FR03 (com perda d’água total no
ensaio de perda d’água), sondagem esta distante 3m a 4m da parede da escavação realizada em
direção ao vertedor, portanto fora do maciço remanescente. Por outro lado, a sondagem
adicional SR03, distante cerca de 4m da parede de escavação, não indica claramente a presença
da zona de cisalhamento.
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A despeito disso, o citado especialista julgou ter feito interpretação correta. Esteve também
preocupado em sanar uma fratura sub-vertical alterada (mostrada na FIGURA 1).
Foram realizados intensos trabalhos de tratamento para sanar a feição encontrada, consistindo
de escavação e substituição do solo da fratura, realizada por partes para não descalçar e
instabilizar a laje de rocha superior, preenchimento de concreto e injeções de contacto, além da
construção de espesso muro de concreto (ver FIGURA 2).
Elaboramos a seção geológica ao longo do eixo da barragem com as sondagens então
disponíveis (do Projeto Básico), apresentada na FIGURA 6, bem como incluindo as 3
sondagens adicionais realizadas durante a construção por recomendação do geólogo,
apresentada na FIGURA 7.
Em ambas as figuras mencionadas, indicam-se por zonas sombreadas as possíveis correlações
entre trechos de recuperação de testemunhos diminuída, que poderiam corresponder a feição ou
feições lineares alteradas, que apresentam resistência diminuída. As diminuições da
porcentagem de recuperação poderia ter levado a suspeitar da existência de feição linear
alterada, com as seguintes espessuras:
FURO
FR1
FR2
FR3
SR01
SR02
SR03
TRECHO
(m)
7 – 8,5
8 – 9,5
9,5 - 11
COMPRIM.
(m)
1,5
1,5
1,5
RECUPER.
(%)
92
82
15
ESPESSURA DE
SOLO (m)
0,12
0,27
>0,3
OBSERV.
Não indica
Dúbio
Dúbio
Na FIGURA 8 se representam as mesmas informações, porém incluindo a superfície de ruptura
ocorrida, concluindo-se que a ruptura ocorreu por um dos planos presumidos pela interpretação
geológica das sondagens.
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FIGURA 6: Seção geológica elaborada a partir das sondagens do Projeto Básico.
FIGURA 7: Seção geológica elaborada a partir das sondagens do Projeto Básico
e 3 sondagens adicionais.
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FIGURA 8: Seção geológica elaborada a partir das sondagens do Projeto Básico e das
3 sondagens adicionais, indicando (em vermelho) a posição da superfície de ruptura.
Em resumo, o julgamento inadequado julgamento na interpretação geológica da chamada falha
da OE conduziu a executar tratamentos que foram julgados adequados e suficientes, mas que
em realidade não o eram, permitindo a preservação da presença da extensa zona de
cisalhamento.
A outra conclusão fundamental é a de que a ruptura ocorreu por essa feição geológica presente
no interior do maciço de fundação da barragem na ombreira esquerda.
7.2 MONITORAMENTO E OBSERVAÇÃO DA BARRAGEM NO ENCHIMENTO DO
RESERVATÓRIO.
Pelos dados disponíveis, sabe-se que na 2a quinzena de janeiro de 2004 o NA da represa
aumentou significativamente, da elevação aproximada 431m para cerca de 446m, e que em 10
de março encontrava-se em 451m. Portanto, desde esta época o reservatório se apresentava
praticamente cheio, faltando apenas 10m para alcançar a elevação da soleira do vertedor.
Foram inúmeras as indicações de anomalias observadas desde o início do enchimento do
reservatório, detalhadamente mencionadas na TABELA 1, sumarizadas a seguir:
Em 19.10.02 em reunião da Projetista com representantes da Proprietária se constatou
trinca na galeria de drenagem, possivelmente ligada à presença da falha da OE.
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Já em fevereiro de 2004, detectou-se carreamento de material pelos drenos da galeria.
Em março se observaram surgências de água no pé da barragem na margem esquerda,
junto ao muro do vertedor.
Em maio a galeria se encontrava inundada, com cerca de 5 ou 6m de água sobre o trecho
horizontal, por entupimento de tubo de drenagem gravitativa.
Desde maio houve recomendação da Projetista para o rebaixamento do reservatório para
investigar infiltrações na galeria e situação dos drenos, vários deles com artesianismo.
Em 7 de junho houve reunião em que constatou o agravamento da situação, se analisou
a possibilidade de rebaixamento do reservatório e monitoração da vazão dos drenos com
artesianismo.
Por outro lado, consta que a Proprietária não manteve equipe de observação da barragem,
apenas realizando visitas esporádicas de inspeção. Apesar da constatação das anomalias citadas,
não se tem conhecimento de atitudes adotadas para sana-las ou para a investigação das suas
causas.
Ressalta-se que a observação e o monitoramento de barragens é obrigação da Proprietária,
constituindo atividade obrigatória, conforme notoriamente estabelecido na prática corrente da
engenharia de barragens, constante do Manual de Segurança e Inspeção de Barragens, do
Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica, Departamento de
Projetos e Obras Hídricas (2002), e de publicações especiais do Comitê Brasileiro de Barragens
– CBDB e do International Committee on Large Dams - ICOLD. Consideramos obrigação o
conhecimento de uma ou várias dessas publicações e a aplicações de suas recomendações.
As anomalias observadas acarretam condições que permitem concluir sobre a ocorrência das
seguintes conseqüências:
Com a ocorrência de carreamento de material (solo) pelos drenos situados na galeria junto à
base da barragem, houve lavagem de solo de preenchimento da fratura correspondente à zona
de cisalhamento. Em conseqüência, os drenos não causaram a esperada redução de carga
hidráulica, mas sim fizeram com que o ponto de maior carga hidráulica (que normalmente se
situa junto à face de montante da barragem ou mais a montante ainda), se deslocasse para a
posição dos drenos, conforme diagrama mostrado na FIGURA 9.
A não remoção total da zona de cisalhamento preenchida por solo, na ombreira esquerda, mas
praticamente aflorando junto ao pé da barragem junto ao muro esquerdo da bacia de dissipação,
e a existência de alto gradiente hidráulico no pé da barragem (maior que 1), representa condição
suficiente para alguma erosão do preenchimento dessa fratura.
A não tomada de atitude e decisão de rebaixar o reservatório permitiu o prosseguimento e
agravamento do mecanismo de erosão interna (“piping”) instalado, o que finalmente conduziu à
ruptura da barragem pela sua fundação.
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Além da falha na observação técnica e monitoramento durante o enchimento da represa,
consideramos que a atitude correta e prudente teria sido a decisão de rebaixamento do
reservatório, para investigação dos problemas e sua correção. Caso a decisão tivesse sido
tomada em 17 de maio de 2004, acatando a recomendação de rebaixamento, os cálculos
hidráulicos demonstram (Ref.1, Anexo 1) que em 30 dias o NA da represa teria se rebaixado à
elevação 421m, e se tomada em 21 de maio, no mesmo período teria se rebaixado à elevação
429m. Portanto, não teria ocorrido a ruptura da barragem.
7.3 MECANISMO DA RUPTURA.
As interpretações anteriores da ruptura (Refs. 1 e 2) coincidem na interpretação de que a ruptura
se iniciou na laje de rocha da margem esquerda imediatamente a jusante da barragem. A nossa
observação do local, ilustrada nas FOTOS 12 e 13, igualmente corrobora esta conclusão.
A razão de tal ruptura reside no fato de que com o alteamento do NA do reservatório,
estabeleceu-se um regime de percolação de água ao longo da zona de cisalhamento, de
montante para jusante, com gradativa perda de carga. Nota-se que a laje de rocha remanescente
é praticamente isenta de fraturas. O mesmo deve ocorrer com a laje superior deslocada com a
ruptura, pois os blocos de rocha no leito do rio correspondem à laje superior deslocada, não
apresentando fraturas naturais, mas sim fraturas frescas de rocha sã, que se formaram no
momento da ruptura. Portanto, a percolação ocorreu ao longo de toda a extensão da fratura.
Essa situação, para o NA máximo alcançado no enchimento do reservatório, é apresentada na
FIGURA 9, que representa a laje de rocha em vista frontal e em corte transversal, assumindo-se
por simplificação que a perda de carga é linear.
FIGURA 9: Esquema representando a laje de rocha acima da zona de cisalhamento
(falha da OE) em vista frontal e em seção transversal. Indicam-se também o NA
da percolação na falha e as forças atuantes na laje superior.
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Trata-se de situação de exceção, causada pelas peculiares condições geológicas do local. Em
geral, e como norma, os cálculos de estabilidade de fundação de barragem de gravidade adotam
a premissa da existência de fendas verticais junto à face de montante e junto ao pé de jusante.
No presente caso, a fenda a jusante ocorre a grande distância do pé da barragem propiciando a
atuação de maior subpressão na base da laje de rocha.
Outra situação anômala e de exceção consiste na natureza do preenchimento da falha,
fortemente biotítica. A presença da biotita (mica preta) reduz grandemente a resistência ao
deslizamento, pelo fato de que esse mineral em si apresenta baixo coeficiente de atrito, e a
orientação dos minerais paralelamente ao plano da falha causa ainda maior redução.
Adicionalmente, nas escavações certamente ocorreu alívio de tensões, que teria provocado
ligeiro deslocamento da falha, suficiente para reduzir grandemente a resistência ao
cisalhamento do material. Por esses motivos, é plenamente justificável utilizar o ângulo de
atrito residual determinado em laboratório, que simula o deslocamento do preenchimento em
contacto com a laje de rocha.
A análise de estabilidade da laje superior à falha, a jusante do pé da barragem, pode ser feita
pelo equilíbrio limite de sua base, no sentido de sua inclinação. Os cálculos são demonstrados
no ANEXO 3.
Pode-se concluir pela análise que a elevada subpressão (resultante das pressões hidrostáticas
atuantes sob a laje) e o baixo ângulo de atrito disponível na falha, causaram condições de
instabilidade, comprovando que a ruptura iniciou-se na laje a jusante da barragem, provocando
o seu deslocamento e fraturamento em grandes blocos.
Embora não tenha havido testemunhas da ruptura, é bastante provável que o primeiro estrondo
ouvido corresponda à ruptura da laje a jusante da barragem.
Em seguida, o processo de erosão interna já instalado no preenchimento da falha sob a
barragem desenvolveu-se com maior intensidade, pois o gradiente hidráulico aumentou
sobremaneira, causando a erosão completa do preenchimento. Isto deu passe livre à água do
reservatório pela fratura lavada. Nessa situação, acredita-se que o bloco de rocha da parte
superior da fratura ainda estava ligado à base da barragem, pela aderência entre o concreto e a
superfície da rocha, estando suspenso, pois sua base havia sido erodida. Com a livre passagem
de água induzindo tensões cisalhantes na base do bloco e a alta carga hidráulica atuante, o bloco
de rocha ligado à barragem não resistiu às forças atuantes, e rompeu. É bastante provável que o
segundo estrondo que foi ouvido corresponda à ruptura do bloco aderido à barragem.
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8 CONCLUSÕES.
Dos dados e considerações acima apresentadas, chega-se às conclusões a seguir apresentadas.
O histórico da barragem apresenta uma sucessão de julgamentos inadequados, que superpostos
uns ao outros causaram a ruptura da barragem. Não se pode imputar o lamentável evento da
ruptura a uma só causa.
8.1 Não houve qualquer tipo de seguimento e observação sistemática do comportamento da
barragem durante o enchimento da represa, exceto por algumas visitas de inspeção esporádicas,
a despeito das solicitações da Projetista para que fosse realizado monitoramento das vazões dos
drenos de alívio, verificação por corantes da comunicação com o reservatório de infiltrações por
trincas na galeria da barragem, verificação do carreamento de solo pelos drenos e ocorrência de
artesianismo por vários dos drenos de alívio, entre outras observações.
8.2 Entendemos que a monitoração e a observação do comportamento da barragem é de
responsabilidade direta da Proprietária ou de parte a quem seja delegada essa função, delegação
essa que não houve. Trata-se de atividade corrente em engenharia e manutenção de barragens.
8.3 Não houve atitudes e decisões da Proprietária ou de seus delegados sobre providências para
investigação das causas e condições das observações de ocorrências, nem quanto às
recomendações para o rebaixamento do nível d’água da represa.
8.4 Caso em maio de 2004 tivesse sido tomada a decisão de rebaixamento da represa, o que
ocorreria em cerca de 1 mês, a ruptura não teria ocorrido. Ainda que a decisão tivesse sido
tomada em início de junho, o rebaixamento teria sido suficiente para evitar a ruptura. Haveria
então oportunidade para investigações detalhadas para determinar as causas das anomalias
observadas, caso em que certamente as deficiências teriam sido identificadas e sanadas,
salvando a barragem.
8.5 A laje de rocha remanescente na ombreira esquerda a jusante da barragem, apresenta-se sem
fraturas em larga extensão, fato incomum em tal rocha metamórfica com vários eventos
tectônicos. Esse fato, aparentemente favorável geologicamente, contribuiu para a ruptura da
barragem.
8.6 É também aspecto incomum o solo de preenchimento da falha apresentar-se com alto teor
de mica biotita, auferindo baixa resistência ao cisalhamento. Essa resistência teria sido ainda
mais diminuída por pequenos deslocamentos (imperceptíveis a olho nu e na escala da obra)
devidos ao alívio de tensões pelas escavações, aproximando-se ou atingindo valores de
resistência residual.
8.7 A ruptura ocorreu inicialmente na laje de jusante na ombreira esquerda, cuja espessura é
limitada, proporcionando pouco peso, pela inclinação da falha, pelo seu baixo ângulo de atrito,
e pela subpressão atuante. É provável que corresponda ao primeiro estrondo ouvido.
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PARECER TÉCNICO SOBRE RUPTURA BARRAGEM CAMARÁ – MIN. PÚBLICO PARAÍBA (R0)
Alameda Santos 2527 Ap.55, CEP 01419.002, S.Paulo. T/F (011) 3083.7740 / 9127.7218 Email: [email protected]
PROF. DR. MILTON ASSIS KANJI
CONSULTOR EM GEOLOGIA, GEOTECNIA, MECÂNICA DAS ROCHAS
M.Sc. (Un.Ill.,USA), Doutor em Ci. Geológicas e Livre-Docente em Obras de Terra (USP)
8.8 A ruptura da laje de rocha a jusante aumentou o gradiente hidráulico (pela diminuição da
distância de percolação) intensificando a erosão interna (“piping”) que o solo de preenchimento
da falha sob a barragem vinha sofrendo, acabando por remove-lo completamente. Nessas
condições, o bloco de rocha superior à falha e que servia de fundação à barragem teria ficado
suspenso, preso à base da barragem pela aderência entre concreto e a rocha. A livre passagem
de água sob o bloco de rocha e a alta carga hidrostática atuante teriam finalmente causado sua
expulsão, causando a ruptura da fundação da barragem.
8.9 A ruptura se deu pela fundação e não pelo corpo da barragem. A presença da galeria
inclinada junto à base da barragem na ombreira esquerda, representando uma zona de fraqueza,
propiciou que parte do concreto fosse junto ao bloco de rocha expulso. O arco de rocha que
restou sobre a zona rompida permaneceu por 11 dias nessa situação, vindo então a romper.
8.10 A falha subvertical paralela ao rio existente no leito do mesmo junto à margem esquerda,
não teve aparentemente nenhum papel condicionador na ruptura. É possível que a conjugação e
intersecção dessa falha com a zona de cisalhamento (falha da OE) tenha causado a surgência de
água no pé da barragem junto ao muro esquerdo da bacia de dissipação.
8.11 O restante da barragem aparentemente não sofreu nenhum dano, passível de verificação
por inspeção detalhada. Acredita-se que a obra pode ser recuperada, principalmente porque a
feição adversa representada pela falha da OE já foi removida na ruptura. Sua recuperação
requer projeto detalhado.
8.12 A mudança de tipo de barragem de terra para gravidade em concreto CCR não representa
causa da ruptura, pois o local apresenta feições propícias para o tipo adotado, caso não existisse
a falha da OE ou se a mesma tivesse sido removida.
8.13 Houve julgamento inadequado na interpretação geológica da extensão da falha. Pelas
investigações por furos de roto-percussão se concluiu que o “bolsão” de solo se estendia apenas
cerca de 3m para o interior do maciço. O julgamento inadequado pode ser explicado no aspecto
que agora se conhece, pela exposição ampla da superfície de ruptura, de que a mesma apresenta
ondulações (“amêndoas”), fazendo com que o preenchimento apresente grande variação na sua
espessura, inclusive com espessura não detectável por algumas das perfurações feitas. Isso
levou a crer que haviam removido todo o solo de preenchimento e que a fratura não se estendia
mais para o interior do maciço. Foram realizados tratamentos consistindo de remoção do solo,
substituição por concreto, injeções de contacto com caldas de cimento, e construção de muro de
gravidade.
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M.Sc. (Un.Ill.,USA), Doutor em Ci. Geológicas e Livre-Docente em Obras de Terra (USP)
9 ENCERRAMENTO.
Encerramos este Parecer Técnico, compreendendo 26 páginas de texto e 3 Anexos,
permanecendo à disposição do Ministério Público da Paraíba para quaisquer esclarecimentos
julgados necessários.
Aproveitamos a oportunidade para agradecer as atenções recebidas por parte do Ministério
Público da Paraíba e pela sua colaboração durante os contactos realizados e a visita de campo
para inspeção da obra.
São Paulo, 16 de novembro de 2004.
MILTON ASSIS KANJI
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parecer técnico sobre as causas da ruptura da barragem camará