As causas e as formas de prevenção sustentáveis das enchentes urbanas
Cláudia Maria Basso Poli (1)
(1) Arquiteta e urbanista - PPGEC, UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected]
Resumo: Este trabalho tem por finalidade estudar as enchentes urbanas, elucidando suas causas, para
que seja possível propor medidas e novas tecnologias para combatê-las, através de programas e políticas
urbanas. A intenção é, primeiramente, detalhar todas as causas das inundações urbanas, na macro e na
micro escala, objetivando entender os fatores envolvidos e, com isso, obter soluções que evitem os
desastres e que tornem as cidades sustentáveis sob esse aspecto. Para isso, esse artigo utiliza, como
metodologia, o estudo da bibliografia e, para ampliar a abordagem, também analisa as ocorrências
registradas nos últimos anos. Como resultado, o presente trabalho revela as formas de prevenção das
enchentes e como esses métodos podem ser utilizados continuamente, para que as cidades suportem essa
condição ao longo dos anos.
Palavras-chave: enchentes; inundações; sustentabilidade.
Abstract: This paper aims to study the urban flooding, elucidating its causes, so that it is possible to
propose measures and new technologies to combat them, through programs and urban policies. The
intention is, first, to detail all the causes of urban flooding, the macro and micro scale, aiming to
understand the factors involved and thereby obtain solutions that prevent disasters and to make
sustainable cities in this regard. For this reason, this article uses as a methodology, the study of literature
and, to extend the approach, also analyzes the incidents recorded in recent years. As a result, this work
reveals the ways of prevention of floods and how these methods can be used continuously for cities to
support this condition over the years.
Keywords: floods; sustainability.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, houve um intenso crescimento urbano decorrente, dentre outros fatores, da migração de
pessoas do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida, resultando, assim, no inchaço
dos centros urbanos.
Junto com esse crescimento, algumas dificuldades surgiram devido à forma como ocorreram o uso e a
ocupação do solo. Um desses problemas consiste no aumento significativo da impermeabilização dos
solos, o que provocou uma demora na infiltração das águas nos terrenos. Outro foi a manutenção de
grandes volumes de terras por meio de terraplanagens, provocando assoreamentos e diminuição da
capacidade de vazão dos sistemas de drenagem urbana. E, como um terceiro fator, passaram a ser feitas,
cada vez mais, canalizações de cursos d’água, causando acúmulos e alterações nas vazões naturais das
águas.
Todas essas dificuldades propiciaram o acontecimento de grandes inundações e, como forma de combatêlas, torna-se importante o planejamento ordenado de todos esses aspectos.
Como reduzir o volume de chuvas não é possível (nem é desejável), torna-se necessário pensar em outras
formas de conter o excessivo acúmulo de águas. Em cidades em que o volume médio de chuvas nos
meses mais molhados do ano é de cerca de 200 milímetros, ou o equivalente a 200 litros de água, em 1
metro quadrado por mês, tornam-se controláveis os alagamentos. Contudo, às vezes, o volume mensal
desaba de uma só vez, em um único dia de chuva intensa, o que ocasiona verdadeiros desastres nos
municípios.
Como as vias de escoamento da cidade não dão conta de drenar tanta água e os rios estão cada vez mais
estreitos e rasos, o resultado são ruas alagadas, trânsito e todo o caos conhecido.
A partir da pesquisa das enchentes urbanas, o objetivo desse trabalho será analisá-las a fundo, verificar as
causas dos alagamentos e propor medidas e novas tecnologias para combatê-las.
O presente trabalho se justifica pela necessidade de diminuir o número de mortes e de destruições
causadas pelas enchentes. Não existe fórmula para evitar as enchentes urbanas, mas a proposição de
algumas mudanças na estrutura das grandes cidades pode ajudar a minimizar o efeito do excesso de água.
O método proposto para este trabalho será a análise da bibliografia sobre o assunto e, também, a análise
dos episódios já ocorridos, diagnosticando suas causas e consequências. O método escolhido foi esse,
porque se constitui a melhor forma de entendimento do assunto.
2. CAUSAS DAS ENCHENTES URBANAS
As áreas urbanizadas são as que mais explicitam as intervenções do homem no meio natural. As novas
edificações, o desmatamento, as canalizações dos cursos d’água, a poluição do ar, da água e a produção
de calor acarretam diversos efeitos sobre os aspectos do ambiente. As alterações no meio ambiente
causadas pelas atividades nas cidades são sentidas pelas populações, tais como o aumento da temperatura
nos centros urbanos, o aumento das chuvas e, por fim, as enchentes. Essa última consequência da
urbanização teve como principal causa a construção de edifícios, indústrias, ruas implantadas em áreas de
várzeas ou margens dos rios e é, nos dias de hoje, um problema recorrente nos períodos chuvosos nas
principais cidades do mundo.
As inundações são fenômenos naturais que acontecem quando a ocorrência de chuvas é alta e a vazão
ultrapassa a capacidade de escoamento. Em outras palavras, quando a chuva é intensa e constante, a
quantidade de água nos rios aumenta, extravasando para as margens (áreas de várzeas). Todos os canais
de escoamento possuem essa área de várzea para receber o excesso de água, quando ela ultrapassa os
limites dos canais. Contudo, com as interferências do homem sobre a natureza, as enchentes são
intensificadas, devido às alterações no solo, como a urbanização, a impermeabilização, o desmatamento e
o desnudamento (eliminação da vegetação).
O processo de urbanização ocasiona mudanças no microclima dos municípios. O constante processo de
desmatamento e a construção de edificações, indústrias, ocupação das áreas de várzeas e a
impermeabilização do solo acarretam um aumento de temperatura das cidades em relação às áreas de
periferia, áreas afastadas do centro, e às áreas rurais. Em alguns municípios, essa diferença de temperatura
pode atingir até 10°C. Além do desmatamento e da impermeabilização do solo, o consumo de
combustíveis fósseis por automóveis e indústrias torna a cidade uma fonte de calor, que é o fenômeno
denominado “ilha de calor”. O aumento de temperatura nos centros urbanos intensifica a evaporação e,
além disso, o material particulado em suspensão favorece a formação de núcleos de condensação na
atmosfera. O resultado é o aumento da quantidade de chuvas.
No entanto, as enchentes não resultam apenas do aumento das chuvas, mas, principalmente, do aumento
da velocidade das águas de escoamento superficial, causado pela impermeabilização do solo. Além disso,
todos os dias, os rios recebem uma carga de águas servidas, o esgoto, o que também contribui para
aumentar a quantidade de água no leito dos rios.
Em condições naturais, parte da chuva fica retida nos troncos e folhas, e o escoamento superficial é retido
por obstáculos naturais, gerando maior percolação e retardando a chegada da água nos cursos de água.
Quando a cobertura vegetal é retirada, não há essa resistência ao escoamento, e a água atinge os rios com
maior facilidade e rapidez, contribuindo também com o assoreamento dos rios, pois, sem a cobertura
vegetal, os sedimentos são carregados pela água e acabam depositados no fundo dos leitos dos rios. Este
fato é, ainda, agravado quando há impermeabilização do solo.
Outro fator que agrava as inundações nos centros urbanos é o entupimento dos bueiros, causado pelo lixo
jogado nas ruas por parte da população. Em dias de chuva, com a impossibilidade do escoamento pelos
bueiros, a água concentra-se nas ruas de forma muito rápida, ocasionando muito transtornos no trânsito e
no comércio, além de atingir residências e causar todo o tipo de estragos.
3 CONSEQUÊNCIAS DAS ENCHENTES URBANAS
As inundações representam uma verdadeira ameaça para as populações, sobretudo nas áreas de periferia,
onde há deficiência de coleta e tratamento de esgoto. Em épocas de chuvas, a população tem contato com
a água contaminada, contribuindo para a propagação de doenças como a leptospirose.
As enchentes urbanas causam muita destruição e mortes, como será evidenciado no capítulo a seguir.
O processo de urbanização no Brasil, atualmente, ocorre intensamente e, na maior parte dos casos, sem
planejamento. Muitas áreas são ocupadas e loteadas, de forma clandestina ou não, contribuindo para os
processos de erosão. Esta urbanização descomedida também leva a população a busar a ocupação de áreas
dos leitos dos rios ou dos mananciais.
Isso tudo só agrava o problema das enchentes nas grandes cidades. As soluções encontradas para conter,
dentro do possível, as inundações seguem uma linha imediatista na tentativa de alcançar a resolução do
problema a curto prazo. Dentre as ações, destacam-se as obras de desassoreamento dos rios (retirada dos
sedimentos depositados pela água) e, consequentemente, o aprofundamento do leito, com canalização e
construção de reservatórios regularizadores de vazão.
4. ENCHENTES OCORRIDAS NOS ÚLTIMOS ANOS
A problemática das enchentes urbanas é comum em todo o mundo. Dentre os maiores desastres ocorridos
nos últimos tempos, encontram-se as inundações ocorridas no Paquistão, China, Brasil, Uganda e Haiti.
A Tabela 1 demonstra, em números, os últimos eventos ocorridos em todo o mundo.
TABELA 1 – Enchentes ocorridas nos últimos anos no mundo. Fonte:
http://institutoparacleto.org/2013/03/13/pesquisa-sobre-desastres-climaticos-pelo-instituto-paracletoparte-i/ (2013)
No Rio Grande do Sul, as maiores enchentes ocorreram nos municípios de São Borja, Uruguaiana e
Itaqui.
A Tabela 2 demonstra os últimos eventos ocorridos e a precipitação registrada.
TABELA 2 – Enchentes ocorridas nos últimos anos no Rio Grande do Sul. Fonte:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1982-45132010000100004&script=sci_arttext (2013)
4.1. Enchente ocorrida no Paquistão
A inundação ocorrida no Paquistão, em julho de 2010, ocasionou 1961 mortes. As enchentes no país,
causadas pelas chuvas de monções, não só tiraram a vida de quase duas mil pessoas como afetou 20
milhões de paquistaneses, que perderam suas casas e tiveram de se deslocar. A província de Nowshera
foi uma das mais afetadas.
4.2. Enchente ocorrida na China, na cidade de Zhouqu
Na China, em julho de 2010, uma inundação devastou a cidade de Zhouqu, causando 1765 mortes.
Zhouqu, localizada na província de Gansu, noroeste da China, teve chuvas torrenciais que provocaram
fortes deslizamentos de terras. O fluxo do Rio Bailong chegou a ser interrompido com a quantidade de
lama, pedras e entulhos acumulados.
4.3. Enchente ocorrida China, nas regiões Fujian, Jiangxi, Guizhou, entre outras
Também na China, em maio de 2010, uma grande inundação resultou em 1691 mortos. Fortes chuvas
inundaram as províncias e regiões de Fujian, Jiangxi, Guizhou, entre outras. Cerca de 10 milhões de
pessoas foram afetadas e o prejuízo foi estimado em 10,9 bilhões de reais. A grande preocupação da
população em Guangxi, por exemplo, também foram as dezenas de diques em mal estado de conservação
e que poderiam falhar, aumentando a área afetada pelas cheias.
4.4. Enchente ocorrida no Brasil
No Brasil, em janeiro de 2011, em menos de 24 horas choveu o que costuma chover em um mês na zona
serrana do Rio de Janeiro. Esse desastre resultou em 779 mortes. Não só as cidades ficaram debaixo
d’água como o solo das encostas cedeu, causando deslizamentos que passaram por cima do que estava no
caminho, de casas humildes a mansões.
Essa tragédia do Rio de Janeiro foi de muita gravidade: bastou uma semana para o número de mortes
chegar a metade do que foi perdido entre 2000 e 2010 em acontecimentos do mesmo tipo. Nesse período,
1427 pessoas morreram por conta de enchentes e deslizamentos no país.
4.5. Enchente ocorrida em Uganda
Em fevereiro de 2010, em Ughanda, 388 mortes ocorreram decorrentes das enchentes. Deslizamentos de
terra em Nametsi, no leste de Uganda, destruíram cidades e muitas plantações de banana, atividade
econômica popular na região. Na mesma época as fortes chuvas afetaram o país vizinho, Quênia.
4.6. Enchente no Haiti
Nos últimos dez anos, a maior tragédia desse tipo aconteceu no Haiti, em 2004, quando morreram 2655
pessoas.
5. FORMAS SUSTENTÁVEIS DE PREVENÇÃO DAS ENCHENTES
As medidas preventivas ideais para a solução das enchentes são, principalmente, institucionais. A atuação
e a fiscalização dos órgãos responsáveis, tanto estaduais como municipais, no que tange ao uso e
ocupação do solo, à utilização dos recursos hídricos e ao cumprimento da legislação, seriam um bom
ponto de partida para a solução do problema.
Dessa forma, a má definição de atribuições, ausência de uma política unificada e de competição entre os
órgãos públicos e o conflito de projetos são fatores que influenciam na resolução dos problemas em curto
prazo e o grande investimento de capital. Portanto, frente aos problemas elucidados, é necessário um
planejamento urbano coerente com a gestão dos recursos hídricos e uso e ocupação do solo, respeitando
as áreas de várzeas e as encostas. Ressalta-se que estas áreas podem ser ocupadas, mas de forma
planejada, e as atividades devem ser compatíveis com as suas características, como, por exemplo, a
implantação de parques, ciclovias, áreas para práticas esportivas ou exposições nas áreas de várzea.
A conscientização dos técnicos e da população de que as enchentes são um processo natural do regime
hidrológico de um rio é essencial para a implantação de medidas preventivas que evitem os prejuízos
vistos atualmente e com os quais toda a sociedade tem que arcar.
Acredita-se que, para combater a baixa permeabilidade do solo nas cidades, devem ser buscadas formas
de recuperar, ao menos em parte, a capacidade original de retenção das águas da chuva na região
urbanizada, o que pode ser feito aumentando a capacidade de infiltração ou criando mecanismos de
acumulação dessas águas.
No que se refere ao assoreamento dos solos, deve-se procurar combater a erosão causada pelas obras de
pequeno ou grande porte, públicas ou privadas. Para isso, será necessário adequar os projetos às
características topográficas do terreno, diminuindo, sempre que possível, a necessidade do uso de
terraplenagem. A movimentação dos solos deverá ser bem planejada, tanto com relação aos volumes
quanto ao tempo de execução. Além disso, do ponto de vista social, o uso da legislação municipal para
inibir a erosão se torna fundamental.
Deve-se evitar, sempre que possível, a canalização dos cursos d’água. Quando necessária, a tubulação
deve ter diâmetro que comporte a vazão adequada, especialmente nas bocas coletoras.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo sobre enchentes urbanas visa a construir um conhecimento que possibilite apresentar novas
tecnologias capazes de aproximar homem e natureza, sendo uma importante ferramenta para a diminuição
dos desastres ambientais e, como consequência, para a construção de cidades mais seguras para as
populações.
Por fim, esse estudo serve como recomendação para trabalhos futuros, à medida que consegue elucidar o
assunto, de forma a sugerir maneiras de evitar as enchentes urbanas e, por consequência, o desabrigo que
ela acarreta.
Como ponto de partida, deve-se modificar a forma de atuação dos poderes públicos. Primeiramente, devese iniciar pela revião do planejamento municipal, através da alteração da legislação: planos diretores e
códigos de obras. Depois disso, deve-se, ainda, fiscalizar a atuação dos empreendedores, para que essas
novas normas sejam cumpridas e, com isso, os grandes desastres sejam evitados ou, no mínimo,
reduzidos.
Não existe nenhuma magia para escapar-se dos alagamentos, mas algumas mudanças na estrutura das
grandes cidades podem minimizar o efeito do excesso de água. O desafio principal é encontrar
alternativas para evitar a impermeabilização do solo e o assoreamento dos rios. Afinal de contas, reduzir o
volume de chuvas não é possível.
Em São Paulo, por exemplo, o volume médio de chuvas nos meses mais molhados do ano é de cerca de
200 milímetros ou o equivalente a 200 litros de água em 1 metro quadrado por mês. Mas, por vezes, o
volume mensal ocorre de uma só vez, em um único dia de chuva intensa.
Em certos dias de enchente no ano passado, chegaram a cair 83,8 milímetros em uma hora. Como as vias
de escoamento da cidade não dão conta de drenar tanta água e os rios estão cada vez mais estreitos e
rasos, o resultado são ruas alagadas, trânsito e caos urbano.
Por fim, deve-se conscientizar as populações, através de campanhas e de investimentos em educação, para
que as soluções persistam ao longo dos anos, consistindo, assim, em uma solução sustentável para todos
os povoados e cidades existentes e, também, para as que venham a surgir no decorrer dos anos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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KLUEGER, Urda Alice. Vem, vamos remar. SP: Hemisfério Sul Ltda, 2013.
Pesquisa sobre desastres climáticos, pelo instituto Paracleto – parte I. Disponível em:
<http://institutoparacleto.org/2013/03/13/pesquisa-sobre-desastres-climaticos-pelo-instituto-paracletoparte-i/>. Acesso em: 17 abr. 2013.
SANTOS, Marcos J. Murta. Drenagem e Controle da Erosão Urbana. BH: Edições COTEC, 1984.
SANTOS, Álvaro Rodrigues dos. Enchentes e deslizamentos: causas e soluções. SP: Pini, 2012.
Sociedade
&
Natureza.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S198245132010000100004&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 mai. 2013.
W Enchentes – Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Enchente>.
Acesso em: 21 jul. 2013.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu marido Bruno pelo apoio de sempre.
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