Universidade Presbiteriana Mackenzie
AS IMPLICAÇÕES ÉTICAS DO PROBLEMA DA LIBERDADE EXISTENCIALISTA
EM SARTRE
Rodrigo Barboza dos Santos (IC) e Graciela Deri de Codina (Orientador)
Apoio: PIBIC CNPq
Resumo
O presente artigo tem como finalidade a exposição da liberdade e suas implicações éticas, de acordo
com o existencialismo do filósofo francês Jean-Paul Sartre. Tal problemática é importante por discutir
o problema das escolhas para o gênero humano, sendo elas fáceis ou difíceis. Quanto maior for o
grau de dificuldade da escolha, mais livre se torna o homem, pois este só pode ser livre se existir algo
que lhe sirva de barreira para atingir suas finalidades. Portanto, sendo o homem livre, precisa
escolher o melhor sempre, pois todas as suas ações trazem consigo consequências. Por meio de
leituras sistemáticas das obras de Sartre, percebemos que várias de suas questões éticas estão
presentes na sociedade pós-moderna. O homem estando livre e podendo escolher o mundo em que
vive, é responsável pelo que escolhe, pois este mundo é consequência de suas ações.
Palavras-chave: existência, liberdade, ética
Abstract
This article aims to exposure of freedom and its ethical implications, according to the existentialism of
the French philosopher Jean-Paul Sartre. This issue is important for mankind to show that there will
always be choices, and they are easy or difficult. The greater the degree of difficulty of the choice
becomes more free the man, because this can only be free if there is something that will serve as a
barrier to achieving its goals. Therefore, since man is free to choose the best forever, for all his actions
bring consequences. Through systematic readings of the works of Sartre, we realize that many of his
ethical issues are present in postmodern society. The man being free and being able to choose the
world you live in, is responsible for what they experience, because this world is a consequence of their
actions.
Key-words: existence, freedom, ethics
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Introdução
Seria difícil expor a filosofia de Jean-Paul Sartre, filósofo francês, sem ao menos fazer uma
breve referência ao contexto em que seu pensamento foi forjado. Sartre foi diretamente
influenciado pelo método fenomenológico de Edmund Husserl e o existencialismo de Sören
Kierkegaard e Martin Heidegger.
Sartre nasceu em 1905 e faleceu em 1980, portanto foi contemporâneo da Segunda Guerra
Mundial, que eclodiu em 1939 e acabou em 1945. Neste período, a França foi invadida e
ocupada pelos nazistas. Cerca de 55 milhões de pessoas morreram nessa guerra, enquanto
35 milhões de pessoas ficaram feridas.
A economia alemã passava por uma grave crise financeira, pois havia perdido a Primeira
Guerra Mundial, que ocorreu anos antes. Adolf Hitler, político alemão, estimulou o
sentimento de revolta na nação alemã, conquistou o poder e fortaleceu o Estado Nazista.
Aquelas pessoas tidas como “indesejáveis” 1, como os judeus, ciganos, homossexuais e
comunistas (Sartre recebeu a acusação de ser comunista) eram levados para campos de
concentração, onde eram humilhados, torturados e exterminados. A linha de frente dos
soldados nazistas, aqueles que eram considerados da tropa de elite, era a SS, que era
formada a partir da sigla alemã Schutzstaffel, que significa escudo de proteção2. O maior
dos campos de concentração era Auschwitz, na Polônia, onde se estima que morreram
cerca de quatro milhões de pessoas. Esse contexto é importante para tornar inteligíveis as
motivações de Sartre. Conforme se tornou evidente, Sartre viveu em um período histórico
marcado pela intolerância política e racial. Aparentemente, qualquer tentativa de demonstrar
que o ser humano é livre é facilmente refutada. Como alguém poderia lutar por um ideal
comunista se isso implicaria na sua morte? Os caminhos da liberdade parecem estar
obstruídos. Mas será que essa proposição é verdadeira? Sartre diria que não, pois segundo
sua tese, nada tira a liberdade do homem. Isso ficará mais claro durante a exposição que se
seguirá no decorrer desse trabalho.
Sartre, filosofo francês contemporâneo da Segunda Guerra Mundial, foi levado como preso
político ao campo de concentração pelos nazistas alemães. Por meio de sua perseverança e
fé em si próprio, Sartre corajosamente conseguiu fugir do campo de concentração. Essa
talvez tenha sido a sua maior motivação para acreditar na liberdade, pois mesmo com a
situação sendo adversa, ele conseguiu atingir seu objetivo, realizar seu projeto. Mas o que
1
2
Cf. o termo utilizado por Gilberto Cotrim no livro História Global: Brasil e Geral.
Idem.
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seria a liberdade sem as situações adversas? A resposta dessa pergunta será mostrada em
breve.
Sartre buscava uma filosofia do cotidiano. Numa conversa com seu amigo Raymond Aron,
conheceu o método fenomenológico de Husserl3. O método em questão é uma ciência de
essências. Ou seja, analisava o fenômeno não apenas “como aparece ou se manifesta ao
homem em condições particulares, mas aquilo que aparece ou se manifesta em si mesmo,
como é em si, na sua essência (ABBAGNANO, 2007. P. 511)”. Com isso, Sartre, descobriu
uma filosofia que combinava com sua vontade, pois seu desejo era falar sobre as coisas
como elas são cotidianamente, sem o auxílio da metafísica.
Conviveu com Camus e Merleau-Ponty. Era muito amigo de Albert Camus, mas
divergências políticas levaram ambos a se tornarem inimigos. Enquanto Camus criticava o
marxismo, Sartre defendia as ideias socialistas. Junto a Maurice Merleau-Ponty, Sartre
fundou a revista Les Temps Moderns (Tempos Modernos), na qual publicavam artigos de
cunho filosófico e político.
Sartre, além de escrever obras filosóficas, escreveu também literatura, romances e peças.
Segundo o autor, suas novelas, em especial A náusea e Entre quatro paredes, eram
destinadas àqueles que não conseguiam entender a complexidade de O ser e o nada,
considerada por muitos estudiosos como sua obra principal.
Um soldado que serve sua pátria numa guerra pode se considerar inocente, mesmo levando
a holocausto vários seres humanos? Sartre diria que ele não é, de forma alguma, inocente.
O centro da filosofia sartreana é a liberdade. Segundo o autor em questão, tudo o que é
vivido e presenciado está diretamente ligado à liberdade. A liberdade faz parte do universo
humano. Na realidade, o universo humano é a própria liberdade. O homem pode escolher
qualquer coisa, só não pode se abster de realizar uma escolha. Se um soldado faz parte da
ofensiva de uma guerra, ele o faz de acordo com sua livre escolha. Poder-se-ia argumentar
que a pátria possa ter convocado este soldado contra sua vontade. Mas será este um bom
motivo para isentá-lo de uma possível escolha quanto servir sua pátria numa guerra? Essa
investigação é coerente. Se o soldado foi convocado, aparentemente seu destino está
traçado e não existem escolhas. No entanto, quando a investigação está num nível mais
profundo, percebe-se claramente que essa tese pode ser facilmente refutada. O convocado
para servir na guerra pode decidir não se apresentar ao batalhão e se tornar um desertor.
Pode também se suicidar. Nada impede que ele não se apresente ao batalhão a fim de
guerrear por sua pátria. Cabe a ele escolher uma das várias possibilidades de seu
desenvolvimento futuro. Independentemente de sua escolha, existirão consequências. Se
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Cf. a introdução do livro Existência e liberdade, do filósofo Paulo Perdigão.
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for para a guerra, a consequência é a morte de várias pessoas e, possivelmente, até a sua.
Se escolher não se apresentar ao batalhão, corre o risco de ser preso ou de ser visto como
um traidor. Se ele opta pelo suicídio, coloca um ponto final em sua vida.
O senso comum ou até mesmo correntes filosóficas tomam o homem como um conjunto de
determinismos dados a priori. Dizem que o futuro está estabelecido por alguma entidade,
seja Deus ou a natureza. Sartre discorda dessa tese. Segundo Sartre, o homem é livre e
nada determina sua ação. O que existe são as circunstâncias em que o homem está
inserido, o que, segundo veremos adiante, afirma a liberdade. Sartre trabalha com a
hipótese da não existência de Deus. Sendo assim, o homem não está dado a priori. E
mesmo que houvesse um Deus, esse Deus teria dado ao homem livre-arbítrio, o que
tornaria o homem responsável por suas ações. Portanto, o homem se encontra livre num
mundo que resiste à sua liberdade e lhe impõe obstáculos. Dado o problema, se faz
necessário explicar ontologicamente o homem, pois isso tornará possível e clara a
discussão aqui pretendida.
Referencial teórico
Antes de poder refletir a respeito do Ser em suas diversas formas de manifestação, Sartre
percebeu que era necessário abordar o Ser de maneira ontológica, pois esse Ser ainda lhe
era algo obscuro. Tomou para si o método fenomenológico de Edmund Husserl, que aborda
o Ser sem utilizar as questões metafísicas.
Em primeiro lugar, como será demonstrado através de sua obra O Ser e o Nada, contestou
a teoria de Aristóteles sobre o Ser ser potência. Isso, segundo Sartre, apenas coloca em
dúvida a capacidade de conhecer do Ser. Ora, não existe uma essência obscura por detrás
do fenômeno. Os fenômenos se mostram sem colocar nenhum obstáculo no percurso.
Portanto, já que não há uma essência oculta e o Ser é o que é, ele só pode existir em ato.
Contudo, o Ser do fenômeno não se esgota em apenas uma aparição. O Ser se revela na
série de aparições inerentes a ele. O Ser é o que é e não há motivos para ele ser
exatamente dessa maneira ou de outra. Sua existência é contingente.
O homem, este Ser complexo, não é somente um corpo. Ele é também consciência.
Quando alguém se coloca com os olhos muito próximos de um quadro, esse quadro passa a
ser algo ilegível. O mesmo ocorre com a consciência: para ela ser consciente de algo, deve
recuar perante seu objeto para torna-lo legível. A consciência, estando inserida no Ser e no
mundo, deve se distanciar do seu Ser para ser consciente dele. A consciência é separada
do Ser pelo Nada. Esse Nada não é ausência, como um simples espaço vazio, ele é pura
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negatividade. Quando a consciência recua diante do Ser, ela injeta negatividade nele. Isso
torna possível a existência dos juízos. Questiona-se o motivo das coisas serem como são,
não de outra maneira. A consciência é algo sempre inacabado, pois sempre lhe falta algo.
Caso ela fosse a manifestação da completude, ela seria uma coisa dada e incapaz de levar
a efeito o movimento negativo.
Assim sendo, o homem, formado pelo Ser e pela consciência, busca sempre a sua
completude. Busca a sua plena realização. Sartre recorre à Fenomenologia do Espírito,
retomando o que Hegel dizia. Segundo Hegel, o Absoluto se rompe e dá origem a duas
instâncias aparentemente diferentes, mas ontologicamente idênticas: o sujeito e o objeto. A
História daria conta de reconciliar essas suas instâncias, trazendo novamente a completude
do Absoluto. O sujeito, semelhante à consciência, e o objeto, semelhante ao Ser,
aparentemente são duas coisas diferentes, mas estão intimamente ligados. Quando a
consciência se reconcilia com o Ser, quando a totalidade se completa, então o homem
passa a ser algo acabado. Esse acabamento, que é o objetivo da consciência,
representaria, como um irônico paradoxo, o fim da existência do Ser, a sua morte. A
consciência tenta preencher o ser com aquilo que a ela falta. A sede, por exemplo, significa
a ausência de água por determinado tempo. A consciência ultrapassa o dado, que é a sede,
e visa à totalidade de seu ato, que é a sede saciada. Assim feito, retorna para o dado e
causa o desejo de beber. O desejo, portanto, representa uma falta. Ninguém deseja aquilo
que não lhe falta. A consciência não existe sem seu Ser, sem um objeto. Ela se dirige ao
objeto com intencionalidade. Quem ama, por exemplo, ama alguma coisa.
Outro fator importante para a compreensão do problema apresentado é a temporalidade,
que está intimamente ligada à consciência. Ela tem o caráter de permanência-mudança.
Com o passar do tempo, embora existam mudanças, há sempre algo que permanece. Esse
conceito é uma retomada ao conceito alemão Alfhebung, utilizado por Hegel. A História não
é uma sucessão de períodos desconexos. Os fatos históricos estão interligados. Embora
haja mudança, a realização da liberdade hegeliana, algo permanece. A permanência do
passado é imanente ao Ser. É possível escolher o futuro, mas o passado está petrificado e
sempre permanecerá intimamente ligado ao Ser. No caso da temporalidade sartreana, é
imprescindível a relação entre passado, presente e futuro, que torna possível a sucessão
lógica dos instantes. Esses instantes trazem consigo uma falta. O presente sempre é uma
falta do futuro e o futuro sempre é uma falta do passado. A temporalidade traz consigo e
negatividade. O passado não é mais, o futuro não é ainda e o presente é um inexistente
limite entre passado e futuro. O movimento da temporalidade existe somente na
consciência, pois o Ser desconhece esse movimento. A consciência foge do passado rumo
ao futuro. Ficar no passado representaria sua petrificação, sua morte. A consciência nadifica
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o passado, mas não se livra completamente dele, pois ele sempre permanece. O passado é
como um peso que o Ser não pode deixar de carregar, mas não determina, efetivamente, o
futuro. O futuro é um conjunto de possíveis formas de desenvolvimento. Querer algo no
presente não significa a sua obtenção no futuro. Isso acontece dessa maneira por causa da
liberdade intrínseca ao homem e ao seu projeto.
A liberdade
Ainda em O Ser e o Nada, Sartre afirmou que o homem é regido pelo princípio de liberdade.
A liberdade é o poder escolher entre possíveis. Quando se escolhe uma possibilidade, se
exclui as outras. As possibilidades não podem ser totalmente realizadas, pois isso
significaria a perda da escolha, pois tudo iria se realizar. Seria absurdo conceber uma
liberdade onde todos os possíveis se realizassem, pois a liberdade é a autonomia em
escolher uma entre várias possibilidades de desenvolvimento. No entanto, a liberdade exige
algo que a contrarie. Se não houver resistência do mundo, não há liberdade. A liberdade
não faria sentido algum se o homem não precisasse fazer escolhas. Se a finalidade fosse
alcançada apenas com o pensar, não haveria diferença entre a realidade e a imaginação.
Portanto, a ação humana proporciona a liberdade.
É importante, também, perceber as diferenças entre a liberdade existencialista e a liberdade
definida pelo senso comum. Em primeiro lugar, o senso comum acredita que só é possível
ser livre quando nada age sobre o ser. Ora, essa definição é em si mesma um grande
equívoco, pois a liberdade exige a ação. O que caracteriza a liberdade humana é o poder
agir frente à opressão que se manifesta no mundo.
Sartre afirmava categoricamente que a essência humana não era um dado a priori. Era algo
construído a partir da existência. Recusava a hipótese de um Deus criador ou de uma
natureza prévia. Estando no mundo, o homem construiria sua essência. Se não existe um
Deus, então também não existem valores já determinados. Sendo assim, os valores devem
ser sempre inventados pelo sujeito da ação. Isso caracteriza mais uma forma de
manifestação da liberdade humana.
Os deterministas costumavam confundir liberdade com vontade. Diziam eles que a liberdade
só existe quando há o uso da vontade. Afirmavam que o ambiente e o período histórico em
que o ser foi forjado determinavam as ações desse sujeito.
Em toda e qualquer modalidade de escolha, a consciência coloca um fim a ser alcançado.
Isso acontece na vontade, onde a consciência determina o fim a ser alcançado, seja ele a
obtenção de determinada objeto, a conquista de determinada honra ou qualquer outro fim.
Se for assim, as emoções também não tiram a liberdade do homem. Na emoção, a
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consciência elege uma finalidade. Poder-se-iam argumentar que não é possível resistir às
emoções, como por exemplo, o medo. Mais uma vez, o que se tem é uma falácia. Um
sujeito poderia argumentar que o medo de algo lhe tira a liberdade. Mas o que na realidade
está acontecendo é o fato desse sujeito não refletir a respeito desse medo. As emoções são
utilizadas pelo sujeito com a finalidade de fugir da realidade que lhe escapa, pois esta não é
determinada por nada e está sendo construída em um movimento ininterrupto.
As ações do homem no mundo são movidas pelas motivações. Um sujeito tenta se perceber
de determinado jeito no futuro e retorna ao presente com a finalidade de realizar esse futuro.
As decisões tomadas atribuem sentido aos motivos. O sujeito age de tal forma para
possibilitar o pleno desenvolvimento de seu ideal.
Quanto ao mundo, é evidente que ele resiste à liberdade. Querer algo não significa
necessariamente obter esse algo. Essa resistência é vista como o grande elemento que
obstrui a realização da liberdade. Contudo, Sartre prova o contrário. O lugar do nascimento
não tira a liberdade, pois ele nada é em si mesmo. Ele só é algo, ou mesmo um obstáculo,
porque assim é percebido pela consciência e determinado pelo projeto. Um lugar só é longe
se há o desejo de alcançá-lo, caso contrário, nada representaria. Aquilo que é percebido,
embora esteja geometricamente mais distante, está mais perto do que aquilo que
ignoramos, mesmo estando geometricamente mais perto. O mesmo se aplica aos objetos
que cercam o sujeito. Eles se tornam obstáculos somente quando a consciência assim o
define. Uma montanha é um obstáculo para quem quer escalá-la. A mesma montanha é
objeto de admiração e beleza por alguém que não tenha tal pretensão. Outro fator que não
tira a liberdade humana, mesmo que alguns digam o contrário, é o passado. O passado é
imutável, mas não determina o futuro. Querer algo no passado não implica,
necessariamente, querer esse algo no presente ou no futuro.
Quanto aos outros, a situação muda um pouco. Nesse caso, o que se tem é várias
subjetividades, e não objetos petrificados. Cada uma dessas subjetividades traz consigo
alguns valores. Esses valores não são impostos, cabendo a cada um escolher se aceita ou
não esses valores. Se um sujeito é chamado de covarde, ele realmente se torna covarde se
aceitar esse valor. Caso contrário, esse atributo resultaria em falácia. Ao contrário do que
possa parecer, a morte não tira a liberdade. Quando a morte chega, já não há liberdade
para ser limitada, pois a consciência já não existe mais. Portanto, somos forçados a
acreditar que nada tira a liberdade humana. A liberdade encontra no mundo limites que ela
mesma coloca. Sendo assim, é totalmente correto afirmar que se pode escolher qualquer
coisa, menos deixar de escolher. Mesmo quando o homem decide cruzar os braços e não
fazer nada, ele já está realizando uma escolha. O homem está condenado a ser livre.
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Condenado porque foi lançado ao mundo independentemente de sua vontade e livre porque
sempre deve escolher.
Esse imanente liberdade traz consigo dois tipos de angústia. A angústia temporal mostra
que um sujeito não pode apoiar suas decisões nem em si mesmo, pois o passado não
determina o presente e nem o presente determina o futuro, enquanto os possíveis
escolhidos sempre estão em risco de mudar, pois o futuro não é dominado.
O segundo tipo de angústia, a ética, é de profunda importância para a realização deste
trabalho. Os valores são criados constantemente e o homem é forçado a escolher uma
conduta a cada momento. A angústia se dá pelo fato do homem não ter onde se apoiar, já
que não existem valores pré-determinados. O certo e o errado são intencionados pela
consciência de cada pessoa e não há nada que indique como deve ser uma ação. Assim
sendo, nenhum valor é gratuito, pois atende a certa coerência interna de cada projeto. O
arrependimento, por exemplo, não representa a escolha de um valor equivocado, e sim a
mudança de um projeto, que neste momento optou por um valor diferente daquele em que
havia optado no passado. Já que não existem valores definidos a priori, somos levados a
acreditar que os responsáveis por nossos atos e pela significação do mundo somos nós
mesmos, pois quando escolhemos algo para nós, automaticamente estamos escolhendo
algo por todo o mundo. Quando escolho, escolho por toda a humanidade. Contudo, não é
tão simples assim. Alguém que mata nem sempre gostaria de ver outros matando. Logo,
essa escolha nem sempre é consciente. E se todos matassem iguais a mim? Como seria o
mundo? Provavelmente seria um caos. Isso torna necessário que pensemos o que
aconteceria se todos agissem como eu. Precisamos escolher o que fazer com a liberdade
que se manifesta na vida de todos.
Há aqueles que tentam dissimular a angústia pra tentar escapar das responsabilidades
implicadas pela liberdade. Culpam Deus, a natureza, os pais ou quaisquer outros elementos.
Dizem que o ser humano é um dado acabado e imutável. Por exemplo, o covarde não pode
mudar sua essência, pois sempre será covarde. Portam-se como objetos e não percebem
que o ser humano está em constante mutação. Outros aceitam valores impostos sem ao
menos refletir sobre eles. Sartre discorda totalmente dessas ideias. Para ele, o herói se faz
herói e o covarde se faz covarde. Além do covarde se fazer covarde, ele é inteiramente
responsável por sua covardia, pois poderia mudar seus atos e, consequentemente, deixar
de seu um covarde. Portanto, a escolha não pode ser realizada de qualquer jeito. Cada um
dos homens deve escolher o melhor, pois sua escolha contempla toda a humanidade.
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Método
Foi utilizado um método qualitativo, de leitura e interpretação de textos filosóficos, com
fichamentos e anotações, que serão importantes para a elaboração do artigo. Após o
levantamento das questões éticas no artigo “O existencialismo é um humanismo”,
desenvolvemos uma leitura sistemática de trechos de “O ser e o nada” direcionados às
questões levantadas na nossa introdução, ou seja, à relação entre a liberdade e suas
implicações no agir ético.
Paulo Perdigão (1995) retoma e organiza sistematicamente a teoria existencialista de JeanPaul Sartre, na qual este afirma que o homem está condenado a ser livre, podendo escolher
qualquer coisa, menos deixar de escolher. Afirma isso pois rejeita a hipótese de um Deus
criador ou de natureza humana. Por outro lado, Gerd Bohrnheim (1997) aprofundou mais
nas teorias existencialistas, contemplando com exatidão as problemáticas existentes na
filosofia de Sartre.
Resultados e Discussão
Sartre era um filósofo engajado em questões políticas e sociais. Uma de suas discussões
básicas era a liberdade e suas consequências éticas. É exatamente a respeito da liberdade
que esse trabalho se dará.
Para definir o que é a liberdade e como ela se relaciona com as questões éticas, é
necessário, antes de tudo, compreender o pensamento existencialista de Sartre. O
existencialismo, fundado pelo filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard, é uma corrente
filosófica que foi duramente atacada durante o século XX. Segundo o texto de Sartre O
existencialismo é um humanismo, os comunistas acusavam o existencialismo de ser uma
doutrina que levava as pessoas a um profundo desespero, por tornar a ação humana
impossível. Sartre, ao contrário do que diziam os comunistas, afirmava que o
existencialismo torna a ação e a vida humana possível. O existencialismo parte sempre da
subjetividade humana, ou seja, da consciência individual do sujeito. E essa subjetividade foi
também criticada pelos marxistas, que afirmam que, com ela, o homem vive isolado em si
mesmo, esquecendo o que é a solidariedade. Esses críticos esquecem o pensamento
intersubjetivo de Sartre.
Outros críticos também acusam o existencialismo de evidenciar a desonra humana e
desconsiderar o lado luminoso da vida. Muitos até se assustam com os romances
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existencialistas. Mas o que assusta essas pessoas é o otimismo do existencialismo, pois
sempre deixa escolhas aos homens. O que agrada os críticos são leituras de doutrinas que
tornam o sujeito resignado e sem escolhas, tendo como máxima o fato do indivíduo não
dever fazer nada que ultrapasse seus limites. Já os cristãos acusam o existencialismo de
negar Deus e seus valores morais, tornando a vida e a ação gratuitas. Assim sendo, não se
pode julgar a ação de ninguém, pois não existiria um bem definido a priori. Essa crítica será
rebatida por Sartre no seu texto.
O existencialismo é dividido em dois: o cristão e o ateu. Ambos partem do pressuposto de
que a existência precede a essência e de que o homem sempre parte da subjetividade. O
existencialismo ateu suprime a ideia de Deus e seus valores. Sartre explica que quando se
admite a ideia de um Deus criador, denomina-se esse Deus como um ser superior, que sabe
muito bem o que criou. Um homem produz objetos para determinadas finalidades. Assim,
pode-se afirmar que Deus criou os homens para determinada finalidade.
Para Sartre, o existencialismo ateu é mais coerente, pois deve ser suprimida a ideia de
Deus e de natureza humana. Assim, no homem, a existência precede a essência. Primeiro o
homem existe, para depois ser algo. O homem se constrói sempre e não há nenhuma
natureza humana que o acorrente, pois Deus não existe. O homem é aquilo que ele faz e
projeta ser e fazer. O homem faz escolha, mesmo quando “cruza os braços” e decide não
fazê-las. Nas palavras de Sartre:
“O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Afirma que, se
Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a
essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer
conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana.
O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa
que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no
mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o
concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada:
só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si
mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus
para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se
concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a
existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O
homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o
primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de
subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém, nada mais
queremos dizer senão que a dignidade do homem é maior do que a da
pedra ou da mesa. Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada,
existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num
futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro” (SARTRE,
1973. P. 12).
As escolhas do homem não são tão simples quanto aparentam ser. Ao se escolher, o
homem escolhe o gênero humano. Portanto, a escolha deve ser a melhor possível, pois
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acarreta uma grande responsabilidade. O homem nunca faz uma escolha gratuita. O homem
inventa sua própria lei. O homem se constrói escolhendo sua moral. Ele é puro
compromisso. Por causa do compromisso, deve querer sua liberdade e a liberdade dos
outros. Por causa dessa vontade de liberdade, se pode julgar a conduta daqueles que dizem
que a existência e a liberdade são gratuitas. Sartre chama aqueles que inventam desculpas
deterministas para fugirem da liberdade de covardes, pois eles tentam fugir da
responsabilidade de ter que escolher. O homem sempre deve inventar, em nome da
liberdade, para agir. Quando o homem percebe que jamais poderá escapar de sua
responsabilidade, ele é tomado por uma imensa angústia. Portanto, ele deve questionar se
suas ações são corretas. Essa angústia no homem não leva ao quietismo, pois ele é natural
de todos que têm responsabilidade. A angústia é a condição da ação humana.
Por ter levado o existencialismo a uma posição ateia, Sartre afirma convictamente que no
mundo só existem homens. Se não existe uma natureza e nem um Deus criador, formulador
de leis e que pode castigar, então tudo é permitido. Essa visão que o senso comum tem do
existencialismo ateu é uma falácia. Realmente, não existem leis a priori. O homem deve
inventar suas leis e valores morais de uma maneira que todos sejam beneficiados. Não há
natureza humana e nem determinismos. O homem é pura liberdade. Só que esse homem
livre é responsável por tudo o que fizer. Com isso, deve-se seguir a máxima kantiana, na
qual Kant afirma que não se pode fazer com o outro aquilo que você não quer que façam
com você. E Sartre é bem firme na sua ideia, representada a seguir: “O homem está
condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre
porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer” (SARTRE, 1973.
P. 15).
Logo, todos os valores existentes são inventados pelo homem. Como os valores são
inventados, pode-se dizer que a vida não tem sentido a priori, sendo necessário o homem
dar sentido à vida. Os valores são esses sentidos escolhidos pelo homem.
A responsabilidade do homem é muito ampla. A força da paixão jamais poderá ser usada
como desculpa. O homem deve escolher o que fazer com essa paixão. Por não existir Deus,
não há sinais no mundo. Mas se houvessem sinais, o homem deveria interpretá-los para
poder agir. Jamais poderia também se apoiar em uma moral universal, a saber, aquela
moral que se aplique a todas as pessoas, visto que ela é muito ampla e lembrando que não
existe natureza humana. Cabe ao homem sempre decidir o que é melhor por meio de sua
subjetividade.
Além de ser angústia, o homem também é desespero. O desespero se dá porque o homem
percebe que se limita a contar com o que depende de sua vontade e o que torna a ação
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dele possível. Ele nunca deve agir com esperança. Isso não significa que o homem deva se
abandonar ao quietismo, e sim ligar-se a um compromisso dispensando a esperança. O
quietismo é a atitude das pessoas que acham que só os outros podem agir de determinadas
maneiras. O existencialismo é oposto ao quietismo, visto que ele diz que o homem nada
mais é que sua vida e que só existe na medida em que se realiza.
O existencialismo está longe de ser pessimista. Ele é dotado de tamanha dureza otimista
que consegue causar grande euforia, principalmente nos críticos. O covarde, segundo o
existencialista, é o responsável por sua covardia, pois ele se construiu como covarde por
meio de seus atos. O covarde existencialista é culpado por ser covarde. O que torna alguém
covarde ou herói é o conjunto de todos os seus atos. O existencialismo é a doutrina mais
otimista que existe, pois coloca o destino dos homens nas mãos dos próprios homens. Só
há esperança na ação do homem e o ato é o único meio que permite ao homem viver. No
entanto, uma ação se dá no mundo sensorial. Pela subjetividade, além de descobrirmos a
nós mesmos, descobrimos também os outros. Isso é semelhante ao padrão de medida do
reconhecimento da consciência proposto por Hegel, na Fenomenologia do Espírito. Pelo
cogito percebemos também que o outro é tão certo como nós mesmos. Os outros são
condições de nossa própria existência. O outro torna possível o conhecimento e a verdade
que tenho sobre mim. O outro é uma liberdade posta em minha face. Descobrimos assim
um mundo chamado intersubjetividade, no qual o homem decide o que ele é e o que são os
outros.
Embora não exista natureza humana, há condição humana. Essa condição é o conjunto de
limites que determinam a situação do homem no mundo. Os limites são objetivos e
subjetivos. Objetivos porque todos os homens os vivem. Subjetivos porque nada são se os
homens não os vivem.
Sartre era também humanista, no sentido de que o homem está constantemente fora de si e
projetando-se, tornando possível sua existência. O homem é constante superação. Só há o
universo humano, que é subjetividade. A superação e a subjetividade (no sentido do homem
não estar fechado em si mesmo e estar presente em um universo humano) formam o
humanismo existencialista. Humanismo por ser o homem o único legislador de sua vida e
porque apenas no abandono ele decidirá sobre si. O homem se realiza como ser humano
quando procura fora de si um fim. O homem precisa se encontrar consigo mesmo e ter a
ciência de que nada pode salvá-lo dele mesmo. O existencialismo é um otimismo e, apenas
por má-fé, os críticos dizem que o existencialismo é uma doutrina do desespero.
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Universidade Presbiteriana Mackenzie
Conclusão
Assim sendo, o existencialismo pressupõe liberdade. Essa liberdade traz consigo
responsabilidade e outras características, tais como angústia e desespero. Conclui-se,
portanto, que independentemente das circunstâncias, o homem é livre. Isso jamais poderá
ser mudado, o que acarreta responsabilidade e compromisso. Apresentar e analisar a
dialética entre liberdade e responsabilidade foi o objetivo dessa pesquisa, questões que nos
conduzem às implicações éticas desta problemática.
Após levantadas as questões pertinentes à liberdade, de acordo com a filosofia
existencialista de Sartre, ficou evidente o tamanho da responsabilidade do homem quanto
ao agir ético. Estando condenado à liberdade, o homem deve escolher o melhor para si e
para os outros. Está vedada a hipótese do homem não escolher, visto que a omissão ou a
abstenção também são escolhas.
Referências
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janeiro. Editora Vozes, 2009.
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
Contato: [email protected] e [email protected]
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Rodrigo Barboza dos Santos