XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
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UM PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA E AS CONTRIBUIÇÕES DE
UMA PESQUISA DESENVOLVIDA POR UM GRUPO COLABORATIVO
Cintia Aparecida Bento Dos Santos
Edda Curi
Resumo
Esta comunicação tem por objetivo apresentar uma fase de pesquisa concluída e
também provocar uma discussão sobre os possíveis usos de resultados de uma avaliação
externa em Matemática para alunos de 5º ano do Ensino Fundamental, denominada
Prova Brasil, por um grupo de pesquisadores constituído de professores dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, alunos de Curso de Pedagogia e professores
universitários. O grupo se reúne a cada quinze dias e pode ser considerado colaborativo
e que vem construindo sua identidade na tentativa de solucionar coletivamente
problemas de aprendizagem de Matemática de seus alunos apontados na referida
avaliação externa. Em todas as reuniões são feitas atas com as memórias do grupo por
um pesquisador e os participantes fazem um caderno de registro com suas observações.
Esses instrumentos são usados para coleta de dados da pesquisa e também para
ampliação do conhecimento dos professores em se tratando do processo de formação
continuada. O conteúdo matemático escolhido para esta fase de pesquisa desenvolvida
no grupo é o Sistema de Numeração Decimal. Entre os resultados, se destacam que
quando professores se sentem mais participativos nos processos de avaliação externa,
compreendem seus objetivos e analisam seus resultados procuram incorporar os dados
da avaliação em sua prática e ampliam sua visão sobre a aprendizagem de seus alunos e
sobre o ensino de matemática. Consideramos também que um processo de formação
continuada que considera um trabalho em grupo colaborativo traz reflexões para a
prática docente o que por consequência gera melhores resultados no processo de ensino
em sala de aula.
Palavras chave: Prova Brasil, grupo colaborativo, sistema de numeração decimal,
formação continuada de professores.
Introdução
Esta comunicação tem como objetivo apresentar a primeira etapa de pesquisa concluída
e fomentar uma reflexão sobre os possíveis usos dos resultados de uma avaliação
externa em Matemática para alunos do 5º ano do Ensino Fundamental por um grupo
colaborativo, buscando a melhoria das aprendizagens de seus alunos e seu
desenvolvimento profissional. Está inserida numa pesquisa longitudinal denominada
Prova Brasil de Matemática: revelações e possibilidades de avanços nos saberes de
alunos de 5º ano e indicativos para formação de professores, no âmbito do Programa
Observatório da Educação, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - CAPES. Para o desenvolvimento dessa pesquisa, organizouse um grupo de pesquisadores composto por três pesquisadores do Programa de Pós
Graduação em Ensino de Ciências e Matemática de uma Universidade Privada da
cidade de São Paulo, um estudante de doutorado e três estudantes do mestrado
profissional do Programa já citado, seis estudantes de graduação do Curso de Pedagogia
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da Universidade e seis professoras que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental
em escolas da rede pública de São Paulo. Maiores dados em relação ao projeto podem
ser verificados em Curi (2010).
Nesta primeira etapa de pesquisa o conteúdo matemático trabalhado foi o Sistema de
Numeração Decimal em que as análises no grupo foram desenvolvidas de forma a
confrontar a experiência das professoras com esta temática, o que apresentam os
documentos curriculares oficiais e como este conteúdo é avaliado nos itens da Prova
Brasil.
São fontes de dados para a pesquisa os cadernos de registros das professoras e das atas
de memórias do grupo. Em todas as reuniões os participantes do grupo,
individualmente, fazem anotações num caderno de registros. As discussões sobre os
resultados da Prova Brasil das escolas envolvidas, os erros dos alunos, as principais
reflexões, a participação no grupo de pesquisa fazem parte dos registros desses
cadernos. Além disso, uma pesquisadora da Universidade faz as atas de memória do
grupo que são construídas ao longo dos encontros do grupo com pautas das reuniões,
indicações de leitura, slides das sínteses teóricas, relatos dos integrantes do grupo,
instrumentos usados nas pesquisas realizadas tanto com as professoras como com os
alunos, perfis das escolas envolvidas incluindo os relatórios detalhados dos resultados
da Prova Brasil de Matemática. Este processo compõe a formação continuada dos
professores envolvidos e visa gerar reflexão quanto a própria prática docente.
Como o grupo de pesquisa discute os resultados de uma avaliação externa de âmbito
nacional, apresenta-se a seguir alguns comentários sobre esse tipo de avaliação.
Alguns comentários sobre avaliações externas
As avaliações externas fazem parte da rotina das escolas brasileiras, porém as
discussões sobre os resultados precisam ainda de reflexão. Os objetivos das avaliações
externas de âmbito nacional são de subsidiar o sistema com dados e informações sobre
alunos, professores e gestão e as escolas com os níveis de proficiência dos alunos em
Língua Portuguesa e Matemática.
No que se refere ao ensino de Matemática, as informações divulgadas sobre os
resultados dos alunos indicam que, de modo geral, o desempenho dos estudantes está
abaixo da média esperada. Mas, há poucos estudos acadêmicos sobre os resultados de
avaliações externas. Além disso, são pouco incorporados na prática escolar. Uma das
hipóteses da não incorporação dos resultados por parte dos professores é que eles se
considerarem alijados do processo. Outra hipótese é a não utilização desses dados por
parte de gestores para formulação de políticas que possibilitem a melhoria da qualidade
do ensino.
Além de demorarem a chegar às escolas, a linguagem dos relatórios dessas avaliações
nem sempre é acessível aos professores. Como Guerra (2007) e Freitas (2003)
consideramos importante o acesso dos professores a esses relatórios para analisar os
resultados de seus alunos e atribuir-lhes significados dentro da prática docente. Uma
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avaliação externa só tem utilidade se a escola se apropriar de seus resultados e se
produzir informações que possibilitem modificações de processos escolares específicos.
Os dados que foram analisados pelo grupo de pesquisa são os do Saeb/ Prova Brasil de
Matemática de 5º ano do Ensino Fundamental, por esse motivo apresentamos a seguir
alguns esclarecimentos sobre essa prova que pertence ao Sistema de Avaliação da
Educação Básica - Saeb proposto pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC.
Alguns esclarecimentos sobre a Prova Brasil
O Sistema de Avaliação da Educação Básica - Saeb é composto por dois processos de
avaliação: a Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB, que é feita por amostra e
a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – ANRESC, que é censitária, denominada
Prova Brasil. Ambas se complementam e destacam o perfil e proficiência em Língua
Portuguesa e Matemática dos alunos e das escolas brasileiras.
Com base em Horta Neto (2010) é possível inferir que a Prova Brasil é um misto de
avaliação normativa e avaliação criterial. Quanto à avaliação normativa, o juízo de
valor está baseado na comparação entre unidades de análise utilizadas (indivíduos ou
instituições). É considerado normativo numa referência à curva normal da estatística, é
relativo à classificação do indivíduo em relação aos demais. Quando a comparação é
realizada a partir de referências definidas previamente, o autor afirma que o juízo de
valor se refere a critério. Ao estabelecer níveis diferentes de aprendizagem que se
esperam de cada aluno, é construída uma escala que contenha esses níveis, apontando o
que se espera do aluno em cada um deles. Essa escala é denominada de escala de níveis
de proficiência.
O relatório com resultados das avaliações nacionais é produzido com base nessa escala,
porém a linguagem nem sempre é clara para o professor, os níveis de proficiência são
apresentados de forma simplificada, muitas vezes sem exemplos, o que oferece poucos
elementos para discussão sobre possibilidades da melhoria das aprendizagens.
Constituição do Grupo Colaborativo
O grupo de pesquisa abriga atores de vários segmentos educacionais que se propuseram
a realizar um trabalho coletivo; envolve experiências diferenciadas e trajetórias
profissionais e acadêmicas diversas, o que pode revelar diferentes fluxos do trabalho
coletivo. Reúne-se a cada quinze dias nas dependências da Instituição em que o projeto
é desenvolvido e pode ser caracterizado como um grupo colaborativo, pois congrega as
características descritas por Fiorentini (2004) para o trabalho colaborativo.
O autor aponta a importância das “diferentes modalidades ou sentidos de trabalho
coletivo”, destacando “aspectos característicos e constitutivos do trabalho colaborativo”
como a “voluntariedade, identidade e espontaneidade” dos seus participantes, assim
como a “liderança compartilhada ou co-responsabilidade” e o “apoio e respeito mútuo”
que se estabelece.
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O grupo vem construindo sua identidade na tentativa de solucionar coletivamente
problemas de aprendizagem matemática dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental
apontados nos resultados da Prova Brasil de Matemática, numa perspectiva de
sistematização dos conhecimentos produzidos pela experiência do grupo.
De acordo com Boa Vida e Ponte (2002), a pesquisa colaborativa constitui uma
estratégia na tentativa de solucionar problemas complexos, os quais são difíceis de
serem enfrentados pelos professores individualmente. A pesquisa colaborativa entre
pesquisador(es) e professor(es), segundo Boavida e Ponte (2002) envolve sempre uma
negociação que leva a decisões conjuntas promovendo o diálogo profissional.
O processo de consolidação da parceria entre os elementos do grupo de pesquisa numa
perspectiva colaborativa baseou-se, fundamentalmente, em ouvir a prática das
professoras, seus saberes experienciais, suas dificuldades pedagógicas por meio da
reflexividade.
O professor constrói saberes na sua prática, que conforme Fiorentini, Nacarato e Pinto
(1999) são “saberes experienciais ligados à ação, mesclando aspectos cognitivos, éticos
e emocionais ou afetivos” (Ibidp.55). Segundo esses autores, os saberes experienciais
são dinâmicos e provisórios. Borges e Tardif (2001) destacam ainda que os saberes
experienciais articulam iniciativas dos docentes nos contextos próprios e sempre
expressam um “saber-fazer” e um “saber-ser” nas condições da prática.
Nos primeiros encontros, as professoras, de maneira geral, mostravam-se insatisfeitas
com a profissão, relatavam que eram cobradas pelos resultados das avaliações, mas que
nem sabiam o que se avalia e qual o objetivo das avaliações externas.
Essa insatisfação foi diminuindo ao longo do trabalho; as professoras mostravam-se
ansiosas para iniciar discussões “de sala de aula” como se referiam e foram se tornando
mais confiantes e colaborativas à medida que assuntos da prática eram colocados, se
expondo mais e confiando na socialização e nas propostas das colegas e dos
pesquisadores.
A experiência de constituição desse grupo de pesquisa mostrou-se extremamente
satisfatória para os seus participantes, que valorizam os encontros, a troca de
experiências, a socialização de ideias, a escuta do outro, o estudo e a construção de
novos saberes. A proposta de realização de atividades com os alunos partia sempre das
professoras. Os alunos de graduação estavam ansiosos por esse momento que
possibilitava o acompanhamento da prática.
Pode-se entender que houve a construção de saberes experienciais na concepção de
Tardif (2002) e Fiorentini, Nacarato e Pinto (1999), nos encontros e nas vivências
colaborativas: ouvir, falar, analisar a prática pedagógica, compreender e construir novas
práticas. A intervenção dos pesquisadores foi importante na socialização de dificuldades
e na análise de questões sobre as práticas, nas sínteses teóricas, na sistematização das
aprendizagens, no exercício de uma liderança dialogada.
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Destaca-se um saber docente construído nas reuniões, um saber situado na ação coletiva
e compartilhada, em que cada participante exerce seu papel conforme sua experiência
profissional, mas todos atuam com uma finalidade comum, com os objetivos da
pesquisa, com a finalidade de melhorar a prática. Esse espaço de discussão constituiu-se
um espaço de formação em serviço e também um espaço de pesquisa.
Algumas análises realizadas
O grupo de pesquisa iniciou suas análises confrontando os descritores de avaliação da
Matriz de Avaliação da Prova Brasil com documentos curriculares das redes públicas
(municipal e estadual) de São Paulo.
A Matriz de Avaliação de 5º ano é composta por 28 descritores de desempenho. O
descritor é o detalhamento de uma habilidade cognitiva (em termos de grau de
complexidade), que está sempre associada a um conteúdo que o estudante deve dominar
na etapa de ensino em análise. Quando um item é elaborado, há a intenção de avaliar se
o aluno já é capaz de mobilizar uma determinada habilidade no processo de resolução
do item.
Conforme mencionado anteriormente o primeiro conteúdo proposto para análise do
grupo de pesquisa foi o Sistema de Numeração Decimal. Nos encontros realizados, as
professoras relatavam sobre o que desenvolviam com seus alunos sobre esse assunto e
coadunavam com o que era proposto nos documentos oficiais e com os itens da prova
Brasil.
Ao entrar em contato com itens de avaliação mostravam-se surpresas com os tipos de
questões propostas e o baixo índice de acertos de seus alunos, pois afirmavam que
haviam ensinado todos esses conteúdos a seus alunos e estes erravam muito mais do que
elas previam. Esses itens constavam de relatórios do Saeb com resultados da Prova
Brasil distribuídos às escolas, mas as professoras os desconheciam.
Os descritores relativos ao sistema de numeração decimal envolvem o reconhecimento e
utilização das características do sistema, a identificação de números naturais na reta
numérica, a decomposição e composição de um número em suas diversas ordens,
incluindo a decomposição na forma polinomial.
Com as discussões realizadas, as professoras começaram a perceber que havia
diferenças entre o que ensinavam e como ensinavam e a abordagem das questões da
Prova Brasil, como relata a professora P2 em seu caderno de registros:
.... na prova, a ordem de grandeza dos números era de dezenas ou
centenas de milhar, os números apresentados para decomposição tinham
zero intercalado, no trabalho que faço uso mais os números menores que
1000, (Atas de memória, 2/04/2011).
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Após essas análises, uma reflexão sobre a prática foi registrada nas atas de memória do
grupo:
..... as crianças não fazem generalizações, mesmo que aprenderam
compor e decompor um número da ordem das centenas, não generalizam
para a ordem das dezenas de milhar, por exemplo. (Atas de memória,
2/04/2011).
Um fato que chamou a atenção do grupo, registrado nas atas de memória, é que na
prova havia um item que solicitava a quantidade de centenas do número 7500 e que o
percentual de acertos dessa questão foi próximo de 30%. Essa constatação permitiu
outra reflexão sobre a prática destacada nas atas de memória do grupo em que as
professoras admitiam que trabalhavam o valor posicional do algarismo no número, mas
não discutiam com seus alunos sobre a quantidade de dezenas ou de centenas que há
num determinado número.
A análise do item, descrito a seguir, permitiu outra reflexão interessante.
O número 5 001 é igual a
a) 500 + 1
b) 500 + 10
c) 5 000 + 1
d) 5 000 + 10
Prova Brasil, 2007
Ao analisar a questão, uma das professoras relatou:
Meus alunos decompõem esse número como 5000 + 000 + 00 + 1 e
acabam errando porque não encontram a resposta que obtiveram entre as
alternativas, (P2, 16/4/2011).
Esse relato provocou várias discussões e o grupo concluiu que essas crianças estão
“numa escrita intermediária” e precisavam avançar para a “decomposição
convencional”, o que possibilitou uma intervenção por parte da professora e o avanço
das crianças na aprendizagem.
Às vezes, as dificuldades para compreender as características do sistema de numeração
decimal eram das próprias professoras, como é possível verificar no excerto do caderno
de registros da professora P3.
Tive dificuldade para entender “esta história de ordens e classes”, não sobre
colocar os números nas “casinhas”, mas para saber o valor posicional em
algumas situações que tem nos livros didáticos e na Prova Brasil, (Caderno de
registros, 26/03/2011).
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A compreensão dos relatórios da Prova Brasil que apresentavam análise de itens,
percentual de acertos, discussão de possíveis erros dos alunos permitiu uma reflexão
sobre o ensino que praticavam e, consequentemente a investigação sobre a própria
prática, o que corrobora estudos de Ponte (2002) sobre esse assunto.
Nas discussões realizadas nas reuniões do grupo, as professoras perceberam que não
desenvolviam atividades de contagens orais, de observação de regularidades em
sequências numéricas, nem de situações em que não existiam regularidades. Alguns
conhecimentos matemáticos foram aprofundados, como, por exemplo, a escrita
numérica na forma polinomial.
Algumas sequências de atividades foram discutidas. Uma das tarefas desafiava o grupo
a utilizar um procedimento para resolver a multiplicação 6 x 48 numa calculadora com
as teclas 6 e 8 quebradas. Outra solicitava que escrevessem o maior e o menor número
possível com os algarismos 4, 9, 5 e 6, sem repeti-los. Uma terceira convidava as
professoras a descobrirem dois números consecutivos cujo produto é 210. Outra
atividade pedia que completassem sequencias e explicitassem as leis de formação. Uma
última tarefa solicitava que as professoras acrescentassem zeros à direita de números
previamente escritos e analisassem o que ocorria com eles. Algumas professoras
revelaram procedimentos interessantes na resolução das tarefas, outras mostravam
dificuldades quando buscavam um procedimento de resolução. Na tarefa em que
deviam escrever o maior e o menor número com os quatro algarismos, algumas
professoras precisaram escrever todos os números para depois compará-los, o que revela
dificuldades com a posicionalidade do sistema de numeração decimal. A palavra
consecutivo precisou ser esclarecida no grupo e nem sempre as professoras descobriam
a lei de formação de uma sequencia numérica. Na tarefa que solicitava que
acrescentassem zeros à direita do número e analisassem o que acontecia com ele,
percebeu-se que algumas professoras indicavam as “casas” relativas à posição de cada
algarismo no número e não percebiam que quando se coloca um zero à direita o número,
este fica multiplicado por 10. Este fato parece revelar que elas não percebem que o valor
de cada algarismo num número é obtido multiplicando esse algarismo por uma
determinada potencia de base 10.
Segundo Lerner e Sadovsky (1996) se for colocado um ou mais algarismos à direita de
algum número, necessariamente potências de 10 de “maior grau“ que as envolvidas irão
intervir em sua decomposição e o número será 10 (ou 100 u mil, ...) vezes maior. Elas
afirmam que é uma questão de posicionalidade do sistema de numeração decimal.
A resolução dessas atividades provocou comentários que revelam a frustração das
professoras por não compreenderem adequadamente conteúdos matemáticos básicos
para o ensino. A professora P4 revela sua dificuldade com a decomposição dos números
e com o valor absoluto e o valor posicional dos algarismos nos números.
Tive dificuldades para fazer as atividades em que não se podia usar
algumas teclas da calculadora, por não conseguir “desmontar” o
número e que o mesmo aconteceu ao ter que identificar quantas
dezenas tem este número (caderno de registro, 30/04/2011).
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Ao analisar as atas de memórias desses encontros, chamou atenção o fato de que a
compreensão do Sistema de Numeração Decimal não era tão simples para o grupo, que
às vezes mostrava desconhecer algumas características básicas desse Sistema. A idéia
de que basta “dividir o número em casinhas (M/C/D/U)” para compreender o Sistema
de Numeração Decimal era presente no grupo.
Esse fato corrobora outros estudos como o de Curi (2011) que revela que, talvez por
esse sistema numérico ser tão simples e comumente usado no dia a dia ou, então, pela
pouca importância dada pelos professores para esse assunto, ele é tratado com muita
superficialidade durante a escolarização.
Após vários encontros, com novos saberes, as professoras decidiram aplicar a seus
alunos os itens da Prova Brasil que haviam analisado e que envolvem o Sistema de
Numeração Decimal. Os protocolos dos alunos foram analisados pelo grupo de pesquisa
e foram discutidas algumas possíveis intervenções. Essas discussões permitiram a
construção de sequencias de atividades que buscaram explorar várias questões com
graus de dificuldade diferenciados.
A compreensão dos resultados da Prova Brasil e as discussões realizadas nos vários
encontros deram segurança para que as professoras propusessem e analisassem
atividades desenvolvidas com seus alunos, o que permitiu ampliar os conhecimentos das
professoras. Serrazina (2001) destaca que o conhecimento do professor é dinâmico e
continuamente alterado, durante sua trajetória profissional, pelas interações do professor
com o ambiente da sala de aula, com os alunos e com experiências profissionais
pessoais e de colegas, o que permite categorizá-lo como um conhecimento de natureza
situada.
Considerações Finais
Considera-se que, embora essas professoras tivessem dificuldades tanto nos conteúdos
matemáticos básicos como no ensino desses conteúdos, a percepção dessas dificuldades
e a postura em reconhecê-las foram favoráveis à aprendizagem e ao desenvolvimento
profissional.
O desenvolvimento da pesquisa colaborativa mostrou que os contextos externos
reforçaram a parceria para consolidar a pesquisa sobre a prática pedagógica na escola.
As diversas reuniões realizadas ajudaram a estreitar o relacionamento da rede pública
com pesquisadores da Universidade e alunos da graduação, futuros professores. Podese considerar, ainda, que a pesquisa colaborativa, centrada no diálogo e no
companheirismo favoreceu a tomada de decisões na consolidação de estratégias
voltadas à formação continuada de professores, gerando amadurecimento no processo
de aprendizagem do grupo, porque possibilita a reflexão dos participantes e o
estreitamento das suas relações interpessoais, embora com a desvantagem da
imprevisibilidade dos fatos que ocorrem na escola.
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Este estudo mostra que quando professores se tornam mais participativos do processo
de avaliação externa, compreendendo seus objetivos, analisando questões e resultados,
utilizando dados de avaliação em sua prática, ampliam a visão sobre as aprendizagens
de seus alunos, sobre o ensino de Matemática, se tornam pesquisadores de sua própria
prática aprimorando seu desenvolvimento profissional.
O grupo vivencia um trabalho coletivo e colaborativo; a articulação entre a pesquisa, a
formação docente e a prática pedagógica; a busca de novas experiências didáticas, seja
na universidade ou escola; a participação no processo coletivo de criação; a reflexão
sistemática e permanente antes, durante e depois da realização de experiências didáticas,
favorecendo o processo de desenvolvimento profissional de todos participantes.
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