Turismo e Patrimônio Cultural: possíveis elos entre identidade, memória e preservação Anne Bastos Martins - FES/JF1 Gustamara Freitas Vieira - FES/JF2 RESUMO Co-autores: Anelisa Alvarenga Alcântara Cid Lívio Braz Dulcinéia Bridi Elaine Kaeler Carneiro. Este artigo perpassa pelas relações que podem ser estabelecidas entre Turismo, Patrimônio Cultural, Planejamento e Preservação. Destacar a importância do planejamento turístico e da construção de roteiros temáticos para a melhor utilização do patrimônio de uma localidade foram os objetivos estipulados para a pesquisa realizada pelo grupo de estudo Turismo, Cultura e Sociedade empreendida por professoras e alunos do Curso de Turismo da Faculdade Estácio de Sá (FES/JF). O Turismo é uma das atividades capazes de auxiliar na obtenção de resultados relevantes no que cerne à preservação da memória e identidade ao apresentar para turistas e/ou visitantes a essência e os significados do patrimônio local. Acredita-se que por meio da metodologia interpretativa a construção de identificações e valores referenciais conduzirão à preservação da história local garantindo os elos geracionais e situarão os sujeitos como co-participantes do processo de conhecimento e preservação oferecendo-lhes a oportunidade de se transformarem em turistas-cidadãos. Palavras Chave: Turismo, Metodologia Interpretativa, Identidade e Memória, História e Patrimônio Cultural. ABSTRACT This essay looks into the connections that may be established between Tourism, Cultural Heritage, Planning and Conservation. To highlight the importance of tourism planning and the construction of thematic itineraries for better utilization of a community’s heritage has been the goal behind the research conducted by the SIG gathered under the heading Tourism, Culture and Society, which congregates teachers and undergraduates from the Degree in Tourism at Faculdade Estácio de Sá (FES/JF). Tourism is one of the activities capable of helping one obtain relevant results regarding memory conservation and identity, as tourists and/or visitors are presented with the essence and the meanings of local heritage sites. It is believed that through the interpretive methodology, the building of identifications and reference values will lead to the preservation of local history, which should safeguard the maintenance of generational bonds and situate subjects as co-participants in the knowledge and conservation process as they are granted the chance to turn into tourist-citizens. Keywords: Tourism, Interpretive Methodology, Identity and Memory, History and Cultural Heritage. 1 Graduada em Turismo pela FACTUR - Faculdade de Turismo. Especialista em Marketing pela UNESA - Universidade Estácio de Sá. Mestre em Extensão Rural pela UFV - Universidade Federal de Viçosa. Coordenadora e Professora do Curso de Turismo da Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora na qual leciona Teoria Geral do Turismo I; Introdução à Hotelaria; Gestão de Meios de Hospedagem; Planejamento e Organização do Turismo II. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Graduada em História pela UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto. Mestre em Educação pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora do Curso de Turismo da Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora na qual leciona as disciplinas de História do Brasil, História da Cultura e Cultura Brasileira, Projeto de TCC e Turismo e Elementos de Museologia, e da Rede Municipal de Juiz de Fora.Endereço eletrônico: [email protected] 1 INTRODUÇÃO Esse artigo tem o objetivo de apresentar o Projeto de Iniciação Científica “O Aproveitamento do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora e as Possibilidades de Intervenções Turísticas” realizada entre abril e dezembro de 2005. A pesquisa surgiu da necessidade de elaborar um projeto que associasse as reflexões sobre Patrimônio Cultural e Turismo permitindo às professoras responsáveis e alunos bolsistas e voluntários da Faculdade Estácio de Sá - Juiz de Fora (FES/JF) analisar essa relação no que tange ao resgate e ao aproveitamento do patrimônio cultural de Juiz de Fora (área urbana) e as possibilidades de intervenções turísticas na cidade. A delimitação desse estudo foi orientada a partir da percepção de que a conservação do patrimônio cultural se apresenta como essencial para os sujeitos históricos locais na medida em que possibilita o reencontro com as raízes das suas comunidades e a reafirmação das suas identidades, bem como, e não menos importante, transforma-se em potencial atrativo cultural no planejamento turístico local. O grupo envolvido na pesquisa procurou responder sobre as possibilidades de aproveitamento do patrimônio cultural em Juiz de Fora na construção de roteiros turísticos temáticos, a fim de incrementar a atividade turística na cidade. Para isso o caminho percorrido pelo estudo foi estabelecido a partir de três eixos, a dizer: reflexão sobre a História de Juiz de Fora e a constituição de sua identidade; sobre as relações entre o Patrimônio Cultural e o Turismo, especificamente na cidade, o patrimônio arquitetônico e o traçado urbanístico; e sobre a organização do Turismo na cidade e o lugar ocupado pelo patrimônio cultural. É preciso esclarecer que foram construídos canais de diálogo e reflexão entre os eixos durante toda a pesquisa e que foram estabelecidas várias ações para se cumprir o estudo dos eixos, são elas: leituras sobre a História de Juiz de Fora; pesquisa sobre o patrimônio arquitetônico e o planejamento da cidade; análise do Plano Estratégico Setorial de Turismo de Juiz de Fora; observação em campo sobre o potencial turístico do corredor arquitetônico no centro da cidade; elaboração de acervo iconográfico a partir de fotos retiradas da arquitetura urbana; aplicação de questionário junto ao corpo discente do Curso de Turismo da FES/JF. Este texto busca explicitar parte da trajetória percorrida no processo de pesquisa. Nele serão analisadas as relações entre o uso do patrimônio cultural e a organização das atividades turísticas; o nível de conservação do patrimônio arquitetônico e como este pode ser utilizado na 2 elaboração de roteiros turísticos, com a conseqüente dinamização da atividade em Juiz de Fora. 1 JUIZ DE FORA: HISTÓRIA E MEMÓRIA O povoado de Santo Antônio do Paraíbuna (1709) surge no contexto de abertura do Caminho Novo (1703) como local de pouso para tropeiros que transportavam gêneros diversos à região mineradora. Mas, a ocupação mais sistemática do povoado ocorrerá somente a partir do século XIX em função da decadência na exploração do ouro e diamante e, por conseqüência, do deslocamento de pessoas daquela região para a Zona da Mata Mineira. Elas estavam em busca de outras possibilidades econômicas concretizadas por meio das lavouras de café, cana-de-açúcar e da pecuária bovina. Segundo Vanda Arantes do Vale (2002, p.34), A nova aglomeração, Santo Antônio do Paraíbuna, expandiu-se rapidamente, gerando necessidades de urbanização e saneamento. Nos arredores do povoado, o café, vindo do Vale do Paraíbuna passou a ser cultivado como em outros pontos da Mata Mineira. A aglomeração cresceu em função da prestação de serviços à economia cafeeira. Em 1850, o povoado foi elevado a Vila do Paraíbuna, à cidade de Paraíbuna em 1856 e, finalmente, recebeu o nome de Juiz de Fora, em 1865. Essa evolução foi acompanhada pela partilha de terras na margem direita do Rio Paraíbuna e pela construção da Estrada Nova saindo de Benfica e chegando à Colina do Alto dos Passos; além da abertura de várias ruas nos arredores do centro de poder (atual Parque Halfeld). A inauguração da Estrada de União e Indústria (1861) ligando Juiz de Fora ao Rio de Janeiro colocou a cidade como principal entreposto comercial, pois facilitou a circulação de inúmeras mercadorias e o transporte do café regional e trouxe a primeira leva de imigrantes, tornando a cidade núcleo urbano convergente da Zona da Mata Mineira e implicando numa maior concentração de capital. A inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II (1871) ampliou ainda mais essa importância. Nesse momento, “constituiu-se em pólo de atração por excelência de novos e diversificados contingentes populacionais: mão-de-obra especializada, imigrantes, comerciantes e industriais” (GIROLETTI, p.157 apud ANDRADE, 1986, p.21) que vieram se juntar aos fazendeiros, à população pobre e livre que vivia na cidade e à grande quantidade de escravos que, até a década de 1860, constituíram mais da metade da população local. Estes foram 3 responsáveis pela produção artesanal de utensílios, pela abertura de caminhos e ruas, pelo transportes em carroças, pela construção dos primeiros imóveis e por preparar a terra para o plantio do café. Em paralelo a essas transformações ocorreram melhorias urbanas e a organização do setor financeiro, são algumas delas: criação do Banco Territorial e Mercantil de MG (1887) e Banco do Crédito Real de MG (1889); serviços de bonde de traça animal (1881); serviços de telefone (1883) e telégrafo (1884); água a domicílio (1885); energia elétrica e iluminação pública (1889); além da criação de estabelecimentos de ensino primário e secundário. Todos os fatores citados acima, acrescido da criação da infra-estrutura e a formação de uma massa de mão-de-obra livre, composta pelos descendentes de portugueses e afrobrasileiros, bem como, alemães, italianos e sírio-libaneses proporcionaram condições para o desenvolvimento industrial de fins do século XIX, ao mesmo tempo em que possibilitaram a ampliação do parque industrial nas primeiras décadas do XX. É possível afirmar que a identidade da cidade foi construída a partir das relações conflituosas entre o capital e o trabalho e as conseqüências sociais e políticas próprias desse conflito. Segundo Crhisto (1994), a cidade não participa e não se identifica com a “mineiridade”. Ao contrário de Belo Horizonte que recebeu influência direta de Ouro Preto, a antiga capital do Estado, Juiz de Fora teve sua vida social traçada pelas fábricas, operários de ambos os sexos e diversas nacionalidades e pela proximidade com o Rio de Janeiro. O contexto sócio-cultural e político em Juiz de Fora passou a fazer parte de um projeto de modernização que visava um maior controle sobre o espaço urbano e a população. Por isso, os jornais, os teatros, as escolas, as instituições culturais possuíam o papel de incutir na mentalidade da cidade o desejo de “ser civilizada”. Entendendo que “civilizar-se” era romper com os problemas decorrentes do seu processo de urbanização, quais sejam: deficiências sanitárias, epidemias, falta de habitação popular e analfabetismo. E também se comportar e agir segundo os preceitos da mentalidade social burguesa copiada dos padrões cariocas e europeus de ser. Em termos arquitetônicos destaca-se, de um lado, o Ecletismo nos palacetes e prédios públicos “estilo de uma sociedade que valorizou o progresso tecnológico e ao mesmo tempo mostrou erudição fazendo referências históricas – o revivalismo, e adotou novos materiais” (VALE, 2002, p.36). De outro, as vilas operárias construídas em tijolo aparente ou caiação. É possível observar que a classe dominante construiu suas residências sustentadas pela idéia de 4 privacidade, por isso seus palacetes afastam-se da rua, onde a convivência entre as classes acontece. E, ao mesmo tempo, economiza material na construção das vilas operárias fazendoas de parede-meia, com mesmo telhado, igual divisão interna e acabamento externo idêntico. Na década de 1940, Juiz de fora começa a apresentar sinais de desaceleração e decadência nas atividades industriais. Em 1956, em seu primeiro centenário, a cidade adquiriu exemplares de arquitetura seguindo as concepções modernas, com o emprego de muito vidro, coluna, linha reta. Exemplos deste processo são obras do arquiteto Niemeyer (projetista do prédio “Clube de Juiz de Fora”) e os pintores Di Cavalcanti e Portinari (autores do painel no mesmo prédio). Ao analisar a trajetória histórica de Juiz de fora, a partir da segunda metade do século XX, percebe-se um claro direcionamento de uma economia fortemente baseada nas indústrias de bens de consumo não duráveis para atividades econômicas voltadas para o setor terciário que envolve a prestação de serviços, a rede educacional, o comércio, o turismo e outros. Na década de 1990, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) buscou estimular a atração de empresas integradas às cadeias produtivas das maiores indústrias da cidade. Mas essa estratégia não foi bem sucedida. Contudo, neste mesmo período, através da elaboração do Plano Estratégico Setorial do Turismo novas perspectivas se abriram para o município. Tal iniciativa objetivava transformar a cidade em destino turístico regional e nacional, e conseqüentemente, gerar renda e postos de trabalho. Para tanto teve início uma série de ações visando a mobilização da comunidade, dos empresários, bem como das instituições de ensino federal e particulares intentando tornar todos estes atores conscientes de seu papel na busca da implantação da atividade turística. Em 2004, a Prefeitura Municipal oficializou o Plano Estratégico. Ainda neste sentido, o Governo do Estado de Minas Gerais liberou verba para a construção do primeiro centro de convenção da cidade com objetivo de atender não só as demandas do Turismo de Eventos e Negócio da cidade como também da região. A finalidade é incrementar o fluxo de turistas e aumentar as oportunidades de empregos diretos e indiretos. Novos hotéis estão sendo construídos e outros já foram inaugurados em 2005, exigindo mão-de-obra qualificada para que possam assegurar ao turista excelência de atendimento. Além disto, a cidade já se consagrou como palco de eventos como o Festival Internacional de Música Colonial e Antiga, Congresso Nacional de Laticínios Cândido Tostes, Concurso Miss Gay Brasil, Parada GLS, JF Folia. Todos os eventos de grande porte que 5 atraem considerável número de turistas, aumentando, por sua vez, a movimentação nos hotéis, bares e restaurantes, comércio e pontos de táxi. Imersos nesse quadro de permanências e transformações pelos quais vive Juiz de Fora é preciso apontar que não se acredita em uma cidade que fique estacionada no tempo, pois o dinamismo é inerente ao processo histórico e cultural de todos os locais. O que não implica dizer que a história e os lugares de memória da cidade devam ser esquecidos e/ou mesmo perdidos no turbilhão das transformações contemporâneas. O conceito “lugar de memória” está mais vinculado às análises sobre preservação e patrimônio. No turismo sua melhor incorporação seria como “concepção que remete diretamente à afetividade, integridade e identidades locais” (GASTAL, 2002, p.71). É necessário para construção dessa categoria, especificar separadamente memória e lugar. Por memória entende-se o que identifica a humanidade com algo por ela construído, o que identifica os indivíduos entre si, mas também os tornam únicos como comunidade. A memória é base para a identidade porque auxilia na manutenção dos laços de pertencimento da humanidade. Segundo Huyssen (2000), a emergência da memória é um dos fenômenos culturais e políticos mais característicos de fins do século XX. Isso é justificado pela transformação ocorrida na sociedade quanto à experiência e sensibilidade temporal, acontece um deslocamento em relação à percepção do tempo de futuro-presente para passado-presente. É nesse sentido que ocorre a sensação que o mundo está ficando musealizado. Em parte esta sensação é criada pela indústria cultural, pois os homens estão sendo conduzidos a procurar a recordação total e induzidos a alimentar um desejo constante de puxar o passado para o presente. Essas ações são concretizadas a partir do estabelecimento de padrões de consumo e usos que remetem as pessoas, por exemplo, a consumir roupas, calçados e músicas inspiradas na moda “retrô”, bem como, na (re)construção de cenários históricos e (re)constituição de cenas vividas no passado em locais turísticos, em seriados e novelas televisivas. Todas essas ações buscam revitalizar, recuperar, rememorar algo vivido pela sociedade buscando, na maioria das vezes, um efeito de congelamento do passado com a eleição de alguns fatos ou ocasiões que são consideradas dignas de serem guardadas na memória coletiva. Para Waisman (1997 apud GASTAL, 2002, p. 75) o lugar, “constituir-se-ia a partir da ação humana ao longo do tempo, acumulada como história (...) é dinâmico, receptáculo de 6 construção / desconstrução na tensão entre o regional e o globalizado, mas, principalmente, surge na ação humana e na acumulação da memória”. Dessa forma, da união entre a conceituação de memória e lugar surgem os lugares de memória que são aqueles espaços que a experiência da comunidade transformou em lugar – local, bairro, rua, prédio ou objeto – que pode ser um museu ou o armazém que fornece gêneros para um bairro. “O lugar de memória pode contribuir para uma metodologia que amplie os critérios dos inventários turísticos no que se refere às manifestações culturais” (GASTAL, 2002, p. 77). Na pesquisa privilegiou-se como lugar de memória alguns exemplares do patrimônio cultural de natureza material de Juiz de Fora. Essa escolha deve-se em primeiro lugar a relevância desses patrimônios, pois são importantes testemunhos históricos do desenvolvimento da cidade e do país; em segundo por considerar-se que esse patrimônio pode ser um dos possíveis laços facilitadores do resgate de uma memória que de fato reforce os laços de identidade local. Em terceiro lugar, mas não menos importante, porque a estruturação do Turismo Cultural pode auxiliar no incremento do Turismo de Eventos e Negócios característicos da cidade bem como, pode ser fator dinamizador de novos usos e de auxílio à sua preservação. 2 PATRIMÔNIO CULTURAL, TURISMO E IDENTIDADE A relação entre turismo e patrimônio cultural não é tão recente quanto se imagina. A primeira viagem nacional na qual o patrimônio figura como atrativo para o turismo ocorreu em 1924 e teve como destino a cidade mineira de Ouro Preto (CAMARGO, 2002). Ícones do Modernismo Brasileiro participaram dessa viagem, são alguns deles: Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Esses artistas despertaram o Poder Executivo para a necessidade de se preservar nossas raízes históricas e culturais brasileiras. Essa ação acarretou os primeiros resultados importantes quando na década de 1930 o Governo de Getúlio Vargas cria o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional3 (SPHAN – Lei 378/1937) e, por meio do Decreto-lei nº. 25, organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional por meio do tombamento dos bens. 3 Atualmente o órgão é denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) 7 Diante das atuais discussões suscitadas entre turismo e patrimônio cultural é possível apontar que as relações estabelecidas entre ambos serão duradouras, pois cada vez mais as pessoas têm buscado, através da realização de viagens turísticas, um crescimento cultural advindo da observação dos diversos tipos de culturas característicos de cada local visitado. Ao contrário do turismo praticado nas décadas de 60 e 70 em que simplesmente o sol e a praia eram atrativos, hoje isso tem sido superado pela busca cada vez maior pelos destinos que possam proporcionar a convivência com culturas diversas acarretando em um acréscimo de cultura geral através da vivência de novas experiências (BUSSONS; HAMABATA e GONÇALVES, 2005). Em função disso, observa-se que cada vez mais destinos turísticos baseados em recursos naturais necessitam também estruturar seu contexto histórico e cultural a fim de acrescer sua valorização. Nesse contexto, o Turismo Cultural - entendido como o turismo que possui como principal atrativo aspectos da cultura humana - oferece a possibilidade de maior compreensão e comunicação entre os diferentes povos. Esse contato tende a enriquecer culturalmente tanto os turistas quanto a comunidade receptora. Para isso a atividade turística deve ser planejada e organizada da forma mais adequada possível para que os atrativos turísticos sejam vistos não só como fonte de renda e emprego mas como legado cultural4 deixado para as próximas gerações. Nesse momento é fundamental o entendimento do que é o patrimônio cultural e como ele é fator relevante para a manutenção da identidade cultural. De modo geral podemos dizer que a riqueza e tradições culturais de um povo constituem seu patrimônio. O patrimônio cultural deixou de ser definido apenas pelos prédios que abrigaram a elite econômica e/ou política e os utensílios a elas pertencentes, passando também a ser definido como um conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos e costumes, crenças e forma de vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e compõem a sociedade. A definição oficial de patrimônio cultural consta da Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 216: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: Ias formas de expressão, IIos modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; Margarita Barreto entende por legado cultural os elos que possibilitam os nexos dos povos com o seu passado e, dessa forma, permitem a manutenção da continuidade cultural. (BARRETO, 2003,p.43) 4 8 IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados `as manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º- O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. Para a elaboração do artigo 216 os legisladores brasileiros utilizaram a definição oferecida na Conferência Mundial sobre Políticas Culturais organizada pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) em 1985 no México. Diz a Declaração do México: O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentindo à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas. Dessa forma, é possível afirmar que o patrimônio cultural compreende todos os aspectos da cultura material e imaterial construídos ao longo da vivência sócio-histórica das diferentes sociedades. Durante esse processo de construção, os diferentes sujeitos, ocupantes de diferentes lugares sociais expressam suas percepções sobre si, sobre os grupos nos quais estão inseridos e o mundo que os rodeia. É a partir dessas percepções que são estabelecidas as regras e normas sociais de convivência e que são criados os vínculos de pertencimento identitário. Neste contexto, o patrimônio cultural serve de sustentação material e/ou esteio de memória para a criação de laços de identidade, bem como de fixação dessas identidades nos sujeitos sociais. Todo esse processo mobiliza as experiências cotidianas das pessoas e as memórias que envolvem seu passado. Dessa forma, a atividade turística auxilia no fortalecimento dos laços identitários locais e na ampliação do conceito “turista-cidadão” que consiste em transformar aquilo que poderia ser uma simples experiência turística na aquisição de conhecimentos e valores significativos e duradouros. Se tomada dessa forma a cultura facilitará a construção de laços de significação, portanto de identidade, que colaboraram para a preservação e valorização do patrimônio cultural. Assim como a preservação e o apreço do patrimônio cultural permitem à sociedade defender sua soberania e independência e vai, por conseguinte, afirmar e promover sua identidade cultural. 9 Segundo Pestana (2005, p.1) o termo ‘valorização’ equivale à utilização dos recursos do patrimônio cultural. Valorizar um bem histórico ou artístico é habitá-lo com as condições objetivas e ambientais que, sem desvirtuar sua natureza, ressaltem suas características e permitam seu aproveitamento O benefício da valorização estende-se ao próprio patrimônio e tende a expandir seus efeitos à área em que está e a toda a localidade onde se encontra. Assim quando um monumento é capaz de atrair a atenção dos visitantes e turistas aumentam, por conseqüência, o interesse do empresariado e poder público em adaptar e/ou instalar uma infra-estrutura adequada para recebê-los. Essa é uma dentre tantas conseqüências previsíveis da valorização e implica a prévia adoção de medidas reguladoras que, ao mesmo tempo em que facilitam e estimulam a iniciativa comercial, valorizam o significado do bem em si e para a comunidade local. Outra conseqüência a ser apontada é a possibilidade do patrimônio cultural em implementar atividades turísticas pois sua valorização acarretará em estímulo sócio-cultural e econômico para todos os agentes envolvidos no turismo. O turismo cultural é um segmento que surge a fim de aproveitar dos bens culturais de natureza material e imaterial disponíveis nas diferentes sociedades. Mas, para isso é necessário apontar que são fundamentais as ações voltadas para a recuperação e revitalização dos bens materiais, bem como, para o resgate e manutenção das diferentes expressões da cultura imaterial das comunidades. Nesse processo, é essencial a conscientização e a participação efetiva da comunidade local como uma forma de organizar adequadamente o turismo cultural. Se essa comunidade pára por qualquer motivo de estabelecer os laços históricos necessários e passa a não se identificar com os seus lugares de memória, os significados são perdidos e o seu patrimônio deixa de cumprir uma função social essencial que é a manutenção da identidade do local Nesse sentindo, o desenvolvimento do Turismo Cultural está diretamente relacionado ao esforço e trabalho de se preservar os valores culturais. É fundamental assumir e construir uma nova dimensão que permita vincular os conceitos de desenvolvimento social do turismo e de preservação do patrimônio, já que o patrimônio cultural representa a espinha dorsal dos projetos de planejamento do Turismo Cultural. Juiz de Fora possui um importante patrimônio arquitetônico que é testemunho do desenvolvimento da cidade por isso entende-se que é possível elaborar uma proposta de 10 produto turístico local que tenha como núcleo o seu patrimônio. Porém, percebe-se que esse patrimônio não tem sido valorizado e aproveitado devidamente enquanto atrativo turístico capaz de contribuir para a formatação de um produto turístico local. A proposta de aproveitamento apresentada pelo grupo de pesquisa foi pensada a partir da metodologia interpretativa e de uma ação planejadora adequada. Segundo Murta e Goodey (2002, p.13) a metodologia interpretativa valoriza a experiência do visitante, propicia a melhor compreensão do lugar visitado, valoriza o patrimônio cultural material e imaterial porque é “o processo de acrescentar valor à experiência do visitante, por meio do fornecimento de informações e representações que realcem a história e as características culturais e ambientais de um lugar”. Dessa forma, interpretar o patrimônio é revelar significados, provocar emoções, estimular a curiosidade, inspirar novas atitudes. “A interpretação é elemento essencial à conservação e gestão do patrimônio, uma vez que orienta o fluxo de visitantes visando à proteção do objeto da visita” Murta e Goodey (2002, p.14). Todo o intento de realizar uma interpretação deve ter um propósito, uma finalidade deliberada, de forma a contribuir para um melhor estado das pessoas e das coisas. Segundo Miranda (2002, p.95), “a interpretação do patrimônio é a arte de revelar in situ o significado do legado natural, cultural ou histórico, ao público que visita esses lugares em seu tempo livre”. A finalidade da metodologia da interpretação é produzir mudanças nos âmbitos cognitivos, afetivos e comportamentais do turista e/ou visitante buscando comportamentos duradouros. Para isso é essencial a estes: ter sua atenção atraída e mantida; entender e reter certas informações; usar as informações na adoção de atitudes positivas; sensibilizar e atuar de tal forma que possibilite mudança em seu comportamento. De acordo com Miranda (2002, p.96), a interpretação, como algo interessante para o turismo, deve: ◊ Provocar atenção, curiosidade ou interesse na audiência; ◊ Relacionar-se com a vida cotidiana do visitante; ◊ Revelar a essência do significado do lugar ou do objeto; ◊ Unir as partes em um todo; ◊ Produzir sensações e emoções no público; ◊ Ir além do mero fato da visita, contribuindo para a prevenção dos problemas sociais, ambientais e patrimoniais. 11 Com base na metodologia da interpretação procuraram-se informações que propiciassem uma nova percepção a respeito do patrimônio cultural de Juiz de Fora tendo como direcionamento a reflexão sobre as possíveis intervenções turísticas. Tal reflexão fundamentou-se também na Lei nº. 10.777 / 2004 que dispõe sobre a proteção do Patrimônio Cultural do Município e da providência para registro, além de criar o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (COMPPAC), órgão vinculado à Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (FUNALFA). E, por fim analisou-se o Decreto Lei nº. 8637 / 2005 que dispõe sobre a instalação de engenhos de publicidade e toldos em imóveis tombados. A publicação da FUNALFA “Memória da Urbe: bens tombados” apresenta os bens culturais tombados ou registrados pelo Município, no período de 1983 a 2004, acompanha cada bem cultural apresentado uma pequena descrição, sua fotografia e a informação sobre a legislação que determinou seu tombamento ou registro. Com exceção do Apito do Meio-Dia, bem imaterial tombado em 2004, todos os outros 167 são bens culturais de natureza material. Após o conhecimento do patrimônio cultural da cidade e de várias discussões feitas no grupo de pesquisa sobre a atratividade do patrimônio e a viabilidade na elaboração de um produto turístico delimitou-se uma área de estudo no espaço urbano da cidade e propôs-se, a princípio, a formação de um corredor em “L” que ligaria espacialmente o Parque Halfeld, a Praça João Penido e a Praça Antônio Carlos porque esses espaços revelaram-se significativos em termos históricos e arquitetônicos. Além de agregar o maior número de bens tombados pelo município. Diante dessa definição ocorreu a primeira visita técnica com a intenção de aprofundar os conhecimentos a respeito dos espaços e seus lugares de memória e, consequentemente, aprimorar o olhar a partir da metodologia interpretativa. Essa observação permitiu a identificação dos lugares de memória e a reflexão sobre seus estilos arquitetônicos, suas características de uso, sua importância social, cultural, econômica e política; as relações entre as construções e o período nos quais foram construídos. Em um segundo momento fez-se nova visita técnica a fim de refletir, a partir do planejamento turístico, sobre as possibilidades de aproveitamento do patrimônio como atrativo turístico. Para isso fixou-se o olhar sobre a infra-estrutura, as condições de preservação, as possibilidades de novos usos, a acessibilidade, e a capacidade daqueles patrimônios de oferecer sentindo identitário à comunidade local, bem como histórico-cultural ao turista. 12 3 O APROVEITAMENTO TURÍSTICO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EM JUIZ DE FORA O planejamento é uma atividade que envolve a intenção de estabelecer condições favoráveis para alcançar objetivos e metas propostas. O ato de planejar objetiva o aprovisionamento de facilidades e serviços para que uma comunidade atenda seus desejos e necessidades ou, então, o desenvolvimento de estratégias que permitam a uma organização comercial visualizar oportunidades de lucro em determinado segmento de mercado. No turismo, o plano de desenvolvimento constitui o instrumento fundamental na determinação e seleção das prioridades para a evolução harmoniosa da atividade, determinando suas dimensões ideais, para que, a partir daí, se possa estimular, regular ou restringir sua evolução. Conforme Bound e Bovy, o Plano Turístico é elaborado com a finalidade de atingir os mais diversos propósitos, a saber (BOUND e BOVY, p. 133 – apud Ruschamnn, 1997, p.85): ◊ Definir políticas e processos de implementação de equipamentos e atividades, e seus respectivos prazos; ◊ Controlar o desenvolvimento espontâneo do turismo; ◊ Maximizar os benefícios, visando ao bem-estar da comunidade receptora e à rentabilidade dos empreendimentos do setor; ◊ Evitar deficiências ou congestionamentos; ◊ Minimizar a degradação dos locais e recursos sobre os quais o turismo se estrutura; ◊ Capacitar os vários serviços públicos para a atividade turística; ◊ Garantir que a imagem da destinação se relacione com a proteção ambiental e cultural, além da qualidade dos serviços prestados; ◊ Atrair financiamentos nacionais ou internacionais e assistência técnica para o desenvolvimento do turismo; ◊ Coordenar o turismo com outras atividades econômicas integrando seu desenvolvimento aos planos econômicos e físicos do país. Sempre haverá a necessidade da intervenção dos planejadores em turismo nas seguintes circunstâncias, de acordo com Ruschmann (1997, p.86): ◊ Nos locais em que as empresas turísticas estão se estabelecendo com sucesso, a fim de assegurar um controle eficaz do desenvolvimento, no qual se incluem as medidas de proteção do meio ambiente e dos recursos culturais; 13 ◊ Nos locais em que o crescimento acelerado da demanda, originado pelo turismo de massa, gerou modificações rápidas nas circunstâncias econômicas e sociais, visando ao monitoramento contínuo do acesso de pessoas; ◊ Nos locais onde o turismo não se desenvolveu satisfatoriamente, apesar de apresentarem recursos consideráveis, como é o caso da cidade de Juiz de Fora; ◊ Nos locais onde o desenvolvimento do turismo concorre para a degradação ou a erosão de sítios históricos e/ou recursos únicos, apesar dos consideráveis benefícios socioeconômicos. Uma vez que o planejamento trabalhará com prioridades, poderá ter suas metas e o cumprimento de seus objetivos divididos em longo, médio e curto prazos: Segundo a mesma autora (1997, p.91), o planejamento em longo prazo trabalha a concepção do produto ou a sua identidade mercadológica. Determina os produtos que serão oferecidos no mercado, quem participará da sua composição, em que períodos e para que segmentos. Geralmente a duração de um planejamento em longo prazo dura quinze anos, mas esse prazo pode estender-se como ser abreviado, de acordo com os objetivos propostos. O planejamento turístico em médio prazo tem por objetivo implantar as ações propostas em longo prazo, relacionadas aos equipamentos destinados ao atendimento dos desejos e das necessidades da demanda. Ele está subordinado ao de longo prazo e essa hierarquia deve ser observada pelos empresários, a fim de evitar que como conseqüência de ações intuitivas e imediatistas, as destinações turísticas ultrapassem sua capacidade de carga e acabem se degradando diante de um mercado cada vez mais exigente. O tempo fixado é de cinco anos tanto para empreendimentos que querem se reposicionar no mercado, como para os novos. O planejamento turístico a curto prazo constitui a fase inicial da hierarquia na implantação de equipamentos e no desenvolvimento de atividades em núcleos receptores. Geralmente, são ajustes e soluções que podem ser implantados no curto espaço de tempo de um ano que correspondam a soluções para necessidades imediatas e visam viabilizar o funcionamento adequado de serviços e equipamentos turísticos. As soluções a curto prazo podem relacionar-se às ações de treinamento de recursos humanos de nível básico, limpeza de fachadas, ajardinamento de ruas que, apesar do seu pequeno impacto imediato, se forem contínuas, terão efeito positivo no conjunto da oferta turística de uma localidade. 14 São necessárias, porém, formas metodológicas de sensibilização da comunidade, de diagnóstico de viabilidade, de implantação, de monitoramento dos impactos, de divulgação e de venda para que tais objetivos sejam atingidos e gerem oportunidades de lazer e de aprendizado aos turistas, ao mesmo tempo em que proporcione à comunidade local melhoria da qualidade de vida. Assim, caberá ao planejador e sua equipe identificar certos elementos, como: ◊ Existência de atrativos naturais e culturais capazes de atrair demanda; ◊ Existência de acomodações, alimentação e entretenimento; ◊ Existência de facilidades e acessos. ◊ A disponibilidade de transporte turístico e bom posicionamento geográfico; ◊ Existência de uma demanda potencial capaz de viabilizar os investimentos feitos ou por fazer; ◊ Avaliar preços de transporte, alojamento, alimentação, entretenimento, além de preços cobrados por taxistas, souvenirs e outros. Especificamente em Juiz de Fora, estes elementos já foram identificados e analisados a partir do Plano Estratégico Setorial do Turismo: localiza-se próxima a centros do Estado do Sudeste, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, além de ser cidade central de toda Zona da Mata Mineira. Segundo informações do Convention & Visitors Bureau, ocupa um dos primeiros lugares em qualidade de vida no Estado de Minas e oferece a seus visitantes ótimas condições de segurança e atendimento na área de saúde, facilidade de locomoção, numerosos e variados restaurantes e boas opções de lazer como casas noturnas, museus, teatro, cinema e música. A cidade possui, ainda, características históricas, culturais, arquitetônicas e naturais, capazes de elevá-la a destino turístico, entretanto as ações implementadas até o momento são limitantes no sentido de promovê-la junto à região. Em 1997, teve início o Plano Estratégico de Desenvolvimento - PlanoJF, que buscava preparar a cidade para o enfrentamento de desafios que surgiriam em função da interligação de Juiz de Fora com municípios de seu entorno e, conseqüentemente, da crescente necessidade de acesso da população aos bens sociais, culturais e naturais. Em função disto, foi decisiva a inserção do turismo como atividade econômica capaz de contribuir para o desenvolvimento que então se almejava para a cidade. Formatou-se, então, o plano voltado para o setor do turismo, objetivando valorizar todo seu potencial. 15 Com base nas informações obtidas através deste documento, percebe-se que o Plano Setorial foi elaborado conforme as regras do Planejamento Turístico, que estipula a determinação de prioridades, objetivos, metas e estratégias, além da aplicação de inventário e conseqüente diagnóstico dos recursos naturais e culturais passíveis de serem transformados em produtos turísticos. Também foram observadas as regras que dizem respeito à sensibilização e capacitação da comunidade local, a fim de promover seu envolvimento no processo de planejamento e implantação das fases. Finalmente, atenção especial foi concedida ao preceito que estabelece a necessidade de promoção do produto criado. Não obstante, falhas comprometedoras também são facilmente identificadas ao longo deste processo: a partir da realização do inventário e do diagnóstico dos recursos e da infraestrutura local, constatou-se o potencial turístico do município e deu início à fase de proposição de projetos/ações que resultariam na implantação efetiva do turismo na cidade. Entretanto, uma análise mais apurada de tais projetos, permite a conclusão de que os inúmeros e valiosos bens materiais e imateriais que constituem a história local receberam pouca ou quase nenhuma atenção dos planejadores, desprezando, desta forma a essência histórica que explica e justifica o presente de Juiz de Fora. É verdade que o atual perfil do turista de Juiz de Fora, revela como principais motivações turísticas a participação em eventos e negócios. Entretanto, ao longo do ano vários e valorosos eventos de natureza cultural são realizados pelos “palcos” da cidade. Além disto, inexiste justificativa plausível que leve um grupo de planejadores a depreciarem a história e seus personagens, pois há espaço em Juiz de Fora para a concretização do Turismo Cultural segmento turístico que busca estabelecer laços entre passado e presente a fim de entreter, ao mesmo tempo em que instrui e colabora para a preservação e conservação dos recursos culturais e da memória de um povo. O Turismo Cultural implica não apenas em ofertar espetáculos ou eventos, mas fundamentalmente em possibilitar a preservação de um patrimônio cultural que pode ser representado e apresentado de diversas maneiras. O turismo também pode ser considerado como uma atividade de lazer educacional, que contribui para aumentar a consciência do visitante e sua apreciação da cultura local em todos os seus aspectos. Tal relação entre o visitante e o visitado promove a difusão de informação sobre uma determinada região ou localidade, seus valores naturais, culturais e sociais. Para uma comunidade, pode-se dizer que o turismo abre novas perspectivas sociais como resultado do desenvolvimento econômico e cultural da região. 16 Alerta-se portanto, que a falta de ordenação e planejamento coerente com a realidade local afeta negativamente a todos os públicos e os interesses aí representados. A título de exemplo, podem ser avaliadas as seguintes conseqüências de um planejamento inapropriado: ◊ A comunidade receptora, além de não ser beneficiada economicamente, vê seu patrimônio cultural e natural degradado e seu espaço social invadido por grupos de turistas distanciados das regras de comportamento que deveriam ter sido apresentadas a eles; ◊ Os recursos, agora transformados em produtos turísticos, são vistos e usados pelos turistas, agentes e guias como produtos comerciais simplesmente. Seus costumes e valores são dispensados, uma vez que a prioridade para aqueles é apenas o consumo; ◊ Os agentes, guias e o próprio comércio local desgastam sua imagem perante o público consumidor e vêem, pouco a pouco, a demanda turística diminuir e seu negócio se tornar inviável economicamente. Em contrapartida, planeja-se com vistas à sustentabilidade a fim de gerar maior conscientização ambiental e cultural na comunidade e nos turistas, agregar novos negócios à economia local, favorecer o intercâmbio cultural entre turistas e residentes, melhorar a infraestrutura básica, criando, por conseguinte, um espaço físico mais harmonioso e com maiores e melhores condições de empregabilidade e de preservação. O processo de planejamento pretende sair de uma situação atual para uma situação planejada. Para que o processo seja bem sucedido, é imprescindível que haja um perfeito conhecimento da situação atual. Em função de suas características, serão escolhidos meios, mecanismos e recursos para o deslocamento que se quer imprimir ao sistema e à constituição dos produtos turísticos. Até este momento, procurou-se apresentar no plano teórico, conceitos centrais a respeito do Planejamento Turístico e estabelecer uma relação, ainda que sucinta, entre estes conceitos e o Plano Estratégico Setorial do Turismo realizado com apoio da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. Apesar deste ser o documento oficial da cidade, não vem sendo trabalhado como proposto e divulgado em 2004, através de evento formal que marcou sua apresentação pública. Juiz de Fora, cidade rica e, por vezes pioneira em história e cultura, não foi percebida como potencial turístico para o envolvimento com o Turismo Cultural. Ao contrário foi dada atenção ao Turismo de Eventos e de Negócios, que apesar de reais e catalizadores de 17 público para a cidade, não motivam os turistas a permanecerem mais do que dois dias na cidade - quantidade ínfima quando se almeja rentabilidade e afirmação como destino turístico. Entretanto, na busca do aproveitamento dos recursos culturais da cidade para a dinamização e incremento da atividade turística proposta para Juiz de Fora, o projeto de pesquisa empreendido por professores e alunos do Curso de Turismo da Faculdade Estácio de Sá, após executar estudos bibliográficos e visitas de campo, como descrito anteriormente, visualizou e estabeleceu oportunidades reais de aproveitamento de tais recursos indo além de uma importância ou citação meramente periférica ou complementar. 18 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisar turisticamente os patrimônios eleitos pelo grupo e já apresentados, concluiu-se que a viabilidade da observação e da interpretação dos mesmos pelos grupos de visitantes, pressupunha sua divisão por similaridade e pelos possíveis efeitos gerados sob o público. Considerou-se também que tal divisão favorecia o tempo de percurso e de maior interação com os patrimônios, além da possibilidade de variar a oferta turística com fins a atender grupos com interesses diversos. Abaixo, segue a proposta de aproveitamento turístico de parte do patrimônio juizforano, lembrando que, a crença ética e profissional do uso destes recursos culturais como produtos turísticos, não se encerra nesta apresentação, antes deve estender-se, em momento oportuno, no estudo de sua constituição e organização de cada um destes produtos respeitando os critérios de sustentabilidade que permitam ao atual cidadão o conhecimento visual, informacional e emocional, mas que garanta às gerações futuras o mesmo direito: Produto Turístico Cultural Recursos Culturais Aproveitados Parque Halfeld - Marco de Fundação do Parque - Bustos e placas - Câmara Municipal - Prédio da Antiga Prefeitura Artistas e seus feitos: Família Arcury, Oscar Niemayer Cândido Portinari - Edifício Ciampi - Edifício Clube Juiz de Fora - Mosaico de cavalos:fachada do Edifício Clube Juiz de Fora - Painel “As quatro estações” - Piso do Calçadão da rua Halfeld - Praça João Pessoa -Banco do Brasil - Avenida Getúlio Vargas - Prédios e fachadas (inclusive parte baixa) - Galerias - Pio X - Complexo do Cine Teatro Central - Espaço Unibanco Palace - Prédio e Museu do Crédito Real Calçadão Halfeld da Rua Praça da Estação - Praça, prédios e fachadas históricas - Museu Ferroviário Formas de Utilização Narrativa histórica e arquitetônica; teatralização; apresentação de documentos, fotografias, maquete; criação de centro de informações turísticas e espaço para receptivo. Eventos, feira de artesanato local e área de convivência para a comunidade local e turistas. História de vida; participação e influência na vida social e cultural da cidade; apresentação lúdica e interativa de suas obras, projetos, fachadas etc; souvenirs (cartão postal, e outros). Ecletismo; exposições artísticas (Banco do Brasil); museus (Crédito Real); apresentação teatral e de coralistas (escadaria do Cine Teatro); visitação guiada ao interior do Cine Teatro; alimentação (bares, restaurantes e Espaço Unibanco). Relação histórica entre a parte baixa da Halfeld, a linha férrea e a expansão da cidade ; visitação ao Museu Ferroviário; resgate do trem turístico. 19 Evidentemente que cada uma destas propostas necessita de estudo e de planejamento individual, a fim de ofertar ao público uma experiência satisfatória que o leve a retornar e divulgar a cidade como um destino amigável e interessante. Por serem os espaços citados lugares de bastante movimentação, o cuidado com o número de pessoas que comporá cada grupo de turistas deverá ser definido para que não haja tumulto entre turistas e guias e transeuntes. Além disto, horários e dias para a realização destes roteiros precisam ser bem estipulados, bem como as formas de divulgação e de venda via agências de viagem, a fim de que o lucro não venha subtrair ou ofuscar a essência máxima do roteiro: cultura, lazer educacional, informação e interação. Assim, muito ainda há que se pensar em termos de estruturação dos produtos/roteiros, recepção, divulgação e venda, mas apesar disto, fato inquestionável é que a cidade de Juiz de Fora é detentora de rico potencial para a implementação do Turismo Cultural. Para finalizar, estudantes de turismo, profissionais, associações e entidades da área, bem como empresários e toda a população local devem ser instruídas e internalizar conceitos que permitam o uso de recursos culturais para a geração de emprego e renda, mas que a esta necessidade de toda e qualquer sociedade, esteja atrelada à importância do resgate e preservação cultural, pois um povo sem memória e sem exemplares que retratem seu passado torna-se apenas um amontoado de gente. O exercício de aproximação entre História, Patrimônio Cultural e Planejamento turístico proporcionou, ao grupo envolvido na pesquisa, fazer discussões e reflexões que contribuíram para um importante acúmulo de conhecimento. A associação entre teoria e prática foi contemplada de modo significativo através de leituras bibliográficas e das visitas técnicas ao espaço delimitado, ou seja, o corredor que liga o Parque Halfeld, a Praça João Penido e a Praça Antônio Carlos. Constatou-se que o patrimônio cultural pode e deve ser usado para a organização de atividades turísticas porque apresenta bom estado de conservação e é uma importante chave para unir memória e identidade na medida em que é a concretização de momentos históricos e possibilita o aprofundamento dos laços de pertencimento e seu sentindo original que são essenciais para um bom planejamento do turismo cultural. Verificou-se que apesar da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) possuir um Plano Estratégico Setorial do Turismo para o desenvolvimento da atividade na cidade, sua execução contém falhas que comprometem o potencial de aproveitamento do patrimônio cultural e natural 20 da cidade. Outras questões em relação à infra-estrutura são o desleixo em relação à sinalização turística, que é precária; a iluminação pública dos monumentos é ruim; a grande poluição visual que causa uma impressão de sujeira e esconde os monumentos; a não existência de placas interpretativas com explicações sobre o patrimônio; a ausência de um receptivo que ofereça informações sobre os atrativos turísticos e sirva de apoio ao público visitante e turista. 21 REFERÊNCIAS ANDRADE, Silvia M. B. Vilella de. Classe operária em Juiz de Fora: uma história de lutas. Juiz de Fora/MG: EDUFJF, 1987. BARRETO, Margarita. Turismo e Legado Cultural: as possibilidades do planejamento. Campinas: Papirus, 2000. BUSSONS, Alice M, HAMABATA, Karla M, GONÇALVES, Pedro Ivo F. Importância do Turismo para a preservação do Patrimônio Histórico-cultural. In: BAHL, Miguel, MARTINS, Rosilene C. R. & MARTINS, Sérgio F. (org.). O Turismo como força transformadora do mundo contemporâneo. São Paulo: Roca, 2005. 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