O DICIONÁRIO E SUAS DISCIPLINAS
Luis Fernando Lara
Discente: Ana Lídia Puia
Disciplina: Teoria da Linguagem
A linguística moderna e o dicionário
 O conjunto de paradigmas científicos que
herdamos
no século XX e que continuam
definindo a linguística atual nos induz a procurar
a “intuição linguística” dos falantes “nativos” de
cada língua e a desprezar tanto o discurso culto,
quanto o texto escrito, construído seja com
interesse estético, ou com outros interesses
sociais e culturais, que obrigam a uma elaboração
racional, informada e educada da língua, como é o
caso do dicionário.
 O paradigma linguístico costuma desprezar o
dicionário por três características:
a) Não é uma descrição fiel de uma realidade
verbal metódica e estatisticamente estudada em
uma determinada população;
b) Tem um cunho normativo explícito ou implícito,
que modifica totalmente esta realidade;
c) É uma obra de caráter utilitário e mercantil.
 A maioria dos lexicógrafos também não se
ocupou em reivindicar sua prática como
disciplina linguística e de considerar o
dicionário como um fenômeno verbal digno de
teorização.
 Somente a partir dos livros de Josette
Rey-Debove, de Alain Rey e de Bernard
Quemada, na década de 70, é que o
dicionário começou a merecer uma atenção
que fosse além do método e o submetesse a
um questionamento linguístico .
 Apesar disso, a grande bibliografia
lexicográfica e dicionarística que se tem
hoje em dia não consegue ainda situar o
dicionário e a lexicografia entre as
disciplinas linguísticas.
Distinção entre o dicionário e os
métodos lexicográficos
 O dicionário deve ser visto em sua realidade
como um produto linguístico, como um
fenômeno verbal complexo e não somente como
o resultado da aplicação dos métodos
lexicográficos.
 Se se acredita que o dicionários é somente o
produto da aplicação de um método às unidades
verbais, não se pode reconhecer toda a sua
complexidade.
Concepção cientificista do dicionário
 Deve-se distinguir também a concepção
cientificista do dicionário com o qual se
aproximam dele outras disciplinas da ciência
da linguagem, como a história das línguas ou a
linguística descritiva.
 Exemplo: a numerosa coleção de dicionários
das línguas aborígenes da América (chamados
“vocabulários”, “léxico” ou “calepinos”), escritos
pelos missionários europeus, entre os séculos
XVI e XVIII.
 Essas duas disciplinas da línguística os consideram
como documentações das línguas ameríndias. Úteis
para conhecer parte de seu estado em épocas passadas e
para conhecer a situação presente de muitas delas, mas
não consideram a especificidade lexicográfica.
 Não consideram:
- a quem se destinavam;
- em que vocabulário se baseavam;
- como os seus autores pensavam a língua;
- que aspectos procuravam resolver, etc.
 Os dicionários bilíngues (combinação das línguas
ameríndias com o francês, com o inglês, com o espanhol
ou com o português) que se produziram na América, são
dicionários construídos como apoio a uma comunicação
mínima dos estrangeiros com os índios, destinada a
facilitar a tradução de textos bíblicos.
O que diz a linguística descritiva sobre
os dicionários
 A linguística descritiva não se questiona sobre os
seus destinatários, sobre a idéia que oferecem das
línguas contrastadas, sobre como é feito o seu
estudo semântico, etc.
 Para a linguística descritiva, esses dicionários
são apenas uma parte do programa de pesquisa de
uma língua. São um capítulo posterior à descrição
fonológica, morfológica e sintática.
 Um exemplo de um dicionário concebido deste
modo é o Great Tzotzil Dictionary of San Lorrenzo
Zinacantán, de Robert M. Laughlin.
O Dicionário de Robert M. Laughlin
 Neste dicionário há, dentre outros aspectos, o
processo de comutação de morfemas para
encontrar pares mínimos que produzam diferenças
de significado, independente da realidade léxica da
língua tzotzil, e a falta de uma análise semântica
centrada na cultura dessa língua.
“Seis dias por semana, de nove da manhã às
quatro da tarde, nós sentávamos (ele e seus
informantes tzotzis) no Museu do Novo México
para inventar palavras”.
 Laughlin, tomava uma raiz hipotética e lhe
acrescentava afixos sistematicamente, para
descobrir possíveis palavras tzotzis.
Provas de comutação
 As provas de comutação são o principal
instrumento de pesquisa das características de
um sistema linguístico, mas tais provas, quando
aplicadas exaustivamente e aproveitando uma
combinatória que sempre supera a realidade de
uma língua, conduzem precisamente a uma
enorme quantidade de signos irreais.
 O trabalho de Laughlin fracassa ao
desenraizar as palavras de sua realidade e ao
submetê-las à comutação hipotética.
Dicionário da língua tzotzil
elaborado por Laughlin
Dicionário tzotzil elaborado pelos
próprios falantes
 Neste dicionário, há cinco vocábulos tzotzis,
formados com base na raiz ‘abt: abtejebal, abtejel,
abtel, abtelanel e abtel winik.
 Na elaboração deste dicionário, os tzotzis
utilizaram seu próprio sistema de escritura, que é
diferente do fonológico.
 Eles procuraram recuperar sua própria
consciência da unidade da palavra e não se
detiveram à raiz, uma vez que buscavam a
inteligibilidade em seus leitores e não uma análise
do sistema da língua.
O papel de uma análise semântica
centrada na cultura
 Uma análise semântica centrada na cultura não
faz parte da lexicografia descritiva.
 Exemplo: a classificação de cogumelos pelos tzotzis.
 Os tzotzis classificaram, em seu dicionário, os
cogumelos comestíveis pelas condições ambientais em
que brotam e por suas características culinárias.
 Já o dicionário linguístico de Laughlin, se dá por
satisfeito ao reduzir os cogumelos à classificação
científica ocidental, sem se interessar em aprofundar
o significado segundo a visão dos falantes da língua
tzotzil.
 Dessa maneira, pode-se observar que
há uma diferença entre uma lexicografia
feita como parte de uma descrição
linguística do sistema, e uma lexicografia
feita em benefício dos falantes. Uma
lexicografia que se guie pela combinatória
morfológica que requer a descrição do
sistema, como a de Laughlin, sem
desprezar seu valor científico, não é
senão uma morfologia ordenada.
Lexicografia descritiva orientada ao
léxico
 Tem como matéria o léxico.
 Consiste no conjunto dos métodos de trabalho,
de escritura e de edição que requer a elaboração
documental de uma língua, tal como utilizam os
seus falantes.
 Se baseia
encontrado.
estritamente
no
vocabulário
 Utiliza uma escritura fonológica científica, que
reproduz a “unidade de citação” que seus falantes
reconhecem.
Leva em consideração as definição
espontânea que os falantes são capazes de
dar.
Leva em consideração a concepção dos
falantes sobre os fenômenos de polissemia
e sinonímia.
 Registra os usos tal como aparecem no
estudo descritivo, etc.
 Com a lexicografia descritiva é possível
escrever dicionários linguísticos.
Dicionários linguísticos
 São dicionários destinados
especializado dos linguistas.
ao
conhecimento
 Neles, encontram-se um vocabulário pequeno.
 Definições vagas.
 Estruturas temáticas difíceis.
 Unidades morfológicas artificialmente criadas
para provar as regras de combinação da língua.
 Nenhuma língua de cultura se viu reduzida a um
dicionário linguístico em sentido estrito.
 O fato de que os dicionários que se
conhece em catalão, em castelhano, em
francês, em inglês, em alemão, etc, não
responderem às características descritivas
que se derivam dos paradigmas científicos
dominantes na linguística atual é um
indício determinante de que o dicionário
não é uma simples descrição, mas um
convite a explorar as suas características
reais.
“O fato dicionário”
 O dicionário não é uma simples descrição.
 Como obra e como fenômeno verbal complexo.
 Depósito da memória social do léxico.
 Instrumento de informação.
 Instrumento de tradução e de entendimento entre os
falantes de duas ou mais línguas.
 Horizonte normativo dos falantes de uma língua.
 Discurso culto, referido ao estado em que se encontra uma
comunidade linguística particular, e situado em seu caráter
político e cultural.
 Fenômeno simbólico.
Teoria do dicionário
 Faz parte das teorias dos discursos e estas,
fazem parte de uma teoria da significação
humana.
 É uma teoria do fenômeno verbal complexo que
são os dicionários.
 É uma teoria linguística.
 Não é um tratado de lexicografia.
 Sua linguagem não é uma linguagem
constitutiva da linguagem lexicográfica.
O dicionário e sua historicidade
 Parte do fenômeno dicionário é a sua historicidade
inerente.
 Os métodos de elaboração dos dicionários foram
evoluindo de uma obra para a outra.
 O desenvolvimento das entradas foi o resultado de
longos processos reflexivos e analíticos sobre as línguas.
 A teoria do dicionário nutre-se de duas histórias: uma
história dos dicionários (por língua, por famílias de
línguas, por unidades culturais) e uma história da
lexicografia (igualmente por línguas, famílias de línguas
e unidades culturais, mas também analítica e
comparativa).
História dos dicionários e história da
lexicografia
 São consideradas disciplinas do dicionário.
História dos dicionários hispânicos:
Entre os dois dicionários iniciais de Nebrija e os
do século XIX, é necessário considerar:
 A especificidade fenomênica do dicionário,
explorando a construção do seu discurso;
 Os momentos sociais, culturais e políticos em que
vão aparecendo os dicionários;
 As influências de método e de concepção;
 A receptividade que tiveram;
 A maneira como concebem a língua castelhana;
 Suas estruturas informativas e semânticas;
 Seu papel normativo.
História da lexicografia
 Não objetiva os produtos, mas os métodos que
originam os produtos lexicográficos.
 A lexicografia nasceu como uma tradição textual e
não como produto de uma organização intelectual
prévia da matéria dos dicionários.
 Hoje parece lógico preparar um tratado dos
métodos de elaboração de dicionários que o
lexicógrafo pode utilizar.
 Em suas origens, os métodos foram forjados
conforme a necessidade de transmitir aos leitores dos
dicionários uma informação pertinente a vários
interesses.
 A história da lexicografia tem duplo
valor, por um lado evidencia a maneira
como foram sendo forjados os métodos de
elaboração dos dicionários, que não foram
nem convencionais, nem arbitrários. Por
outro lado, é uma metodologia comparada
que nutre os tratados sistemáticos
modernos de lexicografia.
A lexicografia vista como metodologia
 A lexicografia não é uma teoria porque seu objeto de
trabalho não é um fenômeno que deve ser explicado.
 Não é um fenômeno verbal da mesma natureza, que
um texto ou que um dicionário.
 Não estuda um objeto, mas oferece os métodos e os
procedimentos para criá-lo.
 Não é um conjunto de algoritmos de operação, que
dão como resultado um dicionário.
 Tratando-se de uma metodologia, a lexicografia
oferece as técnicas e os procedimentos de construção de
um dicionário, mas não determina o texto final, a obra.
Lexicografia social e Lexicografia
descritiva
 Não deveria existir uma boa lexicografia social que
ignorasse os ensinamentos da linguística, pois é por
meio desta ciência que se pode compreender melhor o
que são as línguas e o que são seus vocabulários.
 Já o programa da lexicografia descritiva deveria
reunir a pesquisa da definição espontânea do
significado das palavras pelos próprios falantes, sua
compreensão da polissemia, e a existência de
significados estereotipados que sirvam à organização
das acepções correspondente aos esquemas cognitivos
da polissemia próprios dos falantes.
Conclusões Finais
A arte do dicionário:
 Esta arte aparece quando os lexicógrafos colocam
em prática seus métodos e redigem sua obra.
 A arte está presente na sutil análise semântica e
na reconstrução do significado no texto do artigo.
 No discurso da definição e sua relação orgânica
com os exemplos.
 Em toda a arquitetura semântica e simbólica que
se faz presente no artigo lexicográfico e que não se
tece na pura aplicação do método.
 A qualidade do dicionário depende tanto
da formação linguística do lexicógrafo
quanto de sua sensibilidade em relação aos
fenômenos da significação e de sua
capacidade para redigir um texto breve,
preciso e elegante.
 A arte do dicionário não é uma de suas
disciplinas, mas é resultado de outra
disciplina, a de estudo e de trabalho de seu
autor, o lexicógrafo.
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