Racismo e des-afetividade no cotidiano escolar
Bianka Pires André
Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF
E-mail: [email protected]
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir a relação entre racismo, emoção e cotidiano
escolar a fim de ampliar o debate sobre educação e relações etnicorraciais . Ainda que
vivamos em uma sociedade culturalmente plural, percebemos que nem sempre as origens
étnicas presente no dia a dia são percebidas como parte desta sociedade, mas acabam
deixando alguns grupos à margem pela falta de reconhecimento social. Um dos primeiros
lugares onde podemos encontrar esta falta de “reconhecimento” é a escola. E a escola é
justamente um espaço onde precisamos trabalhar aspectos não só relacionados ao cognitivo,
mas também ao afetivo, ao emocional. A partir desta premissa podemos nos questionar: a
origem étnica de um aluno faz com que ele seja mais ou menos inteligente? Como a emoção
pode influenciar o processo de ensino-aprendizagem? Como tem sido o cotidiano escolar de
tantos alunos e alunas de origem negra? A discussão será feita através de alguns aportes
teóricos e também com base em pesquisas já realizadas nesta área.
Palavras-chave: Racismo, emoção, adolescente, escola.
Abstract: This article aims to discuss the relationship between racism, emotion and school
life in order to broaden the debate on education and ethnic-racial relations. Although we live
in a culturally plural society, we realize that not all the ethnic origins present in everyday life
are perceived as part of this society, but end up leaving some groups outside the lack of social
recognition. One of the first places where we find this lack of „recognition‟ is the school, for it
is the place where we must work not only aspect related to the cognitive, but also the affective
and the emotional. From this premise we can ask ourselves: the ethnicity of a student makes
him/her more or less intelligent? How emotion can influence the teaching-learning process?
How‟s been the school life of many boys and girls of African origin? The discussion will be
done through some theoretical contributions an also based on previous studies on this area.
Key words: racism, emotion, teen, school.
Racismo e des-afetividade no cotidiano escolar
Introdução
O homem é um ser integral. Não há como separar seu lado racional do seu lado
emocional. Vygotsky afirma que o pensamento é gerado pela motivação, por nossos desejos e
necessidades, nossos interesses e emoções (VYGOTSKY, 1991). Desta maneira, para
entender o processo de aprendizagem de nossos alunos é imprescindível que também
entendamos a base afetiva construída a partir do entorno sociocultural em que vivem. O
processo ensino-aprendizagem tanto envolve aspectos como metodologia didática, sistema de
ensino, currículo, formação do professorado, quanto envolve os diferentes tipos de relações
estabelecidas entre aluno e comunidade escolar (professor, colegas, funcionários, diretivos,
etc.). Nesse sentido, o tipo de vínculo estabelecido entre alunado-escola pode influenciar de
grande maneira nesse processo.
Um dos objetivos das ações afirmativas propostas pelo governo é que os grupos
minoritários tenham seu devido reconhecimento através de sua valorização como sujeito
social. No entanto, sabemos que muitas vezes no cotidiano escolar os alunos não têm este
“reconhecimento” por parte da escola ou por parte dos colegas por pertencerem a grupos
“excluídos socialmente”.
Segundo as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino das Relações
Étnicorraciais:
O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e
pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e valorização da
identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende
necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas
favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras,
todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores,
precisam sentir-se valorizados e apoiados. (MEC, 2004)
Independente das ações afirmativas e políticas, o reconhecimento social e o sentir-se
valorizado estão ligados ao que Maturana chama de “aceitação do outro como um legítimo
outro na convivência”. Para o autor, quando não há este reconhecimento do “outro” seja por
qualquer tipo de preconceito (religioso, racial, social ou de gênero) não se constitui uma
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relação social (MATURANA, 1999). Há muitas crianças, adolescentes e jovens,
independente da condição sociocultural, que conseguem ter uma boa passagem pela escola e
conquistam seu espaço socioeducativo sem ter maiores problemas com sua origem étnica ou
com a “ausência” do seu reconhecimento social “legítimo”. Por outro lado, há pessoas que
não têm essa capacidade de superar os preconceitos e terminam por deixar que esses fatores
interfiram em sua vida escolar ou acadêmica, quando acreditam que não estão aptas para estes
entornos e os abandonam.
Um estudo realizado em escolas de ensino médio nos Estados Unidos sobre a
“vinculação acadêmica” mostra que para que o aluno se sinta identificado com os valores e
objetivo da escola é necessário que haja uma boa aceitação e conexão entre os grupos de
iguais, assim como uma boa conexão entre o aluno e seus professores (Engagins School,
2004). Já em outro estudo realizado também em centros escolares americanos, Davidson em
sua pesquisa sobre a relação entre “vinculação acadêmica” e identidade apresenta exemplos
de estudantes que por causa da cor da pele sentiam que a sua participação no colégio era
limitada, fazendo com que estes não se sentissem parte do grupo e não tivessem um
rendimento mínimo (DAVIDSON, 1996). A limitação na hora de fazer parte do grupo de
igual pode ser percebida não só pela cor da pele, mas também por diversos fatores como o
status socioeconômico, religião, gênero, etc.
Tanto o consenso social como o escolar costumam ter mais interesse nos resultados
finais dos alunos, nesse caso a aprovação do ano letivo, que interesse no seu estado emocional
para chegar a produzir tais resultados. No entanto, teorias como as de Piaget (1972), Vygotsky
(1991) e Wallon (1989) afirmam que a emoção tem um papel muito significativo no processo
de desenvolvimento humano. Nesse sentido, Piaget destaca que nunca os indivíduos
produzem ações totalmente intelectuais nem tampouco atos puramente afetivos, senão que em
todas as condutas relativas aos objetos ou as pessoas, ambos os elementos se combinam entre
si (PIAGET, 1972). Já Wallon, citado por Almeida, caracteriza a emoção como manifestações
da vida afetiva, entendido como formas corporais de expressar o estado de espírito da pessoa,
estado este que pode ser penoso ou agradável ( ALMEIDA,1999).
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Ao vivermos em uma sociedade culturalmente diversa dado a sua constituição ao
longo dos anos, não se deveria estranhar que as atitudes dos alunos em sala de aula também
fossem fruto desta diversidade cultural. São formas de expressão impregnadas de cargas
emocionais que, ao entrarem em contato com o “outro”, podem produzir experiências
positivas, ou não tão positivas. Agora, estas atitudes ou estas maneiras de se manifestarem
estão diretamente ligadas ao processo de re-conhecimento do mundo, às descobertas, ao
desenvolvimento de diferentes competências, enfim, dos processos de aprendizagem. Um
grupo de pesquisadores especialistas em educação intercultural afirma que:
As atitudes guiam os processos perceptivos e cognitivos que
conduzem a aprendizagem. Costumamos dar mais importância ao
cognitivo, esquecendo dos componentes afetivos e comportamentais,
e é aqui onde entra em jogo o enfoque socioafetivo. Para mudar as
atitudes, é necessário contar também com a vivência e “experimentar
na própria pele”. (COLECTIVO AMANI, 2004:88)
Desta maneira, para compreender a relação entre o cognitivo e o emocional é
necessário indagar sobre as diversas experiências que os alunos passam no seu cotidiano
escolar e verificar a relação entre estes dois aspectos. Geralmente o alunado pobre e de
origem negra costumam ser os mais marginados pela sociedade, sendo assim, as possíveis
“vítimas” do racismo e preconceito, ainda que seja de forma indireta ou inconsciente por parte
da comunidade escolar. E este tipo de experiência racista é o que pode, em certa medida,
marcar a trajetória escolar de muitos alunos que são etiquetados por supostas “limitações” que
são atribuídas a uma procedência social, cultural ou étnica, como afirma Munanga: “De outro
modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características
intelectuais e morais de um dado grupo são conseqüências diretas de suas características
físicas ou biológicas” (MUNANGA, 2004).
Tendo em vista estas perspectivas, deveríamos nos perguntar porque muitas vezes se
questiona a capacidade intelectual de uma pessoa como base em seu pertencimento étnico ou
mesmo social. Com exceção dos alunos que não podem aprender porque apresentam algum
caso clínico específico, todas as pessoas, todos os alunos são capazes de realizar um processo
de aprendizagem eficaz. Agora, os alunos que não desenvolvem um processo de
aprendizagem efetiva não é porque façam parte de um grupo marginado socialmente. Não
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aprendem, muitas das vezes, porque, além das consequências de pertencerem a estes grupos,
também estão mais suscetíveis a atravessar conflitos emocionais que podem influenciar em
tal aprendizagem escolar. Sendo assim, ainda que pareça “incoerente” numa primeira
proposição, a afetividade pode se apresentar como uma grande ferramenta no combate ao
racismo ainda vivido em muitas escolas.
Des-afetividades
O término “des-afetividade” empregado aqui no texto está caracterizado pela falta de
cordialidade, consideração, interesse, atenção e muitas vezes falta de respeito, experimentados
por tantos alunos e alunas no cotidiano escolar. E não é necessário ser somente “aluno” para
saber que basta um pouco mais de melanina na pele para que as relações com o “outro” sejam
marcadas por indiferenças no trato do dia a dia. Um olhar de cima a baixo, um tom de voz
áspero, um silêncio como resposta a uma pergunta, uma brincadeira de mau gosto, um
atendimento diferenciado ou uma piada, podem ser alguns dos elementos que compõem esta
“des-afetividade” .
Segundo Cavalleiro, muitos alunos negros sofrem diversas situações de humilhação
tanto pelos colegas, como algumas vezes pelo próprio professor (CAVALLEIRO, 2000).
Piadas e apelidos racistas são vistos simplesmente como “brincadeiras”. Alguns apelidos até
são considerados forma “carinhosa” de tratamento como “neguinho, pretinha, negão,
carvãozinho, moreninha”, além das expressões usadas sem se levar em conta seu conteúdo
discriminatório como: “amanhã é dia de branco, a coisa tá preta, humor negro, preto de alma
branca”, que só reforçam o preconceito.
Aparentemente um simples apelido poderia ser considerado algo extremista, quando
assinalado como racismo, já que a pessoa de fato é negra. Mas a questão aqui é a intenção do
apelido, do estereótipo imposto ao outro. Uma pessoa branca não chama a outra de branca,
chama? A não ser no sentido pejorativo: “branquela”. E o negro acaba sendo chamado de
“preto”, consciente ou inconscientemente, também de forma pejorativa.
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Vale lembrar que o estereótipo:
Consiste na generalização e atribuição de valor (na maioria das vezes
negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a estas
características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É
uma generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um
determinado grupo, impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de
incapaz no caso dos estereótipos negativos. (GDE, 2009:35)
Esta internalização social marcada pelos “lugares de poder” que nos foi imposta onde
negros e brancos possuem um lugar distinto na sociedade é o que temos que combater pelo
viés da educação. Todo trabalho é digno e cada um, independente da sua origem étnica, pode
ser o que quiser se estudar, é o que falo sempre para os meus alunos e alunas. Mas,
infelizmente, sabemos que nem sempre é assim, porque muitas das vezes a escola através das
“des-afetividades”, ao invés de combater os estereótipos, acaba reforçando os “lugares de
poder”. Parece que constantemente nos esforçamos para não ver que:
A Invisibilidade de negros/as e indígenas ou apresentados como
minoria - não aparecem nos cartazes expostos nos painéis da escola,
nem nas ilustrações dos livros didáticos; Associação de negros/as ao
trabalho braçal e a posições subservientes; Personagens femininas
negras como objeto de desejo sexual; Estigmatização de papéis
sociais específicos: negros e negras como cantores, jogadores de
futebol, sambistas ou atividades do gênero; Negros/as como sinônimo
de escravo/a: aparecem apenas no capítulo do livro de história
destinado à escravidão e mais recentemente nas páginas sobre datas
comemorativas, como o Dia 20 de novembro, Zumbi e o Quilombo
dos Palmares; Negros/as associados à violência e a mazelas sociais:
protagonizam situações de roubos, alertas contra epidemias etc..
(GDE, 2009:244-245)
Ainda existe o mito de que as pessoas de origem negra para se destacarem
profissionalmente devem exercer trabalhos relacionados à música, à arte ou ao esporte. Nunca
trabalhos relacionados ao acadêmico, ao científico ou ao político. Alunos e alunas de origem
negra dificilmente
recebem
estímulo intelectual adequado para conquistar lugares de
destaque social, lugares estes reservados aos “brancos”.
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Alguns efeitos do racismo
Dentro do grande debate sobre a inclusão social no Brasil, o racismo, o preconceito, a
discriminação e a intolerância nos diferentes níveis socioculturais têm sido uma das grandes
preocupações atuais. No afã de se combater as desigualdades sociais que permeiam todo o
país, estão sendo criadas diferentes políticas públicas e políticas educacionais que sejam
capazes de promover o princípio de igualdade e de oportunidades de tratamento (Silva Jr.,
2005). Nesse sentido, a escola tem sido um dos espaços mais afetados por essas desigualdades
étnicas e sociais. Ainda que haja um discurso social de que no Brasil não há “racismo”, não há
“discriminação”, as salas de aula são o exemplo dessas práticas e os efeitos podem ser vistos
no rendimento escolar tanto de alunos pobres quanto de origem negra como mencionado
anteriormente.
De acordo com um estudo realizado em São Paulo, as crianças negras (pretas e pardas)
estão mais suscetíveis a repetir o ano (com uma frequência maior que as crianças brancas),
são excluídas mais cedo do sistema escolar, apresentam uma trajetória escolar menos
constante com afastamentos e retornos , indicando assim uma interação complexa entre o
sistema escolar e o alunado negro (ROSEMBERG, 1986). Deveríamos realmente repensar se
os alunos pobres e negros não aprendem porque não são “capazes” de aprender ou porque
pensam ou sentem que não são suficientemente capazes de alcançar tal aprendizagem.
Atualmente algumas instâncias governamentais como por exemplo – As Diretrizes
Nacionais Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – estão bastante preocupadas em trabalhar o
conteúdo dos currículos escolares, fomentar a educação intercultural, e valorizar a diversidade
étnica através do incentivo das relações étnico-raciais. Estas medidas podem ser consideradas
uma primeira iniciativa mais direta de combate à desigualdade escolar; no entanto ainda não
são suficientes.
Estudos significativos como os de Rosemberg (1986), Gibson e Ogbu (1991),
Munanga (2000), Cavalleiro (2000), Candau (2002), Silva Jr. (2002), Maggie (2006), entre
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outros, mostram um pouco das experiências escolares de alunos negros nos distintos
segmentos escolares. No que diz respeitos aos resultados, Cavalleiro (2000), por exemplo,
afirma que a existência do racismo no cotidiano escolar produz como consequência nos
alunos negros: auto-rejeição, timidez, pouca participação em sala de aula, dificuldades no
processo de aprendizagem, falta de estímulo para frequentar as aulas, o que termina por
acarretar evasão escolar. O estudo de Maggie (2006) por sua vez, ressalta que os alunos que
se autodeclaram brancos e pardos parecem ter uma maior expectativa quanto aos estudos que
os alunos que se autodeclaram negros. Podemos assim perceber que os aspectos emocionais
estão fortemente presentes nas experiências escolares destes alunos causando diferentes
“efeitos colaterais”.
Os estudos também indicam que a medida que os alunos vão superando as etapas
escolares, vão encontrando novos desafios e novos preconceitos por superar. No estudo de
Candau (2002) que retrata em uma de suas linhas de pesquisa a prática pedagógica dos cursos
de Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), foi encontrado nestas práticas uma
estratégia de apoio para reduzir o preconceito, promover a autoestima racial e despertar os
alunos para uma visão crítica sobre a situação do negro no Brasil. Segundo o estudo, nesses
cursos os alunos são motivados a lutarem apesar de sua condição de “negro” e “carente”,
assim como enfrentar a realidade competitiva e preconceituosa que seguirá existindo mesmo
que eles aprovem o vestibular (CANDAU, 2002).
Geralmente os projetos de pesquisa que tratam de temas relacionados ao racismo nas
escolas procuram investigar em que medida os processos pedagógicos vividos no interior da
escola contribuem para a consolidação ou combate de práticas racistas ou para a formação
positiva do alunado de ascendência negra. Já outros estudos estão interessados em verificar
até onde a escola tem responsabilidade na marginalização da criança e adolescentes negros e
obter informações sobre o cotidiano desses alunos através do relacionamento entre os colegas
e os professores. E outros tipos de projetos visam ainda à representação do negro na mídia e
nos livros didáticos. No entanto ainda há uma lacuna nas pesquisas sobre o cognitivo e o
afetivo nos alunos de origem negra.
Morin em suas teorias sobre os sete saberes necessários para a educação do futuro
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afirma que “os indivíduos conhecem, pensam e procedem de acordo com os paradigmas
inscritos culturalmente neles” (MORIN, 2001). Se queremos fomentar uma sociedade
igualitária em todos os aspectos, temos que começar a “inscrever” outros paradigmas culturais
em nossos alunos. E esta “inscrição” só pode ser feita a partir do reconhecimento e da
valorização da diversidade cultural existente em nossa sociedade.
De acordo com Morin, o desenvolvimento da inteligêcia é inseparável do da
afetividade. O teórico afirma que:
A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas também pode
fortalecê-lo. Existe uma estreita relação entre a inteligência e a
afetividade: a faculdade de raciocínio pode se ver diminuída e até
destruída por um déficit de emoção; um debilitamento da capacidade
para reacionar emocionalmente pode chegar a ser a causa de
comportamentos irracionais. (MORIN, 2001:27)
Dessa maneira, ao se trabalhar lado a lado como nossos alunos e alunas e descobrir
possíveis efeitos que o emocional pode ter sobre o cognitivo, a partir de experiências racistas
e discriminatórias vividas por eles no cotidiano escolar, pode-se encontrar elementos que
ajudem no “fortalecimento” do cognitivo e não em sua “asfixia”, como destacou Morin.
Em vias de conclusão...
Este artigo é uma “reflexão em voz alta” sobre a necessidade de se tentar compreender
o cotidiano escolar de tantas crianças, adolescentes e jovens que, por pertencerem a um grupo
étnico diferente do grupo étnico dominante, sofrem situações constrangedoras que, muitas
vezes, influenciam diretamente em sua aprendizagem.
O slogan do governo federal Brasil um país de todos é muito bonito, mas ainda pouco
funcional, apesar das tentativas de equiparação social da população brasileira. Ter os mesmos
“direitos legais”, nem sempre quer dizer ter os mesmos “direitos sociais”. Ou seja, o racismo,
a discriminação e a desigualdade, infelizmente, continuam existindo. Mas enquanto estas
práticas estiverem presentes na nossa sociedade, ainda que sejamos uma sociedade
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racialmente diversa, temos que lutar para combater estas práticas maléficas e devemos fazê-lo
desde a escola, peça fundamental neste processo de transformação.
A única via de mudança e mobilidade social digna ainda é o estudo. E infelizmente
muitos de nossos alunos e alunas não se dão conta disso por não acreditarem mais no sistema
escolar. Com a falta de credibilidade em uma instituição que não colabora com um processo
de aprendizagem eficaz através de uma educação integral que contemple tanto o cognitivo
quanto o afetivo, muitos acabam optando pela evasão escolar e reproduzindo o mesmo
histórico de muitos de seus familiares. Temos que ter em conta que:
Há que se desconstruir para se construir. Não é possível “educar para
a igualdade étnicorracial” sem romper com os estigmas, com as
linguagens explicitadas ou não de inferioridade de negros/as e
indígenas, como vimos... somos solicitadas/os a dar um passo a mais.
Como educadores/as temos a responsabilidade de ampliar e “deslocar”
os conhecimentos, superar o velho, inventando o novo e apresentando
políticas de ação afirmativa, com especial destaque para a área
educacional... a fim de reduzir as desigualdades e promover a
igualdade. (GDE, 2009:247)
Desconstruir o panorama social existente na escola, para construir outro cenário com
oportunidades igualitárias para todos e todas é o dever de cada brasileiro e brasileira. Não
podemos permitir que a discriminação e o racismo permeados pelas “des-afetividades”
vividas no cotidiano escolar, de uma maneira em geral, possam influenciar no estado moral,
emocional e intelectual dos alunos de origem negra, reduzindo assim suas chances de inclusão
social significativa.
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