AS RELAÇÕES DE TRABALHO COMO FERRAMENTAS PARA
DETERMINAR UM SER SOCIAL
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Alice Vilela, Karina Rabbi,
Lidnéia Leite, Luand Carolina,
Tamiris Barcelos2
RESUMO: Este artigo tem por objetivo descrever um breve estudo sobre as relações de trabalho e sua influência no ser humano, tendo, especificamente,
como referência o filme “A árvore da vida” no qual são discutidos os aspectos das relações de trabalho sobre o sujeito. As análises feitas neste artigo visam a
contribuir para a constituição do indivíduo como um ser social, fundamentando-se nos conceitos de poder e liderança. Observa-se, ainda, como tais relações
de trabalho, podem acarretar problemas na vida do trabalhador levando-o, por exemplo, ao uso de drogas.
PALAVRAS-CHAVE: Relações de trabalho; Poder; Liderança.
Introdução
conseqüências do trabalho concreto, produtores de valores-
De acordo com Fontana (2000), o homem se constitui ao lon-
de-uso, mas são ao mesmo tempo decorrências do tra-
go da história. É ser um ser histórico-cultural, que vai construindo
balho abstrato, criador de valor. No sistema capitalista, a
sua subjetividade a partir de relações com outros seres humanos.
mercadoria assume papel principal, passa a ter vida própria,
Assim, começa a reconhecer a si mesmo, através das relações
mantém relações entre si e com os homens. A mercadoria
e experiências que constitui com si próprio e juntamente com o
passa a ser o centro e todas as outras coisas giram ao seu
outro. A pré-modernidade sempre esteve ligada à compreensão
redor, inclusive o homem. Pode-se dizer então, que há aí
do mundo fundamentada na tradição cultural, na religião ou na
o fetichismo da mercadoria. Tudo se torna dependente da
superstição em geral. Desta forma, conhecer era sinônimo de ser
mercadoria. Segundo Mácario (2002) o trabalho do homem,
capaz de lidar com técnicas primitivas da reprodução do viver. A
por exemplo, só se torna útil se o produto do seu trabalho
ordem social era sedimentada na valorização da cultura local.
possuir algum valor de troca. Antigamente as relações so-
No filme “A árvore da vida”, observa-se a relação entre pais
ciais da produção eram baseadas na dependência pessoal.
e filho de uma família comum da década de 1950. O diretor retra-
Atualmente após o surgimento do capitalismo, essas relações
ta essa relação social, ao longo dos séculos, através da óptica3
passaram a ser estritamente comerciais, mas interdependentes
da teoria cosmológica do “Big Bang” até o fim dos tempos, tra-
entre si, fazendo parte da divisão social do trabalho. Isso tudo nos
zendo um rico conjunto de imagens sobre o nascimento da vida
leva a ver o que é o sistema em que vivemos, no qual o processo
na terra, em uma viagem pela história da vida e seus mistérios.
de produção domina o homem, pois muitas vezes não nos damos
Com o advento da modernidade discorre o processo de urbanização da sociedade, além do surgimento das grandes cidades
conta disso. Neste mundo extremamente capitalista, o consumismo e o apego aos bens materiais é o que predomina.
e, naturalmente, da reconstrução da comunidade pré-moderna.
O que antes era a comunidade social da “proximidade espacial e
Aspectos Conceituais
temporal” passa a ser espaço público como contraponto ao priva-
Segundo Macário (2002) o trabalho constitui as ferramentas
do. Na modernidade, os espaços se tornam maiores, e o sujeito
fundamentais que determinam um ser social4, ou seja, o ato de
perde o contato direto com as fontes de informação, gerando uma
trabalho media a relação do homem com a natureza, na qual
sensação de insegurança, que passa a ser cada vez mais cons-
este passa a ser responsável por sua produção e também por
tante e coloca cada indivíduo diante da necessidade de ter que
sua subjetividade. Deste modo, “é pelo trabalho que, do ponto
assumir e aceitar riscos para poder existir em sociedade.
de vista ontológico5, o homem estabelece a mediação com o
Karl Marx apropriou-se do conceito de fetichismo e uti-
meio natural e consigo mesmo. Ele é, portanto, o ato de edifica-
lizou na definição dos produtos do trabalho na sociedade
ção da nova esfera do ser: o ser social.” (MACÁRIO, 2002, p. 72).
moderna, que são as mercadorias. Sendo assim, as mer-
Segundo o roteiro “A árvore da vida”, percebe-se a figura
cadorias surgem como objetos que têm um duplo caráter,
do pai, exigindo uma forma de educação muito rígida. Diante
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disso, pode-se dizer de um caráter educativo do âmbito social,
com o do trabalho que executava e que perdera. Este momento
ou seja, constituído pela sociedade, na qual se espera sempre
de perda, o fizera reflexionar sobre a forma que lidava com seus
que o outro siga um padrão de educação e de exigências cada
filhos, e se aproximar do seu filho mais velho numa conversa que
vez mais exacerbadas em um ideal de ser.
expõe como teria sido exigente e rígido para com ele. Percebe-
Desde modo, o próprio ato de objetivação posto pelo tra-
se que ao ser destituído de sua posição e poder, este sujeito é
balho é também educativo. Em uma cultura, o ato de educar, se
tomado pela angústia e frustração, na qual cria um buraco entre
entende em colocar o patrimônio a disposição dos sujeitos que
a ilusão de supor em ser um sujeito importante e a realidade de
nela se inserem, de forma que possam atuar na ambiência social
ser um sujeito comum, de sentimentos, afeto e impotente como
como pessoas livres.
qualquer outro ser humano.
Segundo Alban (1998) o processo de urbanização precede o
De acordo com Chiavenato (2000), a liderança é acentuada
desenvolvimento industrial e o capitalismo, este se inicia com a re-
como uma influência interpessoal, na qual uma pessoa age no
volução agrícola. Então o homem deixa de ser nômade, e a criação
sentido de alterar ou provocar o comportamento de outra pes-
de um excedente alimentar faz com que o processo de civilização
soa de maneira intencional, exercida em uma dada situação e
urbana aconteça. Em meados do século XI, ocorre à decadência
dirigida pelo processo de comunicação humana para consecu-
do Império Romano, o que permite o aparecimento de um sistema
ção de um ou mais objetivos específicos.
comercial, este gera o desenvolvimento do capitalismo mercantil,
Ainda, segundo Chiavenato (2000) a liderança autocrática é
não se configurou apenas como mero reflexo da industrialização,
aquela em que o líder fixa diretrizes, determina providências
para execução de tarefas, determina a tarefa que cada um
deve executar e o líder é dominador e “pessoal” nos elogios.
pois as cidades começaram a crescer o que gerou grande dificul-
Na ausência desse pai, os filhos e a mãe conseguiam libertar seus
dade em seu próprio crescimento e funcionamento. Ou seja, os
desejos e sentimentos, fazendo um laço de amor entre eles. O pai
números de influência mútua entre pessoas e absorção produti-
enquanto líder não oferecia espaço para que os outros pudessem
vas tiveram um crescimento elevado ao da própria cidade.
falar ou expressar suas vontades e desejos.
que será articulado por grandes cidades e estados.
Alban (1998) pontua que o avanço da urbanização industrial
Relacionando a questão da urbanização industrial, pode-se
Sendo assim, um momento experienciado pela perda de
pensar no filme Árvore da Vida, uma vez que o mesmo acom-
tantos supostos ideais, e de tantos ganhos, como o de aperce-
panha a vida de uma família do Texas durante a década de 50,
ber que se encontra no mesmo patamar que os outros sujeitos,
onde o genitor da família trabalha em uma indústria, e, nessa
e que também está abaixo de um poder maior que todos e que
época as pessoas que trabalhavam em indústrias, eram consi-
sem explicações se tira aquilo que mais supõe ser e ter, como
deradas recursos de produção, ao lado dos recursos organiza-
o emprego e a vida de pessoas queridas, é o que aproxima o
cionais, como máquinas, equipamentos e capital. Assim para
sujeito do outro e o constitui para e com o outro.
o pai o trabalho lhe conforma poder e status. Contudo gerava
efeitos negativos na sua vida pessoal.
O trabalho possibilita ao sujeito respeito perante a sociedade e a família, pois culturalmente, o homem bem sucedido é
Para Markert (2002), o trabalho está ligado à necessida-
aquele que trabalha e se torna um ser que produz socialmente,
de, à organização instrumental da cooperação dos homens,
tanto que a música nos anos 50, não era vista como profissão
embora vise ao mesmo tempo, para os homens associados, à
e, portanto, não podia ser considerada como algo que viesse
razão social da sua aceitação à produção alienante, que cau-
a sustentar uma família ou até mesmo de se ter uma posição
sa riqueza e pobreza, o progresso da indústria e a mais-valia
diante da sociedade como forma de produção.
o termo utilizado por Marx.
Na época em que o filme é retratado, é visível como a relação
Quando o trabalhador perde seu emprego percebe que ele
do homem sem o trabalho o destitui como um ser social e líder da
perde também o lugar em que se posicionava perante a sociedade
família. No entanto, esta relação de poder que o trabalho oferta
e a família. Esta perda leva o sujeito a refletir sobre aspectos rela-
para o homem diante da sociedade e da família, passa a perder
cionados à sua identidade profissional, assim como sua relação fa-
o valor a partir do momento em que este homem deixa de ser
miliar, na qual ele enquanto patriarcal é o referencial aos membros
alguém que produz. Sendo este um aspecto interessante para ser
familiares, por suprir o sustento financeiro e psicológico. Porém,
analisado, uma vez que o homem perde a liberdade ao ser aliena-
quando ocorre esta perda profissional, ocorre também a perda
do da produção do trabalho e a condição de ser um sujeito livre.
deste referencial patriarcal, superior, dotado de saber e poder.
O líder da instituição familiar possuía uma postura parecida
Diante disso, nota-se que o homem se realiza através do
trabalho, mas que também é certo que, existe uma dicotomia
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na relação do homem e do trabalho, ao se pensar que, ao se
te com o outro.
ter trabalho, o ser humano reclama por muito trabalhar e por se
sentir escravo em alguns momentos do próprio trabalho.
Mas, por outro lado, também se reclama quando não se
tem um trabalho, se sentindo incapaz fracassado por não poder
produzir e ser útil para si, para a família e a sociedade. Esta ambivalência é inerente ao ser humano e independente de qual seja
sua profissão ou ocupação.
A humanidade sempre irá deparar com a angústia, a falta
de respostas para certas situações como a perda, inclusive a de
um trabalho que, culturalmente diz da pessoa que o exerce e o
produz socialmente. Conforme Pichon-Rivière (1994), toda situação de mudança gera ansiedade, devido aos medos básicos
de ataque e perda implícitos nas relações, podendo se tornar
ruídos na comunicação quando não explicitados.
Sustentar um desejo, seja ele qual for, exige muito esforço
para se manter. A atualidade que é emplacada pelo capitalismo,
na qual as ofertas são inúmeras e diversos objetos surgem para
tamponar esta falta que é inerente do ser humano e que muitas
vias acabam levando o homem à decadência. O imediatismo e
Referências Bibliográficas:
ALBAN, Marcos. A urbanização e a terceirização. In:- Crescimento sem
Emprego: o desenvolvimento capitalista e sua crise contemporânea à
luz das revoluções tecnológicas. Salvador: Casa da Qualidade, 1998.
p. 137-148.
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração –
Edição Compacta. 2ª edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago,
1997. 116p.
FONTANA, Roseli A Cação. A constituição Social da Subjetividade: Notas sobre Central do Brasil. Revista Quadrimestral de Ciência da Educação, 2000, p. 221 – 233.
MACÁRIO, Epitácio. A Crise dos referencias e os pesquisadores em trabalho e educação: O lugar do marxismo entre os educadores. In: - Cáp.
Determinações Ontológicas da Educação: Uma Leitura à Luz da Categoria do Trabalho. Florianópolis, nº 03, 2002 p. 63-80.
a competitividade social levam o ser humano a buscar alternativas para sanar o insuportável como um fracasso no mercado de
trabalho e também o fracasso familiar.
Considerações Finais
O ser social é constituído através do seu trabalho, ou seja,
através de seu reconhecimento e mediação na sociedade. Dian-
MALICK, Terrence. O filme “A árvore da vida”. 2011. Disponível em
<cinema.uol.com.br/.../o-filme-a-arvore-da-vida-de-terrence-malick-c>
acesso 20 de setembro de 2011.
MARKERT, Werner Ludwig. Trabalho, universidade, comunicação e sensibilidade: Aspectos teórico-metodológico para um conceito dialético de
competência. Trabalho Critica. Florianópolis, nº 03, p. 29 a 46 de 2002.
te disso, as formas de constituição de ser como ferramenta de
trabalho foi se modificando a cada época e assim, criando novos meios de sobrevivência e relação cada vez mais diversas.
No caminhar da vida e no ponto de parada da construção de
um ser social, que tem como função a releitura do mapa e das
RIBEIRO, Erivane Rocha. Concepções de tecnologia na formação e na
práxis do técnico óptico. 2008.136p. Dissertação, Belo Horizonte, 2008.
SILVA, Raimundo Paulino. Concepção de Ser Social em Paulo Freire.
Natal/RN, p. 9 a 40 de 2004.
formas de retomar novos caminhos, o papel dos “sociomentores”
é aproximar as esferas de uma sociedade, que se aventuraram em
caminhos improdutivos para a construção de laços sociais positivos, de um porto seguro, de onde eles possam traçar rotas conscientes para retomada da aventura de viver como sujeito social de
fato e de direito. As pessoas não socializam por si só. Esse papel é
do meio social que cada sujeito é inserido, que nas interrupções de
nossa odisséia valorizam o recomeço, certos de que cada passageiro possui um ponto de partida e de chegada diferente e pessoal.
Finalizando, o homem é reconhecido como um ser histórico
– cultural. Quando uma criança nasce cria um vínculo com outras pessoas, entrando na vida social e partir daí vai constituindo
seu papel social, com variantes significados. No qual, o homem
começa a reconhecer a si próprio, através do outro, através das
GROSSI, Fernando Teixeira. Intervenção. In: BAHIA, et al. Psicóticos e
adolescentes: porque se drogam tanto? Belo Horizonte, CMT, 2000.p.2032.
NOTAS DE RODAPÉ
1. Este artigo foi elaborado a partir do trabalho “Ler imagem”, focado no filme “A árvore da vida”, (dirigido por Tenence Malick nos EUA- Estados Unidos da América e estreado no
Brasil em 23 de junho de 2011), sob orientação da Professora
Erivane Rocha Ribeiro.
2. Alunas do 9º período do Curso de Psicologia do Centro
Universitário Newton Paiva.
relações e experiências que constitui com si mesmo e juntamenPÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 139
3. Quando o termo óptico estiver relacionado ao fato de ver,
deve-se usar óptica (relativo à visão) e não ótica (relativo à audição). (RIBEIRO, 2008, p. 29).
4. Ser Social é qualquer ente vivo ou a essência de alguém
que pertence ou vive em sociedade. (Silva, 2004,p. 15).
5.Ontologia é um ramo da filosofia que lida com a natureza
e a organização do ser. (Macário, 2002, p. 60).
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as relações de trabalho como ferramentas para determinar um ser