APA MUNICIPAL CAPIVARI-MONOS E LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS
NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: ESTRATÉGIAS COMPLEMENTARES
CAPIVARI-MONOS PROTECTED LANDSCAPE AND WATERSHED PROTECTION LAW IN
SÃO PAULO'S METROPOLITAN AREA : COMPLEMENTARY STRATEGIES
Maria Lucia Ramos Bellenzani1
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar a pertinência da criação da APA Municipal do
Capivari-Monos, no município de São Paulo, tendo em vista a Legislação Estadual de
Proteção aos Mananciais vigente e o avanço da expansão urbana na região. Utilizando
técnicas de geoprocessamento, foi feito um estudo comparativo do uso e ocupação do
solo na área proposta para a APA entre 1980 e 1994. Os resultados demonstraram que
as mudanças constatadas estão em desacordo com as diretrizes propostas por essa
Legislação, sendo, portanto, necessárias estratégias de gestão ambiental mais amplas,
envolvendo diferentes atores sociais e, nesse sentido, a criação da APA é pertinente.
ABSTRACT
The purpose of this research was to evaluate the relevance of creating Capivari-Monos
Protected Landscape (IUCN Category V), considering the Watershed Protection Law
and the ongoing urban expansion of São Paulo Metropolitan area. A comparative study,
employing geoprocessing techniques, was done on land occupation and use between
1980 and 1994 and has revealed changes that do not match the above mentionded law
guidelines, indicating that its application alone is not enough to protect hidric resources.
It is thus necessary to stablish broader environmental strategies, involving different
stakeholders. .
1
Engenheira Agrônoma, Mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo, Prefeitura do
Município de São Paulo.
Introdução
Na Região Metropolitana de São Paulo, os mananciais destinados ao abastecimento
de água potável são protegidos pela Legislação Estadual de Proteção aos Mananciais,
vigente desde 1975 e revista em 1997. Ela regulamenta o uso do solo nas bacias
hidrográficas responsáveis pelo abastecimento hídrico da metrópole. No município de
São Paulo, a área protegida corresponde a cerca de um terço do território municipal,
compreendendo as bacias hidrográficas do Guarapiranga, Billings e Capivari-Monos
Ainda que teoricamente protegida por lei, a área de proteção aos mananciais vem
sendo, progressivamente degradada, devido principalmente à expansão urbana
desordenada. A urbanização, precária e periférica, avança sobre a zona rural, causando o
desmatamento de áreas originalmente cobertas por florestas e colocando em risco as
reservas metropolitanas de água potável. (GONDOLO; 1995; BORGER, 1996;MARCONDES,
1999).
Com o intuito de proteger os remanescentes florestais e os mananciais hídricos, a
Prefeitura do Município de São Paulo criou por Lei Municipal, em junho de 2001, a
Área de Proteção Ambiental - APA - Municipal do Capivari-Monos, no extremo Sul do
Município.
A Lei de criação estabelece como objetivos da unidade a proteção da biodiversidade,
dos recursos hídricos e do patrimônio histórico e cultural local, a melhoria da qualidade
de vida da população, a contenção da expansão urbana e a manutenção das
características rurais locais. Prevê um Conselho Gestor paritário, composto por 10
segmentos da sociedade civil e 10 órgãos públicos, entre estaduais e municipais/
A APA compreende toda a bacia hidrográfica do Capivari-Monos e parte das bacias
hidrográficas do Guarapiranga e Billings. Sobre ela incide, especificamente, além da
legislação geral de proteção ao meio ambiente, a legislação estadual de proteção aos
mananciais, marcadamente restritiva.
Nesse sentido, poderia ser questionada a necessidade de criação da unidade. Para
MARÉS (1997), uma APA só faz sentido se, numa determinada região, não for suficiente
a aplicação das normas gerais de proteção ambiental. De fato, na região em tela não
faltam leis ambientais. Cumpre, portanto, indagar se diante da existência anterior de tal
conjunto de leis, seria pertinente a criação da APA Municipal do Capivari-Monos. Não
seriam os dispositivos legais já existentes suficientes para a proteção ambiental da área?
O objetivo desse trabalho, baseado na dissertação de mestrado defendida pela autora
junto ao Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São
Paulo: "A APA Municipal do Capivari-Monos como uma estratégia de proteção aos
mananciais da Região Metropolitana de São Paulo" é responder, com uso de técnicas de
geoprocessamento, à pergunta acima formulada.
Metodologia
O trabalho teve como eixo principal a análise, por meio de geoprocessamento, da
dinâmica de uso e ocupação do solo na área de estudo no período compreendido entre
os anos de 1980 e 1994, visando verificar se as mudanças observadas estão ou não de
acordo com o disposto na legislação. O período escolhido deve-se à existência de
mapas temáticos disponíveis, passíveis de adaptação e comparação.
Foi estruturado um Sistema de informações Geográficas (SIG) simples, contendo
apenas os planos de informações necessários para os objetivos da dissertação: uso e
ocupação do solo em 1980 e 1994; legislação de proteção aos mananciais, hidrografia e
sistema viário.
A partir desses mapas temáticos iniciais foram construídos mapas analíticos:
desmatamento, evolução da atividade agrícola e expansão urbana no período estudado.
Dessa forma, foi possível analisar se a Legislação Estadual de Proteção aos Mananciais
tem sido ou não suficiente para a proteção dos recursos hídricos e dos ecossistemas
existentes na APA, bem como gerar alguns subsídios para a gestão da unidade.
Para embasar a análise foi fundamental uma contextualização, apresentada aqui de
forma resumida, apenas para facilitar o entendimento dos resultados obtidos. Para uma
caracterização mais detalhada da APA, bem como uma leitura abrangente do contexto,
com foco na expansão urbana na Região Metropolitana de São Paulo e suas implicações
na proteção dos mananciais, ver BELLENZANI (2001).
Contexto
Breve caracterização da área de estudo
A APA Municipal do Capivari-Monos possui uma extensão territorial de 251Km2. , o
que corresponde a aproximadamente um sexto do território do município de São Paulo.
Insere-se também na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo
(MaB/UNESCO), e coincide parcialmente - cerca de 15 % da área - com o Parque
Estadual da Serra do Mar.
Abrange totalmente a bacia hidrográfica do Capivari-Monos, e parcialmente as bacias
hidrográficas do Guarapiranga (cabeceiras do rio Embu- Guaçu, ao Sul da bacia) e
Billings (braço Taquacetuba). O rio Capivari, de vertente marítima, é parcialmente
revertido para o reservatório Guarapiranga, através de uma estação elevatória construída
na década de 70. No início dos anos 90 a SABESP pretendia ampliar essa captação com
a construção de cinco reservatórios ( CASSETARI & VIOL,1992., BOMBONATO & BREGA
FILHO,1993 ), A proposta foi alvo de protestos de ambientalistas e acabou barrada pelo
CONSEMA, mas a idéia não foi totalmente abandonada e, com a crise no abastecimento
de água, volta a ser considerada.
A área concentra os últimos remanescentes de Mata Atlântica do Município de São
Paulo. Dados da SECRETARIA MUNICIPAL DO VERDE E MEIO AMBIENTE – SVMA (1997),
revelam que a vegetação nativa é o tipo de uso do solo mais presente na APA ( cerca de
73% do território, incluídos campos naturais) , indicando que, felizmente, trata-se de
uma área ainda bastante preservada, levando-se em conta sua localização - dentro do
município de São Paulo.
O segundo uso mais presente é o agrossilvopastoril, cuja importância é grande no
contexto da contenção da expansão urbana. Tais áreas, se adequadamente manejadas,
representam uma atividade econômica capaz de conviver com a proteção dos recursos
hídricos, evitando a maior ameaça: a instalação de loteamentos irregulares.
Loteamentos correspondem a cerca 4 % do território - aparentemente pouco, mas
com enorme impacto. São mais presentes na bacia da Billings e na região conhecida por
Barragem, divisor de águas desta e da bacia Capivari-Monos e Billings Segundo
estimativa da SVMA , vivem atualmente cerca de 65.000 pessoas na APA, a grande
maioria em loteamentos irregulares. SPOSATI et al. (1996), no Mapa de
Exclusão/Inclusão Social em São Paulo, apontam os distritos censitários situados na
APA entre os mais excluídos do município..
Estamos diante de um paradoxo, observado em maior ou menor grau em toda a área
de proteção aos mananciais: por um lado, a precariedade dos assentamentos irregulares
é social e ambientalmente insustentável, acarretando graves problemas de saúde pública
e gerando justas reivindicações dos moradores. Por outro lado, o atendimento à
demanda pela melhoria da infra-estrutura nesses assentamentos é, além de proibida pela
legislação vigente, certamente indutora da expansão urbana desordenada, perpetuando
assim processo perverso de degradação ambiental e exclusão social.
Legislação incidente
Considerando os fatores condicionantes da degradação dos mananciais hídricos da
Região Metropolitana de São Paulo, a Legislação Estadual de Proteção aos Mananciais (
Leis Estaduais 898/75 e 1172/76 ) estabeleceu duas categorias, para as quais definiu
parâmetros urbanísticos, elencou os usos permitidos e os critérios para a implantação de
serviços de saneamento (EMPLASA, 1984):
As áreas de primeira categoria, consideradas "non aedificandi", correspondem,
grosso modo, às áreas de preservação permanente definidas no Código Florestal. Já as
áreas de segunda categoria são as áreas onde se permite assentamentos humanos,
podendo ser utilizadas sob determinadas condições, referentes às taxas de ocupação, ao
coeficiente de aproveitamento do solo e às taxas de impermeabilização dos lotes. Tais
condições variam de acordo com a sua proximidade ao manancial protegido (quanto
mais próximo, mais restrições) e às áreas urbanas (quanto mais longe, mais restrições).
São divididas em três classes : A, B e C, com restrições crescentes. A Classe C permite
apenas o uso rural.2
A tabela a seguir mostra a distribuição das classes essa lei sobre a APA.
TABELA 1 - CLASSES DA LEI DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS NA APA, EM HECTARES
Classe
Classe A *
Classe B
Classe C
Primeira Categoria
Total protegido pela LPM
Não protegido pela LPM
Total
Área (ha)
9,07
19,04
10.659,46
12.004,10
22.691,67
2.067,45
24.759,12*
% sobre o total
0,04
0,08
43,05
48,48
91,65
8,35
100,00
* Não é computada a superfície coberta por represas.
Observa-se que, segundo os parâmetros da legislação de proteção aos mananciais
vigente, quase a metade do território é considerado área non eadificandi. Mais de
quarenta por cento corresponde à áreas classe C, francamente rurais, onde não é
permitida a instalação de infra-estrutura, inclusive de saneamento. Os cerca de 8% não
protegidos pela legislação de proteção aos mananciais coincidem com a área do Parque
Estadual da Serra do Mar, unidade de conservação de proteção integral que integrará a
zona de vida silvestre da APA.
2
Essa legislação foi complementada pela Lei Estadual 9.866/97. , com a participação da sociedade civil.
A nova lei aponta para a elaboração de normas legais específicas para cada bacia hidrográfica, com a
participação da sociedade civil . Mas enquanto tais leis específicas não forem elaboradas e aprovadas,
ainda incidem as regras anteriores e portanto foram estas as consideradas neste trabalho.
Resultados3
Por meio da comparação, no SIG, dos mapas de uso e ocupação do solo de 1980 e
1994 foram quantificadas as mudanças, expressas na tabela a seguir:..
TABELA 2: EVOLUÇÃO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NA ÁREA PROPOSTA PARA A APA
MUNICIPAL DO CAPIVARI-MONOS, 1980-1994
Tipo de uso/ocupação
Mata
Agricultura
Chácaras
Campo Antrópico
Campo Natural
Loteamento
Reflorestamento
Mineração
Várzea
Represas
Outros
TOTAL
1980
área (ha)
18.361,73
1.555,39
1.033,62
928,68
1.498,10
255,54
687,90
11,38
683,77
394,31
141,78
25.152,20
%
73.00
4,59
4,11
3,69
5,96
1,02
2,73
0,05
2,72
1,57
0,56
100,00
1994
área
%
16.910,21
67,23
441,33
1,75
2.429,83
9,66
1.817,98
7,23
742,52
2.95
1.058,09
4,21
689,50
2,74
11,38
0,05
563,47
2,24
393.08
1,56
94.81
0,38
25.152,20
100,00
Crescimento
área
%*
-1.451,52
-7,91
-714,06
-61,80
1.396,21
135,08
889,30
95,76
-755,58
-50,44
802,55
314,06
1,60
0,23
0,00
0,00
-120,30
-17,59
-1,23
-0,31
-46,97
-33,13
* Porcentagem calculada em função da área em 1980.
Observa-se uma significativa diminuição das áreas de mata, não tão expressiva em
termos percentuais mas expressiva em termos de área absoluta e bastante relevante no
contexto da área de estudo. A área agrícola diminuiu muito. É significativo o aumento
das chácaras, e especialmente notável o crescimento da área ocupada por loteamentos.
Esse crescimento é particularmente importante, posto que francamente contrário às
diretrizes da legislação ambiental vigente.
Através de uma tabulação cruzada (EASTMAN JR, 1998) entre os dois mapas, foi feita
uma análise qualitativa, apontando as mudanças relativas. São especialmente
importantes os processos de desmatamento e expansão da área urbanizada, claramente
contrários aos propósitos da legislação de proteção aos mananciais. É também relevante
a diminuição da área ocupada por agricultura, pois essa é uma atividade econômica
compatível com a proteção dos mananciais (PDPA GUARAPIRANGA, 1997) e com os
objetivos propostos para a APA Municipal do Capivari-Monos, desde que controlada e
com a progressiva adoção de tecnologias brandas.
A análise qualitativa permitiu responder às seguintes perguntas: Quais os usos
existentes na áreas desmatadas? Que usos substituíram as áreas anteriormente ocupadas
por agricultura? Que tipo de ocupação existia nas áreas onde se verificou expansão dos
loteamentos? Qual a classificação, segundo a legislação estadual de proteção aos
mananciais, das áreas urbanizadas no período estudado? Qual a situação das áreas de
primeira categoria (non aedificandi) em 1980 e em 1994?
3
Os resultados foram originalmente expressos em mapas em escala 1:50.000. No âmbito deste trabalho,
por força das limitações de publicação, serão apresentados na forma de tabelas e texto. Para acesso aos
mapas, ver BELLENZANI (2001,op.cit)
Em relação ao desmatamento, constatou - se que dos cerca de 1450 hectares
desmatados no período estudado, 42 % deram origem a chácaras, 28 % a campos
antrópicos, 14 % a loteamentos, 4 % a agricultura e 12 % a outros usos.
Muito pouco foi destinado à agricultura, indicando que essa atividade não é uma
causa principal do desmatamento na região. Já os loteamentos ocuparam porção mais
expressiva - 14% - da área desmatada, demonstrando uma relação causal entre os dois
processos, expansão urbana e diminuição das áreas florestadas. Essa relação, presente
na Região Metropolitana de São Paulo como um todo e especialmente nas áreas de
proteção aos mananciais, já se verifica, portanto, na APA.
A agricultura diminuiu significativamente no período estudado: foram perdidos cerca
de 700 hectares, cerca no de 60 % da área agrícola existente em 1980. 31 % foram
transformados em chácaras, 20 % estão cobertos por mata4 , 5 % por campos antrópicos,
11 % foi transformado em loteamento e 33 % são representados por outros usos. Houve
um abandono da atividade produtiva, tendo esta cedido lugar a usos não econômicos, o
que encontra eco na literatura (COELHO et al, 1993). A substituição da agricultura por
loteamentos foi verificada em 10% da área, o que é certamente significativo no contexto
da área estudada, mas indica que tal substituição provavelmente não é imediata e sim
um processo gradual.
Especialmente relevante é a expansão dos loteamentos, muito acentuada, pois a área
ocupada por loteamentos era 255,54 hectares em 1980 e passou a 1058,09 hectares em
1994, quadruplicando portanto.
As áreas de expansão urbana eram anteriormente ocupadas por mata (55 %),
chácaras (22 %), agricultura (11 %), campo antrópico (6 %) e outros usos (6 %).
Observa-se que a maioria das áreas (55%) era ocupada anteriormente por mata,
indicando ser a expansão urbana um importante fator de desmatamento.
A agricultura ocupava 11% da área loteada. Essa informação, interpretada em
conjunto com o processo de diminuição das áreas agrícolas já abordado, sugere tratar-se
efetivamente de uma transformação gradual: as áreas de agricultura comercial são
abandonadas dando lugar às chácaras e campos antrópicos e estas, posteriormente,
transformam-se em loteamentos.
As áreas de expansão urbana foram também analisadas segundo as categorias da
legislação estadual de proteção aos mananciais vigente (Leis 898/75 e 1.172/76). 18 %
da expansão se deu em áreas de primeira categoria e 82 % em áreas classe C.
A maioria dos novos loteamentos está em área classe C, destinada ao uso rural, onde
é vetada a instalação de rede de água e esgoto. É também significativa a ocupação das
áreas de primeira categoria, onde é proibido qualquer tipo de construção.
Para avaliar melhor a eficácia da legislação sobre a área da APA, analisou-se a
situação das áreas de primeira categoria como um todo, no período estudado. Os
resultados dessa análise são apresentados na tabela 3.
4
Em estágios iniciais de sucessão.
TABELA 3: EVOLUÇÃO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NAS ÁREAS DE PRIMEIRA
CATEGORIA, 1980-1994
Tipo de uso/ocupação
1980
área (ha)
1994
Crescimento
%
área
10.208,47
85,04
9.859,88
82,14
-348,59
-3,41
Agricultura
160,20
1,33
61,40
0,51
-98,80
-61,67
Chácaras
222,41
1,85
670,19
5,58
447,78
201,33
Campo Antrópico
213,45
1,78
452,89
3,77
239,44
112,18
Campo Natural
702,77
5,85
362,81
3,02
-339,96
-48,37
24,06
0,20
184,83
1,54
160,77
668,20
Reflorestamento
113,21
0,94
98,31
0,82
-14,90
-13,16
Várzea
321,22
2,62
296,31
2,47
-24,91
-7,75
Outros
38,31
0,32
17,48
0,15
-20,84
-54,39
12.004,10
100,00
12.004,10
100,00
Mata
Loteamento
TOTAL
%
área
%*
Segundo o disposto na Lei Estadual 1.172/76, nas áreas de primeira categoria não
são permitidas edificações nem supressão da cobertura vegetal. Deve ser mantida a
cobertura vegetal natural. O reflorestamento também é um uso compatível com a
vocação dessas áreas. Observa-se, no entanto, uma diminuição das matas, das várzeas e
do reflorestamento nas áreas de primeira categoria. São alterações pequenas em termos
de área, porém significativas, pois definitivamente incompatíveis com o disposto em lei.
Houve um aumento na ocupação de tais áreas por loteamentos, pequeno em área
total, mas alarmante em termos percentuais. Esse tipo de ocupação, além de claramente
proibido pela legislação vigente, é o mais impactante sobretudo devido à precariedade
desses assentamentos.
Face à importância dessas áreas para a proteção dos recursos hídricos, as
conseqüências ambientais são bastante graves, e demonstram claramente a insuficiência
da legislação estadual de proteção aos mananciais vigente. Caso a lei fosse cumprida,
nas áreas classe C poderiam existir, no máximo, loteamentos rurais, e as áreas de
primeira categoria não deveriam ter sido ocupadas de forma alguma..
Conclusão
As mudanças verificadas na APA Municipal do Capivari-Monos são francamente
contrárias ao disposto na legislação, gerando degradação ambiental e social. Indicam a
insuficiência da legislação vigente como mecanismo eficaz para conter a degradação da
área e apontam a necessidades de estratégias de gestão mais abrangentes.
A criação da APA é pertinente mas não garante, por si só, o uso sustentável dos
recursos naturais, nem a preservação dos recursos hídricos, nem a melhoria da qualidade
de vida da população moradora. Tudo depende, e isso é fundamental para o sucesso
dessa categoria de unidade de conservação, da maneira com que a APA for implantada.
Recomendações à gestão da APA
A APA Municipal do Capivari-Monos é a última fronteira entre a expansão urbana e
a Mata Atlântica no município de São Paulo. Diante de tal contexto, nem a mais perfeita
lei jamais imaginada seria capaz de assegurar a proteção ambiental. É premente que a
implantação da nova APA e a construção de seus instrumentos: Conselho Gestor,
Zoneamento Ambiental e Plano de Gestão - seja norteada por uma abordagem próativa, envolvendo, no mínimo, a conscientização e educação ambiental; o incentivo a
usos econômicos compatíveis, a fiscalização e mecanismos capazes de assegurar o
permanente diálogo entre as forças sociais e políticas envolvidas.
O incentivo aos usos econômicos compatíveis tem alcance e permanência maiores do
que a simples adoção de medidas de comando e controle, em outras palavras de normas
legais ainda mais restritivas. .A experiência acumulada em toda a área de proteção aos
mananciais da Região Metropolitana de São Paulo ao longo de vinte e cinco anos
mostra que restrições somente não bastam. A maior parte da área é relativamente
preservada e não admite ocupação permanente, mas não deve ficar sem uso - dado o
risco de ser irremediavelmente atingida pela expansão urbana.
É preciso um novo olhar para a zona rural paulistana - esse é maior desafio da nova
APA -, até então vista sob apenas dois prismas, radicalmente opostos: ou como um
estoque de terras baratas prontas a serem invadidas e/ou loteadas, ou como uma região
onde as restrições estabelecidas pela legislação tornam impossível qualquer atividade
econômica. Trata-se, na verdade, da construção do "novo rural paulistano", inspirando se no conceito do novo rural brasileiro proposto por GRAZIANO (1997), porém
enfatizando a dimensão ambiental.
O desenvolvimento de atividades econômicas compatíveis com a proteção ambiental
não se dará espontaneamente, sem a adoção de políticas públicas consistentes voltadas
para a zona rural do município de São Paulo. A APA Municipal do Capivari-Monos
pode ser um interessante laboratório para a construção de tais políticas.
Em nome da proteção ambiental, a região foi praticamente abandonada, como se não
fizesse parte do município. Se a intenção era mantê-la intacta, o resultado não foi o
esperado.
Terras desvalorizadas atraem ocupação irregular e desorganizada,
desvalorizando- as ainda mais e alimentando o ciclo perverso de degradação ambiental e
exclusão social. A reversão do processo pode estar exatamente na adoção da estratégia
contrária: não impedir o uso das terras, mas planejá-lo e criar condições para a atração
das atividades desejáveis.
Fiscalização e o licenciamento são mecanismos fundamentais para que as APA
cumpra seus objetivos. Uma abordagem pró-ativa, por mais otimista que se possa ser
quanto a seus efeitos, não exclui a fiscalização. Ela deve ser feita, por força das
competências legais - a criação da APA não altera leis estaduais - de forma integrada
entre o Estado e Prefeitura, reunidos no Conselho Gestor.
APAs são fundamentalmente instrumentos de gestão. Há que se estabelecer pactos
multissetoriais, buscando a viabilidade social, econômica e política da conservação.
Estabelecer acordos estratégicos, capazes de sobreviver às diferenças ideológicas e
políticas deste ou daquele governo, é uma responsabilidade do Conselho Gestor.
A APA Municipal do Capivari-Monos, bem implementada, pode ser um instrumento
poderoso para a atenuação do quadro de degradação ambiental e exclusão social
presente na área. Para tanto ela deverá ser não uma coleção de restrições ambientais a
mais, mas uma verdadeira Agência de Desenvolvimento Sustentável Local (MORAES,
2000), considerando as fragilidades da região, explorando suas potencialidades e
garantindo a participação dos atores sociais e agentes políticos envolvidos.
..... A APA não contradiz a Legislação Estadual de Proteção aos Mananciais nem impõe
novas restrições. Ao contrário, deve incorporar em seu zoneamento ambiental as
disposições estaduais. É fundamental que o zoneamento elimine as incompatibilidades e
incoerências entre as normas legais estaduais e municipais. A APA, através de seu
Conselho Gestor, co-responsabiliza o município e a sociedade civil na gestão ambiental
da área. É, portanto, estratégia complementar à referida legislação.
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Download

Maria Lucia Ramos Bellenzani Este trabalho tem por objetivo