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Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 631-634
IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014
ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X
Estudo da “Formação Areno-Pelítica” na zona Litoral
Porto - Vila Nova de Gaia. Contribuição do conteúdo
polínico
Study of “Formação Areno-Pelítica” in the Porto - Vila
Nova de Gaia coastal area. Contribution of the pollen
content
H. Ribeiro1*, A. Pinto de Jesus1,2, F. Oliveira2, J. Vidal Romani3, I. Abreu1,4,
F. Noronha1,2
Artigo Curto
Short Article
© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP
Resumo: Neste estudo apresentam-se os resultados da datação, registo
sedimentar e caracterização do conteúdo polínico do nível de cobertura,
de vários depósitos do litoral das cidades do Porto e de Vila Nova de
Gaia, designado por “Formação areno-pelítica de cobertura”. Realizouse o estudo geocronológico por datação através de “OSL” no quartzo
da fracção 180-250 µm, a análise sedimentológica, análise
granulométrica e análise do conteúdo polínico. As amostras estudadas
possuem idade entre 67 e 56 ka e representam um nível areno-pelítico
com seixos rolados que corresponde a um meio sedimentar continental
com formação provável em condições periglaciares. O perfil polínico
existente mostra-nos maior predominância de espécies não arbóreas,
particularmente de plantas superiores, como Poaceae, Asteraceae,
Ericaceae, Cistaceae, Umbeliferae e de Pteridófitas como Isoetes,
indicando a existência de um ambiente frio e seco de vegetação aberta
com baixa representatividade do estrato arbóreo.
Palavras-chave: Datação, “Areno-pelítica”, Pólen, Quaternário,
Portugal.
Abstract: In this study it is presented the geochronological,
sedimentological and palynological analysis on the cover level named
“Formação areno-pelitica de cobertura” from several deposits found
from Porto to Vila Nova de Gaia coastal areas. Geochronological
studies were performed by quartz-OSL dating and sedimentary
analysis, grain size distribution and palynological analysis was
conducted. The studied samples have an age between 67 and 56 ky and
represent an areno-pelitic bed with pebbles corresponding to a
sedimentary level with continental influence, probably developed in
periglacial conditions. The pollen profile is dominated by non-arboreal
species, particularly pollen from higher plants of Poaceae, Asteraceae,
Ericaceae, Cistaceae, Apiaceae and Pteridophytes as Isoetes, indicating
a cold and dry environment of open vegetation with lower tree
representation.
Keywords: Dating, “Areno-pelitica”, Pollen, Quaternary, Portugal.
1
Centro de Geologia, Universidade do Porto, Portugal.
Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território,
Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Portugal.
3
Instituto Universitário de Xeoloxia Isidro Parga Pondal, Universidade da
Coruña. Spain.
4
Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto,
Portugal.
*Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]
2
1. Introdução
O noroeste de Portugal continental é caracterizado pela
existência de uma plataforma litoral onde podem ser
observados vários depósitos datados do Quaternário
(Granja, 1999; Araújo et al., 2003) e que têm sido
estudados ao longo dos anos por numerosos autores
(Zbyszewski, 1940; Ribeiro et al., 1943, Granja, 1999;
Araújo et al., 2003; Soares de Carvalho et al., 2006).
No litoral de Vila Nova de Gaia, particularmente na
zona de Lavadores, estudos efectuados em depósitos PlioPlistocénicos (Pinto de Jesus et al., 2008) mostram a
existência de um nível de topo de origem lagunar e/ou
palustre possivelmente afectado por periglaciarismo
(Gomes et al., 2002; Ribeiro et al., 2010). Níveis com
características semelhantes, já tinham sido descritos por G.
Zbyszewski (1940) como “limons amarelo escuros que
passam a castanho” e por Costa & Teixeira (1957) como
uma camada “caracterizada por uma cor amarelada, por
vezes assaz espessa”, podem ser observados não só em
Lavadores assim como mais a norte no Porto (Oliveira,
2013) e a sul na Madalena. Nesta mesma localidade mas já
na folha 13A na Carta Geológica de Portugal 1:50 000,
depósitos idênticos foram cartografados e designados por
“Formação areno-pelítica de cobertura” e identificados
como Qp (Teixeira et al., 1962).
No presente trabalho, apresentam-se os resultados da
datação, registo sedimentar e caracterização do conteúdo
polínico do nível de cobertura pelítico de vários locais do
litoral das cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia com o
objetivo contribuir para o conhecimento das condições
paleoclimáticas aquando a sua formação.
2. Material e métodos
Local de amostragem
Foram estudados 6 afloramentos na zona litoral Porto Vila Nova de Gaia (Fig. 1). Estes depósitos estão
representados na Carta Geológica de Portugal 1:50 000 -
632
Folha 9C-Porto (Costa & Teixeira, 1957) como Q3
(Depósito de praia antiga, 30-40 m). Nesta área afloram
granitos variscos, pertencentes ao grupo de granitos
biotíticos e ao grupo de granito de duas micas, rochas
metamórficas, do Complexo xisto-grauváquico (CXG), e
rochas sedimentares (Costa & Teixeira, 1957; Oliveira,
2009). Os nossos locais de amostragem encontram-se a
diferentes cotas, entre os 15 m e os 50 m, mas todos a
menos de um 1 000 m de distância do mar.
Amostragem e análise
Em cada um dos afloramentos foram recolhidas
amostras dos níveis com características pelíticas
(Madalena: PC5; Arcas: MO5; Pedras Amarelas: PA3 e
PA18; Rua da Bélgica I: PA14; Rua da Bélgica II: PA15 e
MO3, em Vila Nova de Gaia e CPPAST2 no Porto)
(Fig.1). Esta recolha foi efectuada manualmente, após
limpeza da superfície exposta, por precursão com um
cilindro onde foi recolhida a amostra.
H. Ribeiro et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 631-634
O estudo geocronológico consistiu na datação através
de “OSL” do quartzo da fracção 180-250 µm das amostras
PA18, PA15 e PA14 seguindo a metodologia descrita em
Viveen et al. (2012).
O estudo sedimentológico foi efetuado numa primeira
fase no local do afloramento na delimitação das fronteiras
estratigráficas com base na litologia, estruturas internas
sedimentares e geometria e forma. No laboratório
procedeu-se a uma análise granulométrica e observação do
arredondamento e esfericidade dos clastos presentes.
Finalmente as amostras, para análise polínica, foram
submetidas a uma série contínua de tratamentos químicos
de modo a concentrar a fracção polínica seguida de
qualificação e quantificação dos tipos polínicos usando um
microscópio óptico (400 x). A quantificação corresponde
aos valores % de cada tipo polínico relativamente ao valor
absoluto total de pólen contabilizado.
Fig. 1. Excerto da Folha 9-C (Porto) da Carta Geológica de Portugal, à escala 1:50 000 (Costa & Teixeira, 1957) com os locais de amostragem
identificados. Fotografias com alguns dos níveis amostrados.
Fig. 1. Portuguese geological map, sheet 9-C (Porto) at 1:50 000 (Costa & Teixeira, 1957) with the sampling locations. Photos of some of the sampled
levels.
3. Resultados e discussão
Os níveis estudados apresentaram espessura variável entre
1 m e 0,5 m. Caracterizam-se por possuírem textura
matriz-suportada constituída, predominantemente, por
silte, argila e areia bem como grânulos e seixos. Em alguns
locais estes últimos ocorrem a topo do nível, são rolados e
com forma alongada geralmente com o eixo maior
verticalizado o que sugere solifluxão em situação
periglaciar. Os sedimentos apresentavam-se muito pouco a
pouco calibrados, fortemente enviesados para o grosseiro e
curtose a variar de platicúrtica a leptocúrtica. Estes
resultados sugerem a existência de ambiente sedimentar de
origem continental e na influência de uma zona glaciar
afastada.
Relativamente aos estudos geocronológicos, as
datações obtidas permitiram concluir por idades de
67,82±4,94 ka no caso da amostra PA15 (Rua da Bélgica
II) 67,40±4,94 ka para a amostra PA18 (Praia Pedras
Amarelas) e de 56,25±4,37 ka para a amostra PA14 (Rua
da Bélgica I). Estas idades permitem correlacionar o nível
areno-pelítico, com clastos verticalizados com o último
período glaciário, provavelmente transição entre MIS4 e
Formação “areno-pelítica” no Litoral Porto - Vila Nova de Gaia
MIS3. No caso do afloramento observado na Praia das
Pedras Amarelas, Araújo (1995) obteve uma idade de 44
ka para esta formação pelítica.
A nível polínico observou-se uma predominância do
estrato herbáceo particularmente representado por
Asteraceae (tipo Carduae, Liguliflorae e Tubuliflorae),
Poaceae e outras ervas como Brassicaceae, Plantago,
Urticaceae e Apiaceae. A nível arbustivo observou-se
principalmente a presença de Ericacea e Cistaceae. A nível
arbóreo, embora com baixa representatividade, verificouse a co-existência de Prunus, Quercus decíduo, Alnus,
Betula, Castanea e Pinus. Foi também observado a
633
presença de pteridófitas como por exemplo do género
Isoetes (Fig. 2). Este conjunto polínico correlaciona-se
com o reportado por Roucoux et al. (2005) para a coluna
polínica resultante da sondagem marinha MD95-2039,
recolhida na margem noroeste de Portugal, onde, para o
período 65-59 ka, reporta o pólen de Poaceae como um
dos mais representativos seguido do pólen de Ericaceae e
Asteraceae (Liguliflorae e Tubuliflorae), estando também
representado pólen de Isoetes, Brassicacea, Cistaceae,
Plantago e Apiaceae. Neste registo de pólen, o estrato
arbóreo, pouco abundante, com percentagem semelhante
às por nós observadas nos níveis estudados.
Fig. 2. Diagrama polínico dos níveis estudados.
Fig. 2. Pollen diagram from the sampled beds.
Os tipos polínicos encontrados sugerem a existência de
um clima seco e frio. De facto, Roucoux et al. (2005)
sugerem que o período correspondente a 60,5 ka
correspondeu a uma época de maior severidade climática
(condições mais frias e mais secas). Nos níveis estudados,
as evidências de fenómenos de periglaciarismo assim
como a presença de pólen do género Prunus semelhante à
espécie P. lusitânica, que ocupou a costa Atlântica da
Península Ibérica e o centro norte de Portugal durante o
último período glaciário (Calleja et al., 2009) corroboram
as condições climáticas referidas anteriormente.
Considerando o perfil polínico encontrado nos níveis
estudados, as plantas de Brassicaceae, tipo Carduus e
outras Asteraceae no perfil polínico da flora actual podem
representar espécies comuns a ambientes sujeitos a
perturbações naturais frequentes como episódios de
inundação (Prieto, 2000) estando de acordo a origem
sedimentar palustre/lagunar de inundação dos níveis
analisados no nosso estudo.
4. Conclusões
Com base nos nossos resultados poderemos concluir que
as características presentes nos diferentes níveis pelíticos
mostram afinidade entre as fácies: meio sedimentar
palustre/lagunar que indica ter sido depositado numa área
com influência glaciar distante durante o período de
transição MIS4-MIS3 apresentando um conteúdo polínico
dominado por um estrato herbáceo com alguma
representatividade de um estrato arbustivo e menor
representatividade do estrato arbóreo.
Agradecimentos
Este estudo foi financiado pelo projeto de Investigação e
Desenvolvimento
Tecnológico
“PEstOE/CTE/UI0039/2014”. Helena Ribeiro beneficiou de uma
bolsa de pós-doutoramento (SFRH/BDP/43604/2008)
financiada pelo QREN-POPH e FCT.
634
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