Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, Volume 09, julho a dezembro de 2002
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Volume 09, julho a dezembro de 2002
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE BONITO – UMA EXPERIÊNCIA DE
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES ATRAVÉS DO TRABALHO POR
PROJETOS
Maria Celina Piazza Recena, Dario Xavier Pires, Luiz Henrique Viana1 e Marcia Brambilla2
RESUMO
O município de Bonito, situa-se na Serra da Bodoquena, região sudoeste de Mato Grosso do
Sul, é conhecido por suas belezas naturais que o transformaram em um importante polo de turismo
ecológico da região. O processo de criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena inseriu a
população da cidade em intensos debates sobre a questão ambiental. Considerando sua importância
estratégica para o desenvolvimento da Educação Ambiental nas escolas da região, foi proposto um
projeto, com apoio do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), para formação continuada de
professores do ensino fundamental. A proposta baseou-se, metodologicamente, na formação pela
pesquisa como vivência interdisciplinar no âmbito do ensino formal. Neste artigo será relatada e
discutida a experiência educacional desenvolvida.
Palavras-chave:
Educação Ambiental, Serra da Bodoquena, Educação Problematizadora.
1
Professores do Departamento de Química da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [email protected].
2
Diretora Executiva da Fundação Neotrópica do Brasil [email protected].
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INTRODUÇÃO
O município de Bonito em Mato Grosso do Sul é considerado o principal polo de turismo
ecológico no estado. Conhecido internacionalmente tem, atualmente, nesta atividade, uma de suas
principais fontes de receita. Situa-se na região da Serra da Bodoquena que engloba outras cidades que
também vêm sendo exploradas turisticamente. Recentemente toda a região foi foco de intensos debates,
com a participação de diversos segmentos da sociedade, relacionados a criação do Parque Nacional da
Serra da Bodoquena.
A região caracteriza-se por sua riqueza de mananciais hídricos, que aliado a solo de
características cacárias, apresentam grande limpidez nas suas águas, conferindo extrema beleza aos rios
e quedas d'água.
A serra é considerada o quinto sítio espeleológico do Brasil, com cavernas, grutas e abismos
abertos à visitação pública. Toda região apresenta lugares ainda desconhecidos com potencial turístico
inegável.
Segundo dados do PCBAP (Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai), a economia do
município gira em torno de atividades pecuárias, associadas à atividade turística recreacional ecológica
e extrativa mineral.
A atividade pecuária, fortemente presente em Bonito, é uma característica no estado de Mato
Grosso do Sul . Entretanto a implementação da exploração turística, importante fator na economia do
município, trouxe mudanças expressivas no modo de vida da população.
Neste cenário e incentivados pela importância do turismo ecológico para Bonito, propusemos
uma ação em Educação Ambiental com professores do ensino fundamental atuando de 5ª a 8ª séries.
A ação proposta consistiu em um curso de Educação Ambiental de 120 horas/aula, baseado na
abordagem através de projetos. Para isso, buscamos contextualizar as atividades em questões
ambientais, buscando a interdisciplinaridade nas ações propostas numa concepção educacional
problematizadora.
O curso foi encaminhado ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) do Ministério do
Meio Ambiente e formalizado como ação do projeto "Criança Hoje - Cidadão do Futuro". Além do
apoio financeiro do FNMA , parceiros como a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS ),
a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul e a comunidade bonitense propiciaram o
desenvolvimento das atividades de novembro de 1999 a setembro de 2000.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO PROJETO "CRIANÇA HOJE - CIDADÃO DO FUTURO"
A proposta de trabalho buscou contemplar a Educação Ambiental conforme conceituada pela
conferência de TBILISI(1977) citada por SATO(1997), como sendo :
um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o
desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para
entender e apreciar as interrelações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios
biofísicos. A educação ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de
decisão e a ética que conduzem para a melhoria da qualidade de vida.
Foi proposto um projeto de trabalho, contextualizado em problemas locais abordados
interdisciplinarmente, de acordo com os preceitos da Concepção Educacional de Paulo Freire
(FREIRE,1976).
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Diversos autores, entre eles DIAS(1992) e SATO (1997), indicam essa concepção como sendo
um caminho viável para os objetivos propostos para a Educação Ambiental.
Experiências educacionais desenvolvidas nesta perspectiva já foram relatadas, entre elas, em
Mato Grosso do Sul : O ensino de Ciências sob o enfoque da educação ambiental (GOBARA at al,
1992) e Educação ambiental a partir do entorno da escola - a experiência do córrego Cabaças
(RECENA AYDOS, 1994)
A concepção educacional de Paulo Freire, conhecida como dialógica ou problematizadora,
discute o conhecimento a partir da realidade imediata, e questiona os indivíduos em suas relações com
o mundo. É realizada pelo professor COM o aluno, que é considerado sujeito na ação educativa e
sobretudo co-participante na definição do conteúdo programático.
Opõe-se a uma concepção "bancária" de educação , "onde o educador faz comunicados e
depósitos que os alunos, meras incidências, recebem passivamente, memorizam e repetem"
(FREIRE,1976). O educador, nesta concepção, será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão
sempre os que não sabem, negando a busca no processo educativo. Realiza-se pelo professor SOBRE o
aluno, sendo este, passivo na ação educativa.
A educação problematizadora,viabiliza e resgata a dimensão contextualizada dos conteúdos de
ensino, trabalhando-os a partir da "realidade concreta" do "grupo de trabalho" envolvido, o qual é
desafiado a superar situações cotidianas problematizadas ao se perceber como ser do mundo e como
mundo, pois "só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente,
que o homens fazem no mundo, como mundo e com os outros" (FREIRE, 1976).
Aos educandos é proposta sua própria situação como problema, e seu ato cognoscente será no
sentido de superá-la.
A busca do que fazer educativo e do como fazer se dá no diálogo entre educador e educando.
O ponto de partida do processo educativo problematizador é a investigação temática, que é a
própria investigação do pensamento do público alvo e que através de uma metodologia dialógica, e por
isso mesmo conscientizadora, proporciona a apreensão dos temas geradores e a tomada de consciência
em torno dos mesmos.
Assim propusemos uma abordagem dos temas geradores através de "projetos
interdisciplinares", propostos pelos professores-alunos, que seriam desenvolvidos e avaliados como
uma metodologia de trabalho com os alunos do ensino fundamental.
Segundo TOMAZELLO (2001) “A experiência e os exemplos obtidos de trabalhos
desenvolvidos através da abordagem pedagógica de trabalhos por Projetos são mais do que suficientes
para demonstrar a validade e a eficiência desta metodologia, principalmente, tratando-se de trabalhos
com crianças.”
Para FAZENDA (1991), “no projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive-se,
exerce-se. A responsabilidade individual é a marca do projeto interdisciplinar, mas essa
responsabilidade está imbuída do envolvimento - envolvimento esse que diz respeito ao projeto em si,
às pessoas e às instituições a ele pertencentes."
A interdisciplinaridade, segundo FERREIRA In FAZENDA, 1991
é norteada por dois eixos básicos como : a intenção, a humildade, a totalidade, o respeito
pelo outro, etc. O que caracteriza uma prática interdisciplinar é o sentimento intencional
que ela carrega. Não há interdisciplinaridade se não há intenção consciente, clara e
objetiva por partes daqueles que a praticam. Não havendo intenção de um projeto,
podemos dialogar, inter-relacionar e integrar sem no entanto estarmos trabalhando
interdisciplinarmente.
Aprende-se com a interdisciplinaridade que um fato ou solução nunca é isolado, mas sim
conseqüência da relação entre muitos outros.
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A operacionalização da proposta de trabalho através de projetos, partiu da concepção de educar
pela pesquisa, conforme expressa por DEMO (1996):
Educar pela pesquisa tem como condição essencial primeira que o profissional da
educação seja pesquisador, ou seja, maneje a pesquisa como princípio científico e
educativo e a tenha como atitude cotidiana. Não é o caso de fazer dele um pesquisador
“profissional”, sobretudo na educação básica, já que não a cultiva em si, mas como
instrumento principal do processo educativo. [...] .
A partir daí, entra em cena a urgência de promover o processo de pesquisa no aluno, que
deixa de ser objeto de ensino, para tornar-se parceiro de trabalho. A relação precisa ser
de sujeitos participativos, tomando-se o questionamento reconstrutivo como desafio
comum.
Entretanto, conforme o autor “O problema principal não está no aluno, mas na recuperação da
competência do professor, vítima de todas as mazelas do sistema,...”
DESENVOLVIMENTO DO PROJETO "CRIANÇA HOJE - CIDADÃO DO FUTURO"
O projeto, para os professores-alunos, consistiu em um curso teórico e prático, de 120
horas/aula iniciado em novembro de 1999 e concluído em setembro de 2000. O curso foi desenvolvido
em etapas, que muitas vezes incluíram ações que se expandiram para a comunidade, e que passamos a
descrever :
1ª etapa) Curso de capacitação
Em novembro de 1999 foi desenvolvido durante uma semana um curso de capacitação para 30
professores-alunos do ensino fundamental atuando de 5ª a 8ª série, nas áreas de geografia, história,
matemática, português, artes e ciências.
Neste curso foram abordados assuntos de formação sobre os pressupostos teóricos do projeto
e questões ambientais do município de Bonito escolhidas previamente após um estudo feito pela
equipe. Assuntos: Princípios da Educação Ambiental e Ensino Contextualizado, Projetos de Pesquisa,
Saneamento Ambiental e Lixo, Oficina de Arte e Cultura, Oficina de Viveiro de Mudas, Evolução
Geológica e Geomorfológica do Planalto da Bodoquena .
Os assuntos foram discutidos com dinâmicas interativas e visitas de campo com apoio de uma
apostila preparada para este fim.
2º etapa) Proposta de Projeto em Educação Ambiental para ser desenvolvido nas escolas
Ao final do curso de capacitação os professores elaboraram propostas para desenvolvimento de
projetos em Educação Ambiental para serem desenvolvidos durante o ano de 2000 nas escolas do
município. As propostas foram reformuladas em fevereiro de 2000, pois muitos professores foram
lotados em escolas e séries diferentes daquelas em que estavam quando propuseram o projeto.
As propostas dos professores-alunos, reformuladas e desenvolvidas, e os respectivos
municípios onde foram aplicadas, foram as seguintes:
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Consciência Limpa – sobre o lixo, em Bonito
Quintal - sobre o lixo, em Bodoquena
Lixo no contexto sócio-econômico, em Nioaque
Desperdício de papel em sala de aula – sobre o lixo, em Guia Lopes da Laguna
Lixo restos reaproveitáveis da existência – sobre lixo, em Jardim
O caminho das águas – sobre a poluição de um córrego urbano, em Bonito
Nascentes urbanas e seus trajetos – sobre a poluição e assoreamento de um córrego urbano,
em Bonito
Os caminhos de Bonito – sobre as alterações no ambiente natural e construído e suas
relações com o crescimento da cidade e ciclos econômicos – em Bonito
Educação Ambiental Inclusiva – em Bonito
Memória Cultural - sobre as alterações no ambiente natural e construído – em Bonito
Inicialmente foram propostos 15 projetos, envolvendo 33 professores-alunos participantes da
etapa de capacitação. Sendo efetivamente desenvolvidos 10 projetos, envolvendo 18 professores.
3º etapa) Desenvolvimento dos projetos
O período de fevereiro a agosto de 2000, foi destinado a parte “prática” do curso, ou seja ,
desenvolvimento dos projetos propostos. A metodologia adotada consistiu em reuniões mensais para
discussão do andamento das propostas e apoio técnico para efetivação das mesmas. O apoio da equipe
técnica direcionou-se no sentido de fornecer bibliografia de apoio e cursos, com professores e
técnicos de áreas específicas, sobre assuntos pertinentes as propostas.
4º etapa) Socialização dos resultados dos projetos
Em setembro de 2000 foi realizado o “I Encontro de Educação Ambiental da Serra da
Bodoquena”. Neste evento, aberto ao público, foram promovidos mini-cursos, palestras, mesas
redondas, atividades específicas com alunos do ensino fundamental e apresentação de painéis de
comunicação científica.
Os projetos desenvolvidos pelos professores-alunos foram divulgados na forma de painéis.
APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS DO PROPOSTO
Ao final do projeto foram aplicados instrumentos de avaliação (questionários) com os
professores-alunos e alunos do ensino fundamental. Entretanto o número de respondentes foi baixo e as
informações restritas.
Assim, considerando que a equipe do projeto “Criança Hoje – Cidadão do Futuro” acompanhou
intensivamente as ações dos professores-alunos, as observações a seguir baseiam-se, na observação
direta da equipe, de fatos e de posturas adotadas pelos envolvidos no trabalho.
O curso de capacitação contou com a participação de 33 professores-alunos (27 do município
de Bonito e 6 de outras cidades) e destes, 18 concluíram todas as etapas propostas. Dos participantes
do município de Bonito, 14 desenvolveram as atividades e dos demais municípios, 4. Dos 15 projetos
propostos, 10 foram desenvolvidos, sendo 6 no município de Bonito e 4 nos demais.
Foram envolvidos cerca de 200 alunos do ensino fundamental de 5º a 8 º series.
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Durante o desenvolvimento dos trabalhos podemos constatar situações que com certeza
influenciaram na postura dos professores na realização dos projetos e participação nas atividades
propostas:
- Dificuldade com a busca de fontes de informação para a elaboração de materiais, pois as
bibliotecas eram restritas e a busca pela internet praticamente inacessível.
- Nas escolas, havia boa receptividade por parte dos diretores e coordenadores pedagógicos
com relação as atividades, entretanto esta postura não se revertia operacionalmente em
liberação dos professores para participar das atividade propostas pelo projeto “Criança
Hoje....”.
- Projetos que envolveram críticas a forma de atuação de órgãos públicos suscitaram reações
adversas por parte dos responsáveis.
- Inexperiência dos professores-alunos com atividades de elaboração de material instrucional,
relatórios e exposição de trabalhos científicos dificultaram a socialização dos resultados.
Com relação a proposta pedagógica da equipe para a formação continuada de professores,
consideramos que a dinâmica do curso de capacitação foi apropriada e possibilitou, através da
discussão aberta e livre, a problematização de situações vividas pelos professores-alunos, aqui atuando
como membros da comunidade, não diferenciados pela sua atuação como professor.
A metodologia empregada de visitação a locais onde se evidenciava problemas foi muito
importante, pois causou impacto e estimulou o posicionamento dos participantes.
Para os participantes de outros municípios a questão do lixo urbano foi a considerada com
características semelhantes a sua realidade local.
Os projetos propostos foram pertinentes e demonstraram que a maioria dos professores-alunos
estava inserida na filosofia proposta pela equipe sobre Educação Ambiental.
Todos os projetos se desenvolveram com envolvimento de outros professores das escolas,
coordenadores e diretores e alguns contaram com setores da comunidade. Entretanto não se pode
afirmar que os mesmos se desenvolveram interdisciplinarmente. Houve avanços no sentido de
ultrapassar uma visão compartimentalizada de apenas uma disciplina, mas ficaram muito aquém do que
se pretende que seja uma ação interdisciplinar.
Com certeza as atividades desenvolvidas pelos professores-alunos com os alunos do ensino
fundamental foram diferenciadas da rotina transmissão-recepção tradicional, porém em que intensidade
e com que repercussão não foi possível determinar.
Alguns professores-alunos interpretavam a
equipe não como um parceiro para o
desenvolvimento do trabalho mas como uma instância de cobrança das atividades, causando problemas
de relacionamento e dificultando a superação de dificuldades.
CONCLUSÃO
Da dinâmica proposta pelo projeto “Criança Hoje – Cidadão do Futuro” para alcançar os
objetivos propostos foi adequada em linhas gerais e coerente com os pressupostos teóricos norteadores.
A modelagem do curso de capacitação foi adequada. O resultado do projeto em termos de formação
continuada de professores foi positivo. Entretanto, para um trabalho com continuidade, é necessário
um comprometimento formal por parte de escolas e secretarias de educação no sentido dos professoresalunos dedicarem parte de sua carga horária para as atividades propostas. As atividades que se
expandiram para a comunidade, tais como palestras, debate com os candidatos a prefeito e o “I
Encontro de Educação Ambiental da Serra da Bodoquena” foram importantes para a divulgação do
projeto e como inserção na comunidade mas não foram fundamentais para a reflexão dos professores.
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Dificuldades com relação a formação dos professores, materiais de apoio e valorização de
trabalhos diferenciado necessitam ser ultrapassadas.
Entretanto, embora o resultado efetivo do projeto esteja muito distante da proposta teórica
formulada, houve avanços significativos na formação dos professores-alunos com relação a Educação
Ambiental.
A equipe avalia que a proposta é interessante e apropriada mas a operacionalização da mesma
deve ser revista para contemplar com maior efetividade os objetivos propostos.
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