NOTA TÉCNICA
Setembro 2015
DEFICIÊNCIA E EMPREGO
Vinte e quatro anos depois da criação da lei de cotas,
número de empregos ainda é relativamente baixo
Pelo menos uma em cada cinco pessoas no país, ou mais de 45 milhões de pessoas,
possui alguma deficiência, conforme revelou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no Censo 2010. Embora a maior parcela deste contingente populacional esteja em
idade ativa para o trabalho não consegue exercer qualquer atividade remunerada. As
dificuldades, que são as mais diversas possíveis, vão desde a inacessibilidade das vias,
edifícios e dos transportes públicos até as restrições dos empregadores em contratá-los. Os
próprios dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) são um indicativo dessa
realidade, uma vez que só há registros de 381,3 mil vínculos empregatícios ligados a
pessoas com deficiência no país, o equivalente a 0,77% do total de empregos formais,
segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para o ano de 2014.
Tamanho descompasso, sobretudo, no segmento mais formalizado do mercado de
trabalho brasileiro, cujo vínculo laboral assegura o acesso aos mecanismos de proteção
social e trabalhista (férias remuneradas, 13º salário, descanso semanal, dentre outros), é um
claro sinal de que, apesar dos avanços das últimas décadas, ainda existem muitas barreiras
que se interpõem para o acesso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. É
desta questão que tratam as seções seguintes.
Tabela 1 - Estoque de empregos por tipo de deficiência – Brasil - 2013-2014
Variação
Tipologia
2013
2014
Absoluta
Física
181.464
192.432
10.968
Auditiva
78.078
78.370
292
Visual
35.505
39.580
6.075
Intelectual (mental)
25.332
29.132
3.800
Múltipla
5.490
6.708
1.218
Reabilitado
33.928
35.100
1.172
Total
357.797
381.322
23.525
Fonte: MTE/RAIS.
Variação
Relativa
6,04
0,37
18,13
15,00
22,19
3,45
6,57
NOTA TÉCNICA
Cresce a oferta de empregos
Nos últimos anos, ocorreu no Brasil um avanço do número de pessoas com deficiência (PCD) no
emprego formal (“registrado” ou “fichado”), mesmo com o arrefecimento da atividade econômica e da expansão
do emprego. Em 2014, verificou-se um acréscimo de 23,5 mil vínculos empregatícios de PCD no estoque de
empregos formais (celetistas e estatutários), cuja elevação foi percebida em 23 das 27 unidades federativas do
país (Figura 1).
Figura 1
Variação absoluta do número de empregos de pessoas com deficiência
Brasil
2014
Fonte: MTE/RAIS (elaboração própria do autor).
Em termos proporcionais, o Estado do Ceará é o que possui a maior proporção de deficientes inseridos
no mercado de trabalho formal (0,97%) seguido de perto do Rio Grande do Sul (0,95%), cujos resultados
superam bastante a média nacional (0,77%), que progressivamente vem melhorando nos últimos anos: 0,70%,
em 2012 e 0,73%, em 2013.
Não obstante essa realidade, é importante ressaltar que a proporção de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho ainda é bastante reduzida, se se levar em consideração o total de vínculos trabalhistas
existentes, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, em que as proporções de deficientes com emprego
formal são ainda menores, salvo algumas exceções (Figura 2).
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NOTA TÉCNICA
Figura 2
Proporção de pessoas com deficiência no total de empregos formais
Brasil
2014
Fonte: MTE/RAIS (elaboração própria do autor).
É possível perceber que ainda é muito reduzida a proporção de trabalhadores com deficiência engajada
no emprego formal, mesmo quase ¼ de século depois da aprovação da chamada “Lei de Cotas” (Lei nº 8.213 de
1991), que estabelece um percentual de vagas a serem reservadas nas empresas com mais de cem funcionários
(Quadro 1). No serviço público, este percentual oscila entre cinco e vinte por cento das vagas, dependendo do
edital do concurso. No entanto, mesmo pela força da lei e de suas penalidades, é reconhecido pelos movimentos
sociais e pelas instituições do poder público que o efetivo cumprimento da Lei de Cotas ainda está longe de ser
alcançado, cujo problema se dá tanto pelo lado da oferta quanto da procura por trabalho, e é sobre essa questão
que trata a seção seguinte.
Quadro 1 – Lei º 8.213 de 1991
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento)
a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de
deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
O déficit de vagas
I - até 200 empregados...........................................................................................2%;
II - de 201 a 500......................................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000..................................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. .........................................................................................5%.
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NOTA TÉCNICA
O déficit de vagas
Ao se ter em mente que o total de vínculos empregatícios ligados a pessoas com deficiência só
corresponde a 0,77% do total dos empregos formais (celetistas e estatutários), especialmente quando este
segmento populacional representa 24% da população nacional, não é difícil entrever que o número de vínculos
trabalhistas para as pessoas com deficiência deveria ser bem maior do que o efetivamente declarado para o
Ministério do Trabalho e Emprego.1 E qual seria o tamanho desse déficit? Estima-se que o número de empregos
que deveriam ser ocupados por pessoas com deficiência, segundo a Lei de Cotas, deveria ser, pelo menos, três
vezes maior (mais de um milhão de vínculos) ao que atualmente existe, o que representa um déficit de
aproximadamente 660 mil postos de trabalho (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Estimativa de vagas previstas para pessoas com deficiência e
número de vínculos efetivamente declarados, segundo Regiões - Brasil - 2014
Fonte: MTE/RAIS (elaboração própria do autor).
Para se chegar a esse quantitativo, tomou-se como referência o tamanho médio dos estabelecimentos
e as respectivas exigências legais. Deve-se, contudo, ressaltar que a presente estimação tem caráter mais
exploratório devido às mais diferentes situações encontradas tanto no setor público quanto na iniciativa privada.
No primeiro caso, deve-se mencionar que boa parcela das administrações públicas tem se valido de cargos
comissionados como meio de mover a máquina pública e, até mesmo, o sistema político e eleitoral, fugindo à
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Em 2014, foram declarados 381,3 mil vínculos empregatícios.
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regra dos concursos públicos, o que, sobremaneira, minimiza o impacto da Lei de Cotas, afora outras estratégias
de flexibilização das relações de trabalho utilizadas pelos gestores públicos, tal como a prestação de serviço.
Já no caso do setor privado, cabe chamar atenção que não é difícil encontrar empresas que detenham
diferentes inscrições no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), muitas vezes, como forma de se
mitigar as obrigações legais, entre elas, a própria Lei de Cotas, quer para deficientes quer para aprendizes. Ou
seja, o déficit de empregos a ser destinado às pessoas com deficiência pode ser, na verdade, bem maior.
Não obstante essa realidade, a estratégia metodológica de se tentar quantificar, em grandes linhas, o
total de postos de trabalho que deveriam ser destinados às pessoas com deficiência pode não apenas favorecer
o acompanhamento do cumprimento da legislação, bem como identificar as localidades em que a situação é
mais emblemática, embora o déficit de empregos para esse segmento populacional esteja presente em todos os
estados federados, conforme ilustra a Figura 3.
Figura 3
Estimativa do déficit de empregos para pessoas com deficiência, segundo a “Lei de Cotas”
Brasil
2014
Fonte: MTE/RAIS (elaboração própria do autor).
É notável a situação da região Sudeste, em geral, e do Estado de São Paulo, em especial, no que
concerne ao déficit de vagas para as pessoas com deficiência, tanto em termos relativos quanto absolutos, na
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medida em que essa região concentra a maior parcela do emprego formal do país e, consequentemente,
também se expressa na quantidade de vagas a serem reservadas para as pessoas com deficiência.
É igualmente elucidativo perceber que o número de postos de trabalho para esse segmento populacional
está para além do tamanho dos mercados, pois, como se vê na Figura 3, todos os estados têm um menor
número de deficientes empregados do que realmente deveria haver. E por quê? Dentre as motivações é possível
destacar, pelo menos, duas bem significativas pelo lado da oferta de empregos. A primeira está relacionada às
restrições dos empregadores em contratar pessoas com deficiência para não terem que fazer adaptações, tanto
físicas quanto operacionais, nos seus estabelecimentos, tais como rampas, sinalizações (visual ou tátil),
treinamentos em libras para demais colaboradores, dentre outras.
Segundo, as exigências sobre o perfil dos profissionais a serem contratados geralmente são bem
superiores ao que realmente necessita o cargo ou função, o que, sobremaneira, favorece que as vagas fiquem
numa prolongada vacância, favorecendo o burlo à legislação ao ser colocado nas investidas de fiscalização do
poder público de que a cota não é cumprida por “falta de profissionais”. E em muitos casos isso também não
chega a ser uma inverdade, uma vez que as condições ofertadas para os profissionais se encontram, muitas
vezes, aquém de suas expectativas, tal como a questão salarial. E sob este aspecto, cabe chamar atenção que,
como boa parcela dos postos de trabalho oferece o salário mínimo como padrão remuneratório, isto acaba
tornando essas oportunidades poucas atrativas na medida em que se equipara ao valor do Benefício de
Prestação Continuada (BPC) para aqueles que comprovem não possuir meios de se sustentar ou de ser
sustentado pela família. E para além do mero quantum remuneratório, que o viés economicista poderia atribuir,
não se pode minimizar os transtornos que as pessoas com deficiência enfrentam no cotidiano de mobilidade e de
acessibilidade aos locais de trabalho. Tamanho desafio faz com que muitas famílias cheguem até a proibir a
busca por trabalho pelos seus entes, especialmente nos casos em que tais oportunidades não apresentem
maiores perspectivas de progressão profissional. Os efeitos dessa luta, que também é simbólica, podem ser
percebidos quando parcela desse segmento profissional diz que já está “aposentada” ao receber o BPC, numa
clara referência de cumprimento do ciclo de transição da atividade para inatividade no mercado de trabalho.
Em síntese, parece evidente que o baixo número de deficientes empregados decorre por problemas
encontrados tanto do lado da oferta quanto da demanda por trabalho, embora pese para os primeiros a
necessidade de melhor compreensão de que a política de cotas deva ser vista como uma importante estratégia
de inclusão social e não como uma mera reserva de vagas, cabendo ao Sistema Público de Emprego fazer essa
mediação para que o número de trabalhadores inseridos no mercado de trabalho seja cada vez maior.
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Governador do Estado do Ceará
Camilo Santana
Secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social
Josbertini Virginio Clementino
Coordenador do SINE/CE
Robson de Oliveira Veras
Presidente do IDT
Antônio Gilvan Mendes de Oliveira
Diretora Administrativo-Financeira do IDT
Sheila Maria Freire Cunha
Diretor de Promoção do Trabalho do IDT
Francisco das Chagas Nascimento Araújo
Diretora de Estudos e Pesquisas do IDT
Cláudia Fernanda Moreira da Silva
Coordenador de Estudos e Análise de Mercado
Erle Cavalcante Mesquita
Coordenadora de Produção Estatística
Wládia Magalhães Lima Rocha
Gerente do Atendimento Especializado à Pessoa com Deficiência
Maria de Fátima Almeida de Sousa
Análise e Redação
Erle Cavalcante Mesquita
Apoio Técnico
Rosaliane Macedo Pinto Quezado
Revisão
Regina Helena Moreira Campelo
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