Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Psicologia
Trabalho de Conclusão de Curso
VIVÊNCIA DE RUA E USO DE DROGAS:
UMA ANÁLISE DAS REDES SOCIAIS DE ADOLESCENTES
Autora: Isabella Viana de O. Santos
Orientadora: Dra. Maria Aparecida Penso
1
Brasília - DF
2013
ISABELLA VIANA DE OLIVEIRA SANTOS
VIVÊNCIA DE RUA E USO DE DROGAS:
UMA ANÁLISE DAS REDES SOCIAIS DE ADOLESCENTES
Monografia apresentada ao curso de graduação em
Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do título de Psicólogo.
Orientadora: Dra. Maria Aparecida Penso
BRASÍLIA
2013
2
Monografia de autoria de Isabella Viana de Oliveira Santos, intitulada “VIVÊNCIA
DE RUA E USO DE DROGAS: UMA ANÁLISE DAS REDES SOCIAIS DE
ADOLESCENTES”, apresentada como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 20 de Junho de 2013,
defendida e aprovada pela banca examinadora constituída por:
__________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Penso
Orientadora
Psicologia – UCB
___________________________________________________________
Prof.ª Msc. Shyrlene Nunes Brandão
Psicologia – UCB
Brasília
2013
3
A Deus, que me concedeu vida, dedico este
trabalho como forma de agradecer seu imenso amor,
cuidado e proteção comigo. “Porque grande é o Senhor e
mui digno de louvor” (Sl 96:4).
Também à minha família, pilar da minha vida, ao
meu Pai (Ismael), minha Mãe (Sara) e meu irmão (Sid)
dedico com amor este trabalho que é parte de nossas
conquistas.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, Senhor da minha vida, por ter concedido a capacidade de trilhar
esta
jornada,
pelas
pessoas
que
colocou
neste
trajeto,
pelos
aprendizados,
fortalecimento, crescimento e melhoramento humano. Mesmo inserida em um espaço
científico, não permitiu que eu me perdesse em uma racionalidade da ciência, mas que
cada vez mais me certificasse que Ele é Deus em minha vida.
Agradeço imensamente a minha família, com quem aprendi ensinamentos cruciais,
principalmente o respeito ao ser humano de um modo incondicional. Ao meu pai, que foi
para a Glória de Deus, mas que nos deixou uma ausência presente em cada vivência, em
cada lembrança e em toda a saudade; agradeço por ter me ensinado a paixão pela
música e a questionar tudo em minha volta. À minha mãe, agradeço por ter me ensinado
a sensibilidade necessária para olhar um ser humano, por ser tão presente em minha vida
e pela dedicação incondicional a nossa família. Ao meu irmão, agradeço pelo contínuo
olhar de amor e de carinho e por revelar a cada dia o quanto acredita em mim.
Às minhas amigas que me acompanham nos sabores e dissabores da vida. Em
especial Lívia, Taciana e Nadir. Lívia por, ainda no ensino médio, reconhecer em mim
uma psicóloga em potencial e acompanhar grande parte desta trajetória; Taciana, amiga e
parceira de tantas reflexões e indagações, por aparecer de um modo tão intenso em
minha vida e possibilitar a vivência de aprendizados contínuos, com quem eu consigo ter
diálogos profundos; Nadir, pela amizade e companhia maravilhosa durante a graduação,
por tantos aprendizados mútuos e por ter me dado feedbacks indispensáveis para a
minha futura atuação.
À minha orientadora, Dra. Maria Aparecida Penso, que cordialmente me aceitou
em seu grupo de pesquisa e depois como sua orientanda. No desenvolver deste trabalho,
soube acolher minhas dificuldades, bem como exigir de modo incentivador que eu
oferecesse o meu melhor. Obrigada pelos ensinamentos de uma experiência e
competência profissional extremamente admirável.
À profª Msc Shyrlene Brandão, por em nosso cotidiano acadêmico apresentar-se
sempre muito acessível e com um olhar extremamente respeitoso ao pesquisar o ser
humano. Obrigada por ter aceitou o convite de avaliadora deste trabalho, por
contribuições e reflexões extremamente enriquecedoras.
5
Ao corpo docente do curso de psicologia, em especial às professoras Eveline
Cascardo, Silvia Lordello, Shyrlene Brandão, Sandra Eni, Marília Marques, Maristela
Gusmão, Luciano do Espírito Santo e, também, à professora Suzana Canes; por todos os
ensinamentos acadêmicos e profissionais. Também agradeço à equipe do CEFPA por
tanta dedicação e compreensão, em especial Talita, Rose, Aldenira e Maressa.
Também agradeço a todos os colegas de graduação que diretamente e
indiretamente, muito me ensinaram e ajudaram a construir conhecimentos e experiências
de uma trajetória acadêmica. Em especial Nadir Menezes, Wellen Lima, Alan Pinheiro,
Cláudio Benício, Fabiana Magalhães, Denise Mourão, Ana Márcia, Léo, Max, Mariângela,
Elisete, Cássia Relva, Neimar, Giselle e Mauro.
Agradeço ao trabalho de cuidadora social, que oportunizou conhecer pessoas
muito especiais: Taciana, Karla Ferreira, Loyane, Jefferson, Maria Rachel, Karla Lopo,
Aline Guedes e Luiza. O sofrimento no trabalho nos uniu e, juntos, conseguimos olhar
criticamente a execução das políticas de proteção à criança e ao adolescente, bem como
questionar o lugar estigmatizado de ser cuidador social. Agradeço ao público que atendi e
que me causou angústias suficientes para buscar entender as problemáticas sociais de
um modo mais sistemático; obrigada pelas vivências de prazer e sofrimento contínuo.
Por fim, agradeço à Psicologia, por ter se revelado para mim de modo tão
encantador e, ao mesmo tempo, desafiador e, por ter fortalecido o meu encanto pelas
relações humanas. Na Música, na Sociologia, na Arquitetura, no Direito e na Dança eu
vejo um pouco de mim, foi na Psicologia, porém, que escolhi trilhar o caminho do
compromisso profissional, do compromisso com o ser humano, com as relações humanas
e, de algum modo, a psicologia também me escolheu.
A todos que aqui foram citados e aos que participaram da minha vida e, que sem
dúvida de algum modo me ensinaram e contribuíram para minha formação como pessoa
e psicóloga em potencial, a vocês, apenas posso retribuir com a minha eterna gratidão.
6
LISTA DE SIGLAS
CAJE: Centro de Atendimento Juvenil Especializado
COMPP: Centro de Orientação Médico Psicopedagógica
CRAS: Centro de Referência de Assistência Social
CREAS: Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
CAPSi: Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil
DCA: Delegacia da Criança e do Adolescente
DPCA: Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente
ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente
HRC: Hospital Regional do Coração
HRT: Hospital Regional de Taguatinga
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LA: Liberdade Assistida - Medida Sócioeducativa.
MDS: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPDFT: Ministério Público do Distrito Federal e Território
PNAS: Política Nacional de Assistência Social
SUS: Sistema Único de Saúde
TJDFT: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
UNICEF: Fundação das Nações Unidas para a Infância
UCB: Universidade Católica de Brasília
VIJ: Vara da Infância e Juventude
Transforme: Instituição que atende adolescentes envolvidos com drogas.
Adolescentro: Instituição voltada para a saúde dos adolescentes.
7
VIVÊNCIA DE RUA E USO ABUSIVO DE DROGAS:
UMA ANÁLISE DAS REDES SOCIAIS DE ADOLESCENTES
Isabella Viana de O. Santos
RESUMO:
A presente pesquisa consiste em uma análise das redes sociais de adolescentes
com trajetória institucional, vivência de rua e uso de drogas. O objetivo do trabalho foi
compreender como a composição das redes sociais primárias e secundárias de
adolescentes que estiveram em situação de acolhimento institucional relaciona-se com a
vivência de rua e com o uso de drogas. Os sujeitos participantes foram 6 adolescentes,
entre 15 e 18 anos de idade, acolhidos institucionalmente em instituições públicas e
privadas do Distrito Federal. Na coleta de dados foi utilizado um roteiro de análise
documental para compilação das informações que constavam nos prontuários
institucionais dos adolescentes e um roteiro de entrevista semi-estruturada com uma
profissional de referência de uma participante, com o objetivo de acrescentar informações
sobre a rede social da adolescente. Para análise dos dados foi realizada uma análise
qualitativa do tipo construtivo-interpretativo, para identificação dos Indicadores e
construção das Zonas de Sentido. Os resultados apontaram para a baixa densidade e
amplitude da rede primária; quanto a rede secundária, observou-se baixa densidade, isto
é, pouca conexão entre as instituições, porém um número significativos destas instituições
integraram a rede social dos adolescentes. Os vínculos da rede caracterizaram-se por
laços fragilizados, de conflito e, ou, interrompidos. A partir destes resultados foram
construídas três Zonas de Sentido: A fragilidade da sustentação do adolescente: os
retalhos de uma rede sem costura, refere-se à relação da estrutura da rede social com o
uso de drogas e vivência de rua dos adolescentes; Articulações da rede: a rede furada
que não oferece sustentação e desprotege, refere-se ao modo como a articulação entre a
rede primária e secundária ocasionam o uso de drogas e a vivência de rua; A rede que
aprisiona na vulnerabilidade, a droga e a vivência de rua como rios para a liberdade,
discute-se como a droga e a rua representam pertencimento para os adolescentes com
redes sociais fragilizadas. A compreensão desses aspectos pode contribuir para um
planejamento interventivo com maior possibilidade de mudança da conjuntura social atual,
isto é, da trajetória institucional desses adolescentes, bem como de fortalecimento da
rede social de apoio, e assim, cooperar para a construção e implantação de políticas
públicas efetivas.
Palavras-chave: adolescentes, redes sociais, drogas, vivência de rua, acolhimento
institucional.
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 10
1.1 Objetivo Geral ............................................................................................ 13
1.2 Objetivos Específicos ................................................................................. 14
2. REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................ 14
2.1 História das Políticas para Crianças e Adolescentes no Brasil ................... 14
2.2 Adolescência, Uso de Drogas e Vivência de Rua....................................... 19
2.3 Adolescência e Redes Sociais.................................................................... 22
3. METODOLOGIA........................................................................................... 26
3.1 Participantes ............................................................................................... 27
3.2 Instrumentos ............................................................................................... 27
3.3 Procedimento de Coleta ............................................................................ 28
3.4 Procedimento de Construção das Informações .......................................... 28
4. RESULTADOS ............................................................................................. 29
4.1 Síntese dos Resultados ...............................................................................38
5. DISCUSSÃO ................................................................................................ 39
5.1: A fragilidade da sustentação do adolescente: os retalhos de uma rede
sem costura ..................................................................................................... 39
5.2: Articulações da rede: a rede furada que não oferece sustentação e
desprotege ........................................................................................................ 46
5.3: A rede que aprisiona na vulnerabilidade, a droga e a vivência de rua
como rios para a liberdade .............................................................................. 51
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 54
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 57
8. APÊNDICE .................................................................................................. 61
9
1. INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa integra a rede social de adolescentes em acolhimento
institucional, e que neste trajeto tenham apresentado vivência de rua e uso de drogas. O
interesse pelo tema de pesquisa resulta da vivência profissional no campo da assistência
social e da inserção em pesquisa. As inquietações oriundas da prática de trabalho como
Cuidadora Social em uma unidade pública de acolhimento para crianças e adolescentes,
pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal;
o mergulho na pesquisa sobre acolhimento institucional, intitulada “Crianças e
adolescentes em acolhimento institucional no Distrito Federal: estudo das condições
familiares, institucionais e sociais”, da qual a presente pesquisa é um recorte; bem como
as
indagações,
aprendizados
e
reflexões
da
vida
acadêmica
e
profissional
proporcionaram o que poderia ser chamado de angústia mobilizadora, propulsora e
potencializadora para a realização desta pesquisa.
Este estudo buscou delinear a correlação entre a vivência de rua e o uso de drogas
na composição da rede social de apoio de adolescentes em situação de vulnerabilidade
social. Para isto, foi apresentada uma breve revisão teórica sobre a história das políticas
de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil e fundamentações teóricas acerca
do uso de drogas, da vivência de rua e de redes sociais. O estudo consistiu em pesquisa
qualitativa, em que os resultados obtidos sinalizaram para a fragilidade da rede social de
apoio de adolescente que vivenciaram a institucionalização, o uso de drogas e a vivência
de rua. Neste contexto, pautamos nossas discussões na busca em compreender a
estrutura da rede de apoio de adolescentes em vulnerabilidade, a articulação da rede
social e o significado da droga e da vivência de rua na composição de rede.
A vulnerabilidade social de adolescentes é conseqüência de situações de pobreza
de pessoas e famílias que integram as camadas mais baixas da sociedade brasileira,
como atestam os indicadores socioeconômicos da desigualdade social no Brasil
(GOMES; PEREIRA, 2005; SPINK, 2007). Estima-se que cerca de 16,2 milhões de
brasileiros estejam em situação de extrema pobreza, o equivalente a 8,5% da população.
A linha de extrema pobreza estipula como extremamente pobre as famílias cuja renda per
capita seja de até R$ 70 reais (IBGE, 2011).
10
O relatório da Situação da Adolescência Brasileira aponta que dos 21 milhões de
adolescentes entre 12 e 17 anos, 38% - cerca de 7,9 milhões - vivem em situação de
pobreza. Os casos considerados mais graves estão entre os 3,7 milhões de adolescentes
dessa mesma faixa etária, o correspondente a 17,6%, que vivem na extrema pobreza. Os
dados mostram que o número de adolescentes na faixa mais pobre da população
aumentou. De 2004 a 2009, o número de adolescentes na extrema pobreza passou de
16,3% para 17,6%, em descompasso com a crescente redução da pobreza no país
(UNICEF, 2011).
As situações de vulnerabilidade social e a precariedade socioeconômica de parte
da população adolescente e juvenil no país demandam ações preventivas e interventivas
do Estado, conforme prescrevem as legislações vigentes que versam sobre este público.
Neste contexto, diversas políticas priorizam a adolescência e juventude no Brasil,
destacando-se políticas no campo da saúde, educação e assistências social, isto é, o tripé
das políticas sociais, que se fundamentam na proteção e na garantia de direitos. Estas
políticas são expressas por planos e diretrizes que estabelecem programas de governo.
Destacamos aqui alguns: Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, Estatuto da Criança e do Adolescente, Plano Nacional
de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária, bem como programas como Bolsa Família, Prójovem
Adolescente, Saúde na Escola, Crack, é possível vencer, entre outros (PEREZ;
PASSONE, 2010).
Na perspectiva da proteção integral e da garantia de direitos, a Lei Nº. 12.010, de
03 de agosto de 2009, que reformula o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei
Federal Nº. 8.069 de 1990), dispõe que a medida protetiva de acolhimento institucional
consiste em um recurso previsto para assegurar a integridade daquelas crianças e
adolescentes que estejam em situação de violação de direitos. O acolhimento, que
representa a retirada da criança ou do adolescente do núcleo familiar, deve ter o caráter
excepcional e provisório, conforme prescreve o texto do Estatuto. No entanto, a
provisoriedade dessa medida dificilmente tem sido assegurada, o que reflete em longos
períodos de institucionalização de crianças e adolescentes.
O Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de
Acolhimento realizado entre 2009 e 2010 pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
11
pela Fundação Oswaldo Cruz (ressalta-se que ainda não há publicação oficial dos
resultados finais deste levantamento), constatam em seus resultados parciais que no
Brasil o tempo de acolhimento de criança e adolescentes em unidades institucionais tem
uma variação entre 16,6 meses e 17, 6 anos (MDS, 2010). Sobre estes dados o relatório
da Situação da Adolescência Brasileira ressalta que ainda não existem experiências
sustentáveis de abrigos que consigam desenvolver estratégias eficientes para garantir o
direito à convivência familiar e comunitária ou mesmo para buscar alternativas que
apóiem os adolescentes que crescem nessas instituições a fim de que desenvolvam um
projeto de vida, estabeleçam autonomia e construam redes afetivas (UNICEF, 2011).
De acordo com o Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em
Serviços de Acolhimento, já citado anteriormente, 19,2% de crianças e adolescentes em
acolhimento apresentaram trajetória de rua, anterior ou paralela ao período de
acolhimento institucional (MDS, 2010). Este levantamento aponta ainda que em relação à
situação de vínculo familiar das crianças e adolescentes acolhidos, 23,2% possuíam
família, porém não apresentaram vínculo familiar.
A fragilização, ou rompimento, dos vínculos familiares e sociais são aspectos
sinalizadores da estrutura e do funcionamento da rede social de um indivíduo. No caso de
adolescentes o enfraquecimento desta rede pode sinalizar a situação de vulnerabilidade
social desse segmento populacional. Sobre esta questão, Paugam (1997) ressalta que o
enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais constituem uma dimensão essencial do
processo de desqualificação social.
Sanicola (2008) afirma que a vulnerabilidade, pode ou não representar um risco,
dependendo da relação que se estabelece entre os desafios da necessidade e os
recursos disponíveis para enfrentá-los. A intervenção de rede proposta pela autora
considera o risco da vulnerabilidade como relação de equilíbrio/desequilíbrio entre
desafios e recursos, e também propõe considerar como recursos as redes primárias a que
o sujeito pertence e as redes secundárias, enquanto capital social com o qual pode contar
para enfrentar os desafios da vida.
A partir destas premissas, podemos pensar na relação de equilíbrio e
desequilíbrio entre os desafios sociais enfrentados por adolescentes, e os recursos
ofertados. Nesta pesquisa, o contexto de vulnerabilidade se caracteriza pela situação de
acolhimento, acompanhado da vivência de rua e do uso de drogas. Esta vulnerabilidade
12
sinaliza sobre os desafios e demandas de adolescentes, bem como sobre recursos de
enfrentamento disponibilizados para eles, principalmente pela rede primária e secundária.
A partir desta colocação, pensar a rede social de adolescentes em situação de
acolhimento institucional nos permite refletir sobre a possibilidade de enfraquecimento dos
vínculos sociais durante o período de institucionalização, aspecto que segundo Sluzki
(1997), produz efeitos diretos na identidade, história e condições emocionais de um
sujeito. Ao mesmo tempo, podemos refletir no quanto a trajetória institucional pode
representar novas composições e configurações na rede social desses adolescentes.
Neste contexto, as questões de pesquisa que norteiam este trabalho são: O que
basicamente compõe a rede social de adolescente que vivenciam o acolhimento
institucional? Qual a relação entre a institucionalização, o uso abusivo de drogas e a
vivência de rua na composição da rede desses adolescentes? Como a composição da
rede do adolescente pode reforçar a vivência institucional, a vivência de rua e o uso
abusivo de drogas? Para desenvolver este estudo utilizaremos o aparato teórico da
abordagem sistêmica (PENSO; SUDBRACK; COSTA, 2010) juntamente com a teoria de
redes sociais (SANICOLA; 2008; SLUZKI; 1997), para nortear nossas discussões sobre a
correlação entre a estrutura das redes sociais de adolescentes em acolhimento, a
vivência de rua e o uso de drogas.
Desse modo, descrever e analisar a composição da rede social de adolescentes
em acolhimento institucional e que tenham vivência de rua e situação de uso de drogas
possibilita uma compreensão da relação entre estes fatores. A compreensão desses
aspectos pode contribuir para um planejamento interventivo com uma maior possibilidade
de mudança da conjuntura social atual, da trajetória institucional desses adolescentes, de
fortalecimento da rede social de apoio, e assim, cooperar para a construção e
implantação de políticas públicas sociais efetivas.
1.1 Objetivo Geral
Compreender como a estrutura das redes sociais primárias e secundárias de
adolescentes que estejam em situação de acolhimento institucional relaciona-se com a
vivência de rua e uso de drogas.
13
1.2 Objetivos Específicos
Compreender as características das redes sociais primárias e secundárias dos
adolescentes;
Discutir as interrelações entre vivência de rua, uso de droga, institucionalização e
composição da rede social dos adolescentes;
Conhecer as articulações entre os atores da rede social primária e secundária de
adolescentes acolhidos institucionalmente e que tenham vivência de rua e uso de drogas.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. História das Políticas para Crianças e Adolescentes no Brasil
A história da infância e da adolescência no Brasil é marcada por divergentes
concepções que sinalizam a compreensão social e cultural acerca destas fases do
desenvolvimento humano. Em cada período estas concepções foram, em geral,
delineadas pelos contextos sociopolíticos em que o país se encontrava, ou seja, as ações
realizadas para crianças e adolescentes acompanhavam o cenário político e econômico
da sociedade brasileira.
Faleiros (1995) afirma que no período do Brasil Colônia e Império o cuidado com
as crianças índias pelos padres jesuítas tinha por objetivo batizá-las e incorporá-las ao
trabalho. As práticas divergentes surgiram quando alguns padres não aceitaram os
castigos muito fortes e a matança das crianças e fundaram casas de recolhimento para
meninos e meninas índias, onde ensinavam-lhes os costumes e normas do cristianismo.
Ainda neste período, era cada vez maior o número de filhos chamados ilegítimos,
muitos filhos de senhores com escravas; estes filhos nascidos fora do casamento, com
raras exceções, eram fadados ao abandono. A pobreza também era motivo de abandono.
Em 1726 foram implantadas duas medidas para amenizar o problema do numeroso
14
quantitativo de crianças abandonadas. A primeira se referia a coleta de esmolas nas
comunidades e a segunda consistia na internação de crianças, momento em que surgiu a
“Roda” da “Casa dos Expostos” (FALEIROS, 1995).
Perez e Passone (2010) resumem que a legislação no período imperial gravitou em
torno do recolhimento de crianças órfãs e abandonadas por meio de medidas
assistenciais privadas e de cunho religioso e, no início da república, estabeleceram-se,
gradativamente, as bases para a organização da assistência à infância.
Em 1927 surgiu o primeiro Código de Menores, que constituiu-se na primeira lei
específica direcionada às questões da criança e do adolescente. Previa tanto as questões
de higiene da infância e da delinqüência, quanto estabelecia a vigilância pública sobre a
infância, incorporando legislações anteriores: a política de assistência e proteção aos
menores abandonados e deliquentes, a Escola Correcional, o Juizado de Menores e o
Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e o Abrigo de Menores.
As garantias de direitos previstas no Código não conseguiram competir com a
prioridade estabelecida no sentido de regulamentar a prática de controle de crianças e
adolescentes que estivessem em situação propícia para a delinqüência. Assim, até a
década de 60 a maior preocupação dos juízes estava em organizar instituições
destinadas ao recolhimento de abandonados e delinqüentes, fomentando a criação de
inúmeras instituições com base na caridade, quase sempre de orientação religiosa e, em
poucos casos, contando com orientação profissional. Neste cenário que surgiram a
Funabem e as Febems (MORELLI; SILVESTRE; GOMES, 2000).
Perez e Passone (2010) destacam que o Estado incorporou o debate sobre a
“salvação da criança” e sobre a “regeneração social”, colocando a criança como alvo das
ações públicas, responsabilizando e punindo as famílias em relação aos cuidados à
infância. A prevenção social e a elaboração de uma legislação específica, que permitisse
a tutela do Estado e controle da sociedade, provocaram forte aliança jurídico-médico
assistencial organizada em torno do sistema de proteção ao “menor”.
Em 1979 surgiu o novo Código de Menores, em substituição ao Código de 1927, o
qual previa a exclusão como doutrina da situação irregular, que apresentava um caráter
discriminatório, associando a pobreza à delinquência. Os meninos que pertenciam ao
segmento pobre da população, considerados "carentes, infratores ou abandonados" eram
percebidos como portadores de um comportamento desviante e possuindo certa
15
tendência natural à desordem. No entanto, essas crianças e adolescentes na verdade
eram vítimas da falta de proteção (SOUZA, 2004).
Os novos cenários sociais e políticos no mundo delineavam mudanças na
concepção de infância e de adolescência. Em diversos países já ocorriam debates em
que a criança e o adolescente eram percebidos como sujeitos de direitos. O Brasil sofreu
pressões externas e influências desta tendência e a sociedade civil passou, por meio dos
movimentos sociais, a ser uma das grandes ativistas em defesa dos direitos da criança e
do adolescente.
O marco legal da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi
resultado principalmente das mudanças no cenário mundial, quando em 20 de novembro
de 1989 a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança reconheceu a infância e
a adolescência como fase peculiar de desenvolvimento, com garantia de direitos e de
proteção. No cenário nacional as pressões dos movimentos sociais também cooperaram
para a consolidação das mudanças, foi quando o Governo brasileiro ratificou a referida
Convenção em 24 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, promulgado através da Lei Federal
Nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, demarcou o cenário de novas concepções sobre a
infância e adolescência, prescrevendo sobre os direitos e deveres desta parcela da
população, bem como orientando as políticas de atenção (a ela). Uma das principais
contribuições do Estatuto foi a introdução da perspectiva da proteção integral e o
reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, com direitos
garantidos sobre o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade. Destacando-se também por avanços significativos
ao prever medidas específicas de proteção à criança e ao adolescente e medidas
socioeducativas. Esta lei avança também na questão de reconhecer o papel da família, da
sociedade e do Estado como responsáveis pela garantia dos direitos da criança e
adolescente (BRASIL, 1990).
O Estatuto tornou-se referência para as políticas e atendimentos direcionados à
criança e ao adolescente no Brasil. No entanto, algumas problemáticas sociais,
relacionadas principalmente a adoção, a convivência familiar e ao funcionamento dos
abrigos demandaram reformas no texto original da Lei, contexto em que surgiu a Lei nº
16
12.010, de 03 de agosto de 2009, a chamada "Lei Nacional de Adoção", como
reformulação do Estatuto de 1990 ( BRASIL, 2009).
A partir da promulgação dessa lei, os juízes, além de justificar e fundamentar a
entrada e saída de crianças e adolescentes nas unidades de acolhimento, passaram a ter
um prazo de seis meses para reavaliar a permanência das crianças e adolescentes
nestas unidades. Também houve a fixação do tempo de dois anos como o período
máximo de permanência em programa de acolhimento institucional e familiar, e a
obrigatoriedade de justificativa da autoridade judiciária, quando esse prazo for superado
(BRASIL, 2009; ELAGE; GÓES, 2011).
A Nova Lei de Adoção reforça a necessidade da preservação dos vínculos
familiares e fraternais, procurando-se, evitar o rompimento definitivo dos vínculos.
Também cria e torna obrigatório o Plano Individual de Atendimento (PIA), um
procedimento que resulta em um documento onde deverão constar todas as informações
e o objetivo do atendimento em relação à criança ou adolescente e sua família (BRASIL,
2009; ELAGE; GÓES, 2011).
Em suma, podemos ressaltar que a Lei 2.010, de 03 de agosto de 2009, efetuou
contribuições para o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantir o direito à
convivência familiar e comunitária a todas as crianças e adolescentes, priorizando a
orientação, apoio e promoção social da família natural, isto é, da família de origem; bem
como destacando a excepcionalidade e provisoriedade da medida protetiva de
acolhimento institucional (BRASIL,2009). Além disso, a referida lei apresenta diretrizes e
papéis sobre o funcionamento das instituições de acolhimento (ELAGE; GÓES, 2011).
Destaca-se que uma nova alteração na versão do Estatuto da Criança e do
Adolescente ocorreu por meio da promulgação da Lei Nº 12.696, de 25 de julho 2012, em
que efetua alterações nos artigos 132, 134, 135 e 139 da Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre os Conselhos Tutelares;
modificando o processo de escolha de conselheiros tutelares e garantindo direitos
trabalhistas básicos a esses profissionais. De acordo com a referida lei os processos de
escolha para a seleção dos membros do Conselho Tutelar deverão ocorrer na mesma
data em todo o País. O tempo de mandato, que atualmente é de três anos, passará para
quatro. Os escolhidos contarão com férias anuais remuneradas com adicional de 1/3,
17
licença-maternidade, licença-paternidade, 13º salário e cobertura previdenciária (BRASIL,
2012).
A partir da promulgação do ECA, da compreensão da incompletude dos serviços e
da necessidade de favorecimento da integração das crianças e dos adolescentes em suas
famílias e comunidades, mudanças significativas começaram a acontecer, configurando o
início do processo de reordenamento dos abrigos, com o desmonte das grandes
instituições para dar lugar a pequenas casas, de caráter residencial, para pequenos
grupos de crianças e adolescentes, assim como o estímulo da rede de serviços fora da
unidade de acolhimento (BRASIL,2009; ELAGE; GÓES, 2011).
Neste contexto, outros marcos legais vieram como reforço e aperfeiçoamento dos
princípios preconizados no Estatuto. Em 18 de junho de 2009, foi aprovado o documento
“Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, com a
finalidade de regulamentar, no território nacional, a organização e oferta de Serviços de
Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Este documento especifica parâmetros e
orientações de funcionamento e indica procedimentos técnicos fundamentais para a
profissionalização desse serviço. Enfatiza o atendimento individualizado e em pequenos
grupos, e apresenta caminhos para o desenvolvimento e incorporação de metodologias
para o trabalho com crianças, adolescentes e suas famílias (BRASIL, 2009; ELAGE;
GÓES, 2011).
De acordo com as Orientações Técnicas (2009), os serviços de acolhimento devem
ter interface com outros serviços da rede socioassistêncial, e também com os demais
órgãos do Sistema de Garantia de Direitos. Sua atuação deve basear-se no princípio da
incompletude institucional, não ofertando em seu interior atividades que sejam da
competência de outros serviços. A proteção integral a que têm direito as crianças e os
adolescentes acolhidos deve ser viabilizada por meio da utilização de equipamentos
comunitários e da rede de serviços local.
Tais orientações, estão de acordo com estudos sobre o desenvolvimento
psicossocial de crianças e adolescentes. Cuneo (2003), afirma que a institucionalização
prolongada impede a ocorrência de condições favoráveis ao bom desenvolvimento da
criança e do adolescente. A falta da vida em família dificulta a atenção individualizada, o
que constitui obstáculo ao pleno desenvolvimento das potencialidades biopsicossociais.
Para o autor, a submissão a rotinas rígidas e o convívio restrito às mesmas pessoas
18
comprometem o sadio desenvolvimento, além de limitar as possibilidades e oportunidades
da criança e do adolescente de desenvolverem relações sociais amplas e diversificadas.
Quanto ao panorama geral da história das políticas para crianças e adolescentes
no Brasil, em síntese podemos considerar que o cenário sociopolítico modelou as práticas
de atenção a crianças e adolescentes. As políticas de atenção a esta parcela da
sociedade, principalmente entre as décadas de 30 e 70, estavam pautadas nas
orientações religiosas e de caridade, em que as crianças eram percebidas como
ameaçadoras do bem-estar social, possuindo certa tendência natural à desordem. Ainda
neste cenário, a pobreza simbolizava a ameaça à ordem social, respaldando práticas
segregativas, higienistas e assistencialistas.
As mudanças no cenário mundial, principalmente a partir da Ratificação da
Convenção dos direitos da criança, foram fundamentais para o surgimento de uma nova
concepção política acerca da infância e adolescência na sociedade brasileira e
prepararam o terreno para uma das maiores conquistas democráticas do país, o Estatuto
da Criança e do adolescente, que demarca mudanças nas políticas voltadas para a
infância e adolescência no Brasil, apresentando a perspectiva da proteção integral,
reconhecendo-os como sujeitos de direitos. Além disso, a referida lei servira de base para
todas as posteriores políticas e práticas voltadas para crianças e adolescentes em
território nacional, inclusive para a políticas e diretrizes atuais.
2.2. Adolescência, uso de drogas e vivência de rua
Silva e Dias (2010) destacam o uso de drogas como um fenômeno bastante antigo
na história da humanidade, constituindo um grave problema de saúde pública na
sociedade atual. As referidas autoras ressaltam que os adolescentes e os adultos jovens
destacam-se como a população mais envolvida no consumo de drogas, pois enfrentam,
nessa fase do desenvolvimento humano, modificações físicas, comportamentais e
emocionais. As autoras destacam ainda que em virtude destas alterações, bem como das
mudanças no relacionamento intergrupal e da influência do meio externo, o adolescente
se encontra vulnerável ao uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas. O Estatuto da Criança e
19
do Adolescente (1990) definiu como adolescente a pessoa que se encontra na faixa etária
entre 12 e 18 anos de idade (BRASIL, 1990).
Penso (2003) ressalta que no período da adolescência, são frequentes as crises
identitárias e a busca por um processo emancipatório, configurando-se também como
fase favorável ao uso de drogas. Sobre o uso de drogas, Esper (2008) afirma que o uso
de substâncias psicoativas pode propiciar a vivência de diferentes emoções, colocar o
adolescente contra o controle parental, dando-lhe a ideia de autonomia e controle sobre
sua própria vida, facilitando a entrada e aceitação por determinado grupo de pares.
O uso de drogas, na perspectiva sistêmica, é compreendido com um sintoma de
toda a família, sendo entendido como uma maneira da família lidar com seus próprios
conflitos. Sudbrack (2010) afirma que a adolescência é um dos momentos propícios para
que o uso de drogas surja como um sintoma que denuncia as dificuldades familiares em
atravessar essa etapa do ciclo de vida familiar, pois esse momento implica crescimento e
individuação, movimentos essenciais na busca do jovem pela sua autonomia e
independência.
Arpini e Quintana (2010) apontam o enfraquecimento dos vínculos familiares como
um fator importante da dinâmica familiar de adolescentes que se encontram nas ruas, ao
afirmarem que a relação de fragilidade que os conflitos familiares produzem, dificultam a
permanência no ambiente familiar. As referidas autoras afirmam que nas famílias pobres,
os filhos são precocemente imbuídos de participar do orçamento familiar, e a sua saída de
casa está marcada pela tentativa de obter ganhos e cobrir despesas que a família já não
pode manter. Referem ainda o fato de serem famílias com conflitos graves que, muitas
vezes, determinam a saída dos filhos de casa (ARPINI; QUINTANA, 2010).
Schwonke e Fonseca (2009) afirmam que as exigências impostas pela família
acerca da necessidade de “trazer dinheiro para casa”, aliadas ao desinteresse pela escola
- pois o sistema escolar geralmente desconsidera o universo do adolescente que está na
rua, acabam comprometendo o seu futuro na medida em que não lhes é proporcionada
qualificação profissional. De modo que a rua, muitas vezes, oferece mais oportunidades
que a escola, o que gera indivíduos com limitadas possibilidades de escolhas, pouca
informação e, consequentemente, mais vulneráveis.
Arpini e Quintana (2010) ressaltam que situações familiares têm sido geradoras de
problemas na infância e adolescência e que, de forma geral tais sofrimentos estariam
20
perpetuando situações de vulnerabilidade e violência. Sobre esse aspecto, é importante
não culpabilizar estas famílias, mas pelo contrário, deve-se compreender que a
vulnerabilidade social de um adolescente pode denunciar a vulnerabilidade social de toda
a família. Sobre esta ressalva, Fraga (2002), afirma que essas famílias já se encontram
profundamente afetadas pelas contradições e injustiças sociais. Portanto, são famílias
que também não têm ou não tiveram reconhecimento e que, podem ter tido dificuldades
em se colocar como referência estrutural para seus filhos, não por que não o desejassem,
mas porque também não lhes foi possibilitado (MOTA, 2012; ARPINI; QUINTANA, 2010).
Em uma reflexão acerca destas relações familiares, Mota (2012) afirma que a
fragilidade dos cuidados parentais faz com que haja uma ausência de referências
familiares, especialmente da figura paterna, dificultando a confiança nas orientações e
práticas que poderiam dar segurança e permitir um processo saudável de construção
identitária. Além da fragilidade dos papeis parentais existem as condições sociais que
levam estas famílias a disporem de seus filhos. Nesta situação, crianças e adolescentes
que ainda necessitam de cuidados são expostos a fatores de risco que podem levá-los ao
uso de drogas e à vivência de situação de rua.
No que se refere aos meninos e meninas em situação de rua, Koller (2004) destaca
que crianças e adolescentes caracterizados como em “situação de rua”, englobam
diversas vivências em relação à rua com intensidade, tempo e relações familiares
diferentes. A autora descreve as seguintes categorias: aqueles que passam o dia na rua;
que vivem e moram nas ruas; e que tem a rua como espaço de sobrevivência, de
trabalho, de vínculos sociais e afetivos, de construção identitárias, o que resulta na
conhecida discussão sobre menino “de” rua e menino “na” rua.
Schwonke e Fonseca (2009) afirmam que experimentar a crise do adolescer no
ambiente de rua pode fomentar e perpetuar condutas marginalizadas e o uso/abuso de
drogas, como forma de alívio às tensões impostas pelo meio social e pela própria fase de
desenvolvimento. Segundo os autores, é significativo o número de adolescentes que
experimentam a crises desse período de desenvolvimento no ambiente de rua.
Para confirmar a complexa reflexão proposta pelo tema, podemos destacar a
seguinte citação:
“as experiências destes jovens que em suas repetidas visitas às ruas, somadas à situação
caótica da família, relacionados às atitudes de desistência dos pais, possibilita a legitimação
de uma nova realidade, tornando a situação de rua, um acontecimento possível e com ele
21
suas consequências na vida destes sujeitos. São ocorrências pessoais na história de vida
de cada jovem capazes de se transformarem em questões íntimas, internalizando vivências
que vão constituindo sua identidade e sendo expressas nas suas próprias histórias,
podendo provocar uma desilusão frente ao seu projeto de vida (MOTA, 2012)”.
Buscou-se delinear neste item a correlação entre vivência de rua e uso de drogas
entre adolescentes. Em síntese, o uso de drogas acompanha a história da humanidade,
configurando-se um problema de saúde pública em nosso país. Neste contexto, o
adolescente não se apresenta apenas como vulnerável ao uso de drogas, mas
juntamente com a população juvenil, destacam-se como a segmento populacional mais
envolvido no consumo de drogas no Brasil.
A vulnerabilidade dos adolescentes pode ser agravada pelo enfraquecimento dos
vínculos familiares, conflitos familiares e crises do adolescer. A fragilização dos vínculos,
juntamente com a falta de recursos e situações de pobreza, em que os filhos precisam
contribuir com a renda familiar, aparece também como fatores potencializadores dos
primeiros envolvimentos dos adolescentes com a rua, que gradualmente são prolongados
no tempo e acompanhados do uso de drogas. Do mesmo modo, o uso de drogas,
entendido como um sintoma da família, pode desajustar ainda mais o sistema familiar,
resultando em conflito e enfraquecimento dos vínculos sociais e familiares. Estes
aspectos propiciam a vulnerabilidade de adolescentes ao uso de drogas e vivência de rua,
e potencializam a fragilização das redes sociais.
2.3. Adolescência e Redes Sociais
Em cada fase do desenvolvimento humano as relações sociais representam a
composição da rede social de apoio ao indivíduo. A socialização e o pertencimento a
grupos são inerentes ao ser humano. Quando ainda criança a família consiste no primeiro
grupo de pertencimento. No entanto, com o passar dos anos os espaços de socialização
se ampliam para a vizinhança, escola, igreja etc (SUDBRACK, 2008).
Sudbrack (2008) afirma que na adolescência estes espaços e grupos de
pertencimento e socialização podem ganhar novas significações e amplitudes, tornandose sinalizadores de pertencimentos e de identidades. Neste sentido, o conceito de rede
social implica um processo de construção individual e coletivo permanente (SUDBRACK,
2008). A referida autora ressalta ainda que a compreensão do adolescente à luz do
22
contexto de suas relações amplia nosso estudo em direção às redes sociais (família,
amigos, escola, trabalho, comunidade), ou seja, às relações interpessoais que ele
percebe como significativas ou que de alguma forma fazem parte de sua vida.
Sluzki (1997) defende que é pela rede que o indivíduo constrói seu universo
relacional, reconhecendo-se como cidadão e construindo sua auto-imagem. O referido
autor afirma que os vínculos fazem parte da nossa identidade em contexto. Deste modo, a
perda ou enfraquecimento desses vínculos produzem um “vazio de identidade, de história,
de continuidade, de nutrição emocional, de feedback social, de cuidados de saúde, de
validação, de responsabilidade pelo outro...” (SLUZKI, 1997, p. 26).
A partir dessas colocações torna-se necessário introduzirmos o conceito de rede
social em nossas reflexões teóricas. O conceito proposto por Sluzki (1997) destaca:
“rede consiste nas relações interpessoais que o indivíduo percebe como
significativas em sua vida sejam na família, na escola, entre amigos, no trabalho,
na comunidade, ou quaisquer outros contextos. Dessa forma, a rede é o conjunto
de pessoas com quem o sujeito interage de maneira regular e que compõe sua
rede social pessoal, ou seja, é a soma de todas as relações que o sujeito percebe
como representativas ou define como diferenciadas da massa anônima da
sociedade “ (SLUZKI, 1997).
Portanto, a rede corresponde ao nicho pessoal da pessoa e contribui
substancialmente para seu próprio reconhecimento como indivíduo e para a sua autoimagem, constituindo uma das chaves centrais da experiência individual de identidade e
bem-estar (SLUZKI, 1997).
Numa reflexão semelhante, Sanicola (2008) ressalta que as redes sociais
constituem a trama de relações que cada indivíduo estabelece em função das próprias
exigências materiais e afetivas e do próprio projeto de vida. Essas redes sociais
contribuem para o desenvolvimento do sentido de pertencimento da pessoa e são fontes
de identidade pessoal e social. Segundo a autora, a exploração das redes sociais consiste
em sair do próprio ambiente para introduzir-se num ambiente comunitário desconhecido e
buscar conhecê-lo. É preciso também ter a capacidade de representá-lo e descrevê-lo,
levando em consideração alguns aspectos específicos e indicadores precisos. Ressalta
ainda que esse ambiente se identifica com o espaço social intermediário entre o micro e o
macro a que denominamos redes sociais primárias e secundárias.
As redes sociais primárias se constituem por força da história dos sujeitos agentes,
não podem ser criadas, produzidas, mas apenas geradas no tempo, reconhecidas,
promovidas e orientadas. Organizam-se com base no princípio da responsabilidade com o
23
outro e desenvolvem relações caracterizadas pela lealdade (SANICOLA, 2008). Para esta
autora a família constitui o nó central das redes primárias e, em nossa cultura, geralmente
representa para a pessoa um recurso precioso, tanto em termo de educação e
afetividade, quanto em termos concretos no cotidiano, ou seja, a família constitui a
primeira experiência relacional da pessoa, que de certa forma orientará as relações
seguintes.
Sanicola (2008) efetua uma classificação operacional das redes secundárias,
afirmando que elas podem ser informais e formais. Estas últimas são constituídas por três
tipos de redes que podemos encontrar: as redes secundárias institucionais, as redes de
terceiro setor, e as de mercado.
As redes sociais secundárias formais (instituições, organizações) são constituídas
pelo conjunto das instituições estatais que formam o sistema de bem-estar social da
população. Organizam-se sob a base do princípio da igualdade. Caracterizam-se pela
troca fundada no direito, antes de tudo pela cidadania. As relações são demarcadas pela
exigibilidade, pelo serviço. Essas redes fazem parte do sistema normativo e, em geral,
constituem uma obrigação para a realidade social. As redes do terceiro setor são aquelas
que se constituem em organizações sem fins lucrativos. São as cooperativas sociais, as
associações de voluntários e de promoção social e as fundações. Por último, as redes de
mercado são aquelas que pertencem à esfera econômica, baseiam-se no princípio da
equivalência e utilizam, como método, o mercado, e, como meio, o dinheiro: são as
empresas, os estabelecimentos comerciais, as atividades dos profissionais liberais, etc
(SANICOLA, 2008).
As redes sociais, tanto primárias quanto secundárias, são caracterizadas por três
dimensões: estrutura, amplitude e densidade. A estrutura consiste no conjunto de laços
perceptíveis que se estabelecem entre pessoas e entre redes. Esses laços, quando
acionados, dão origem a conexões que formam às redes. As redes são constituídas por
laços, conexões, malhas e trocas que têm como ponto de confluência os nós de rede.
Sobre amplitude a autora afirma ser a quantidade de pessoas que compõe a rede do
sujeito. Densidade consiste nas conexões estabelecidas entre os integrantes da rede,
sinalizando a quantidade de pessoas que se conhecem e se comunicam (SANICOLA,
2008).
24
Sanicola (2008) e Sluzki (1997) assemelham-se quando afirmam que as fronteiras
do sistema significativo do indivíduo não se limitam à família nuclear ou extensa, mas
incluem todo o conjunto de vínculos interpessoais do sujeito: família, amigos, relações de
trabalho, de estudo, de inserção comunitária e de práticas sociais. Desse modo, ambos os
autores trabalham na perspectivas das instituições como componentes elementares da
rede social de um indivíduo.
Sobre a correlação entre rede social e adolescência, Pereira (2009) ressalta que
para se compreender a identidade do adolescente é preciso compreender as relações
construídas no contexto em que vive. É uma construção relacional e dinâmica,
envolvendo o adolescente, a família e o meio social. Destaca também que o adolescente
é um agente de mudanças que precisa, além de ser capaz de identificar seus sentimentos
e expressá-los, reconhecer as necessidades emocionais dos outros membros de seu
sistema sócio-familiar, para compor sua rede efetiva. É através dessa rede que ele cria o
seu universo relacional, reconhecendo-se como cidadão e construindo sua auto-imagem.
A autora destaca ainda que o potencial criativo do adolescente oferece-lhe a
liberdade para explorar, para ser o que é, para buscar sua autonomia, pôr à prova suas
capacidades, fazer escolhas, cometer erros, etc. Se impedido de explorá-lo, ele perde o
acesso ao reconhecimento da alteridade e sente deteriorar a qualidade dos vínculos, já
que o seu processo criativo só existe na relação com o outro (PEREIRA, 2009). Podemos
estender esta compreensão também para a relação do adolescente com sua própria rede
social e a importância desta para o potencial criativo e emancipatório do sujeito.
Quando existe uma rede social efetiva, firme, sensível e confiável, ela protege a
saúde do adolescente, tanto quanto a saúde dele é capaz de mantê-la em sua
efetividade. No entanto, quando o contexto relacional do adolescente não contribui para a
formação de identidade, desenvolvimento, crescimento, novas experiências e condutas e
busca de autonomia de forma saudável, ele pode passar a se comunicar por sintomas,
por exemplo, o envolvimento com drogas (PEREIRA, 2009).
À medida que se propõe um trabalho de dimensão sociofamiliar, a prática de redes
sociais torna-se importante e necessária, principalmente, onde já se encontram
enfraquecidas, como é o caso das de adolescentes em contexto de pobreza e exclusão
social. A prática de redes sociais leva o sujeito a se redescobrir na relação com o outro,
na construção e reconstrução de sua rede (PEREIRA; SUDBRACK, 2003).
25
Sintetiza-se esta etapa final da revisão teórica, destacando o quanto o ser humano
é relacional e o quanto os espaços de socialização são fundamentais para o processo de
construção de identidade, pertencimento e individuação. Desde o nascimento o indivíduo
é integrado a um grupo, em cada fase do desenvolvimento humano estes grupos são
remodelados; seja na infância, adolescência ou idade adulta, o grupo oportuniza
interações significativas e relações que representam a composição do que chamamos de
"rede social". As redes sociais constituem as relações significativas que um indivíduo
estabelece com pessoas e, iniciam-se com as relações familiares, que configuram a trama
inicial da rede primária. A rede social também é composta pela rede secundária,
representada pelas instituições, caracterizada pela necessidade e prestação de serviço.
Pensar a rede social de adolescentes em acolhimento institucional, com trajetória
de rua e uso de drogas, representa refletir no quanto a fragilidade da rede social de apoio
propicia e acentua as condições de vulnerabilidade social. A rede social primária, nas
situações de vulnerabilidade, dificilmente consegue desempenhar o papel de apoio, de
modo que a rede secundária acumula a função de apoio dos adolescentes e de
fortalecimento de sua rede primária. O desafio surge quando estas duas redes, primária e
secundária,
precisam
estabelecer
conexões
significativas
e
desenvolver
concomitantemente os papéis de apoio, proteção e contenção para o adolescente em
situação de vulnerabilidade social.
3. METODOLOGIA
A presente pesquisa utiliza o método de pesquisa qualitativa, que segundo
González Rey (2005), é um processo de produção permanente de conhecimento e os
resultados são momentos parciais que se integram com novas perguntas. Isto significa
que cada resultado está imerso dentro de um campo infinito de relações e processos que
o afetam e se tornam eixos da pesquisa. Portanto, a pesquisa qualitativa caracteriza-se
pela construção de um modelo teórico como via de significação da informação produzida,
a qual não está fragmentada em resultados parciais associados aos instrumentos usados,
mas está integrada em um sistema cuja inteligibilidade é produzida pelo pesquisador.
26
3.1 Participantes
Os sujeitos consistiram em seis adolescentes, entre 15 e 18 anos de idade
acolhidos em instituições públicas e privadas do Distrito Federal.
A seleção dos sujeitos foi realizada a partir de 66 participantes da pesquisa
intitulada “Crianças e adolescentes em acolhimento institucional no Distrito Federal:
estudo das condições familiares, institucionais e sociais”, coordenada pela Profª Drª
Maria Aparecida Penso, financiada pelo CNPq, com avaliação e aprovação do Comitê de
Ética da Universidade Católica de Brasília e da Universidade de Brasília, sob o número
056/2010 (PENSO, 2010). A partir dos 66 sujeitos, foram selecionados adolescentes que
nos prontuários das unidades de acolhimento apresentaram registros de uso de drogas e
vivência de rua. Esta filtragem resultou em uma amostra de 18 participantes, levando-se
em consideração os critérios da faixa etária, registro de uso de drogas e vivência de rua.
A escolha final dos sujeitos resultou na seleção de 6 adolescentes, 3 do sexo feminino e 3
do sexo masculino, por amostra de conveniência, ou seja, aqueles que tinham mais
informações nos instrumentos de análise documental.
3.2 Instrumentos
Na coleta de dados foi utilizado um roteiro de análise documental (ANEXO I), para
a compilação dos dados constantes nos prontuários existentes nas instituições de
acolhimento durante o período de institucionalização dos adolescentes. Também foi
utilizado, somente no caso da participante 1, Diana, um roteiro de entrevista semiestruturada (ANEXO II) com a técnica de referência da instituição de acolhimento dela.
Para a elaboração dos mapas e análise, utilizou-se da organização e classificação
proposta por Sanicola (2008). A autora ressalta que o Mapa de Rede permite representar
as redes sociais graficamente, mediante um desenho que possibilita identificar os
diversos tipos de redes presentes e os laços que se estabelecem entre elas e seus
membros. O Mapa tem o sentido de um retrato com o qual desejamos captar os traços
essenciais da identidade corporal e relacional da rede, sem chegar a detalhes excessivos,
já que a questão significativa é o conjunto, o olhar para o todo que esse instrumento
permite lançar sobre as redes, para que possamos reconhecê-las como elas são.
27
3.3 Procedimento de Coleta:
Conforme apresentado anteriormente, o presente estudo é um recorte da pesquisa
“Crianças e adolescentes em acolhimento institucional no Distrito Federal: estudo das
condições familiares, institucionais e sociais (2010), doravante nomeada de pesquisa
mais ampla, onde foram obtidas informações sobre situações de reacolhimento
institucional em 163 pastas judiciais da Promotoria da Infância e Juventude do Distrito
Federal.
De posse desta lista foram identificadas as instituições onde as crianças e
adolescentes estavam acolhidos e foram coletados os dados dos prontuários de 66
crianças e adolescentes nas respectivas instituições. As informações coletadas dos
prontuários de cada sujeito foram transcritas nos instrumentos de análise documental da
pesquisa mais ampla e construído o mapa de rede de cada um dos 66 sujeitos. Destes,
foram identificados 18 com registros de uso de drogas e de vivência de rua; entre os quais
foram escolhidos 6, obedecendo o critério de maior número de informações disponíveis.
Ressalta-se que somente no caso da participante 1, Diana, após a elaboração do
mapa de rede foi realizada a entrevista técnica com a profissional de referência; a
entrevista resultou em acréscimos na configuração do mapa de rede da participante.
Sobre o procedimento de coleta de dados, destaca-se o limite de pesquisa, pelo
fato dos dados terem sido coletados apenas nos prontuários das unidades de
acolhimento, pois se fossem realizadas entrevistas com os participantes e, ou, coletados
dados nos prontuários das famílias referenciadas pelos CREAS, possivelmente seriam
obtidos diferentes resultados na estrutura de rede dos adolescentes.
3.4 Procedimento de Construção das Informações
As informações foram analisadas a partir da Epistemologia Qualitativa de Gonzalez
Rey (2005). A partir dos mapas de rede e dos instrumentos de análise documental as
informações foram organizadas em três tabelas de análise: a primeira tabela foi sobre a
estrutura da rede social, em que seis colunas foram preenchidas com informações de
cada participante sobre a densidade, amplitude e laços de suas redes primárias e
secundárias; a segunda tabela correspondeu ao preenchimento das seis colunas com
28
informações sobre o uso de drogas e a vivência de rua dos adolescentes, em que foi
realizada uma análise horizontal das informações; por fim, a terceira tabela também
obedeceu ao preenchimento de informações em seis colunas correspondentes aos seis
participantes, em que foram preenchidas informações sobre as interligações entre a rede
primária, entre a rede secundária e, interligações entre as duas redes (primária e
secundária). Esta organização permitiu que fossem obtidos eixos de análise, horizontal e
vertical, que possibilitaram o levantamento dos Indicadores e, a posterior construção de
três Zonas de Sentido: 1. A fragilidade da sustentação do adolescente: os retalhos de
uma rede sem costura; 2. Articulações da rede: a rede furada que não oferece
sustentação e desprotege; 3.A rede que aprisiona na vulnerabilidade, a droga e a vivência
de rua como rios para a liberdade.
Gonzalez Rey (2005) afirma que Indicadores são aqueles elementos que
adquirem significado graças à interpretação do pesquisador, isto é, que seu significado
não é acessível, de forma direta à experiência, nem aparece em sistemas de correlação,
o indicador somente se constrói sobre a base de informações implícita e indireta. O
referido autor defende que as Zonas de Sentido são construções em um processo
construtivo-interpretativo do pesquisador, no seu contato com o sujeito pesquisado e com
o material por ele produzido, através de uma sistematização. As Zonas de Sentido são
definidas pelo autor como aqueles espaços de inteligibilidade que se produzem na
pesquisa científica e não esgotam a questão que significam, senão que pelo contrário,
abrem a possibilidade de seguir aprofundando um campo de construção teórica.
4. RESULTADOS
A seguir apresentamos os mapas, as respectivas apresentações e transcrições de
cada um dos 6 sujeitos.
Participante 1 – Diana
Diana nasceu em 1994. No momento da análise documental (2011), estava com 17
anos e acolhida na instituição. Foi institucionalizada pela primeira vez em 1996, com 2
anos de idade; teve inúmeras transferências entre instituições de acolhimento. Estudou
até a 3ª série e estava grávida pela segunda vez. Diana possui 11 irmãos e não teve
29
convivência com eles, possui um irmão que também foi acolhido em uma instituição e
estava
em
medida
sócio-educativa.
A
adolescente
apresenta
dificuldade
no
relacionamento com a genitora e não tem contato com o genitor.
A estrutura da rede primária de Diana resume-se à família nuclear, isto é, presença
da mãe, pai e dois irmãos. A avó materna aparece como única representante da família
extensa. Consta também a presença de duas profissionais que integram a rede primária
da adolescente, uma da Vara da Infância e Juventude e outra da Unidade de
Acolhimento. Ainda sobre a estrutura da rede primária observa-se pouca amplitude e
baixa densidade. Os vínculos e relações da adolescente Diana com os genitores
caracterizaram-se por laços de conflito, fracos e interrompidos. O vínculo forte apareceu
apenas com as profissionais citadas anteriormente. Tem-se ainda pouca interligação entre
os integrantes da rede primária, exceto entre o genitor e genitora, em que o vínculo
caracterizou-se como fragilizado.
Quanto à estrutura da rede secundária aponta-se a prevalência da rede secundária
formal, com destaque para as instituições de serviço social (Unidades Acolhedoras e
CRAS/CREAS), instituições de saúde (Adolescentro e COMPP), instituições judiciárias
(MPDFT e VIJ), Conselho Tutelar e uma instituição de educação. A rede secundária do
Terceiro Setor é representada apenas pela presença de uma clínica escola de psicologia.
Observa-se também a ausência de instituições da rede secundária informal e de mercado.
30
Sobre as relações entre as instituições os resultados indicam pouca interligação. As
relações da adolescente com as instituições apresentaram escassas interligações, com
presença de vínculo fragilizado com a instituição de acolhimento e educação.
Quanto à correlação entre rede primária e secundária, pode-se observar que a
rede secundária apresentou maior amplitude do que a rede primária, isto é, observou-se
um quantitativo maior de instituições do que de pessoas, porém, as duas redes
apresentaram baixa densidade. Por fim, os resultados apontam não ter tido ligação, ou
vinculação, dos membros da rede primária com a rede secundária e vice-versa, a
adolescente apareceu como única interligação entre estas redes.
Participante 2 – Deise
Deise nasceu em 1993. No momento da análise documental (2011), estava com 18
anos. Seu primeiro acolhimento foi em 2009, com 16 anos, juntamente com sua irmã (C.)
por violência física perpetrada pelo genitor. Consta que Deise não possui um bom
relacionamento com a irmã, foi transferida de instituição por duas vezes e ficou separada
da irmã por um período. Durante o acolhimento ela teve uma filha (S.). Cursou até o 1ª
ano do ensino médio, realizou estágios pelo programa Jovem Aprendiz. Não possui
contato com a genitora e tem relação de conflito com o pai.
31
A estrutura da rede primária de Deise resume-se aos genitores, filha, namorado,
irmã, irmão e duas madrinhas. Não apareceram neste mapeamento pessoas que
pudessem representar a família extensa. Não se teve acesso a informações sobre os
irmãos, sabe-se apenas que a irmã (C.) da adolescente foi acolhida na mesma instituição
que ela. Sobre esta estrutura observa-se pouca amplitude e baixa densidade na rede
primária e, considerável amplitude da rede secundária, porém com baixa densidade. Os
vínculos da adolescente restringiram-se a laços de conflito, interrompido e fragilizados
com o pai, e laço normal apenas com o namorado e com a filha. Tem-se ainda pouca
interligação entre os integrantes da rede primária.
Quanto à estrutura da rede secundária aponta-se a prevalência da rede secundária
formal, com destaque para as instituições de serviço social (Unidades Acolhedoras),
instituição de saúde (Adolescentro), instituições judiciárias (MPDFT e VIJ), Conselho
Tutelar e instituições de educação. Observa-se a ausência de instituições da rede
secundária do Terceiro Setor, da rede secundária informal e de mercado. Sobre as
relações entre as instituições os resultados indicam pouca interligação, em que algumas
relações apareceram como laços normais e ligações de solicitação, predominando
interligações com a instituição acolhedora. As relações de Deise com as instituições
apresentaram interligações fragilizadas com a instituição acolhedora e com a escola, e
laço normal com a saúde, representada pelo Adolescentro.
Quanto à correlação entre rede primária e secundária, pode-se observar que no
mapa da adolescente a rede secundária apresentou maior amplitude e densidade do que
a rede primária, isto é, observou-se um quantitativo maior de instituições e relações entre
elas, do que entre pessoas da rede de apoio. Por fim, os resultados apontam ter tido
pouca ligação, ou vinculação, dos membros da rede secundária com a rede primária e
vice-versa, a adolescente apareceu como única interligação entre estas redes.
Participante 3 – Laura
Laura nasceu em 1993. No momento da análise documental (2012), estava com 18
anos. Seu primeiro acolhimento, segundo os registros, foi em 2001, com 8 anos,
juntamente com dois irmãos. Teve inúmeras readmissões na mesma instituição de
acolhimento. Estudou até a 7ª série no ensino regular e posteriormente foi matriculada na
Educação de Jovens e Adultos. A adolescente cumpre medida sócio-educativa (LA),
32
fugiu de casa por sofrer maus tratos da genitora e do padrasto; seu pai está preso e faz
uso de drogas. Laura possui sete irmãos e quatro deles foram encaminhados para
adoção.
A estrutura da rede primária de Laura apresenta distribuição equitativa entre família
nuclear e família ampliada, com presença de genitores, padrasto, namorado, amigo, tias e
tios. Sobre a estrutura desta rede observa-se considerável amplitude, porém, baixa
densidade tanto na rede primária quanto na rede secundária. Os vínculos de Laura
caracterizaram-se por laços fragilizados com a genitora, laço de conflito com o padrasto, e
laço normal apenas com o namorado e o amigo. Tem-se pouca interligação entre os
integrantes da rede primária.
No que se refere à estrutura da rede secundária observa-se presença apenas da
rede secundária formal, com destaque para as instituições de serviço social (Unidades
Acolhedoras e CRAS/CREAS/COSE), instituição de saúde (HRT), instituições judiciárias
(VIJ e DPC), Conselho Tutelar e instituições de educação. Sobre as relações entre as
instituições observam-se laços normais predominante entre a instituição acolhedora, a
Vara da Infância e o Conselho Tutelar. As relações da adolescente com as instituições,
quando apareceram, caracterizaram-se como laços fragilizados ou de conflito.
Quanto à correlação entre rede primária e secundária, pode-se observar que a
rede secundária apresenta amplitude e densidade semelhantes à rede primária. Por fim,
observa-se não ter tido vinculação dos membros da rede secundária com os integrantes
da rede primária, a adolescente ficou como única interligação entre as duas redes. Não se
33
constatou nenhuma interligação ou laço das instituições com a irmã de Laura, que
também estava em acolhimento institucional.
Participante 4 – Fábio
Fábio nasceu em 1995. No momento da análise documental (2012), estava com 17
anos. Seu primeiro acolhimento foi em 2007, com 12 anos de idade. Teve inúmeras
readmissões na mesma instituição e diversas transferências de unidades acolhedoras.
Estudou até a 1ª série e não é alfabetizado. Fábio não possui irmãos, seus pais
romperam o relacionamento logo após seu nascimento e tiveram muito conflito quanto a
sua guarda e educação, ambos faziam uso abusivo de álcool e outras drogas. O genitor
teve um novo relacionamento, em que adolescente teve muito conflito com a madrasta, o
que ocasionou em fugas de casa e situação de rua.
A estrutura da rede primária de Fábio é composta pelos genitores e por três
representantes da família extensa: tio, avô paterno e avó materna. Sobre esta rede
observa-se pouca amplitude e densidade. Os vínculos do adolescente com os genitores
caracterizaram-se por laços fragilizados, que posteriormente tornam-se vínculo normal
34
com o genitor e vínculo rompido com a genitora. Não consta nenhum outro laço do
adolescente com a rede primária. Observa-se laço de conflito entre os genitores.
Quanto à estrutura da rede secundária consta significativa amplitude, em que os
dados apontam prevalência da rede secundária formal, com destaque para as instituições
de serviço social (Unidades Acolhedoras e CRAS/CREAS/COSE), instituições de saúde
(Adolescentro), instituições judiciárias (MPDFT e VIJ), Conselhos Tutelares e instituições
de educação. A rede secundária do Terceiro Setor foi representada pela presença de
duas clínicas de tratamento para uso abusivo de drogas e dependência química, cita-se:
Espaço Vida e Transforme. Sobre as relações entre as instituições observa-se pouca
interligação. As relações de Fábio com as instituições foram pouco presentes, com laços
com instituições de educação e de acolhimento, além de vínculo rompido com uma
instituição de tratamento para o uso de drogas.
No que se refere à correlação entre rede primária e secundária, pode-se observar
que no mapa do adolescente a rede secundária apresentou vasta amplitude e baixa
densidade. Observou-se um quantitativo maior de instituições e relações entre elas, do
que entre a rede primária.
Por fim, não houve vinculação dos membros da rede
secundária com a rede primária, o adolescente apareceu como única interligação entre
estas redes.
Participante 5 – João
João nasceu em 1995. No momento da análise documental (2012), estava com 17
anos e não possui irmãos acolhidos. Seu primeiro acolhimento foi em 2007, com 12 anos;
teve inúmeras readmissões na instituição acolhedora. Durante o acolhimento cumpriu
medida sócio-educativa no CAJE. Estudou até a 3ª série e foi matriculado na Educação
de Jovens e Adultos. João possui dois irmãos, que não mantém contato e, tem vínculo
fragilizado com a mãe; seu genitor faleceu em 2007. A família desconhecia que o ele faz
uso de drogas.
35
A estrutura da rede primária do adolescente em estudo resume-se à família
nuclear, isto é, presença da mãe, irmãos, padrasto e pai (falecido). Sobre esta rede
observa-se baixa amplitude e baixa densidade. Os vínculos e relações do adolescente
caracterizaram-se por laço fragilizado com a genitora e a irmã. Não consta mais nenhum
laço do adolescente com a rede primária.
No que se refere à estrutura da rede secundária nota-se a prevalência da rede
secundária formal, com destaque para as instituições de serviço social (Unidade de
Acolhimento e CRAS/CREAS), instituição de saúde (HRT), instituições judiciárias (MPDFT
e VIJ), Conselho Tutelar e instituição de educação. A rede secundária do Terceiro Setor
foi representada pela presença de uma clínica de tratamento para uso de drogas, cita-se
a clínica Transforme. Sobre as relações entre as instituições observam-se poucas
interligações, e todas centralizadas na instituição acolhedora. As relações de João com as
instituições caracterizam-se basicamente por laço fragilizado com a instituição acolhedora
e a de atendimento psicológico, e laço de conflito com instituições de segurança pública.
Quanto à correlação entre rede primária e secundária, pode-se observar que no
mapeamento a rede secundária e a rede primária apresentaram amplitude aproximada.
No que se refere as ligações dos integrantes da rede secundária com a rede primária,
consta apenas um laço da instituição acolhedora com a genitora e a irmã do adolescente.
36
Participante 6 – Mauro
Mauro nasceu em 1993. No momento da análise documental (2012), estava com
18 anos, já não estava mais acolhido, mas possuía três irmãos na instituição. O
adolescente teve inúmeras transferências durante a trajetória de acolhimento institucional
e neste período cumpriu medida sócio-educativa em liberdade assistida. Estudou até a 4ª
série e viveu durante longo período na rua com os irmãos. A mãe de Mauro fazia uso
abusivo de álcool e faleceu precocemente; o genitor abandonou a família após este
ocorrido. O adolescente possui pouco contato com familiares.
A estrutura da rede primária de Mauro apresenta distribuição equitativa entre
família nuclear e família extensa, com presença de genitores, irmãos, cunhado, tia, tio e
madrinha. Sobre esta rede observa-se considerável amplitude e baixa densidade. Os
vínculos e relações do adolescente restringem-se por laços fragilizados e rompidos com o
genitor, e fragilizado com a irmã. Sobre a interligação entre os integrantes da rede
primária, consta laço apenas entre tio e tia materna.
No que se refere à estrutura da rede secundária nota-se predomínio da rede
secundária formal, com destaque para as instituições de serviço social (Unidades de
37
Acolhimento), instituição de saúde (HRC), instituições judiciárias (MPDFT, VIJ) e
Conselho Tutelar. Observa-se ausência de instituições de educação na estrutura da rede.
Sobre as relações entre as instituições consta apenas uma interligação entre a instituição
de acolhimento e a Vara da Infância. As relações de Mauro com as instituições presentes
na rede secundária caracterizaram-se presença de vínculo e fragilizado.
Quanto à correlação entre rede primária e secundária, pode-se observar que no
mapeamento a rede secundária e a rede primária apresentaram considerável amplitude e
baixa densidade. Não consta ligações dos membros da rede secundária com a rede
primária; o adolescente apareceu como única interligação entre estas redes.
4.1 Síntese dos Resultados:
Apresenta-se a seguir um quadro que sintetiza os resultados referentes a estrutura
da rede dos adolescentes estudados:
38
5. DISCUSSÃO
O levantamento dos Indicadores e a construção das Zonas de Sentido ocorreram
através de uma análise horizontal das semelhanças evidenciadas na estruturação dos
mapas de rede, nos instrumentos de análise documental, e na entrevista com a técnica da
participante 1. A partir do que foi observado em comum nas redes e relações dos
adolescentes estudados foram construídas três Zonas de Sentido:
5.1 Zonas de Sentido 1 - A fragilidade da sustentação do adolescente: os retalhos
de uma rede sem costura.
Nesta primeira Zona de Sentido discutiremos a estrutura da rede social dos
adolescentes e teremos como pressupostos norteadores os conceitos propostos pela
autora italiana Lia Sanicola juntamente com conceituações realizadas por Sluzki. Sobre
estrutura de rede Sanicola (2008) afirma que a rede surge pelo conjunto de laços
perceptíveis que se estabelecem entre pessoas e entre redes. Para a autora esses laços,
quando acionados, geram conexões que dão forma às redes sociais. Essas redes são
constituídas por laços e conexões que têm como ponto de confluência os nós de rede.
Sobre a estrutura de rede dos seis adolescentes em estudo, constatou-se baixa
densidade da rede primária, com pouca existência de conexões, ou mesmo, nenhuma
conexão. No mapa de rede de Diana o único laço estabelecido entre os integrantes da
rede primária, consistiu naquele entre os genitores, laço este, caracterizado como
interrompido. A ausência de vínculos entre os integrantes da rede primária pode ainda ser
exemplificado por um registro no instrumento de análise de Diana, em que consta “Mãe
tem doze filhos, mas não sabe deles”. Sobre densidade de rede, Sluzki (1997) propõe
que as conexões estabelecidas entre membros de rede, independentes do informante,
caracterizam a densidade; exemplificando conexão quando em casos em que as pessoas
componentes da rede de um indivíduo se conhecem entre si. A partir do exposto,
constata-se que as conexões necessárias para a formação de uma densidade razoável,
no sentido de permitir a articulação e proteção desta rede, foram escassas no mapa de
rede dos adolescentes estudados.
39
A ausência de vínculos entre os genitores foi outro aspecto relevante da densidade
dos mapas dos adolescentes. Esta ausência pode ser representada pelo mapa de rede
dos adolescente: Laura, João e Mauro. Nos casos que apareceram vínculos entre os
genitores, o laço destacou-se como de conflito ou interrompido. Sobre esta constatação o
mapa de rede de Fábio nos aponta sobre o laço de conflito entre os genitores, em que
destaca-se: “ Sra. F. acusa o pai de ter levado o filho para „mal caminho‟ ”. Sobre conflitos
entre genitores, Braz e Dessen (2005) afirmam que o ajustamento conjugal, as formas de
comunicação e as estratégias de resolução de conflitos empregadas pelo casal
influenciam o desenvolvimento de padrões de cuidado dos filhos e a qualidade das
relações entre os genitores e suas crianças. Neste sentido, podemos refletir o quanto o
conflito e vínculo interrompido entre os genitores refletem na relação parental, isto é, na
relação dos genitores com os adolescentes. Ainda sobre os laços entre os genitores,
podemos refletir no quanto a ausência de vínculo, ou mesmo, vínculo de conflito entre
eles, representa a fragilidade da proteção destes adolescentes já na família nuclear.
Estudar rede social e gênero nunca foi pretensão neste estudo. No entanto, um
dado obtido nos direciona a esta reflexão. Entre as adolescentes estudadas (Diana, Deise
e Laura) todas apresentaram vínculo normal ou forte apenas com os respectivos
namorados (também institucionalizados), enquanto que com a família houve ausência de
vínculo ou vínculos rompidos e de conflito. Esta constatação pode ser exemplificada por
meio do mapa de rede de Laura, e da seguinte transcrição: “Laura não quer ser
reintegrada por não querer ficar longe do namorado J.L”. Sobre esta questão podemos
refletir no quanto a necessidade de vinculação destas adolescentes são depositadas nas
relações amorosas, e talvez se tornem intensas por possibilitarem a ressignificação de
relações que não foram construídas no espaço familiar. Hime (2008) ressalta que o
crescente individualismo e falta de suporte social de nossa cultura levam à busca de
relações amorosas que nos proporcionem a continência, o reconhecimento e a validação.
Afirma também que estas relações podem nos ajudar a perceber quem somos, o que
desejamos e para onde nos encaminhamos, num movimento de construção e
reconstrução de significados que atravessa o ciclo vital.
A partir do exposto, torna-se necessário ampliar nossa reflexão no sentido de
pensar no quanto as adolescentes depositam nos respectivos namorados expectativas de
papéis elementares de apoio e de proteção. Até este ponto, a situação seria mais
40
facilmente contornável. Porém, o problema surge quando estes adolescentes, acolhidos
nas instituições, também estão em movimento de construção, buscando referências de
proteção e apoio. Tem-se então, a representação de uma possível forma de potencializar
a vulnerabilidade vivenciada por estes adolescentes.
Diferentemente do resultado obtido no mapa de rede das adolescentes, a ausência
de vínculos foi o aspecto mais acentuado no mapa de rede dos meninos estudados, em
que não apareceram vínculos com namorada ou amigos durante o acolhimento. A partir
desta constatação podemos refletir sobre como a vulnerabilidade dos adolescentes pode
ser agravada por uma cultura e sociedade machista a que pertencemos, e que, talvez,
reproduzam a internalização de que para ser homem precisam ser auto-suficientes, dar
conta de seus próprios problemas, não podendo expressar sentimentos e emoções,
sendo resistentes a criação e manutenção de vínculos afetivos. De acordo com Kimmel
(1998) uma sociedade machista espera que homens expressem traços e emoções
apenas
associados
ao
trabalho,
como
competitividade,
realização
pessoal
e
racionalidade, enquanto as mulheres reproduzem as qualidades domésticas como o
amor, cuidado e compaixão. Neste sentido, considera-se ainda que a internalização e
reprodução da cultura social por parte dos meninos estudados pode ter uma correlação
com a ausência de vínculos amorosos, ou de amizade, constada no mapa de rede deles.
Sobre as relações de amizade Sanicola (2008) afirma que a capacidade de ajuda
de uma amizade não está tão voltada ao cuidado do corpo, às necessidades físicas, mas
sim às necessidades relacionais, embora não faltem experiências nas quais o amigo
assume a tarefa que é própria da família. A partir desta colocação, refletir sobre a rede de
apoio dos adolescentes estudados, nos permite questionar quem desempenharia este
papel, uma vez que com a família os laços apresentaram-se fragilizados e, ou, de conflito,
e não houve presença de vínculo com nenhum amigo ou namorada. Verifica-se que
ninguém desta rede desempenha o papel de apoio e proteção, nem mesmo a instituição
acolhedora, como veremos na Zona de Sentido 3. Enquanto no mapa de rede das
adolescentes meninas, os respectivos namorados apareceram com funções de apoio e de
proteção.
No que se refere a amplitude da rede primária dos seis sujeitos analisados,
constatou-se baixa amplitude. Sluzki ( 1997) utiliza o termo tamanho, para se referir a este
termo, e acrescenta que as redes de tamanho médio são mais efetivas do que as
41
pequenas ou muito numerosas. Afirma ainda que as rede mínimas são menos efetivas em
situação de tensão ou sobrecarga, já que segundo o autor, os membros da rede
começam a evitar o contato para evitar a sobrecarga. Neste contexto, podemos refletir no
quanto a institucionalização, o uso de drogas e a vivência de rua apontam para uma
situação de tensão na rede dos adolescentes e para uma dinâmica familiar
desorganizada, em que a baixa amplitude e densidade da rede de apoio não conseguem
amparar estes sujeitos.
A respeito da quantidade de pessoa que compõe a rede dos adolescentes, a
presença foi limitada a família nuclear, com destaque para mãe, pai e grupos de irmãos. A
família extensa apareceu representada basicamente pelo grupo de avós e alguns tios. Os
mapas de rede de Fábio e Mauro podem demonstrar esta observação, em que este
segundo, teve a rede primária representada pela mãe, pai, dois irmãos, um cunhado
(marido da irmã), um casal de tios e uma madrinha afetiva. Sanicola (2008) destaca que
a família constitui o nó central das redes primária e representa para a pessoa um recurso
precioso, tanto em termos concretos, no cotidiano, quanto em termos de educação e
afetividade, pois é na família, justamente, que aprendemos a viver em relação, e é nela,
portanto, que desenvolvemos a capacidade de estabelecer relacionamentos e a
competência para saber lidar com as redes.
Nos casos estudados, podemos refletir no quanto o nó central das redes primárias
apresenta-se fragilizado tanto em amplitude quanto em densidade, interferindo deste
modo, também na capacidade dos adolescentes de estabelecerem relações e de
manejarem a própria rede. Reportando-nos ainda ao Mauro, destaca-se uma transcrição
que consta no seu prontuário: “Mauro afirma que se encontrar o pai irá fazer seu pai
pagar por tê-lo abandonado”. O desejo de encontrar o pai aparece no adolescente como
desejo de estabelecer laço com ele de alguma maneira, mesmo que seja um laço de
conflito. Podemos refletir ainda, que esta dívida perpassa pelo débito da proteção, o
abandono representaria a desproteção; abandono e desproteção também vivenciados na
própria rede, em que a dificuldade de relacionar-se com a ausência deste pai, tem
correlação com dificuldade em lidar com a própria rede.
Uma colocação da Sanicola (2008) enriquece nossas reflexões acerca deste
assunto, quando a autora cogita que se é verdade que os laços familiares são fonte de
muitos sofrimentos em diversas situações, é também verdade que a falta de uma família
42
gera graves dificuldades para a pessoa em todas as idades da vida e que a fragilidade do
nó familiar enfraquece não apenas a rede, mas a sociedade como um todo.
Ainda sobre a amplitude da rede primária foi significativa a quantidade de
padrastos que apareceram na composição da rede primária dos sujeitos em estudo.
Utiliza-se os mapas de rede de João e de Laura, em que apareceram vínculos de conflito
entre os adolescentes e os respectivos padrastos para exemplicar este aspecto. Destacase: “Laura afirma não querer voltar para a casa da mãe devido à conflitos com o
padrasto”. Efetuando-se uma analogia sobre a figura de padrasto e madrasta, o
instrumento de análise de Fábio, também exemplifica a situação de conflito dos
adolescentes com os novos cônjuges de seus genitores: “Sr. F. afirma que tentou manter
o casamento, mas julgava que a ex-companheira estava atrapalhando a sua relação com
o filho (genitor)”.
Um estudo realizado por Lima e Souza (2008) constatou a dificuldade dos
padrastos de criar laços afetivos com crianças que já conheceram mais velhas, ao
contrário da maior facilidade de relacionamento quando elas são menores, sugerindo que
a pouca idade significa um menor convívio com o pai biológico. O estudo ressalta que os
padrastos esperavam participar do cuidado das crianças, embora tivessem pouca clareza
acerca de seu papel. O referido estudo também destaca que o relacionamento familiar
aparece como ainda mais difícil quando envolve filhos adolescentes, pois estes destituem
o padrasto de qualquer poder parental. Este estudo, semelhantemente aos resultados
obtidos em nossa análise, aponta para o conflito vivenciado pelos adolescentes com seus
respectivos padrastos, sinalizando também, para uma dinâmica familiar que experiencia a
desorganização e conflito, com a destituição de papéis parentais e de autoridade,
refletindo na fragilidade da rede social.
Ressalta-se uma síntese realizada por Sanicola (2008) sobre as redes primárias,
quando ela afirma que estas constituem o pólo cultural da realidade social, o âmbito no
qual são gerados e aprendidos os valores essenciais para a vida dos indivíduos, que
serão assumidos como ponto de referência fundamental para a orientação e a ação de
uma pessoa na sociedade.
Retomando nossas análises sobre a estrutura da rede social dos adolescentes em
estudo, pautaremos acerca da amplitude e densidade da rede secundária. Constatou-se
amplitude mediana da rede secundária dos mapas dos adolescentes estudados, o que,
43
segundo Sluzki (1997) possibilitaria uma maior efetividade desta rede. No entanto,
constatou-se a ausência de nós de rede realmente efetivos, isto é, a escassez de
conexões entre as instituições aponta para baixa densidade das redes analisadas.
Através dos instrumentos de análise e dos mapas de rede verificou-se que os laços
entre as instituições limitam-se a encaminhamento de ofícios e relatórios; houve relativa
comunicação das instituições atendendo a um trâmite burocrático de informações, porém
não houve efetividade de ações que possam caracterizar conexões e densidade desta
rede secundária. Sobre os encaminhamentos, estes ficaram restritos as instituições
acolhedoras, com às Varas da Infância e Juventude e os Conselhos Tutelares, não
aparecendo comunicação, nem mesmo de trocas de ofícios e encaminhamentos, entre as
demais instituições que compuseram as redes sociais analisadas. No que se refere às
instituições, destacaram-se as redes secundárias formais, que de acordo com Sanicola
(2008) são constituídas pelo conjunto das instituições estatais que formam o sistema de
bem-estar social da população. Podemos sintetizar que estas instituições secundárias
formais foras representadas nos mapas de rede dos seis adolescente pela Assistência
social (instituições acolhedoras, CRAS, CREAS); Sistema de Saúde (clínicas de
tratamento para o uso de drogas); Segurança Pública (DCA e CAJE); Judiciário (Varas da
Infância e Juventude); e Conselhos tutelares. O mapa de rede do adolescente João pode
exemplificar estas colocações. A partir do exposto, podemos refletir no quanto a rede
destes adolescentes ainda é precária no sentido de efetividade de ações que sinalizariam
a concretização dos nós de rede.
Outro aspecto relevante sobre a rede secundária
consistiu na ausência das instituições de Educação, tanto no sentido de presença na
composição das redes, quanto no que se refere a laços e efetividade de ações com as
demais instituições.
O vínculo fragilizado dos adolescentes com a instituição acolhedora, bem como a
ausência de laço com a escola, laço de conflito com a polícia e laço fragilizado com as
clínicas de tratamento para o uso de drogas apontaram para a dificuldade de manejo
tanto dos adolescentes com a própria rede, no sentido de relações, quanto da rede
institucional no trato e relações com os adolescentes no sentido de desempenhar o papel
de apoio e proteção. Sanicola (2008) acerca da estrutura das redes, constatou a
problematicidade ao efetuar mobilizações das redes, pelo fato das redes serem restritas,
formadas por poucos nós, com laços pouco densos, em que a estrutura da rede não é
44
proporcional à necessidade que expressa; além de tudo, quando as situações ficam a
cargo dos serviços por muito tempo, as redes secundárias geralmente se desenvolvem
demais, prestam grande quantidade de serviços e gastam muito recursos. Neste sentido,
correlacionando aos resultados e análises das redes dos sujeitos estudados, podemos
refletir no quanto as instituições, mesmo sem conseguirem realizar conexões efetivas,
ainda assim, elas se desenvolveram de tal modo, que não possibilitam ações efetivas da
rede primária, em que as instituições efetuam uma sobrecarga de papéis, mas não os
desempenha efetivamente.
A partir das análises e ponderações efetuadas acerca da estrutura de rede dos seis
adolescentes estudados, questiona-se então, como a composição da rede se relaciona
com o uso de droga e vivência de rua por parte dos adolescentes. Refletir sobre esta
indagação nos conduz para a compreensão de qual a relação entre redes sociais, uso de
drogas e vivência de rua.
Em resumo podemos destacar sobre a estrutura de rede dos adolescentes
estudados uma fragilidade tanto no que se refere à amplitude, com destaque a rede
primária neste quesito, quanto à baixa densidade, em que se constatou ausência de nós
de rede e conexões tanto entre a rede primária, como entre a rede secundária. Esta
situação configura uma trama incerta que não consegue desempenhar suas funções
efetivamente, o que reflete em agravamento de vulnerabilidades vivenciadas pelos
sujeitos, que na fase da adolescência, estão em busca de si, de conhecer-se enquanto
pessoa, em busca da construção da identidade.
Sobre esta questão, Selosse (1997 apud PEREIRA, 2008) destaca que a
adolescência está associada a um processo normal de formação de identidade,
desenvolvimento, crescimento, novas experiências e novas condutas. Ressaltando que o
adolescente passa por transições afetivas relacionais, sociocognitivas, sexuais, identitária
e normativas, de separação e individuação, de luto e desilusão, prazer e gozo. Nesta
transição, ele busca referências identitárias e tenta vivê-las através de experiências
coletivas sob formas de interações críticas. Neste sentido, podemos refletir no quanto a
ausência ou a fragilidade da rede de apoio dos adolescentes estudados: Diana, Laura,
Deise, Fábio, Mauro e João; poderia representar o luto e desilusão nestas transições e
nestas buscas pela individuação. Ao mesmo tempo, a rua e a droga de algum modo se
apresentam como possibilidades de novas experiências, de prazer e de gozo para estes
45
adolescentes, que nos ajuda a compreender a constatação da correlação entre a
fragilidade da rede social de apoio e a inserção no contexto de drogas e a vivência de rua.
Selosse (1997 apud PEREIRA, 2008) acrescenta que o adolescente procura fora
do sistema familiar as respostas às suas necessidades afiliativas, de auto-afirmação, de
diferenciação, de autonomização e identificação, e estacando que são as condutas
interativas que lhes possibilitam expressar estas necessidades, de modo que os grupos
de pares se tornam grupo de pertencimento e de referência para os adolescentes.
Podemos a partir do exposto, fazer um paralelo e compreender como os grupos de pares
que também se inserem na rua e no contexto de uso de drogas, tornam-se referência de
pertencimento para os adolescentes, caracterizando-se, deste modo, como uma rede de
pertencimento possível para eles.
Encerramos as reflexões desta Zona de Sentido, ressaltando que os adolescentes
estudados vivenciaram situações de reabrigamento, isto é, após processo de reintegração
familiar, estes retornaram para as instituições de acolhimento devido a novas situações de
risco e, ou, vulnerabilidade, que talvez não tenham sido verdadeiramente superadas.
Mesmo assim, este aspecto associado à estrutura e composição da rede social destes
adolescentes, sinalizaria que de algum modo esta rede apresentou estruturação básica e
condições de receber os adolescentes, no entanto, não conseguiu manter esta
funcionalidade de proteção, de modo que as condições de vulnerabilidade outra vez se
agravaram, apontando novamente para a fragilização da rede social de apoio e refletindo
no reacolhimento destes sujeitos.
5.2 Zona de Sentido 2 - Articulações da rede: a rede furada que não oferece
sustentação e desprotege.
Nesta Zona de Sentido discutiremos como articulação da rede primária e da rede
secundária correlaciona-se com o uso de drogas e a vivência de rua por parte dos
adolescentes. Sobre a articulação da rede, Sanicola (2008) afirma haver integração
destas redes quando elas exercem suas respectivas funções de modo integrado, ou
paralelo; que as redes secundárias exercem funções de ajuda e de controle, que se
explicitam em termos de prestações de serviços, assistências genéricas e especializadas,
fornecimento de auxílios informacionais e materiais e intervenção profissional.
46
Nos seis adolescentes estudados, constatou-se falta de articulação entre a rede
secundária e a rede primária. Nenhuma destas redes conseguem desempenhar
efetivamente seus papéis, especialmente a rede secundária, que no caso de crianças e
adolescentes deveria promover a articulação das redes institucionais entre si, bem como
a articulação das instituições com a rede primária, principalmente com a família. Nos
casos estudados constatou-se a prática contínua de encaminhamentos, ofícios e
relatórios entre as instituições, com destaque para as unidades de acolhimento, Varas da
Infância e Juventude e Conselhos Tutelares. Os mapas de rede de todos os adolescentes
apontaram para esta escassez de conexões que caracterizam a falta de articulação entre
a rede secundária. Esta troca contínua de informes que não representam articulação pôde
também ser observada nos instrumentos de análise documental dos adolescentes, em
que destacamos a seguinte afirmação constante no instrumento de análise de João:
“Abrigo entrou em contato com a VIJ informando o abrigamento da criança, este mesmo
comunicado foi enviado para o Conselho Tutelar”. Destaca-se também: “Relatório técnico
do abrigo para a VIJ em resposta ao ofício sobre Deise e a irmã acolhida”.
A Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) prevê que a Assistência
Social, enquanto política pública que compõe o tripé da Seguridade Social, e
considerando as características da população atendida por ela, deve fundamentalmente
inserir-se na articulação intersetorial com outras políticas sociais, particularmente, as
públicas de Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Emprego, Habitação, entre outras, para
que as ações não sejam fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade dos
serviços para todas as famílias e indivíduos. Este pressuposto da PNAS aponta para o
distanciamento entre o que a legislação prevê da prática de redes institucionais, e o que
os resultados deste estudo apontaram. Neste sentido, constata-se um distanciamento
acentuado e articulações frágeis das redes secundárias, que configuram a ausência de
ações efetivas por parte destas instituições.
Ainda sobre o papel da rede secundária, isto é, institucionais, as Orientações
Técnicas do Serviço de Acolhimento de crianças e adolescentes (2009) prescrevem que o
atendimento humanizado de crianças e adolescentes em serviços de acolhimento requer
uma estreita articulação entre o Sistema Único de Saúde - SUS e o Sistema Único de
Assistência Social - SUAS. Desse modo, orienta-se que os órgãos gestores dessas duas
políticas desenvolvam estratégias conjuntas e elaborem protocolos de atenção integral à
47
saúde de crianças e adolescentes que se encontram em Serviços de Acolhimento, bem
como de seus familiares.
Nos mapas e instrumentos analisados constatou-se a presença do Sistema Único
de Saúde principalmente através de instituições para tratamento do uso abusivo de
drogas. No entanto, estas instituições não apareceram com conexões e articulações
efetivas, nem com os adolescentes, nem com as demais instituições da rede de proteção.
Sobre esta questão, destaca-se: “Fábio pede constantemente um tratamento para o uso
de drogas. Existe dificuldade de vagas”; “Fábio evadiu do abrigo e quando retornou soube
que perdeu a triagem na clínica de tratamento, ficando revoltado, expressando
comportamento extremamente agressivo”. Diante do exposto, podemos refletir o quanto
as instituições, neste caso a de saúde, apresentam dificuldades em ajustar seu
funcionamento para atender a real demanda de adolescentes que vivenciam o uso
abusivo de drogas, pois nesta situação, entende-se que o adolescente perdeu a triagem e
a possibilidade de ser acompanhado pela instituição.
Sobre este tipo de demanda as Orientações Técnicas do Serviço de Acolhimento
de crianças e adolescentes (2009) ainda prevêem que nos casos de crianças e
adolescentes com transtornos mentais e/ou com problemas devido ao uso abusivo ou
dependência de álcool e outras drogas, deve ser acionada a rede de saúde mental, por
meio das ações de saúde mental na Atenção Básica, do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) ou, onde houver, o Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi),
especializado no atendimento de crianças e adolescentes com transtornos mentais graves
(autismo, psicoses, neuroses graves, abuso ou dependência de álcool e outras drogas).
Neste estudo, os resultados apontaram para a escassez desta rede, bem como para
ausência de articulações entre ela e demais instituições.
Outra instituição fundamental para a efetividade da articulação da rede é a
Educação, que foi uma instituição extremamente ausente nos mapas de rede e nos
instrumentos de análise. Esta instituição apareceu apenas por meio de registros de
matrículas dos adolescentes, não constando nenhuma informação mais detalhada sobre a
vida escolar dos sujeitos, ou mesmo de articulação com demais instituições da rede. A
este respeito, podemos destacar uma transcrição do instrumento de João: “Solicitação de
transferência escolar de João”; “Solicitação de matrícula de João no 3º ano do ensino
fundamental”; “Encaminhamento para ser matriculado 1 º segmento EJA”. Ainda podemos
48
identificar semelhanças entre a instituição Educação e a Saúde, no sentido de não
conseguirem realmente atender as demandas específicas de adolescentes que vivenciam
a institucionalização, o uso de drogas e a situação de rua, destaca-se a seguinte
transcrição do instrumento de Diana: “Escola informa ser impossível manter a adolescente
em classe”; “Transferida de escola, porém não frequentava as aulas”.
Sobre esta reflexão acerca da instituição Educação, as Orientações Técnicas do
Serviço de Acolhimento de crianças e adolescentes (2009) destacam que a articulação
dos serviços de acolhimento com o sistema educacional é fundamental, pois a escola
constitui importante instrumento para assegurar o direito à convivência comunitária de
crianças e adolescentes. Essa articulação pode ser feita por meio da elaboração conjunta
de protocolo de ação entre o órgão gestor da assistência social e da educação,
garantindo a permanente comunicação entre os serviços, e o acesso das crianças,
adolescentes acolhidos e seus familiares à rede de local de Educação.
Observa-se nesta análise da rede secundária, a falta de articulação das redes, não
apenas no que se refere a fragmentação das políticas de Assistência Social, Educação,
Saúde e também de Segurança Pública, mas destaca-se principalmente a inoperância
das instituições de Saúde, Educação e Assistência que não conseguem cumprir com suas
funções básicas de proteção e garantia de direitos fundamentais.
Para finalizar a reflexão sobre a importância da articulação entre a rede secundária
ressalta-se uma afirmativa que consta nas Orientações Técnicas do Serviço de
Acolhimento de crianças e adolescentes (2009) em que destaca a importância da
articulação e da construção de fluxos locais entre os Serviços de Acolhimento e os órgãos
do Sistema de Justiça, Conselho Tutelar, Segurança Pública e Conselhos de Direito a fim
de facilitar a comunicação, o planejamento e o desenvolvimento de ações coordenadas.
Tais órgãos desempenham funções fundamentais para a garantia da excepcionalidade e
provisoriedade do afastamento do convívio familiar, bem como da reparação de possíveis
violações de direito vivenciadas.
Retomando as reflexões sobre a articulação entre a rede primária e secundária, na
verdade sobre a constatação da falta de articulação entre estas redes, os mapas de rede
dos adolescentes apontaram para a falta desta articulação, que com exceção do mapa de
rede de João, nenhum outro apresentou ligação efetiva entre a rede secundária e a rede
primária. Podemos exemplificar ainda esta constatação através dos instrumentos de
49
análise documental, em que as únicas ações da rede secundária no sentido de apóio à
rede primária consistiram em realização de visitas domiciliares esporádicas, conforme
consta no instrumento de análise de Mauro “Visita domiciliar visando contato com
familiares no último endereço fornecido no prontuário (lugar inexistente)”; “Contato
telefônico realizado com familiares (irmãos e madrinha)”. A partir do exposto, podemos
ampliar nossa análise no sentido de observar o quanto a rede institucional não consegue
desempenhar seu papel de apoio e suporte para a rede primária e as ações não são
verdadeiramente efetivas, não cumprindo seu papel previsto na Política.
Sobre esta questão as Orientações Técnicas do Serviço de Acolhimento de
crianças e adolescentes (2009) enfatizam que para que as intervenções realizadas junto
às crianças e aos adolescentes acolhidos e suas famílias sejam efetivas, é necessário
que haja uma estreita articulação entre os diversos órgãos envolvidos no seu
atendimento. Assim, para fortalecer a complementaridade das ações e evitar
sobreposições, é importante que esta articulação proporcione o planejamento e o
desenvolvimento conjunto de estratégias de intervenção, sendo definido o papel de cada
instância que compõe a rede de serviços local e o Sistema de Garantia de Direitos, na
busca de um objetivo comum.
Observa-se que a instituição entra na composição da rede dos adolescentes, mas
não consegue fazer vínculo com eles, nem consegue fazer articulação com a rede
primária para que ela, então, reconstrua vínculos com o adolescente e desempenhe o
papel de proteção. Neste sentido, a não articulação entre a rede secundária e primária
demarcam a situação de vulnerabilidade dos adolescentes, de modo que eles revivem um
ciclo de abandono e desproteção, de tal modo que esta falta de articulação e apoio leva e
mantém o adolescente no uso de droga e na vivência de rua. Sobre esta questão Moura e
Silva (2009) destacam que o convívio com as vulnerabilidades é mais acentuado na rotina
de crianças e adolescentes que vivem em situação de rua, em que muitas das relações
estabelecidas por eles oscilam entre a proteção e o risco. Os autores concluem que para
trabalhar com essa população, é necessária a articulação de redes de acolhimento e
atendimento, como sistemas abertos que incluam os diversos serviços existentes.
Acrescentamos nesta reflexão a importância da articulação desta rede, também com a
rede primária, em especial com a família.
50
Podemos refletir o quanto os contextos de pobreza e de falta de recursos destas
famílias que se encontram desorganizadas por terem filhos institucionalizados, com
vivência de rua e uso de drogas é agravado pelo insucesso das ações da rede
secundária. Correlacionado a esta questão Gomes e Pereira (2004) destacam que para
as políticas públicas serem eficazes é necessário dar destaque à família como
potencializadora destas ações. Ajudar a família apresenta-se como a única possibilidade
de a sociedade desenvolver-se dignamente. Analogicamente a esta afirmativa, podemos
refletir que a superação da situação de vulnerabilidade de adolescentes em contexto de
acolhimento, rua e uso de drogas mostra-se como possibilidade a partir do momento que
ocorra um verdadeiro fortalecimento e investimento na rede primária de apoio deles, de
modo que a rede tenha funcionamento efetivo, configurando realmente como rede de
apoio e de proteção.
Encerramos as reflexões propostas nesta Zona de Sentido com uma assertiva
destacada no texto da Política Nacional de Assistência Social (2004):
Para Menicucci (2002), “a proposta de planejamento e intervenções intersetoriais
envolve mudanças nas instituições sociais e suas práticas”. Significa alterar a forma de
articulação das ações em segmentos, privilegiando a universalização da proteção
social em prejuízo da setorialização e da autonomização nos processos de trabalho.
Implica, também, em mudanças na cultura e nos valores da rede socioassistencial,
das organizações gestoras das políticas sociais e das instâncias de participação.
Torna-se necessário, constituir uma forma organizacional mais dinâmica, articulando
as diversas instituições envolvidas (PNAS, 2004).
5.3 Zona de Sentido 3: A rede que aprisiona na vulnerabilidade, a droga e a vivência
de rua como rios para a liberdade.
Nesta Zona de Sentido discutiremos como a droga e a rua se apresentam como
possibilidade de pertencimento para adolescentes que vivenciam a fragilidade das redes
sociais. Direcionaremos as discussões para o significado que a rua e a droga possuem na
vida dos adolescentes e no modo como a rede social deles, que não protege e não
garante apoio, retroalimenta o ciclo de uso de drogas e vivência de rua. Entendemos
então, que em meio a fragilidade e tensões experiênciadas na adolescência e na
dinâmica familiar, a rua e a droga apresentam-se como espaços de pertencimento e
construção de identidade. A privação dos cuidados parentais, as vivências de violência,
juntamente com a falta de referenciais, materno e paterno, leva à fragilidade das funções
51
familiares, empurrando estes jovens para contextos de risco e para a margem (SELOSSE,
1996, apud MOTA, 2012). Nesta perspectiva, o uso de drogas e a vivência de rua
representam contextos de risco e margem.
Mota (2012) acrescenta ainda, a partir do seu estudo com jovens em situação de
rua, em que constatou-se que nesta busca de suporte na instituição os jovens
reencontram-se com a experiência vivida na família, que não acreditou no seu potencial
de transformação deixando-os a rua como alternativa. Neste sentido, a droga configura
como único espaço de pertencimento para adolescentes que vivenciam tamanha
vulnerabilidade, em especial a vulnerabilidade representada pela fragilidade de vínculos
sociais e da rede social de apoio.
Em relação aos adolescentes estudados nesta pesquisa, constatou-se as evasões
das instituições como um aspecto frenquente do seu cotidiano e representativo do vínculo
destes sujeitos com a rua. Sobre esta percepção destaca-se transcrições que constavam
no instrumento de João, que de 16 registro sobre a história de acolhimento, 13 foram
sobre ocorrências de evasões da unidade acolhedora, com mais de uma ocorrência no
mesmo dia, destaca-se: “Adolescente João evadiu e retornou no dia seguinte”, “Evadiu
retornando horas mais tarde”, “ Evadiu após o jantar e voltou 00:30”. Todos estes
registros sinalizam a existência de um vínculo do adolescente com a rua e a dificuldade
de vinculação dele com a instituição de acolhimento.
Ampliando nossas reflexões sobre esta problemática Janczura (2005) efetua uma
excelente correlação entre as evasões que os adolescentes fazem das instituições e a
dinâmica das redes, ao afirmar que as inúmeras saídas sem autorização dos
adolescentes dos abrigos, o seu retorno várias vezes, a perda do caráter provisório do
acolhimento, entre outros motivos, demonstram a amplitude da problemática e não só a
inoperância do sistema de proteção que não oferece suficientemente políticas públicas
preventivas e básicas, mas que acaba não protegendo os adolescentes ameaçados ou
violados na garantia de seus direitos.
Outra constatação sobre o período de evasão é que estes em sua maioria são
acompanhados do uso de droga, conforme registros nos prontuários: “Nova evasão.
Adolescente fica na rua com o namorado e faz uso de drogas (Diana)”; “Atendimento do
adolescente após evasão e uso de thinner (Fábio)”. A partir do exposto nos questionamos
se seria a vivência de rua que ocasiona o uso de drogas, ou o uso de drogas propicia a
52
vivência de rua. Considera-se pretensioso neste estudo, efetuar uma linearidade e
causalidade entre estes dois fatores, por isso vamos nos ater a refletir que uma está
diretamente correlacionada à outra. Lopes e Malfitano (2004) reconhecem os meninos e
meninas com vivência de rua como extremamente vulneráveis ao consumo de drogas.
Segundo os referidos autores, as estratégias de abordagem para discussão das
conseqüências deste uso são de difícil alcance, uma vez que o valor da vida é muito
fugidio e o imediatismo do „aqui e agora‟ prevalecem em seu cotidiano.
Outro resultado relevante neste nosso estudo foi a significativa ocorrência de atos
infracionais, com cumprimento de medida socioeducativas em Liberdade Assistida, o que
reflete o conflito do adolescente com a Polícia ou Segurança Pública, conforme esta
transcrição: “Laura foi encaminhada à DCAII e posteriormente ao CAJE”; “Adolescente
efetuou roubo de uma bicicleta(Mauro)”. Na busca da droga, o adolescente quase
simultaneamente envolve-se com o grupo de pares e com os atos infracionais, como uma
forma de ter dinheiro, não só para a droga, mas também para suprir as suas
necessidades básicas, considerando o contexto de exclusão social e de pobreza no qual
está inserido (PENSO; SUDBRACK, 2004).
Os tipos de drogas utilizadas pelos adolescentes pesquisados no contexto da rua
também foi um resultado relevante. Possivelmente a questão do acesso ao dinheiro para
assegurar a droga esteja relacionado ao uso significativo de Maconha e Thinner, talvez
pelo fato destas drogas terem custo menor e maior acesso entre a populações em
situação de rua. Destaca-se: “Laura evadiu e estava aparentemente sob efeito de thinner”;
“Fábio evadiu e retornou sob efeito de thinner”; “Diana faz uso contínuo de maconha”;
“Registros de que o adolescente Mauro encontra-se em situação de rua, fazendo uso de
drogas, principalmente maconha”.
A partir da análise da rede e da correlação com o uso de drogas e vivência de rua,
os resultados apontaram que o uso de drogas representa pertencimento de tal maneira,
que os adolescentes tendem a comprometer as relações e vínculos que possuem, mesmo
que minimamente, por um comprometimento maior com a droga: “Fábio fugiu da casa do
genitor, achava que já tinha sido reintegrado e não se sentia preparado, pois ainda fazia
uso de droga”; “Fábio está indo à escola esporadicamente em função do seu forte
envolvimento com drogas”.
53
Para finalizar nossas reflexões acerca da droga e da vivência de rua como espaços
de pertencimento, uma constatação extremamente significativa nas relações dos sujeitos
analisados consistiu na “cultura” de uso de drogas nas famílias dos adolescentes. Foi
significativo o número de familiares dos adolescentes estudados que apresentaram uso
de drogas de um modo abusivo: “O pai Sr. S. é usuário de drogas e está preso” (pai de
Laura); “A mãe é alcoólatra, teve vários companheiros e morreu com menos de 30 anos
(mãe de Mauro); “Irmão E. é usuário de drogas e está em medida sócioeducativa” (irmão
da Diana). Sobre uso de drogas nas famílias, Filho e Ferreira (2007) afirmam que dentre
os fatores de risco para o uso abusivo, podemos citar: a disponibilidade das substâncias,
as normas sociais; o uso de drogas ou atitudes positivas diante das drogas pela família,
conflitos familiares graves, dentro outros.
Em síntese, a partir das reflexões realizadas, podemos tentar traçar um trajeto que
os adolescentes percorrem até chegarem no envolvimento com a droga e a vivência de
rua. Infere-se a partir de análise que a ausência de uma rede social de apoio primário,
redireciona o adolescente a buscar espaço e reconhecimento em outros contextos, a
droga, que já é um fator acessível no ambiente familiar, talvez se apresente como uma
possibilidade de prazer e pertencimento. Gradativamente os laços com a rede primária se
fragilizam, agravam conflitos e muitos se rompem, de modo que a rua e a droga se
fortalecem como cenário. A rede secundária deveria aparecer como possibilidade
pertencimento, reconhecimento e apoio, no entanto, ela não consegue cumprir seu papel.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática de pesquisa, concomitante ao trabalho de ponta na área da assistência
social e a vida acadêmica, geraram algumas indagações e hipóteses que puderam ser
discutidas a partir desta pesquisa, cujo objetivo foi compreender como a estrutura das
redes sociais primárias e secundárias de adolescentes que estejam em situação de
acolhimento institucional relaciona-se com a vivência de rua e uso de drogas.
A rede social de adolescentes em acolhimento e que vivenciaram a rua e o uso de
drogas apresenta baixa amplitude e baixa densidade na rede primária, que restringiu-se
basicamente a família nuclear. Sobre os laços e vínculos estabelecidos entre os membros
54
da rede primária ( a família), verificou-se o predomínio de laços de conflito, fragilizado ou
rompido. No que se refere a rede secundária constatou-se que esta apresenta amplitude
razoável, sendo significativamente presente na composição da rede social dos
adolescentes, no entanto, quando avalia-se a conexão entre os atores desta rede,
percebe-se o quanto existem falhas e ausência de interligações e ações efetivas, o que
caracterizou em sua baixa densidade.
Desse modo, tanto a rede primária, quanto a secundária não apresentam
interligações e conexões suficientes para configurar uma rede de proteção e apoio, o que
retroalimenta situações de vulnerabilidade. Ressalta-se que a elaboração dos mapas de
rede de cada adolescente, permitiu uma visualização concreta da estrutura da rede;
possibilitando também a percepção da ausência de interrelação entre a rede primária e a
rede secundária. Quanto ao papel da rede secundária, tão presente na composição da
rede social dos adolescentes, constatou-se que ela não consegue criar vínculo com o
adolescente, nem fortalecer a rede primária, principalmente a família, para que esta atue
no fortalecimento dos seus vínculos e talvez amenize a condição de risco social. A rede
secundária assume a função de apoio e contenção dos adolescentes, no entanto, não
desempenha efetivamente este papel, de modo que estes sujeitos revivenciam a
situações de abandono e de vulnerabilidade.
Outro aspectos que chamou atenção nesta pesquisa refere-se a modalidade de
vínculos presente na rede social dos adolescentes. Observou-se a ausência de vínculos
normais ou fortes tanto com pessoas quanto com as instituições que deveriam ser de
proteção, bem como, a elevada quantidade de laços de conflito, fragilizados ou
interrompidos com pessoas e instituições. Esta configuração simboliza o quanto os
adolescentes estão na margem do contexto social, de modo que o pertencimento
aparentemente apresenta-se como possibilidade apenas pelo caminho do uso de drogas
e pela vivência de rua, pois de algum modo, estes fatores os identificam socialmente e
lhes dão pertença social.
Sobre a vivência de rua, o uso de drogas e a própria institucionalização constatouse que estas consistem em fatores que denunciaram a fragilidade da rede social de apoio
dos adolescentes. Ainda foi possível compreender o quanto estes fatores estão
relacionados a uma dinâmica familiar conflitiva e desorganizada, sendo o uso de drogas e
a vivência de rua apenas sintomas que denunciam o mau funcionamento da família e da
55
sociedade. Além disso, o uso de droga apareceu como uma cultura comum nas famílias
dos adolescentes estudados. Tais constatações apontaram para a vulnerabilidade e risco
social que não somente os adolescentes vivenciam, mas incluem também suas
respectivas famílias.
Neste sentido, e efetuando uma análise das Políticas Públicas no Brasil, percebese o quanto as Políticas segregam estas famílias em situação de vulnerabilidade, de tal
modo, que as ações voltadas para os indivíduos não são suficientes, tampouco efetivas,
pois não conseguem acionar suas respectivas redes sociais de apoio, no sentido de
propiciar autonomia e emancipação.
Este estudo oportunizou encontrar algum sentido e respostas para indagações que
me acompanhavam em uma prática de pesquisa, profissional e acadêmica, bem como
suscitou novas indagações e reflexões. Por isto, finaliza-se este trabalho com perguntas
que podem orientar a realização de outros estudos no âmbito das redes sociais e das
famílias de adolescentes. Cita-se: Como estas famílias percebem suas condições de
vulnerabilidade e dinâmica de funcionamento? Como podemos compreender a
transgeracionalidade da vulnerabilidade social nestas famílias? Como estas famílias
percebem a cultura da droga em suas relações? Como executar políticas efetivas que
fortaleçam as relações de famílias que vivenciam a situação de risco e de
vulnerabilidade social?
56
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARPINI, D.M.; QUINTANA, A.M. Relações familiares e violência em adolescentes em situação
de rua. ISSN 0103-7013. Psicol. Argum., Curitiba, v. 28, n. 63, p. 325-336 out./dez. 2010
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. São Paulo: Saraiva.
BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Rua: aprendendo a contar:
Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. – Brasília, DF: MDS; Secretaria de
Avaliação e Gestão da Informação, Secretaria Nacional de Assistência Social, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Governo Federal. SENAD. Plano Integrado de Enfrentamento ao
Crack e outras Drogas. Brasília: Senado Federal, 2010.
________. Leis e decretos. Lei n.8069, de 13 de julho de 1990: dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990.
________. Leis e decretos. Lei n.12.010, de 03 de agosto de 2009: dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e Nova Lei de Adoção. Brasília, 2009.
________. Leis e decretos. Lei n.12.696, de 25 de julho de 2012: dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares. Brasília, 2012.
________. Ministério do Desenvolvimento Social. Política nacional de assistência social.
Brasília, 2004.
_________. O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar
desigualdades / Fundo das Nações Unidas para a Infância. – Brasília, DF : UNICEF, 2011.
BRAZ, M.P.; DESSEN, M.A. Relações Conjugais e Parentais: Uma Comparação entre Famílias
de Classes Sociais Baixa e Média. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2005, 18(2), pp.151-161
CONANDA: Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes. Brasília, fevereiro de 2009.
COSTA, A.C.G. O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10 anos do ECA Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1- Unicef, 1990.
COSTA, L. F.; PENSO M. A. A dimensão clínica das intervenções psicossociais com adolescentes
e famílias. In: MARRA, M.M.; COSTA, L.F. Temas da clínica do adolescente e da família. São
Paulo: Editora Agora, 2010, p. 201 – 214.
DULLIUS, A.A.; RASIA, C. Os direitos fundamentais da criança e do adolecente, as medidas
de proteção e as inovações trazidas pela Lei 12.010/2009. Acesso em: 03 de abril 2013.
Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br.
ELAGE, B.; GÓES, M. Perspectivas: fazendo história na Formação de profissionais de
serviços de acolhimento. 1. Ed. – São Paulo: Instituto Fazendo História, 2011.
57
ESPER, L. H. A enfermagem e a prevenção do uso indevido de drogas entre adolescentes.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v22n3/a16v22n3.pdf Acesso em 01 de Dezembro de
2012.
FALEIROS, Vicente de Paula (coord). Crianças e Adolescentes: Pensar & Fazer. Brasília:
Curso de Ensino a Distância- CEAD- 1995.Vol. 1- Módulo 1
FILHO, A.J.A.; FERREIRA, M.A. O adolescente e as drogas: conseqüências para a saúde. Esc
Anna Nery Rev Enferm . dez; 11 (4): 605 - 10. Rio de Janeiro, 2007
FRAGA, P. D. Violência: Forma de dilaceramento do ser social. Revista Serviço Social &
Sociedade. Tema Violência, 23(70), 44-58. Rio de Janeiro, 2002.
GOMES, M.A.; PEREIRA, M.L.D. Família em situação de vulnerabilidade social: uma questão
de políticas públicas. Ciência e Saúde Coletiva,10 (2): 357-363, 2005.
GONZÁLEZ REY, F. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da
informação; tradução Marcel Silva. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
HIME, F.A. A biografia feminina e a história das relações amorosas. In: Fazendo Gênero 8 Corpo, Violência e Poder: Florianópolis, agosto de 2008
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios. Síntese dos Indicadores de 2011. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/. Acesso em 02 dezembro de 2012.
JANCZURA, R. Abrigos para adolescentes: lugar social de proteção e construção de sujeitos?
Revista Virtual Textos & Contextos. Nº 4, ano IV. Rio Grande do Sul, dez. 2005.
KIMMEL, Michael. A produção de masculinidades hegemônicas e subalternas. Horizontes
Antropológicos. Porto Alegre, ano 4, n. 9, p. 103-117,1998.
KOLLER S. H. (Org). Adolescentes em situação de rua. In: JEFFERY M. L. (Coord).
Adolescência e psicologia: Concepções, práticas e reflexões críticas. Brasília: Conselho
Federal de Psicologia/Ministério da Saúde, 2004. p. 112-121 do cap. 12.
LIMA, M.T.A.; SOUZA, R.M.; Que rei sou eu? O comportamento do padrasto definido por si
mesmo, pela companheira e seus filhos crianças ou adolescentes. In: Fazendo Gênero 8 Corpo, Violência e Poder: Florianópolis, agosto de 2008
LOPES, E.R; MALFITANO, S. A Escolha pela Saída da Rua: Desafios de um Abrigo com
Crianças e Adolescentes em Situação de Rua. In: Anais do 2º Congresso Brasileiro de
Extensão Universitária – UFSCar, Belo Horizonte, 2004.
_________. Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de
Acolhimento. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Fiocruz, 2010. No Prelo
MOTA, R.N. A trajetória de jovens em situação de rua usuários de crack. Dissertação de
Mestrado em Psicologia. Universidade Católica de Brasília Brasília, 2012.
58
MORELLI , A. J.; SILVESTRE, E.; GOMES, T.M. Desenho da Política dos Direitos da Criança e
do Adolescente. Psicologia em Estudo, DPI/CCH/UEM, v. 5. n. 1. p. 65-84. 2000
MOURA, Y.G.; SILVA, E.A. Redes sociais no contexto de uso de drogas entre crianças e
adolescentes em situação de rua. Psicologia em Pesquisa. UFJF : 3(01). 31-46. janeiro-junho
de 2009
PAUGAM, S. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais – uma dimensão essencial do
processo de desqualificação social. In: SAWAIA, B. (Org.) As artimanhas da exclusão. Análise
psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2001.
PENSO, M.A.; SUDBRACK, M.F. Envolvimento em atos infracionais e com drogas como
possibilidades para lidar com o papel de filho parental. Psicologia USP, 2004, 15(3), 29-54
PENSO, M. A. Dinâmicas familiares e construções identitárias de adolescentes envolvidos
em atos infracionais e com drogas. 2003. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Instituto de
Psicologia, Universidade de Brasília. Brasília, 2003.
PENSO, M. A. Construções identitárias: contribuições da família. No prelo
PEREIRA, S.E.F.N. Redes sociais de adolescentes em contexto de vulnerabilidade social e
sua relação com os riscos de envolvimento com o tráfico de drogas.Tese de Doutorado.
Departamento de Psicologia Clínica e Cultura. Universidade de Brasília. BRASÍLIA, 2009.
PEREZ, J.R.R.; PASSONE, E.F. Políticas Sociais de Atendimento às Crianças e aos
Adolescentes no Brasil. Cadernos de Pesquisa, v.40, n.140, p. 649-673, maio/ago. 2010
RIZZINI, I.; SILVA, N. C. Direitos humanos e direitos da criança e do adolescente: Reflexões
sobre desigualdades sociais e a questão dos “meninos de rua”. In S. M. Sousa. (Org.). Infância e
Adolescência: Múltiplos Olhares (pp. 99-112). Goiânia: Ed. UCG, 2002
SANICOLA, L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. São Paulo: Veras editora, 2008.
SANTANA, J. P., DONINELLI, T. M., FROSI, R. V. e KOLLER, S.. Instituições de atendimento a
criança e adolescentes em situação de rua. Psicologia & Sociedade; 16 (2): 59-70; maio/ago.
2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/. Acesso em 01 de Dezembro de 2012.
SCHENKER M. Valores familiares e uso abusivo de drogas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.
SCHWONKE, C.R.; FONSECA, A. D.; GOMES, V.L. Vulnerabilidades de adolescentes com
vivências de rua. Esc. Anna Nery Rev. Enferm;13(4): 849 - 855, dez. 2009.
SILVA, E. (editor). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e
adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/ CONANDA; 2004.
SILVA, K.L; DIAS, F.L.A; et al. Reflexões acerca do abuso de drogas e da violência na
adolescência. Esc. Anna Nery Rev. Enferm;14(3):605-610, jul.-set. 2010.
SLUZKI, C.E. A rede social na prática sistêmica.São Paulo: Casa do Psicólogo,1997.
SOUZA, A.S.A. Código de Menores x ECA: Mudanças de Paradigmas. PUC, São Paulo, 2004.
59
SPINK, Peter K. Processos Organizativos e Ação Pública: as possibilidades emancipatórias do
lugar. In: JACÓ-VILELA, A. M.; SATO, L. (Org.). Diálogos em Psicologia Social (p.315-327). Porto
Alegre: Editora Abrapso Sul/Editora Evangraf. Ltda., 2007.
SUDBRACK, M.F.O.; PEREIRA; S.E.F.N. Drogadição e atos infracionais na voz do
adolescente em conflito com a lei. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 24 n. 2, pp. 151-159.
2008
SUDBRACK, M.F,O.; PENSO, M. A.; Dinâmica familiar e envolvimento em atos infracionais e
com drogas na adolescência. In: MARRA, M.M.; COSTA, L.F. Temas da clínica do
adolescente e da família. São Paulo: Editora Agora, 2010, p. 201 – 214.
PEREIRA, S.E.F.N.; SUDBRACK, M.F,O.; Avaliação das redes sociais de adolescentes em
situação de risco. In: SUDBRACK, M.F,O.; (et al.). Adolescentes e drogas no contexto da
Justiça. Brasília: Plano Editora, 2003.
60
ANEXOS
ANEXO I
Instrumento de Análise documental Análise Documental
Serviço de acolhimento
Nome da criança:
Pesquisadores:
Data da coleta dos dados:
Criança
N prontuário abrigo
Sexo e data de nascimento (dd/mm/aaaa)
Criança abrigada na instituição?
Número de acolhimentos.
Há grupos de irmãos abrigados? (Sim, quantos,
sexo e data de nascimento e qual serviço de
acolhimento).
Cumpre medida socio-educativa (Sim, qual e
duração?)
História de Reinserção Familiar (RF) -e inserção
em família substituta (FS)
História de acolhimento
Ações da Instituição com a família
Caso (atribuir n):
N pasta especial (registrar n de pastas de outras
instituições e a instituição)
( ) NÃO ( ) SIM
( ) NÃO ( ) SIM: _________________
( ) NÃO ( ) SIM: _________________
Número de tentativas, datas, para quem, como foi,
principais instituições que acompanharam
(CRAS/CREAS, VIJ, etc), quanto tempo ficou com
a família, por que voltou e outros aspectos que for
considerado relevante.
Data, tempo de acolhimento, motivo de cada
acolhimento, houve evasão, frequência (informar
de forma mais precisa possível), recebeu visitas
(quem, com que frequência), saída do acolhimento
(data, motivo) e outras informações consideradas
relevantes.
Ações realizadas pelo serviço de acolhimento em
relação a família, tais como, Visitas domiciliares,
entrevistas com familiares, grupos familiares,
palestras. Não inclui encaminhamentos.
Assistência Social
Benefícios recebidos pela família, atuação dos
CRAS/CREAS e outros
Saúde (criança e/ou família)
serviços de assistência social mesmo os nãogovernamentais e outras informações
consideradas relevantes -sempre que possível
informar a data. Encaminhamentos/solicitações do
serviço de acolhimento para a assistência social
Data / Consultas: quem, tipo de profissional
(médico -especialidade, dentista, psicólogo),
motivo, local (público ou não), resolubilidade /
Internações: quem, motivo, local, tempo,
acompanhamento, resolubilidade / Outros:
vacinação, visita do médico no serviço de
acolhimento etc. Encaminhamentos/solicitações
do serviço de acolhimento para serviço de saúde.
61
Educação
Estudou durante o(s) acolhimento(s), como foi,
historia de reprovação e/ou evasão,
encaminhamento para estágio, profissionalização,
transferência de escola (motivo) e outras
informações consideradas relevantes.
Encaminhamentos/solicitações do serviço de
acolhimento para a Educação.
Sistema de justiça
Datas, síntese dos documentos apresentados ou
solicitações feitas. Órgãos da justiça: VIJ,
Conselho Tutelar, Ministério Publico, Defensoria
Pública, Delegacias. Relatórios/solicitações do
serviço de acolhimento para o sistema de justiça.
Vínculos
Pessoas significativas dentro e fora do serviço de
acolhimento, contato com essas pessoas. Conflitos
dentro e fora do serviço de acolhimento, motivos.
Outras informações sobre os vínculos da criança
consideradas relevantes.
Família
Responsável da família pela criança, presença de
violência (autores, vítimas, tipos etc), uso de
drogas (quem, tipo, tempo), problemas de saúde na
família (quem, qual, há quanto tempo etc),
falecimentos(quem, data, motivo), presidiário e/ou
desaparecida (quem, motivo, data) e outras
informações consideradas relevantes.
Estrutura familiar: descrever ou montar genograma da estrutura familiar, informar pessoas
próximas, como vizinhos, madrinhas etc. Informar a existencia de avós.
Condição socioeconômica da família.
Condições de moradia (própria, alugada, cedida,
invadida / condições de higiene, saneamento,
energia elétrica etc), renda familiar, pessoas com
ocupação geradora de renda (qual ocupação),
pessoa aposentada, com BPC, pensionista etc.
Outras informações.
62
ANEXO II
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM TÉCNICOS/DIREÇÃO DA INSTITUIÇÃO
Objetivo: Compreender como foram cumpridas as políticas públicas em relação
aquele caso específico.
Passos:
 Esclarecer objetivo da entrevista (complementar dados coletados nos
prontuários)
 Explicar que a entrevista será feita sobre cada família de cada vez (não cada
criança e adolescente).
 Leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
 Permissão para gravação
Ao iniciar a entrevista, fazer uma síntese do caso e mostrar o mapa de rede (um caso
de cada vez)
a) Além dessas instituições, tem mais algum serviço para o qual essa família foi
encaminhada (ou a criança/adolescente)? Qual o motivo?
b) Desses encaminhamentos realizados. O que funcionou? O que não funcionou?
Porque você acha que não funcionou?
c) Que instituições você considera que foram eficazes neste caso? Porque? O
que fizeram?
d) Que instituições você considera não foram eficazes neste caso? Porque? O
que não fizeram?
e) Como você avalia a relação entre o serviço de acolhimento e essas
instituições?
f) Em relação a esse caso, o que poderia ter sido feito e não foi feito? Porque não
foi feito?
g) (Caso a criança/adolescente ainda esteja acolhido). Quais são as perspectivas
de reintegração familiar dessa criança/adolescente e o que está sendo feito
nesse sentido? Caso não, há algo sendo feito no sentido de encaminhamento
para cadastro de adoção?
h) Alguma outra informação que você ache importante registrar sobre essa
família, criança/adolescente?
Para finalizar, a gente gostaria de saber...
i) Como vocês avaliam as políticas públicas em relação as crianças acolhidas?
Com os Planos Nacional e Distrital de Convivência familiar e comunitária, tem
modificado a articulação entre as políticas?
63
Download

Isabella Viana de Oliveira Santos