ARTE NO ENSINO DA GEOMETRIA: REPERCUSSÕES NA
APRENDIZAGEM
Berenice Schwan Ledur
Universidade do Vale do Rio dos Sinos-Unisinos
[email protected]
O presente texto tem como objetivo apresentar o relato de uma experiência
vivenciada no ensino/aprendizagem de Geometria com alunos do curso de Licenciatura
em Matemática, tendo nas artes visuais uma ferramenta para este estudo.
Nos últimos anos tenho me dedicado ao ensino de Geometria nos cursos de
Licenciatura em Matemática nas Instituições de Ensino Superior (IES) em que atuo.
Durante esta vivência de educadora, muitos foram os momentos de inquietações frente
às dificuldades encontradas para desenvolver um trabalho em Geometria que satisfaça
às necessidades do aluno.
Nesta prática como professora de Geometria, encontro alunos com grandes
dificuldades de aprendizagem nesse conteúdo, o que me faz perceber ser indispensável
uma nova abordagem nesse ensino, buscando alternativas na formação do futuro
professor que, não tendo domínio suficiente do conteúdo, trabalha a Geometria de forma
muito restrita.
Sendo formadora de futuros educadores, tenho bem presente que sua formação é
um fator essencial para a qualidade da educação e, por isso, é necessário utilizar novas
estratégias, com novas metodologias, frente aos desafios que se apresentam.
Apesar dos inúmeros esforços dirigidos para a melhoria do ensino dessa
disciplina, ela continua sendo rejeitada pelos alunos e o seu ensino relegado a segundo
plano pelos professores. E, para os poucos que a ensinam ficam as dúvidas em
determinar “o que” ensinar de Geometria e “como” fazê-lo.
Como educadora de futuros professores percebo ser necessário investir na
capacitação desse futuro educador visando permitir-lhe realizar um trabalho de
qualidade em relação a esse conteúdo para tentar superar as limitações impostas em sua
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formação básica. Limitações essas, caracterizadas por uma escola que impõe verdades
já prontas, fazendo dos alunos sujeitos submissos. Segundo Duarte Jr. (2001, p.73), “a
escola ensina respostas”, respostas que na maioria das vezes não contemplam as
inquietações e as dúvidas de nossos alunos.
Cabe ao professor oferecer subsídios para o aprendizado do aluno
desenvolvendo métodos para comunicação da problemática e da possível solução desta,
com a finalidade de construir e reconstruir conhecimento. Neste sentido, inserem-se
algumas idéias de Bachelard, quando se incentiva um ensino participante e ativo
valorizando mais a pergunta do que a resposta. Segundo ele, “para ensinar o aluno a
inventar, é bom mostrar-lhe que ele pode descobrir”(BACHELARD, 1996, p.303).
O abandono e a precariedade desse ensino na escola básica tem sido objeto de
muitas reflexões e pesquisas em educação matemática. Mudanças devem acontecer, e
esse processo deverá garantir um ensino de melhor qualidade, proporcionado pelas
transformações na prática docente. O futuro educador precisa ser melhor preparado em
sua área de atuação, precisa aprender a descobrir e a pensar para atingir um
conhecimento mais amplo e aprofundado.
Acredito que a universidade e, mais especificamente os cursos de licenciaturas,
onde se formam professores, são os locais privilegiados para a promoção destas
mudanças. Os futuros professores devem vivenciá-las em seu ambiente de ensino, e nós,
formadores de professores de Matemática, temos que pensar em caminhos alternativos
na busca destas mudanças, por meio de novas metodologias, de novas práticas e de
novas pesquisas.
As minhas inquietações e reflexões sobre este tema fizeram-me procurar uma
abordagem para o ensino de Geometria, que resgatasse a beleza e a importância desse
conteúdo, tanto para o aluno como para o professor.
A idéia então, foi desenvolver um trabalho em Geometria, envolvendo artes
visuais e criatividade, para dar sentido ao que é ensinado em Geometria e assim,
proporcionar uma vivência artística possibilitando novas práticas, num plano que vai
além do discurso verbal.
Assim, este trabalho teve como finalidade compreender como uma abordagem
da arte repercute na aprendizagem da Geometria.
Integrar artes visuais e Geometria exigiu posicionamentos em relação a estas
áreas de conhecimento. Parti da definição inicial da Geometria como uma ciência do
espaço, um dos ramos da Matemática, logicamente organizada e que possui um grande
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atrativo estético. A Geometria serve de apoio a outras disciplinas, esclarece situações
abstratas, interliga-se com a Aritmética e a Álgebra e incentiva a observação. É uma
ciência surpreendente, quando nos faz perceber que um piso pode ser coberto por
ladrilhos na forma de triângulos eqüiláteros ou hexágonos, mas não na forma de
pentágonos regulares. É fascinante, quando permite viver experiências com criações
artísticas, produzindo sensações e manifestações nunca antes vivenciadas.
O conceito de arte, discutido neste trabalho, está ligado ao conhecimento, à
expressividade, à construção. A arte é um fazer, é uma produção, e fazer arte significa
expor idéias, inclusive, as geométricas. A arte é “[...] uma articulação do fazer, do
representar e do exprimir” (FUSARI; FERRAZ, 2000, p.18).
O educador poderá propor e encaminhar atividades que contemplem os objetivos
do seu trabalho, de diferentes maneiras. O meu encaminhamento foi oportunizar em
diversos momentos, ao longo de um semestre, atividades que desenvolvessem a
criatividade, a percepção artística, pois entendo que esta é uma atividade humana que
pode estabelecer uma ordem universal em tudo o que fazemos e produzimos, em
pensamento e em imaginação. Percebo, assim, que temos, na arte, um instrumento de
educação. Entendo que é possível atingir um conhecimento mais amplo e aprofundado,
incorporando a arte no contexto escolar e permitindo ao estudante ações do tipo: ver,
observar, criticar, ouvir, sentir, pensar, descobrir, criar. Para Osinski (2001, p.96),
Esta capacidade criadora, inerente a todo ser humano, deveria ser
exercitada constantemente. A função da escola seria estimular cada
aluno para que, identificado com suas próprias experiências,
desenvolvesse ao máximo os conceitos que expressam seus
sentimentos, suas emoções e sua sensibilidade estética.
Inserir a arte no contexto escolar não significa fazer do nosso aluno um
artista. Para Duarte Jr.(2001, p.72), o verdadeiro sentido da utilização da arte como um
veículo educacional “[...] é pretender ser uma maneira mais ampla de se abordar o
fenômeno educacional considerando-o não apenas como transmissão simbólica de
conhecimentos, mas como um processo formativo humano”.
Se consideramos a arte algo resultante de um fazer, da produção, entendemos
que ela resulta do processo de criação, da atividade de criar; ou seja, tem como traço
inerente a criatividade. Aqui é importante ressaltar, contudo, que a criatividade é
compreendida como algo resultante da cultura, de bases sobre as quais se consegue
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fazer diferenças. Não se trata, portanto, de espécie de mistério espontâneo, como era
entendida em outros momentos.
Como professores, precisamos despertar a criatividade em nossos alunos e
proporcionar, em sala de aula, um ambiente estimulante, onde eles possam interagir
escutando, tocando, olhando e criando. Vale ressaltar que a criatividade não é resultado
do acaso e tampouco surge do improviso; portanto, é possível criar condições para que
ela aconteça.
Muitas de nossas escolas ainda hoje se caracterizam por imposições às quais os
alunos devem se submeter, desconsiderando o lado humano e não lhes dando a
oportunidade e nem tão pouco espaço para manifestarem seus sentimentos, suas
percepções e sua criatividade. É neste contexto escolar que integrar arte e Geometria
pode servir de estímulo para o aluno expressar aquilo que sente e percebe.
Uma abordagem com esse enfoque é pouco usada na prática do professor, uma
vez que o ensino da Geometria, tradicionalmente, está mais voltado para conteúdos e
não para uma forma mais sensível de abordá-la.
A Geometria é uma importante ferramenta de apoio às outras disciplinas e é
tema integrador entre as diversas partes da Matemática, proporcionando ao aluno uma
maneira específica de raciocinar e de desenvolver o seu pensamento geométrico.
Assim como a arte, a Geometria é também um modo de pensar e interpretar o
mundo, pois formas geométricas sempre estiveram presentes na natureza. Há uma longa
caminhada a ser percorrida independente de considerarmos a Geometria como ciência
ou como arte, pois segundo Oliveira;Garcez (2002, p.18), “as duas formas de
conhecimento transformam o mundo, antecipam o futuro, pois são inovadoras e
descortinam uma nova maneira de ver”.
É preciso que o ensino de Geometria estabeleça uma relação harmoniosa com a
realidade do aluno e a versão mais abstrata desse conteúdo. Essa relação é possível, no
momento da reorganização da prática do professor e de sua reflexão sobre esse ensino.
As relações e formas geométricas sempre existiram e é na representação dessas
formas que podemos entender a inserção da arte, como articuladora deste fazer
geométrico.
A relação entre arte, Matemática e Geometria pode produzir no indivíduo uma
mudança de comportamento, a superação de suas limitações e um melhor
relacionamento humano com o seu grupo de trabalho. A arte humaniza as pessoas, o
trabalho artístico também. Esse sentimento me remete a Matos (2002, p.5) quando em
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seu trabalho afirma: “A atitude artística é a atitude humana em essência. Através de
expressões estéticas, a humanidade incrementa sua comunicação, tentando trazer à luz
os sentimentos mais recônditos dos indivíduos que, na arte, encontram uma via de
coletivização”.
Tem-se na atividade artística uma ação docente mais humana, longe do rigor
autoritário até bem pouco tido como sinônimo de eficiência.
Hoje, também a cultura influi no fazer Geometria embora em nosso país o
acesso a essa cultura ainda seja privilégio de uma classe social minoritária, mas
dominante. Contudo, o que defendo é trabalhar com o referencial cultural de cada
indivíduo no grupo social ao qual está inserido, fazendo-o perceber ser possível por
meio das artes visuais aprimorar sua percepção, liberar sua potencialidade e descobrir o
prazer de criar e intervir livremente no seu trabalho.
Feitas estas considerações este relato propõe discutir e socializar uma
experiência vivenciada com alunos, futuros professores, relativamente a uma nova
abordagem da Geometria, voltada para a arte.
É nesta perspectiva que penso o ensino da Geometria na atualidade, como uma
proposta voltada às artes e que, ao mesmo tempo, dê conta das exigências axiomáticas.
Este aspecto é fundamental, na medida em que apresentar uma proposta diferenciada
metodologicamente não deve, em hipótese alguma, significar o abandono do trabalho
rigoroso com relação aos conteúdos inerentes à área. Diferente disto, a idéia é produzir
novos significados para esse ensino, geralmente tão descontextualizado da vida dos
nossos alunos. Quer dizer, a Geometria tem que fazer sentido.
Para esta prática pedagógica realmente acontecer, torna-se necessário uma
abordagem da Geometria que permita ao aluno liberdade de imaginação, de expressão,
ter iniciativa, ser original, ser crítico, sem ignorar ou sufocar a criatividade, pois,
segundo Demo (1991, p.56), “a única coisa que vale a pena aprender é a criar, o que já
muda a noção de aprender”.
Existem caminhos e possibilidades para garantir um melhor ensino e
aprendizado da Geometria. O que não é mais admissível é defrontarmo-nos com alunos
e, conseqüentemente, futuros professores, sem o menor conhecimento desse conteúdo.
Neste sentido, o meu relato propõe todo um trabalho de construção de conceitos
geométricos, por meio de um direcionamento artístico, mas nunca desvinculado da sua
construção axiomática. Trata-se de uma proposta que garanta ao aluno a sua livre
expressão, ao mesmo tempo em que este aprende os conteúdos. Entendo que esta é uma
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possibilidade para o ensino atual da Geometria.
Assim, este breve resumo serve para mostrar que a instigante associação dessas
duas palavras, Geometria e arte, podem produzir alguma luz na mente dos educandos, e
quem sabe, poder amenizar as grandes dificuldades enfrentadas pelos alunos no estudo
da Geometria e fazer com que este ensino bem articulado, tendo na arte um instrumento
de educação, contribua para uma formação mais abrangente tornando-o um sujeito
autônomo, curioso e convicto das suas possibilidades de criação.
Palavras Chaves: Arte, Geometria, Educação.
Referências Bibliográficas
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. 1. ed. 3a reimpressão. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2001.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1991.
DUARTE JR. João Francisco. Por que arte-educação? 12. ed.Campinas: Papirus,
2001.
FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo. FUSARI, Maria Felisminda de Rezende e.
Arte na educação escolar. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
MATOS, Elvis de Azevedo. Estética e educação: por uma formação docente
humanamente artística. XI Endipe-Goiânia, 2002. In: anais, 1 CD.
OLIVEIRA, Jô. GARCEZ, Lucília. Explicando a arte: uma iniciação para entender e
apreciar as artes visuais. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
OSINSKI, Dulce Regina Baggio. Arte, história e ensino: uma trajetória. São Paulo:
Cortez, 2001.
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