O AGENTE DE EXECUÇÃO E A SUA INCOMPATIBILIDADE COM A
ADVOCACIA
O Agente de Execução está na dependência funcional do Juiz de execução. A sua função é
realizar uma função que incumbe ao estado por força do artº 20º nº 1 da CRP, ou seja, fazer
com que a defesa de interesses legítimos seja defendida.
Toda a actividade exercida pelo Agente de Execução pode, em alternativa, ser efectuada por
oficial de justiça, cfr. nº 4 do artº 808º do CC, funcionário público por excelência.
No preambulo do Decreto-Lei 228/2008 de 20 de Novembro, que permite aos advogados
exercerem, também, funções de agente de execução, pode ler-se “ O sistema de execuções
judiciais ou processo executivo é um factor essencial para o bom funcionamento da
economia e do sistema judicial.” E, ainda, “O papel do agente de execução é reforçado,
sem prejuízo de um efectivo controlo judicial, passando este a poder aceder ao registo de
execuções e actualizar directamente dados sobre estas. Igualmente, o agente de execução
passa a realizar todas as diligências relativas à extinção da execução, sendo esta
arquivada através de um envio electrónico de informação ao tribunal, sem necessidade de
intervenção judicial ou da secretaria.” Reforça-se, assim, o papel da função de Agente de
Execução ao atribuir-lhe mais poderes públicos.
O Estatuto da Câmara dos Solicitadores, que regula a actividade de Agente de Execução,
estatui no Art.º 120.º, que é incompatível com o exercício das funções de agente de
execução o mandato em qualquer execução.
Entendemos que se encontra coarctada a independência do advogado, uma vez que, ao
tornar-se agente de execução, perde dois dos seus direitos basilares: deixa de poder agir
livremente e sem pressão, deixa de poder escolher livremente os seus clientes e exercer o
mandato em qualquer execução, uma vez que está na dependência funcional do Juiz e
compromete-se, sob juramento, a cumprir o estipulado no Estatuto da Câmara dos
Solicitadores.
A independência técnico-profissional do advogado foi, desde sempre, um princípio basilar
na história da advocacia e das profissões liberais, como escreveu Angel Ossorio y Gallardo
“ …designam-se assim não só por acepção gramatical, mas também por acepção lógica,
porque se exercem com liberdade têm o seu mais importante atributo”. “…em nenhum
sector a liberdade é mais completa que no foro. A disciplina profissional é leve para
escrupulosos da própria dignidade e nada acrescenta aos deveres que uma consciência
medianamente delicada impõe a si mesma. Desde que cria uma situação regular, o
advogado só de si próprio depende. É o homem mais livre em toda a extensão da palavra.
Só pesam sobre ele servidões voluntárias; nenhuma autoridade externa detém a sua
actividade individual; não tem outro senhor senão a Lei. E daqui resulta para o advogado
um orgulho natural, por vezes vidrento, e um desdém por tudo o que é oficial e
hierquizado”1
Acresce que, foi criada a Comissão Para a Eficácia das Execuções que tem nas suas
atribuições o poder de fiscalizar, inspeccionar, instruir processos disciplinares de agentes de
execução e aplicar penas disciplinares.
Ora a regulação disciplinar dos advogados, antes entregue aos Tribunais, artº 98 do Código
de Processo Penal de 1876, desde a criação da Ordem dos Advogados, passou a estar-lhe
cometida. A jurisdição disciplinar da ordem é autónoma, exclusiva e independente. É
“…uma forma de administração mediata, consubstanciando uma devolução de poderes do
Estado a uma pessoa autónoma.” (cfr, preambulo do Dec.-Lei 84/84).
Com esta pluralidade agente de execução/advogado estamos nós, advogados, a entregar de
novo este poder ao estado, agora não aos tribunais, mas a uma entidade sem quaisquer
poderes de soberania, externa à nossa ordem, e que julga, fiscaliza, inspecciona e penaliza
os nossos pares.
Correremos o risco de estar a abrir caminho para a criação de uma entidade fiscalizadora,
1
“A Alma da Toga” págs 31-34. Algel Ossorio e Gallardo.
externa a ordem que, a curto prazo, passe a fiscalizar, inspeccionar, julgar e penalizar os
advogados. Ao deixarmos fugir o poder disciplinar, deixaremos cair um dos bastiões da
nossa profissão.
Os agentes de execução começaram por ser uma especialização dentro da solicitadoria
tendo sido criado um Colégio da Especialidade dos Agentes de Execução, composto
unicamente por solicitadores agentes de Execução, inscritos na Câmara dos Solicitadores,
“cfr. artº 69-A do Estatuto da Câmara dos Solicitadores”, ao qual também o advogado
agente de execução está subordinado. Aquele órgão tem nas suas competências incentivar a
valorização profissional, dar apoio formativo e documental aos membros do colégio e
colaborar nas publicações da Câmara. Mas, a alínea f) do art.º 69.º atribui-lhe, ainda, a
competência de “Dar conhecimento aos órgãos com competência em matéria disciplinar de
qualquer comportamento susceptível de sanção por parte dos membros do colégio”. Temos,
assim, mais um órgão que tem o poder de fiscalizar a actividade exercida pelo
advogado/Agente de Execução.
Realçamos, ainda, o facto de o advogado, enquanto agente de execução, ter acesso a
conjunto de bases de dados, nomeadamente, da segurança social e das conservatórias
prediais, comerciais e automóvel. Julgamos evidente ser mais fácil a estes advogados,
mesmo quando não estão no papel de agente de execução, saber se determinada pessoa
possui ou não bens que satisfaçam a pretensão de cobrança dos seus clientes. Dir-se-á que
não poderão faze-lo por ficar registada a consulta. Lembramos que não há qualquer
entidade que controle os acessos dos Agentes de Execução às bases de dados. Atento tal
circunstancialismo, entendemos que a “faculdade de poder aceder às bases de dados”,
atribuída ao Advogado/Agente de Execução, porque lhes permite acesso a informação
privilegiada, abre portas à concorrência directa e desleal para com os restantes advogados.
E como fica o dever perante a comunidade, plasmado na al. h) do artº 85º do EOA, de “ não
solicitar clientes por si ou por interposta pessoa”?
No mínimo entendemos que tal dever fica beliscado com esta dupla função do
Advogado/Agente de Execução. Isto porque, nos parece possível que o estabelecimento de
contactos com exequentes e executados propiciará que estes, para dirimir situações futuras,
recorram, preferencialmente, aos serviços do advogado/agente de execução em detrimento
de um advogado que não acumule as duas valências. Entendemos, assim, que esta
acumulação de funções constitui, por si só, um veículo de angariação de clientes.
Finalmente, o ECS no seu artº 120º nº 1 alínea a) refere que é incompatível o exercício do
mandato em qualquer execução. Mas não é verdade que os
Advogados/Agentes de
Execução podem agrupar-se em sociedades? O que impede tais profissionais de
encaminharem os clientes para um sócio seu? E o que diremos dos advogados/agentes de
execução, em prática individual, que, sem constituírem uma sociedade formal, constituem
sociedades irregulares para partilham o mesmo escritório e respectivas despesas? Não
haverá aqui uma “porta aberta” para a partilha e consequente angariação de clientes?
Conclusões:
1) O Advogado/Agente de Execução perde a independência uma vez que está na
dependência funcional do juiz, equiparando-se a um funcionário judicial.
2) O Advogado/Agente de Execução tem o seu poder disciplinar entregue a uma
entidade externa CPEE fora da Ordem dos Advogados.
3) O Advogado/Agente de Execução concorre deslealmente com os outros Advogados
ao ter acesso privilegiado a bases de dados públicas.
4) O Advogado/Agente de Execução pode pela natureza da sua função angariar clientes
para os seus colegas de sociedade ou de escritório.
Proposta:
Alteração do artº 77º do EOA passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
“ 1. São designadamente incompatíveis com o exercício da advocacia os seguintes cargos,
funções e actividades:
…
q) Agente de Execução.
r) (antiga alínea q).
Susana de Oliveira Alves-47.770 L
Rita Garcia Pereira-18.307 L
António Neves Laranjeira-4.778 L
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