Marcelo modelo4.qxd 28/06/06 00:08 Page 6 U FBA camisa 8: Bobô 11 de julho de 2006 , facom 5 Fotos Arquivo/Correio da Bahia Caminho da glória O sucesso abriu as portas da Seleção, mas a lista de convocados trouxe a depressão contrato com o Bahia acabou no final de 86 e não era preciso "forçar" uma saída, apenas conciliar uma boa proposta profissional com uma compensação ao clube. Mas Bobô preferiu ficar. Queria antes ser campeão brasileiro e lutar por uma convocação para a Seleção Brasileira atuando no Norte/Nordeste, algo que não acontecia há anos. Fez-se de surdo para os convites do eixo Rio-São Paulo, ampliou por mais 12 meses o vínculo e levou o Bahia à quinta colocação no Brasileiro de 86, quando foi eliminado em fevereiro de 87 pelo futuro vice-campeão Guarani/SP nas quartas-de-final. O clube não terminava um campeonato nacional tão bem desde as finais da extinta Taça Brasil contra o Santos de Pelé, em 1959/61/63, quando ganhou o título na primeira oportunidade e foi vice nas outras duas. De contrato renovado, Bobô aproveitou a paralisação para Natal e Ano-Novo na Copa Brasil para descansar e se distanciar do futebol. Dividiu o tempo entre Senhor do Bonfim e Irará, indo a fazendas e roças. A única diferença no programa que fazia desde criança foi a notoriedade. Não havia lugar por onde passasse e não fosse reconhecido. Na volta ao Fazendão, trouxe o irmão Robson, de 18 anos, para treinar no time juvenil. O também ponta-de-lança não teve sucesso e sequer estreou entre os profissionais. Talvez por falta de talento ou de oportunidade, mas certamente porque o rebento não tinha a determinação e persistência do mais famoso produto da dupla Florisvaldo/Tieta, que tomou 15 injeções nas 48h que esteve no Hotel Fonte Sônia, em Valinhos, para entrar em campo e ser substituído após um quarto de hora na derrota por 1x0 para o Guarani, na despedida do Brasileiro. O esforço que beirava o desespero tinha uma explicação na lógica de Bobô. Quanto mais em evidência ele permanecesse, maiores seriam as possibilidades de seu nome constar na lista de convocados do técnico Carlos Alberto Silva para integrar a Seleção Brasileira no Pré-Olímpico da Bolívia, onde somente atletas que nunca haviam sido internacionais puderam ser chamados. Após ser desfalque em dois amistosos, triunfo por 1x0 no Vitória e 4x2 na Seleção de Ibirataia; o meia voltou fazendo jogadas sensacionais na estréia do Campeonato Baiano - 2x1 sobre a Catuense, que desta vez apresentava em sua vitrine o centroavante Vandick e o arisco e pequenino ponta Naldinho. Em 13 de março, Carlos Alberto Silva divulgou os canarinhos e o lateral-direita Zanata foi o único jogador do Norte/Nordeste convocado. Para a ponta-de-lança, o treinador escolheu Bebeto, do Flamengo/RJ, e Valdo, do Botafogo/RJ, atleta que apesar de ter sido reserva na Copa do Mundo do México pôde ser chamado porque ainda não havia estreado na Seleção. Se nos amistosos pela Europa no final de 86 Paulo Maracajá disse em público que não gostaria de perder seu melhor jogador para o Brasil, agora o posicionamento do presidente do Bahia foi justamente oposto. O dirigente conversou pessoalmente com Pedro Lopes, diretor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e garantiu que liberaria quantos atletas fossem requisitados. A restrição que alguns clubes tentavam impor de liberar no máximo um ou dois jogadores não valia para o Bahia, que não se incomodava em ceder o goleiro Rogério, o volante Paulo Martins e o próprio ponta-de-lança Bobô, outros nomes especulados pela imprensa como potenciais candidatos. O Contagem progressiva Ausente da lista de convocados, Bobô foi relacionado para o amistoso contra o Lagarto/SE, clube da cidade de mesmo nome. O jogador marcou um gol e criou as melhores oportunidades na vitória por 3x1, quando o centroavante Charles, futuro artilheiro do Brasileiro de 1990, fez seu primeiro gol como profissional. Charles, o menino de Itapetinga, ainda atuava na meia e jamais imaginaria que a torcida do Bahia se revoltaria por sua não convocação por Sebastião Lazaroni para a Copa América de 1989, quando o Brasil jogou a primeira fase em Salvador, e vaiaria a própria Seleção Brasileira. Mas a explicação estava no exemplo de Bobô, que não recebeu afagos e ensinou aos tricolores a importância de respeitar quem utiliza a própria vida para lhes dar alegria. Bobô não agüentou a pressão de ser preterido e desprovido de auto-estima não teve forças para reagir. Perdeu o gosto por ser jogador de futebol. Esteve irreconhecível no triunfo por 3x2 sobre o Leônico, em 22 de março, e decepcionou quem esperou assistir das arquibancadas da Fonte Nova a redenção do ídolo. Dia 31 de março, foi dia de Bahia x Seleção Pré-Olímpica, que faria o segundo e último amistoso antes do embarque para a Bolívia. Bobô grudou ao lado dos marcadores e desejou ser um anônimo para que seu rosto não fosse alvo de olhares durante os 90 minutos de tortura. O que já estava ruim para o Bahia ficou ainda pior quando Claudir se desentendeu com o árbitro José Assis Aragão e foi expulso no final do primeiro tempo. No segundo, muito por culpa da falta de criatividade do Brasil, o tempo se arrastou e foi um exercício de heroísmo agüentar a ausência de vida inteligente nas quatro linhas. A exceção foi o meia Leandro, que deu show de competência ao estender a mão e lutar tanto por ele quanto por Bobô. Mesmo com nove homens em campo, o Bahia empatou por 0x0 com a Seleção Brasileira Pré-Olímpica. Era nítida a falta de motivação de Bobô nos treinos e nas entrevistas aos setoristas que faziam a cobertura do dia-adia no Fazendão. O jogador, que por articular bem as palavras e ainda ser um ídolo era sempre requisitado, passou a não atender aos pedidos de entrevista ou, então, a ser burocrático nas respostas. Em 3 de abril, o Bahia enfrentou o extinto Botafogo/BA e venceu por 1x0, gol de Sandro. No segundo tempo, o técnico Orlando Fantoni não suportou mais tamanha dispersão e oficializou a saída do corpo de Bobô de campo, uma vez que sua mente latejava a não convocação; era mais um indício do processo depressivo pelo qual passou e que nenhum torcedor conseguiu diagnosticar ou tampouco respeitar. À saída do campo, Bobô se recusou a falar com a imprensa, algo incomum na carreira, e foi vaiado por parte dos tricolores quando se dirigia ao túnel de acesso ao vestiário. Desolado, o ponta-de-lança avisou que, se não precisavam dele, poderiam negocia-lo - e interessados não faltavam após à participação na Copa Brasil de 85, quando a magia de seu futebol o fez concorrer na eleição de desportista do ano da revista Placar. O vencedor acabou sendo Careca, atacante campeão brasileiro de 87 com o São Paulo e que fez história no final da década de 80 e começo de 90 no Napoli, da Itália, com o argentino Diego Armando Maradona. Coube ao diretor de futebol Fernando Moreira a tarefa de demover Bobô da idéia de deixar o Bahia e iniciar o tratamento pela recuperação do cidadão. O diretor mostrou-se compreensivo com o delicado momento e aceitou o pedido de Bobô para não enfrentar o Itabuna no Estádio Luiz Viana Filho, no sul do estado, autorizando-o a passar o fim-de-semana com a família em Senhor do Bonfim. Aquele homem feito, que desde os 10 anos enfrentava marcações ríspidas, precisava de colo para se acalmar e voltar a viver. E sua vida era o futebol. No retorno aos treinos, marcado para a terça-feira pela manhã, Bobô não apareceu, o que deu voz e linhas à especulação sobre um suposto pedido para ser negociado para alguma equipe do eixo Rio-São Paulo, tendo o presidente Paulo Maracajá o avaliado em Cs$ 10 milhões - mais que dez vezes o preço que havia custado um ano e meio atrás. Fernando Moreira desmentiu as informações e justificou a ausência ao fato do treinamento ter sido restrito ao período da manhã, quando, no Bahia, o normal eram trabalhos em dois períodos às terças-feiras. Foi meia verdade e meia estratégia, com a licença do eufemismo da língua portuguesa. Antes de iniciar o treino na manhã de quarta-feira, 8 de abril, Bobô foi à sala da presidência conversar com Paulo Maracajá, quando confessou ter perdido três quilos e argumentou estar se recuperando de problemas emocionais. Reconhecer a fraqueza psicológica foi o início da contagem progressiva para a reabilitação. Em duas semanas, ele voltou a comandar o time e a receber elogios por reencontrar o futebol. Ainda em abril, Paulo Maracajá desmentiu a informação que o estaria vendendo ao Grêmio - porém com uma diferença significativa: não era mais interesse de Bobô em sair, mas de outros clubes em contratá-lo. Na primeira quinzena de maio, houve nova convocação para a Seleção Brasileira e o nome Bobô voltou a ser cogitado. Antes que novo pânico se instalasse, o próprio jogador tratou de abafar a euforia, desejando sorte para Bebeto na carreira, uma vez que o Flamengo/RJ estava impondo sérias dificuldades para liberá-lo devido à disputa do Campeonato Carioca e também a uma insatisfação na maneira da CBF em conduzir o futebol brasileiro. E naquela época Bebeto ainda não era o Bebeto. Em 13 de maio, o Bahia enfrentou o Itabuna novamente no Estádio Luiz Viana Filho, no sul do estado. Por obra do destino, desta vez foi o Bahia quem lamentou ter levado Bobô a campo, com a torcida iniciando no mês das noivas um processo de viuvês. No final do segundo tempo, o jogador sentiu fortes dores no joelho esquerdo, o mesmo que havia sido operado três anos antes, e deixou o campo chorando. Orlando Fantoni já havia feito as três substituições e o Bahia empatou por 0x0 com um jogador a menos. A suspeita era de distensão nos ligamentos do joelho, o que o deixaria afastado por 15 dias. Em 15 de maio, enquanto Bobô, com a perna engessada, seguiu para a Clínica Orto, em Brotas, Paulo Maracajá desmentiu qualquer proposta do Flamengo/RJ. Logo após o resultado do exame de imagem, o médico do Bahia, Luiz Osório, confirmou a necessidade de operação e garantiu que seriam no mínimo 90 dias de recuperação. Em 19 de maio, Bobô foi operado no quarto dois da Clínica Orto pelos médicos Luiz Osório, Rubens Pitangueiras e Raimundo Britto, quando quis saber de detalhes até da anestesia. Depois de aproximadamente 1h15, terminou com sucesso a intervenção cirúrgica. Foi esperar o tempo passar para iniciar os processos de fisicultura (hoje, denominado fisioterapia) e de musculação. Exatamente uma semana depois, o automóvel Monza, de cor branca, dirigido por Sandro bateu no Chevette que minutos antes havia colidido com um ônibus na BR-324. O ponta, acompanhado pelo centroavante Joãozinho, retornava da micareta de Alagoinhas, onde pernoitaram na casa do anfitrião Vandick. Bobô, que já dividia um apartamento no bairro da Pituba com Sandro, ganhou por mais 10 dias um companheiro de estaleiro para assistir a programas de televisão e a filmes no videocassete. As notícias dos vestiários do Fazendão vinham de Claudir, o outro morador da casa. O retorno aos coletivos aconteceu em 2 de setembro e Bobô não sentiu qualquer incômodo nos 50 minutos de jogo após 110 dias ausente de uma partida. Em 7 de setembro, o grito de independência por figurar no banco de reservas contra o Flamengo, que contava com o retorno de Zico, recuperado da lesão que o afastou da final do Campeonato Carioca vencida por 1x0 pelo Vasco. O rubro-negro, futuro campeão do Módulo de Ouro da Copa União 87, tinha os futuros tetracampeões mundiais Jorginho, Aldair e Bebeto, além do goleiro Zé Carlos, do recém-chegado zagueiro Edinho Nazareth, e da dupla de ataque Renato Gaúcho e Nunes. Já o Bahia contratou no dia seguinte, junto ao Itabaiana/SE, o volante Gil Sergipano, futuro campeão brasileiro em 1988. Na estréia da Copa União, o Bahia recebeu o Vasco/RJ. No segundo tempo, quando Romário fez seu segundo gol, o técnico Orlando Fantoni atendeu os apelos iniciados ainda na etapa inicial pelo retorno de Bobô e o colocou em lugar de Lulinha. Mas o Bahia estava perdido e Romário fez o terceiro, fechando a conta em 3x0. Durante a semana, Fantoni conviveu com ameaças de demissão e conversou intensamente com Bobô para atestar se este poderia retornar, decidindo por escalá-lo desde o início para encarar o São Paulo e para sobreviver no emprego. No empate por 1x1, Bobô completou com garbosidade o rebote do goleiro Gilmar em falta cobrada por Marquinhos, outro campeão brasileiro que havia ganhado oportunidade no ataque desde a sua lesão no joelho. No início do segundo tempo, quando o São Paulo substituía Edvaldo por Marcelo, anunciou-se a morte do torcedor João Matos, que sofreu uma parada cardíaca após o gol de Bobô e acabou por falecer na ambulância enquanto era levado para o HGV. Foi a primeira vítima do título de campeão brasileiro. Antecipou-se apenas ao ano. Um ano.