VALIDAÇÃO DA ESCALA DE ESTRATÉGIAS E MOTIVAÇÃO PARA APRENDIZAGEM: ESTUDO CONSIDERANDO GÊNERO Bruno A. Finoto: [email protected] Dra. Katya Luciane de Oliveira: [email protected] Tamiris S. de Oliveira: [email protected] Nayara T. Naves: [email protected] Karina Stagliano: [email protected] (Universidade Estadual de Londrina – Iniciação Científica Fundação Araucária Introdução Avaliação Psicológica: construção e validação dos instrumentos A avaliação psicológica é uma atividade de grande importância ao psicólogo, pois ajuda a pensar e desenvolver metodologias para uma intervenção mais eficaz no contexto em que ele está trabalhando. Uma avaliação psicológica compõe-se de vários instrumentos, tais como entrevistas, dinâmicas, observações e testes psicológicos (Noronha, Baldo, Barbin & Freitas, 2003). Tais instrumentos são necessários para que a avaliação psicológica seja adequada e feita com responsabilidade. A aplicação e correção de um ou vários testes, não compõe uma avaliação psicológica. Atualmente, as áreas da saúde mental e da educação se utilizam da aplicação de testes para compor uma avaliação, bem como a área de Psicologia Organizacional, para seleção e classificação de pessoal, e o aconselhamento individual, com a finalidade de traçar um perfil do sujeito, através da aplicação de testes de personalidade, profissional, de habilidades, de interesses e atitudes, dentre outros. Os testes se diferenciam na sua constituição, como por exemplo, o objetivo, o modo de aplicação e o aspecto comportamental que o compreende, e nos diferentes contextos que são aplicados. Geralmente, testes relacionados a traços de personalidade e questões afetivas, são utilizados em aconselhamentos individuais e aplicados individualmente. Já testes de desempenho e cognição, bem como habilidades e atitudes, são aplicados coletivamente em contexto de seleção e classificação de pessoal (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2009). O que caracteriza o teste psicológico é ser uma medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento, composto por itens, podendo ser disposto de três 2 maneiras: escala likert, múltipla escolha e dicotômica. Assim sendo, o ramo da psicologia que estuda os fenômenos psicológicos, utilizando-se de saberes estatísticos para a mensuração dos mesmos, denomina-se Psicometria. A partir da interface com a matemática e a estatística, há uma tendência maior em preocupar-se com a construção de testes cada vez mais objetivos e padronizados, com a finalidade de diminuir a probabilidade de fatores incontroláveis influenciarem em seus resultados (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2009). Para tanto, alguns critérios são necessários para o teste ser considerado adequado e objetivo: precisão (confiabilidade ou fidedignidade), valor diagnóstico ou preditivo, normatização (padronização) e validade. Tais atributos precisam ser considerados desde sua elaboração até a finalização da construção do teste (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2009). Dentre todos os critérios, os estudos de validade são considerados os mais importantes, pois vai indicar se o teste pode medir o que pretende medir, ou seja, se o teste possui apenas uma representação do constructo (do tema abordado no teste, como inteligência, por exemplo) e se abrange todos os aspectos relacionados a ele. A representação da validade é dada através do coeficiente de validade e está relacionada à correlação entre o desempenho no teste e em outras situações (critérios externos), por exemplo, escore alto em raciocínio verbal e alto desempenho em português. Podem-se citar alguns tipos de validade, como validação de conteúdo, que consiste em verificar se os itens do teste e seus conteúdos são coerentes com o objetivo do mesmo; validação de constructo, no qual consiste em saber se o constructo que o teste se propõe a medir é realmente representador pelo conjunto de itens; e a validade de critério, em que são utilizados critérios como sexo, idade, nota escolar, para a obtenção de parâmetros de comparação (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2009). Outro aspecto importante é a questão ética que perpassa toda a construção, padronização, validação e publicação do teste. O psicólogo necessita seguir normas estabelecidas para a construção do instrumento, bem como sua conduta deve ser pautada em valores legais, tais como o feedback, o qual o testando tem direito, e a publicação dos resultados somente mediante o consentimento do testando (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2009). No Brasil, a partir da resolução 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia, houve a definição e regulamentação do uso, da construção e da comercialização dos testes. Está presente no Art. 1º dessa resolução a informação de que os testes são 3 instrumentos de uso privativo do psicólogo, em decorrência do 1º do Art. 13 da Lei nº 4119/62. Essa lei ajuda no controle do uso dos testes somente por profissionais qualificados, diminuindo a probabilidade de uso inadequado do instrumento, bem como interpretações errôneas dos resultados (Anastasi & Urbina, 2000; Conselho Federal de Psicologia, 2003). Estratégias e Motivação para Aprendizagem Atualmente, estudos têm demonstrado a importância do educador de ensinar os educandos a questionarem e obterem maior controle sobre o processo de aprendizagem. Tais estudos ainda mostram que são vários os fatores envolvidos nesse processo, tais como cognição, memória, afeto e motivação (Boruchovitch, 1999; Neves & Boruchovitch, 2004). Boruchovitch (1999) comenta que educandos são mais eficazes em seu desempenho escolar quando aprendem a controlar e monitorar o seu processo de aprendizagem, devido a adquirir consciência de seus processos mentais e de sua compreensão, sendo capazes de identificar e demonstrar quando não entendem algo. Dessa forma, pode-se afirmar que a utilização de estratégias de aprendizagem de modo adequado, melhora na aquisição, armazenamento e utilização do conhecimento, bem como na eficácia e desempenho do educando (Boruchovitch, 1999). Entende-se por estratégias de aprendizagem, as ações ou métodos utilizados pelos educandos para aprenderem, desde grifar um texto e anotar comentários a gravar uma aula e ouvi-la repetidamente (Boruchovitch, 1999). Estes procedimentos são de suma importância para verificar a eficácia de aprendizado do educando. Outro fator importante supracitado presente na aprendizagem, é o motivacional. Segundo as teorias sócio-cognitivistas, entende-se por motivação, no contexto escolar, o fator interno que leva o educando a estudar, procurar fazer os trabalhos e terminá-los. Esse fator pode afetar diversos comportamentos do educando, como seu desempenho, modificar sua memória, sua percepção do mundo e suas relações com as outras pessoas (Neves & Boruchovitch, 2004). Ainda sobre a motivação, há dois tipos de orientação presentes na motivação: a intrínseca, que leva o educando a buscar novidades e desafios caracterizados por comportamentos autônomos e autorreguladores; e a extrínseca, associada à busca de realizações externas por recompensas matérias e/ou sociais, tal como a tendência do estudante de demonstrar habilidades e aptidões ao educador ou atender as demandas dos pais, diretores, amigos, dentre outros (Neves & Boruchovitch, 2004). 4 Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (Pnad) de 2008, no Brasil demonstram que, aproximadamente, 79,2 % dos estudantes de 4 anos ou mais frequentam a rede pública de ensino (IBGE, 2009). Boruchovitch (1999) relembra que o ensino brasileiro sofre uma grande defasagem em relação aos outros países, principalmente no que se refere ao ensino público. A autora ainda lembra-se do alto índice de desistência escolar, nos mais diferentes períodos. Há vários fatores que levam o estudante abandonar sua educação: a necessidade de trabalho, a falta de apoio dos familiares, do governo, de motivação e do próprio preparo do professor para receber este estudante, entre outros. Estes fatores contribuem para o aumento no analfabetismo brasileiro, que, segundo o Pnad de 2008 chegam a 14,2 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais (IBGE, 2009). Desta forma, notou-se a necessidade de avaliação das estratégias e motivação de aprendizagem dos estudantes, de modo a contribuir para a diminuição das taxas de desistência e analfabetismo que acarretam graves conseqüências para a população do Brasil. Também contribui para os estudantes desenvolver-se nas esferas educacional, econômica, política e social, colaborando para o desenvolvimento do país. Sendo assim, o presente estudo buscou levantar evidências de validade de critério da escala de estratégias e motivação para a aprendizagem de estudantes do ensino fundamental, médio e superior do Norte do Paraná, considerando diferenças entre gênero. Material e Métodos Sujeitos A amostra foi composta por 280 estudantes dos ensinos fundamental, médio e superior, de escolas e instituições de cidades do Norte do Paraná. As idades variaram entre 10 e 23 anos, sendo 56 % da amostra composta por sujeitos do sexo feminino e 44% por sujeitos do sexo masculino. Instrumento Foi utilizada a Escala de Motivação e Estratégias de Aprendizagem de autoria de Oliveira (2009), trata-se de uma escala que contém 30 afirmações envolvendo assuntos relacionados à motivação para aprender e às estratégias empregadas no momento do estudo e da aprendizagem escolar. As alternativas de respostas estão dispostas em escala likert de 3 pontos (sempre, às vezes e nunca), os estudantes devem 5 ler e responder com um x apenas uma alternativa que apontará a freqüência com que ele apresenta esse comportamento. Cabe esclarecer que de acordo com a etapa de escolarização, quais sejam, fundamental, médio e superior, pequenas palavras foram adaptadas, respeitando cada etapa. Procedimento Com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (projeto já submetido), as coletas foram iniciadas, sendo respaldadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, da qual fundamenta todos os procedimentos éticos adotados nesta pesquisa. Os alunos menores de idade participaram mediante a autorização de das escolas que colaboraram com a pesquisa, expresso por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. As escolas foram contatadas por meio de telefonemas e idas as instituições. Mediante a aprovação das respectivas diretorias, a aplicação pode acontecer. As aplicações ocorreram coletivamente em sala de aula em horário estabelecido pelas instituições de ensino, tendo um tempo médio de 20 minutos. O instrumento ainda possibilitou ao aluno se auto-avaliar, mediante a uma nota que ele se dava.. Resultados Foi realizada a análise de dados inerentes aos alunos dos ensinos fundamental e médio. Quanto aos dados de estatística descritiva, a média de pontos na escala foi de 50,0 pontos (DP=5,4), sendo a pontuação mínima 29 pontos e a máxima 60. A Figura 1 apresenta os dados de estatística da pontuação na escala. 6 60 50 40 30 Frequência 20 10 0 30,0 35,0 32,5 40,0 37,5 45,0 42,5 50,0 47,5 55,0 52,5 60,0 57,5 Figura 1. Distribuição da pontuação dos sujeitos na Escala de Motivação e Estratégias de Aprendizagem. No que se refere ao objetivo do trabalho, qual seja, levantar evidencias de validade de critério para a escala de estratégias e motivação para aprendizagem, considerando gênero, foi utilizado o teste t de Student para levantar eventuais diferenças entre os gêneros. Os resultados evidenciaram diferença estatisticamente significativa, considerando t=3,155 e p=0,002. O genro feminino obteve uma média de desempenho na escala um pouco melhor (M=67,0) do que o masculino (M=64,1). Discussão De acordo com Anastasi e Urbina (2000), o estudo de validade é a parte mais importante na construção de um bom instrumento de avaliação, pois é a validade que indica se o teste mede o que se propõe a medir. Dessa forma, utilizando-se de um estudo de validade de critério, ou seja, de variáveis externas que, se comparada com o instrumento, demonstra que este está adequado àquela população, faixa etária e grau de escolaridade, percebeu-se que a Escala de Estratégia e Motivação para Aprendizagem não está adequada no que diz respeito ao gênero. 7 Como demonstrado nos resultados estatísticos, uma significância menor que p=0,050, mostra que há diferenças do instrumento em comparação a dois ou mais grupos. Desse modo, significância de p=0,002, está abaixo do esperado, comprovando que há diferença entre o grupo de sujeitos do sexo masculino e do sexo feminino, ou seja, alguns itens do instrumento fazem com que sujeitos do sexo feminino tenha um desempenho maior que sujeitos do sexo masculino. A partir desses resultados, pode-se levantar a hipótese de que estudantes do sexo masculino possuem estratégias e motivação para aprender menor que estudantes do sexo feminino. Fatores culturais e ambientais podem ter contribuído para os resultados, tais como o incentivo que as mulheres recebem para estudar, a dedicação maior para a realização das tarefas, o comprometimento com as mesmas, bem como fatores intrínsecos, de busca por conhecimentos novos e comportamentos autorreguladores (Neves & Boruchovitch, 2004), os quais ocorrem com maior incidência na população feminina. Indivíduos do sexo masculino são socialmente incentivados a trabalharem em profissões que não exigem tanto esforço mental. Outra questão são os estereótipos presentes no contexto escolar. Moças e rapazes são vistas de forma diferenciada pela cultura da escola: elas como “estudiosas”, “caprichosas”, “precavidas”, “organizadas”, “atentas” e mais “inteligentes” que eles, vistos como “bagunceiros”, “largados”, “desatentos”, “burros”, “folgados”. Estes estereótipos podem contribuir para o descomprometimento com a atividade, como respostas dadas aleatoriamente e sem reflexão, que resultam em baixos escores dos estudantes do sexo masculino. Vale ressaltar que a amostra é heterogenia, o que faz com que estes resultados necessitem de novos estudos e grupos diferentes para amostra. Considerações Finais Pode-se observar que estratégias e motivação para aprendizagem são comportamentos complexos que envolvem vários fatores. Pode-se observar também que há diferenças significativas no que diz respeito a o gênero. Outro fato observado é a importância do processo de validação do instrumento, na construção do mesmo, pois é a validade que vai mostrar se o instrumento mede o que se propõe a medir. No caso, os resultados obtidos mostram a necessidade de novos estudos com o instrumento, bem como novas análises estatísticas dos resultados, a fim de refinar o instrumento para poder ser utilizado em um processo de avaliação. 8 Como dito anteriormente, dados do IBGE indicam que a taxa de analfabetismo tem aumentado nos últimos anos, incluindo a taxa de evasão escolar (IBGE, 2009). Com base nos resultados obtidos, pode-se levantar a hipótese de que estudantes do sexo masculino seja a população com maior índice, devido aos fatores anteriormente discutidos, como falta de motivação para o estudo e de estratégias de aprendizagem. Deste modo, denota-se a necessidade da criação de instrumentos que ajudem a compreender o que acontece com estudantes que tenham dificuldades de aprendizagem, coletando informações de forma mais específica, para ajudar na posterior intervenção com esse estudante. Outro fator referente à necessidade de criação de novos instrumentos, é a escassez de recursos para a avaliação no que tange essa temática. Atualmente, o número de instrumentos aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia, referentes à Motivação e Estratégias de Aprendizagem, é extremamente limitado. Hoje, há estudos em andamento para a adaptação de instrumentos estrangeiros à realidade brasileira. Entretanto, o número de instrumentos que meçam tais comportamentos, criado para atender a população diversificada do Brasil, é quase nulo. Isso seria mais um motivo para novos estudos serem realizados, para que os instrumentos utilizados pelos psicólogos brasileiros condigam com a realidade encontrada no país. Por fim, a criação de instrumentos adaptados para a diversidade do país, contribui tanto para o aumento de pesquisas cientificas e a valorização do trabalho nacional, quanto para as posteriores intervenções com esses estudantes, pois o instrumento estará mais próximo da realidade presente no Brasil. Referencias Anastasi, A. & Urbina, S. (2000). Fundamentos da testagem psicológica. Porto Alegre: Artes Médicas. Boruchovitch, E. (1999). Estratégias de aprendizagem e desempenho escolar: considerações para a prática educacional. Psicologia: reflexão e crítica [online], Porto Alegre, 12(2), 361-376. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA – CFP (2003). Resolução nº 02/2003. Distrito Federal: Brasília. Disponível em: <http://www.pol.org.br>. Acessado em: 17 set 2009. 9 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (1996). Resolução 196/96. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa. Distrito Federal: Brasília. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br>. Acessado em: 17 set 2009. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE (2009). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2008. RJ: Rio de Janeiro. Disponível em: <http://download.uol.com.br/downloads/windows/sintesepnad2008.pdf> Acessado em: 20 set 2009. Neves, E. R. C. & Boruchovitch, E. (2004). A Motivação de Alunos no Contexto da Progressão Continuada. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, 20(1), 77-85. Noronha, A. P. P., Baldo, C. R., Barbin, P. F., & Freitas, J. V. (2003). Conhecimento em avaliação psicológica: um estudo com alunos de Psicologia. Psicologia: Teoria e Prática São Paulo, 5(2), 37-46. OLIVEIRA, K. L (2009). Escala de estratégias e motivação para a aprendizagem de alunos dos ensinos fundamental, médio e superior. Manuscrito não publicado do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina. Londrina. PASQUALI, L (2009). Psicometria: teoria dos testes na Psicologia e na Educação. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes.