PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO
Marcelo Coutinho de Oliveira
Rio de Janeiro, 2014
UFRJ
PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO
Marcelo Coutinho de Oliveira
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários
para obtenção do Título de Mestre em Letras
Clássicas.
Orientadora: Profª. Drª Tania Martins Santos.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO
Marcelo Coutinho de Oliveira
Orientadora: Professora Doutora Tania Martins Santos.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras
Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas.
Examinada por:
Presidente, Profª. Drª Tania Martins Santos, PPGLC – UFRJ
Profª. Drª. Fernanda Lemos de Lima, – UERJ
Profª. Drª. Shirley F. Gomes de A. Peçanha, PPGLC – UFRJ
Profª. Drª. Greice Ferreira Drumond – UFF, Suplente
Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira, PPGLC – UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
Oliveira, Marcelo Coutinho de.
Primeira Filípica: Discurso, Credibilidade e Persuasão/ Marcelo Coutinho de
Oliveira – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2013.
101f.; 31cm
Orientadora: Profª. Drª Tania Martins Santos
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pósgraduação em Letras Clássicas, 2014.
Referências Bibliográficas: 101f.
1. Retórica. 2. Demóstenes. 3. Primeira Filípica. I Santos, Tania Martins. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa
de Pós-graduação em Letras Clássicas. III. Título.
PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO
Marcelo Coutinho de Oliveira
Orientadora: Professora Doutora Tania Martins Santos
Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas.
A dissertação ora proposta visa a explorar os argumentos persuasivos presentes na
peça retórica Primeira Filípica, de Demóstenes, orador ateniense do século IV a.C., cujo
objetivo é oferecer um planejamento de reorganização financeira e militar, a fim de
defender a Grécia da ameaça macedônica capitaneada por Filipe II, rei expansionista.
Julga-se necessário, para cumprir o objetivo, analisar os pressupostos retóricos
observáveis na educação para a formação política do orador ateniense do século IV a.C.
Palavras-chave: Demóstenes; Discurso; Primeira Filípica; Retórica.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
PRIMEIRA FILÍPICA: DISCURSO, CREDIBILIDADE E PERSUASÃO
Marcelo Coutinho de Oliveira
Orientadora: Professora Doutora Tania Martins Santos
Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas.
The proposed dissertation aims to explore the persuasive arguments contained in
the rhetorical piece First Phillipic, by Demosthenes, Athenian orator from the fourth
century B.C, whose objective is to offer a military and monetary reorganization plan to
defend Greece from the Macedonian menace capitained by Phillip II, expansionist king.
In order to accomplish this objective, it is necessary to analyse the rhetorical assumptions
needed for the education and political formation of the Athenian orator in the fourth
century B.C.
Keywords: Demosthenes; Discourse; First Phillipic; Rhetoric.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2014
Dedico este trabalho à minha mãe
Cida Coutinho, meu pai Amauri
Oliveira e meus irmãos Adilson e
Phelipe.
Obrigado, gente, pelo suporte,
compreensão e incentivo diários.
Agradeço à minha família pelo
suporte de cada dia, pelo carinho e
pelos momentos de alegria em casa;
à Jillian Antunes, por todo o
incentivo, compreensão e por esses
dois anos de felicidade e
companheirismo;
aos amigos de vida inteira: Tata,
Dani Eller, Daniel Fernandes,
Pedro Pinheiro e Guilherme
Brandão, verdadeiros irmãos que a
vida me trouxe;
à minha melhor amiga, Marianna
Wanderley, cujo agradecimento
não caberia neste espaço;
aos bons amigos que fiz nessa
jornada helênica, em especial à
Luana Cruz e Luciana Bomfim,
pelas inúmeras conversas, cafés e
afins, ao Brian Kibuuka, por sua
incrível bondade e amizade, e à
Tania Martins, que sempre me diz
“vai, meu filho!”;
aos meus grandes amigos da
música: Gabi, Bella e Phil, que
tornam as semanas mais animadas e
menos cotidianas;
à diletíssima professora de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental
Nadja Moreeuw, pelo exemplo de
amor e dedicação à carreira;
aos meus queridos professores de
Língua e Literatura Grega da UFRJ,
que vêm me transmitindo valiosas
lições no decorrer da trajetória
acadêmica;
aos amigos que fiz na UERJ, em
especial à Fernanda Lemos, à
Luciana Póvoa e à Elisa Costa, que
me acolheram de braços abertos e
divertem o fim das sextas-feiras;
e aos demais amigos que me
ajudaram a afrouxar a tensão e
quebrar a solidão da escrita.
Neste trabalho vai um pouquinho
de cada um. Fica registrado aqui o
meu carinho por todos vocês e a
gratidão por tudo!
Agradeço também à CAPES pelo
apoio recebido para a realização da
presente pesquisa.
Agradeço especialmente à Professora
Doutora Tania Martins Santos, amiga
querida e sapientíssima orientadora, que
tornou possível a realização deste
trabalho por meio de sua extrema
dedicação, paciência e avaliação
criteriosa. Suas lições são sempre muito
importantes para o meu amadurecimento
acadêmico e pessoal.
O meu “muitíssimo obrigado por tudo”
não expressa suficientemente bem a
minha gratidão e carinho por você.
SINOPSE
Panorama da retórica na Grécia Antiga.
Estudo dos recursos retórico-estilísticos
demostênicos,
com base
na
obra
Primeira Filípica. Tradução da peça
retórica Primeira Filípica. Análise
estilística da obra.
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO................................................................................................. 13
2.
A ELEVAÇÃO DA RETÓRICA À TÉCNICA............................................. 16
2.1 As origens da Retórica na Grécia................................................................ 16
2.2 Aristóteles e sua Arte Retórica.................................................................... 25
2.2.1 O filósofo de Estagira......................................................................... 25
2.2.2 A Arte Retórica.................................................................................. 27
2.3 O gênero deliberativo................................................................................... 31
3.
DEMÓSTENES E A PRIMEIRA FILÍPICA................................................ 36
3.1 O caminho até a tribuna............................................................................... 36
3.2 Primeira Filípica.......................................................................................... 38
3.3 O e1qov como construção da identidade discursiva do orador..................... 48
3.4
Primeira Filípica: uma abordagem estilística à luz dos pressupostos
retóricos........................................................................................................ 53
4.
CONCLUSÃO.................................................................................................. 84
5.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 88
6.
ANEXO............................................................................................................. 92
1. INTRODUÇÃO
A linguagem, entre as diversas funções que se lhe pode atribuir, deve ser
compreendida como o ponto de partida para qualquer interação social. Por meio da
palavra, inicia-se uma vasta gama de ações que dependem da habilidade comunicativa de,
ao menos, dois indivíduos. Destas ações, destaca-se a capacidade de repreender ou
elogiar, de acusar ou defender um ponto de vista, de dissuadir ou persuadir alguém em
relação à alguma questão, seja esta de interesse privado ou público. Em outras palavras,
o uso da linguagem pode ser considerado um exercício retórico.
É neste âmbito que se encaixa o tema escolhido para a dissertação ora proposta,
cujo interesse surgiu ainda durante a graduação, quando, em uma disciplina de Língua
Grega, foram apresentados excertos de discursos referentes a uma cidade ameaçada pelo
poderio do exército estrangeiro.
A expressão do orador ateniense Demóstenes, sua insistência em propor ações
para defender não só a população de sua cidade, mas o povo grego de maneira geral, e
sua vontade de ver a Hélade inteiramente livre das ameaças do rei macedônico Filipe II
despertaram o interesse pelo estudo da técnica empregada pelo autor, visando a atingir os
objetivos mencionados. Desta maneira, chegou-se às Filípicas, um conjunto de discursos
que têm como propósito denunciar as ultrajantes ações e quebras de acordo por parte de
Filipe II e encorajar Atenas a defender-se do avanço militar do rei, das quais se elegeu a
Primeira Filípica para analisar pormenorizadamente na presente dissertação.
O referido discurso tem como principal proposta a reavaliação das prioridades
financeiras de Atenas para que possa reorganizar sua força militar e guerrear contra a
Macedônia, antes que a mesma transpasse os limites da cidade, pondo em risco a
segurança dos bens públicos. O motivo, porém, embora pareça bastante nobre, não tinha
a anuência de grande parte dos cidadãos e dirigentes da cidade, temerosos da retaliação
macedônica, militarmente mais poderosa e detentora de apoio político. Por esta razão, a
tarefa de Demóstenes torna-se bastante complexa, pois suas propostas para o bem comum
não são suficientes para Atenas. É necessário demonstrar que sua intenção é o bem
comum e, para atingir seu intento, é preciso persuadir uma audiência, já descrente, das
chances de sucesso contra Filipe, pois esta se acostumou a saber que o rei alcança todos
os objetivos.
Assim, para desenvolver o presente estudo, cujo objetivo é analisar os recursos
estilísticos, retóricos e semânticos da Primeira Filípica demostênica, será importante
empreender uma discussão acerca da natureza específica da retórica. Em primeiro lugar,
deve-se investigar suas origens literárias até o momento em que atinge o estatuto de
técnica. Tal item ocupará a seção 2.1 desta dissertação.
São dignas de nota as obras Introdução à Retórica, na qual Olivier Reboul
apresenta uma espécie de breviário da literatura retórica grega; O poder da linguagem,
publicado em 2010 por Luiz Rohden, no qual o teórico brasileiro, com o intuito de debater
a Retórica, trata de temas como a sofística, a dialética e a Arte Retórica, de Aristóteles,
com bastante acuidade; e o compêndio sobre retórica A companion to Greek rhetoric,
publicado por Ian Worthington.
A seção 2.2, dividida em dois subitens, será dedicada à exposição da figura do
estagirita Aristóteles, no item 2.2.1, e sua obra mais relevante para o desenvolvimento
dessa dissertação: a Arte Retórica, no item 2.2.2. Convém discutir a abordagem
aristotélica sobre retórica, porque o filósofo depurou e organizou as opiniões anteriores à
sua, oferecendo, então, a proposição de que a retórica é “a faculdade de ver teoricamente
o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”1.
Opta-se por criar um item à parte, a seção 2.3, para ampliar a discussão de um
tema presente na Arte Retórica que se coaduna com o tema central do estudo: o gênero
deliberativo. Neste, Aristóteles expõe os objetivos do gênero retórico e os temas
essenciais para o debate democrático tão caro aos atenienses do período demostênico.
O terceiro capítulo, cujo função é a apresentação do estilo demostênico, tem como
ponto de partida, na seção 3.1, uma exposição biográfica do orador em questão, uma
história que se confunde com a da própria Grécia. Para tal, destacam os estudos feitos por
Ian Worthington, Raphael Sealey, Amilcare Carletti e J. Ph. Anstett.
Os estudos dos biógrafos e historiadores mencionados auxiliarão a analisar de que
maneira a história pessoal do orador influenciou seu ingresso na vida pública e, mais
precisamente, nas questões de defesa da unidade territorial e cultural do povo grego. É
digno de nota que se opta por não considerar para esta análise as obras de biógrafos e
1
Arte Retórica, 1355b.
14
autores da Antiguidade Clássica, por estes tratarem de aspectos bastante específicos da
vida do orador, negligenciando, de certa forma, o quadro geral.
Na seção posterior, será apresenta a tradução integral da peça retórica que motivou
a pesquisa, cujo texto em idioma original se encontra em anexo. Para a tradução, serão
utilizadas as publicações da LOEB, de 2006, e da Les Belles Lettres, de 1969. A razão
pela qual se utilizam duas edições é a tentativa de preencher as lacunas presentes, ora em
uma, ora na outra, assim como o esclarecimento de divergências na pontuação do texto
em idioma original, pois, em certos momentos, observa-se que ter acesso à segunda
opinião parece o método mais apropriado para o aprofundamento da compreensão do
discurso demostênico.
A seguir, antes da análise dos recursos retóricos empregados pelo orador em sua
Primeira Filípica, será necessário avaliar o modo conveniente de se apresentar diante de
uma assembleia, sobretudo quando a mesma se encontra contrária às ideias que serão
propostas, conforme mencionado anteriormente. Assim, na seção 3.3, buscar-se-á aferir
como se constrói uma identidade discursiva, capaz de reverter positivamente a opinião
popular. Neste item, parecem oportunos os capítulos “Imagens dos atores políticos”, de
Patrick Charaudeau em sua obra intitulada Discurso Político, e “Os âmbitos da
argumentação”, de Chaïm Perelman e L. Olbrechts-Tyteca em Tratado de Argumentação.
Para a análise da Primeira Filípica, na seção 3.4, o aporte teórico de Cecil Wooten
em seu livro A commentary on Demosthenes’ Philippic I será muito valioso. Porém,
somente esse comentário não parece ser suficiente para expor a riqueza dos recursos
estilísticos do orador ateniense, de modo que é preciso considerar outras obras de caráter
estilístico. Dessa forma, julga-se importante, por exemplo, o estudo de Heinrich Lausberg
sobre as figuras de estilo, de estrutura e de linguagem no livro Elementos de Retórica
Literária, reeditado em 1972.
É digno de nota que, além dos materiais referentes aos recursos literários, é
necessária a investigação dos processos e procedimentos histórico-sociais de Atenas no
período que circunscreve o orador, pois são fundamentais para o entendimento das
diversas referências a fatos, a termos técnicos do cotidiano ateniense, e também para
compreender a recusa de suas propostas, embora seus argumentos e sua exposição dos
temas tenham sido, assim como são considerados hodiernamente, uma das melhores
expressões de elementos retóricos da Antiguidade Clássica.
15
2. A ELEVAÇÃO DE RETÓRICA À TÉCNICA
2.1 – As origens da Retórica na Grécia
Antes de qualquer definição que se possa conferir à retórica, é interessante
perceber o uso da linguagem, por si só, como um exercício retórico. Parece inconcebível
que até a retórica alcançar o estatuto de técnica homens não tenham utilizado a linguagem,
visando ao convencimento ou à persuasão de seus iguais. Um diálogo, por exemplo, pode
resultar na tentativa de fazer alguém mudar seu ponto de vista ou sua decisão. De todos
os modos, uma reflexão sobre a retórica deve começar por sua história “recente”.
Em seu estudo intitulado Introdução à Retórica, Olivier Reboul (2004) afirma que
se pode atestar retórica entre os hindus, chineses, egípcios e hebreus, civilizações
anteriores à helênica, embora aquela seja, de certa forma, uma invenção grega, tanto
quanto são a geometria, a tragédia e a filosofia. O teórico francês parece apontar a
tendência que as civilizações precedentes tinham para utilizar a linguagem de forma
atualmente considerada retórica, sem que tivessem formulado uma teoria sobre o assunto
ou até mesmo ter apontado um nome específico para este costume.
Mesmo entre os gregos, a retórica tardou a ganhar nome e importância, ainda que
os primeiros registros literários remontem à literatura épica, com a Ilíada, uma epopeia
homérica. Nesta, é possível observar Nestor, o idoso ex-guerreiro e orador de Pilos, ao
lado dos hoplitas argivos, contando suas histórias dos campos de batalha, visando ao
encorajamento deles. Outro exemplo encontrado na mesma obra é a ideia do ancião
Nestor de constituição de uma embaixada dos chefes argivos à tenda do semideus
Aquiles, com o intuito de convencê-lo a retornar à guerra contra os troianos:
Pela minha parte falarei como me parecer melhor,
pois nenhum outro pensará conselho melhor do que este
que tenho em mente desde há muito até hoje,
desde o dia em que tu, ó criado de Zeus!, tiraste
a jovem Briseida da tenda do furibundo Aquiles,
coisa que não aprovámos. Na verdade eu próprio
tudo fiz para te dissuadir; mas tu cedeste ao teu espírito
altivo e sobre um homem excelente, honrado pelos deuses,
lançaste desonra. Tens o prémio que arrebataste. Mas agora
pensemos como poderemos desagravá-lo e persuadi-lo
com agradáveis presentes e com palavras suaves.
(Ilíada, IX – 103 – 13)2
De acordo com Rohden (2010: 17), a educação de Aquiles, assim como a dos
outros gregos, consistia em um aspecto técnico, em que o jovem era iniciado em um modo
de viver próprio da po/liv, e outro ético, em que era incutido um ideal de homem superior
aos outros no futuro, a a0reth&3. Paralelamente ao ensino de manejo de armas, à prática de
esportes e ao uso de instrumentos musicais, ao jovem eram ensinadas técnicas para falar
bem, exercícios que contemplavam a declamação de pequenos relatos e a audição dos
relatos de homens mais velhos, a fim de que aprendessem fórmulas, temas e máximas.
Percebe-se em Homero o primeiro exemplo grego de valorização da linguagem, ainda
que nessa época não se tenha desenvolvido suficientemente a capacidade retórica do
jovem4.
A retórica, enquanto uma técnica não surgiu no Período Arcaico da literatura
grega. Como assinala Reboul (2004: 2), ela teria nascido na Sicília grega, após a expulsão
dos tiranos da região, por volta do ano de 465 a.C. Sua origem, ao contrário do que o
exemplo de Nestor parecia apontar, não é de ordem literária, mas estritamente judiciária,
e a razão para tal fato é bastante simples. Depois da mencionada expulsão dos tiranos, os
cidadãos que foram prejudicados por eles teriam reclamado seus antigos bens, mas era
necessário comprovar a pertença do item requerido. Assim, diversos conflitos de ordem
judiciária ocorriam na região. Porém, em uma época em que não havia a advocacia, era
necessário fornecer aos cidadãos os meios para sustentar a própria causa. Então, com o
auxílio de seu discípulo Tísias, Córax, tendo já definido a retórica como “criadora de
2
A tradução de Ilíada privilegiada neste trabalho foi realizada pelo estudioso português Frederico
Lourenço.
3
Termo especificamente grego, na realidade intraduzível, extremamente complexo que, no mundo
helênico, simbolizava, de modo amplo, o valor, a capacidade e outras condições intrínsecas ao homem que
o faziam invulgar. Por outro lado, a areté envolvia ideias de ordem moral que se exprimiam num
comportamento intimamente ligado à concepção de glória e da bravura individual. Foi na sociedade
homérica, no século XII a.C., que o termo ganhou reconhecimento e através dos poemas homéricos os
gregos encontraram esse estilo de vida. A areté era, prioritariamente, um sentimento individual, uma “certa
qualidade de existência”, que tornava seu possuidor diferente das demais pessoas. (cf. Blackburn 1997: 41).
4
É digno de nota que, em termos de educação, Homero não se increve unicamente no campo da valorização
da linguagem. Marrou (1975: 26) apresenta posicionamentos diversos, vindos da Antiguidade Clássica,
sobre a importância de aedo. “Como o disse Platão, Homero foi, no mais pleno sentido, o educador da
Grécia (th\n (Ella&da pepai&deuken). E foi desde o princípio (e0c a0rxh~v), como já o salientava Xenófanes
de Cólofon no século VI: vede, no fim do século VIII, a profunda influência que, nesta Beócia ainda
inteiramente campesina, exerce já sobre o estilo de Hesíodo” (...).
17
persuasão”, publicou um documento chamado h9 texnh\ r9htorikh,/ ou arte retórica, um
compêndio de preceitos práticos referentes à justiça.
Ainda assim, o litigante que não se sentisse apto a redigir um documento para
apresentar defesa de sua causa, recorria a um logógrafo 5 que escreveria a queixa a ser lida
diante do tribunal. Aparentemente, os oradores da época aproveitavam essa oportunidade
e ofereciam ao público seus serviços de bons declamadores e conhecedores de uma
técnica capaz de convencer qualquer audiência, não importando qual fosse o assunto:
tratava-se de uma retórica que não argumentava com base no que era verdadeiro, porém
no mais verossímil. Para Córax e seu discípulo, a técnica proposta por eles apresentava
um caráter estritamente probatório, isto é, ela servia para buscar e investigar as provas
possíveis em cada caso. Não parece difícil perceber aonde essa prática levou a
embrionária “arte retórica”: os melhores oradores eram contratados com o intuito de
vencer as causas mais indefensáveis, transformando o argumento mais fraco no mais
forte, técnica que se fortaleceu e, por causa da estreita relação entre a Sicília e Atenas,
tornou-se corrente também nesta cidade.
A técnica desses oradores desenvolveu-se e recebeu o nome do primeiro teórico
do tema em questão. O córax, agora um argumento, consistia em afirmar a
inverossimilhança de algum fato por este parecer exageradamente verossímil. Assim, um
homem muito forte, culpado por assassinato, por exemplo, poderia ser inocentado do
crime que cometeu porque pareceria muito óbvia a sua culpabilidade no caso. Não tardou,
obviamente, para que o córax fosse superado por sua contradição, mas o importante é que
esta técnica retórica serviu como base para outro movimento dentro da literatura grega: a
sofística.
O termo sofista6, inicialmente, não apresentava o significado levemente pejorativo
que a tradição leitora de Platão apregoa. Ser um sofista era, em primeiro lugar, possuir
determinada sofi/a e servir-se da mesma como um instrumento de bem viver. Por tal
5
À época mencionada, o logógrafo era uma espécie de notário público. A prática de escrita dos documentos
para cidadãos defenderem suas causas em juízo aproximou-os dos tribunais e, já no século IV a.C, estes
profissionais representavam em juízo os cidadãos que não eram capazes de ler a própria defesa com a
fluidez necessária para persuadir a audiência (cf. Reboul 2004: 2).
6
Demonimação de um grupo de indivíduos que surgiu em Atenas na segunda metade do século V para
ensinar a jovens com ambições políticas as maneiras de persuadir uma audiência. Esses professores de
eloquência cobravam muito caro por suas aulas, a acreditarmos nas críticas que lhes dirige seu principal
adversário, o filósofo Platão, opondo-lhes seu mestre Sócrates, cujo ensino era gratuito (cf. Mossé 2004:
259 - 60).
18
razão, um sofista já foi reconhecido como filósofo, sábio, músico e até mesmo poeta.
Posteriormente, esta figura da sociedade passou a ser identificada como alguém que
comunica seus conhecimentos mediante pagamento.
Isto se deu porque a palavra sofista virou sinônimo de eloquência. Um sofista tinha
bom manejo com as palavras, aprendera a empregar bem os vocábulos em uma
argumentação, apresentava bom ritmo na fala, estilo oratório e consciência gestual ao
dialogar. Todo este aparato técnico era considerado elegante e, pouco a pouco, contribuiu
para a formação de um grupo de admiradores, pois estes homens conseguiam persuadir
qualquer audiência ou opinar sobre os mais variados assuntos. Os sofistas transformaramse em mestres itinerantes que agrupavam jovens em torno de si, a fim de transmitir-lhes
conhecimentos para a vida em sociedade. Segundo Ágnes Heller (1983: 30)7, é possível
citar três características acerca dos sofistas:
De modo geral não pertenciam ao demos e, salvo algumas exceções,
não eram atenienses. Chegam a Atenas atraídos por sua cultura. Seu
programa pedagógico não era comunitário, mas exclusivamente
individualista. Indivíduos particulares ensinam a arte de governar.
Caracterizavam-se também por aceitar e exigir estipêndios por seus
ensinamentos, características essas que se opunham ao modo de ser
comunitário dos atenienses (...).
Ainda assim, a educação da juventude grega foi repassada a esses homens. O
programa pedagógico do grupo era voltado para as questões do cotidiano político dos
gregos, com base em uma a0reth/ orientada pelo conhecimento. Porém, ao invés de esta
educação ser centrada na formação do povo, objetivava a formação dos chefes do mesmo.
De acordo com Rohden (2010: 26), os que desejavam ingressar na vida política acorriam
aos sofistas, que ensinavam aos jovens a pronunciar discursos persuasivos e oportunos
em momentos de necessidade. O alto valor cobrado por suas lições individuais
impossibilitava que grande parte da população tivesse acesso, tornando o conhecimento
dos meios retóricos da época um luxo daqueles que podiam investir no futuro dos filhos.
Explica-se, portanto, por que os sofistas se opunham ao modo comunitário de Atenas: o
sistema de ensino empregado era segregador, voltado para a parcela financeiramente
favorecida do povo grego, a fim de formar os líderes, em vez de homens iguais perante a
sociedade.
7
HELLER, Ágnes. apud ROHDEN, Luiz (2010: 25).
19
As lições consistiam em ensinar aos jovens a discursar bela e eficientemente sobre
assuntos referentes à cidade, tais como o exercício do poder e a gestão dos bens públicos.
Em outras palavras, a educação sofística pautava-se na formação de oradores eficientes
em momentos oportunos. Porém, o problema com que se depara essa escola é observável
já desde Górgias8, um siciliano nascido aproximadamente em 485 a.C., discípulo de
Empédocles e iniciador desta nova forma de se pensar a retórica. Este filósofo é
considerado o precursor do discurso epidítico, isto é, o louvor público. Tornou-se célebre
por falar com bastante eloquência sobre os temas que lhe eram apresentados, aplicando
os mais diversos recursos reconhecidos antes de seu tempo, como próprios da poesia.
Com Górgias, a prosa abandonou pela primeira vez o status de reprodução da fala
corrente, tornando-se mais erudita e ritmada. Recebeu recursos estilísticos, tais como
rimas, assonâncias, paronomásias, ritmo frasal, perífrases, metáforas e antíteses, como
atesta Reboul (2004: 4).
O filósofo impressionava com sua eloquência e esta lhe abriu portas para outro
campo de atuação: Górgias tornou-se mestre itinerante de eloquência e filosofia. Nesta
profissão, cobrava uma pequena fortuna de seus alunos: recebia como salário o valor de
aproximadamente cem minas, o equivalente ao salário diário de dez mil operários, afirma
o teórico francês. Em suas lições, de acordo com Marrou apud Rohden (2010: 28),
burilou a técnica retórica e apresentou-a dividida em três figuras que
posteriormente foram muito usadas: a antítese, o paralelismo de
membros de frases iguais e a assonância final desses membros (...).
Górgias possuía a preocupação de inculcar em seus discípulos as regras
da arte que constituíam sua téchne. Apresentava depois um modelo de
escrito, uma conferência-amostra, para ser imitada por seus alunos.
O zelo de Górgias com a forma de seus discursos, contudo, parece ser o maior
motivo de crítica em sua retórica. O filósofo é taxado de apresentar um estilo
exageradamente empolado, porém sem compromisso com a veracidade dos fatos e
eventos mencionados. Ao que parece, a verdade e a persuasão não têm ligação entre si na
concepção gorgiana de retórica. Para ele, a força do discurso é indiscutível, e a verdade é
aquilo que fica dito por um orador, uma visão que relativiza o entendimento de verdade,
já que oradores diferentes expressam opiniões diversas. Explica-se dessa forma por que,
8
Górgias, que foi sobretudo professor de retórica, é geralmente incluído na classe dos sofistas. Foi a Atenas
em 427 a.C como embaixador de sua cidade natal siciliana, e seu característico estilo antiético teve uma
influência literária considerável. Em termos filosóficos, interessou-se seriamente pela ciência de seu tempo,
e escreveu um tratado, Sobre o que não é, ou da natureza, do qual só se conhecem os resumos. (...) O seu
Elogio a Helena é a primeira abordagem clara do problema de livre arbítrio (cf. Blackburn 1997: 171).
20
em sua retórica, Górgias enfatiza a forma que um discurso deve ter. Ainda que a causa
não mereça credibilidade, fala-se persuasivamente visando à vitória ou ao ganho da
empatia de uma determinada audiência.
Em Górgias, a relação entre sofística e retórica não é muito próxima. Embora ele
tenha sido o iniciador de uma concepção de retórica, do ponto de vista literário, a crítica
literária costuma avaliar seu trabalho como vazio ou de pouco conteúdo, considerando-o
apenas o transmissor de uma arte de supostamente falar bem.
Tal relação é atingida plenamente com Protágoras, um filósofo oriundo da Trácia
e contemporâneo de Górgias. Foi o primeiro homem grego a interessar-se pelo estudo do
gênero dos substantivos e pelos tempos verbais, que será chamado posteriormente de
“gramática”, afirma Reboul (2004: 7). Foi também o fundador da erística, uma técnica
que tem como princípio a afirmação de que em qualquer questão é possível refutar ou
sustentar qualquer argumento apresentado. Assim como o filósofo siciliano, cobrava alta
quantia para ensinar sua vertente de filosofia e eloquência aos jovens.
Em seus ensinamentos, afirmou que “o homem é a medida de todas as coisas”,
lição que revela uma visão subjetivista de retórica. Aparentemente, com esta afirmação,
Protágoras transforma o homem no regulador da sociedade, pois toda e qualquer coisa é
– e só pode ser – como ela parece ao homem, não havendo outro critério de verdade. Esta
concepção instaura o completo relativismo e a ilogicidade na sociedade grega, pois
diferentes homens têm opiniões diversas sobre o mesmo assunto. Isto é, se alguma coisa
parece bela a um, mas feia a outro, então essa apresentará duas verdades, serão duas coisas
ao mesmo tempo. Perde-se, assim, a matéria para a retórica vigente, porque a lógica e o
objetivo em uma discussão inexistem, quando nada é possível de ser contradito.
Para Protágoras, cada cidade é vista também como um “indivíduo”, que arbitra os
valores culturais, sociais e a verdade, segundo a própria conveniência, fato que configura
o relativismo pragmático, a doutrina que Reboul (2004: 8) definiu como sendo
protagoriana por excelência:
Relativismo pragmático, tal como parece ter sido a doutrina de
Protágoras. Não existe verdade em si, mas uma verdade de cada
indivíduo, de cada cidade; e o importante é aquilo que lhe permite fazerse valer e impor-se, que é precisamente a retórica. Observemos que
semelhante doutrina pode legitimar tanto a violência quanto a
tolerância.
21
A concepção sofística de retórica foi bastante criticada por filósofos posteriores.
É certo que os sofistas, em alguma escala, contribuíram para a formulação aristotélica da
Retórica, porém a maior parte de seus ensinamentos foi amplamente debatida à própria
época. Um grande exemplo de combatente da sofística foi Platão.
O filósofo ateniense acreditava que a retórica sofística não tinha fundamentação
racional. Isto significa dizer que Platão não considerava a sofística digna de crédito
porque esta se alimentava de sentimentos na formulação dos discursos. A crítica platônica
era dirigida às características centrais desta escola: o discípulo de Sócrates censurou a
excessiva preocupação com os meios de se vencer uma causa sem que fosse pensada a
relevância dos fins. Ele censurou o fato de os sofistas não terem colocado a verdade como
o objetivo de sua doutrina. Aristóteles também teceu suas críticas aos sofistas, ainda que
tenha tentado resgatar alguns dos valores minimamente relevantes para a formulação da
sua Retórica. Não era possível que um discurso não buscasse ter conteúdo, em sua
opinião. Criticou a tendência dos sofistas de se fecharem na linguagem, numa tentativa
de limitar seus adversários neste âmbito, como se a linguagem bastasse por si só.
Ainda assim, a sofística foi a primeira elaboração significativa do que viria a
tornar-se no futuro a Retórica aristotélica, porque organizou alguma forma de ensino
sistemático e global para a construção de discursos persuasivos. Reboul justifica a
classificação de ensino como sendo global, porque “é aos sofistas que a retórica deve os
primeiros esboços de gramática, bem como a disposição do discurso e um ideal de prosa
ornada e erudita”9.
O teórico afirma que o fundamento conferido à retórica pela sofística é bastante
perigoso e questiona, com algum exagero, se a justificação daquela pela incerteza e pelo
sucesso a prejudicou para sempre. Parece excessivo comprometer eternamente a retórica,
embora ainda seja difícil retirar o verniz pejorativo que o termo ganhou, sobretudo por
causa dessa maneira um tanto sofística da qual alguns se utilizam para compor discursos.
Contudo, houve certa modificação do conceito de retórica proposto por Isócrates,
homem ateniense que viveu entre 436 e 338 a.C. Não é possível afirmar que este professor
de eloquência rompeu completamente com o modelo anterior, pois foi discípulo de
9
REBOUL (2004: 9).
22
Górgias, mas, por intermédio dele, é possível observar uma tentativa de reavaliação da
utilidade desta técnica.
Do ponto de vista estilístico, Isócrates divergiu bastante de seu mestre. Optou pela
simetria e pelo equilíbrio artístico, tornando as frases de seus discursos mais suaves e
elegantes. O filósofo criou um estilo mais claro e de fácil compreensão para toda a
audiência. Na opinião de Reboul (2004: 11),
apesar de, como Górgias, querer uma prosa literária, despreza a
grandiloquência e cria uma prosa que se distingue completamente da
poesia: sóbria, clara, precisa, isenta de termos raros, de neologismos de
metáforas brilhantes, de ritmos marcados, mas sutilmente bela e
profundamente harmoniosa. Sem ser poética, tem um ritmo que se deve
ao equilíbrio do período e à cláusula que a fecha; é eufônica, evitando
repetições desgraciosas de sílabas e hiatos.
Isócrates iniciou sua tentativa de revalorizar a retórica conferindo ao lo/gov status
de grande importância: o elemento que distingue o homem dos outros animais. Para ele,
é o verdadeiro protagonista de todo progresso em qualquer âmbito da sociedade, seja nas
leis, nas artes ou nos inventos mecânicos. O lo/gov é responsável pela promoção da
justiça, pela expressão da glória e também pelo ganho cultural de uma civilização. Isto é,
a sociedade deve tudo o que logrou ser à fala. Assim, Isócrates conclui um fato político
que será o mote demostênico visando à defesa do território no século seguinte: “os gregos,
povo da palavra, formam na verdade uma única nação, não pela raça, mas pela língua e
cultura. Devem renunciar, portanto, às guerras fratricidas e unir-se.”10 Vislumbra-se aqui
uma espécie de projeto nacionalista.
O filósofo continuou divergindo de seu mestre na maneira de ensinar à juventude.
Em vez das fórmulas prontas, da lisonja e dos lugares comuns que todo aluno da sofística
aprendia, esse mestre de retórica preferia recorrer à reflexão do discípulo, fazendo com
que estes, posteriormente, pudessem escrever os próprios discursos. Contrariou também
o slogan sofístico de “sucesso em qualquer situação persuasiva”, defendendo que o ensino
não era capaz de operar milagres. Ao contrário, a eficácia de suas lições dependia também
do aluno, pois, em sua opinião, nem todos os alunos estavam aptos a ser oradores.
Acreditava que um bom orador carecia de três quesitos: aptidões naturais para tal, prática
constante dos exercícios oratórios e o ensino sistemático da arte discursiva. Ainda assim,
10
REBOUL (2004: 12).
23
a prática e ensino poderiam melhorar um orador, mas estas não seriam capazes de fazêlo.
É digno de nota que ele foi, aparentemente, o primeiro mestre de eloquência
preocupado com a composição de discursos que aliassem a forma ao conteúdo.
Abandonando a grandiloquência dos sofistas, uma característica que distancia o grande
público por ser muito pomposo, conseguiu elaborar discursos interessantes aos olhos da
população, porque explorava temas do conhecimento em uma linguagem compreendida
por todos. Sua preocupação parece ter sido com o bem comum. Diverge dos sofistas
porque, ao desenvolver sua retórica, conciliando forma e conteúdo, visando ao bem da
sociedade grega em sua totalidade, estabelece como fim da mesma a obtenção da
felicidade.
Entretanto, embora Isócrates tenha feito enorme esforço para desvincular a
retórica da sofística, não ficou isento de críticas. Platão duvidou da capacidade do mestre
de retórica em reformular a referida técnica. Esta deveria servir à sociedade, no entender
de Isócrates, mais precisamente, aos assuntos políticos. Platão combateu as concepções
isocráticas, afirmando que aquele ignorou a moral e a verdadeira política. A discussão
central desses filósofos visava à defesa de ideias totalmente opostas, ainda que ambos
pensassem a retórica. De um lado, para Isócrates, a filosofia apresentava tanta utilidade
quanto a técnica erística desenvolvida anteriormente pelos sofistas; de outro, Platão não
admitia a sujeição da filosofia à retórica, tanto que, em sua obra Fedro, pôs como
personagens o sofista Górgias a debater com Sócrates, seu mestre, acerca da retórica
sofística com o intuito de refutá-la totalmente. Por meio do esquema de refutação
socrática, aproximou a retórica de um conhecimento como qualquer outro, subordinandoa a uma instância maior: a filosofia.
É com Aristóteles que a retórica será repensada e modificada para ganhar
verdadeiros ares de técnica complexa, com mais profundidade conceitual, embora perca
parte do estilo que lhe conferiu a sofística de Górgias e de Protágoras. Observou-se que
estes dois foram os responsáveis pelo fato de a retórica ser considerada uma arte voltada
unicamente para a persuasão a qualquer custo, sem preocupações ideológicas, numa
tentativa de aprimoramento da técnica formulada pelo siracusano Córax. Enfatizaram a
dimensão formal do discurso, voltando-se para o aprimoramento da expressão por si só.
24
Já Isócrates, divergiu de seu mestre por acreditar que o foco na dimensão oral da
retórica era insuficiente, não apresentava profundidade. Para ele, era necessário encontrar
utilidade maior para esse conhecimento. Por isso, transformou a retórica no instrumento
educacional por excelência e alçou-a ao posto de facilitadora de uma boa vida na
sociedade. Isto é, aquele que soubesse discursar bem, demonstrando bom nível de
educação política, era bem visto pelos demais na cidade. Porém, por focar unicamente na
racionalidade prático-retórica, foi duramente criticado por Platão, que via na retórica
ensinada por seus predecessores uma mera prática, comparável a qualquer outra. O
ateniense acreditava que a retórica deveria ser dialética, abandonando a discussão de
verossimilitude e praticidade empreendida pelos sofistas e por Isócrates. O discípulo de
Sócrates defendeu uma retórica com base na filosofia, isto é, epistêmica.
Julga-se oportuno apresentar, a seguir, Aristóteles, o filósofo que tentará juntar
todas as informações e conceitos de retórica anteriores ao seu nascimento, a fim de, tendoas depurado bem, formular um manual mais completo sobre a arte de falar, visando à
persuasão, considerando-se cada caso da sociedade onde ela é possível.
2.2 – Aristóteles e sua Arte Retórica
2.2.1 – O filósofo de Estagira
De acordo com biógrafos, entre os quais se encontra Barnes11, Aristóteles nasceu
em Estagira, cidade situada no norte da Grécia, no ano de 384 a.C, quinze anos após a
morte de Sócrates. Nicômaco, seu pai, era amigo e médico de Amintas, rei da Macedônia.
Mudou-se para Atenas em 367 a.C., onde se tornou membro do círculo intelectual
liderado por Platão, figura bastante célebre, cuja Academia 12 atraía filósofos e cientistas
de outras partes do mundo. Por lá, fixou-se por aproximadamente 20 anos, sempre ligado
à vida na Academia de Platão, participando de debates filosóficos, escrevendo e,
eventualmente, ensinando.
11
BARNES (1995: 3 - 6).
Centro de ensino fundado por Platão por volta de 387 a.C. Ainda que o conhecimento seja fragmentário,
supõe-se que privilegiava um método de ensino baseado em discussões e seminários. Os estudos
fundamentais eram a matemática e a dialética (cf. Blackburn 1997: 4).
12
25
Após a morte do discípulo de Sócrates, deixou Atenas em 347 a.C. Embora não
haja certeza sobre suas razões para tal, acredita-se que alguma fundamentação política o
tenha feito tomar esta decisão, pois nesse mesmo ano a cidade grega de Olinto caiu sob o
poderio do rei macedônico Filipe II, e o partido antimacedônico em Atenas estava em
ascensão. O fato de Aristóteles, embora grego, não ser ateniense e de sua família ter
conexões com a realeza macedônica poderia tê-lo colocado em situação delicada diante
da resistência em ascensão.
Assim, tendo saído de Atenas, passa algum tempo vivendo na costa da Ásia
Menor, onde um antigo amigo de Academia, “tirano”13 da localidade, lhe fornece
sustento. Em 343 a.C., aceita o convite de Filipe II para integrar sua corte como o
preceptor de seu filho Alexandre, o mesmo que viria a se tornar futuramente “o Grande”.
Sobre o período como educador de Alexandre não há registro nem consenso acerca da
influência aristotélica na carreira régio-militar do filho de Filipe II. De um lado, Barnes
(1995) afirma, embora não fundamente sua assertiva, que não é possível perceber
influência alguma de Aristóteles sobre a educação do general-monarca; de outro, o militar
francês Charles de Gaulle apud Reboul (2004: 21), em seu texto de 1934 intitulado Vers
l’armée de métier, afirma:
O poder do espírito implica uma diversidade que nunca se encontra
unicamente na prática da atividade profissional, do mesmo modo como
não nos divertimos apenas em família. A verdadeira escola do comando
está na cultura geral. Por meio dela, o pensamento é posto em condições
de exercer-se, com ordem, de distinguir o essencial do acessório nas
coisas, de perceber os prolongamentos e interferências, em suma, de
elevar-se a um nível em que o conjunto aparece sem o prejuízo dos
matizes. Não há ilustre capitão que nunca tenha tido gosto nem
sentimento pelo patrimônio do espírito humano. Por trás das vitórias de
Alexandre, encontramos sempre Aristóteles. (DE GAULLE, Charles.
Vers l’armée de métier, 1934).
Em 335 a.C., o estagirita retorna a Atenas, mas não à Academia de seu antigo
mestre, agora sob nova direção. Fundou sua própria escola de filosofia perto do templo e
do ginásio dedicados à honra de Apolo Lício, de onde tirou o nome de seu instituto: o
Liceu.
13
Termo de origem grega que, apesar de designar o governo exercido por pessoa que a ele não tinha direito,
não possuía, originariamente, nenhum sentido pejorativo. Eventualmente, o termo tirano era equivalente –
e mesmo sinônimo – de basileu&v. De modo geral, tirano é o homem que exerce o poder pessoal sem
legitimidade. Os antigos tinham sobre a tirania um julgamento permanentemente desfavorável, o que fez
com que, paulatinamente, a palavra viesse a assumir caráter depreciativo. Cf. Azevedo (2012: 437).
26
Após a morte de Alexandre, no ano de 323 a.C., Aristóteles deixa Atenas pela
última vez, possivelmente pelas mesmas razões políticas que teriam motivado sua
primeira retirada. Suas relações com a realeza macedônica tinham-se intensificado
bastante desde 343 a.C. e, a partir da morte do rei, o espírito antimacedônico também
crescera, tornando uma prolongação na cidade um risco à sua vida e à filosofia.
Retirou-se então para a península de Cálcis, na Eubeia, e morreu no decorrer de
aproximadamente um ano neste lugar.
2.2.2 – A Arte Retórica
Conforme fora dito, Aristóteles juntou todas as informações acerca da técnica
retórica existente, de Córax a Platão, considerando cada aspecto levantado pelos filósofos
anteriores, avaliando a relevância em cada um dos movimentos e argumentações
precedentes, para formular uma técnica repensada, talvez, mais eficaz, porque visou à
correção e à ampliação da técnica daqueles.
Porém, antes de prosseguir nessa análise, é necessário esclarecer que não se tem
como objetivo nesse estudo fazer resumo da obra aristotélica. Pretende-se apontar o que
for necessário para a máxima compreensão possível do tema em discussão no momento
oportuno para cada informação, pois, assim como se observa na concepção retórica, os
argumentos devem convir ao assunto.
Aristóteles inicia sua obra com a significativa afirmação de que “a Retórica não
deixa de apresentar analogias com a Dialética, pois ambas tratam de questões, que, de
algum modo são da competência comum de todos os homens, sem pertencerem ao
domínio de uma ciência determinada” 14.
É digno de nota que Aristóteles, antes de apresentar qualquer definição mais
precisa à técnica que vem propor, anuncia sua utilidade de um modo que assinala a
diferença de seu pensamento em relação aos filósofos que o precederam. Talvez porque,
em sua opinião, seja mais importante, em um primeiro momento, demonstrar a que se
14
ARISTÓTELES, Arte Retórica, 1354a.
27
presta sua teoria, para que, posteriormente, possa discorrer livremente sobre o modo de
utilizá-la.
Para ele, a Retórica é útil porque, naturalmente, a verdade e a justiça são mais
dignas do que as noções contrárias. Afirma também que é necessário saber persuadir
sobre as coisas contrárias à proposição, porém é cuidadoso, ao apontar que não se deve
lançar-se às causas desonestas, isto é, não se deve aconselhar uma boa ou má ação
indiferentemente, nem persuadir o que é imoral. Esta postura tem por objetivo tornar
alguém capaz de antever os argumentos do adversário, a fim de refutá-lo em sua
argumentação. Sua preocupação com esse esclarecimento, aparentemente, é a de não ser
considerado um sofista, que aconselha sem o compromisso com a verdade ou a moral,
porque a palavra, com seu poder ambíguo, é capaz de provocar danos terríveis, se
utilizada com desonestidade. Observa-se, ainda, que, se um homem não pode defenderse, usando de sua força física, é vergonhoso que não possa fazê-lo por meio da palavra,
ou seja, do discurso.
Assim, fica evidente a divergência de posicionamento de Aristóteles em relação
aos sofistas, pois o estudo do discurso para estes visava à dominação do adversário por
meio da habilidade discursiva. O estagirita, ao contrário, aprofunda o pensamento acerca
da retórica, transformando-a, em primeira instância, no mecanismo de defesa por
excelência, sem prejuízo à justiça e à verdade.
Tais argumentos preliminares corroboram a afirmação de que “a Retórica não se
enquadra num gênero particular e definido, mas que se assemelha à Dialética” 15. Essa
teorização, um pouco mais elaborada, é retomada no segundo capítulo da Arte Retórica
como a própria definição da técnica. O preceptor de Alexandre revaloriza a retórica,
porque a apresenta relativizada; segundo sua análise, a retórica não pode ser responsável
pela persuasão pura e simplesmente. Considera-se, portanto, que a retórica deve ser capaz
de investigar a possibilidade de persuasão em cada caso, pois, assim como a medicina,
não é responsável por prover saúde ao doente, mas somente de guiá-lo o máximo possível
na intenção de cura. Entende-se que, no caso da retórica, o homem hábil nesta técnica não
deve ter como objetivo a vitória sob qualquer circunstância. O bom orador não é o que
15
Idem, ibidem, 1354b.
28
promete a persuasão por meio de seus argumentos, mas o que tenta enxergar todos os
meios de persuadir em cada questão que se lhe apresente.
Aristóteles, com sua modesta definição de retórica, ao contrário dos seus
predecessores sofistas e do filósofo Platão, confere à mesma mais eficácia e
plausibilidade. Para os siracusanos, essa técnica é o que existe de mais importante na
sociedade, pois, pelo uso indiscriminado do discurso, é possível conquistar qualquer tipo
de audiência. O ateniense, por sua vez, em resposta aos sofistas, afirma que a retórica não
tem valor de ciência, porque, além de ser uma habilidade como outra qualquer, tal qual a
culinária, não tem compromisso com a verdade. O conceito aristotélico foi ampliado e
detalhado por Reboul, em uma tentativa de explicar melhor a técnica. Na opinião do
teórico francês (2004: 27), a retórica:
é a arte de defender-se argumentando em situações nas quais a
demonstração não é possível, e o que a obriga a passar por “noções
comuns”, que não são opiniões vulgares, mas aquilo que cada um pode
encontrar por seu bom senso, em domínios nos quais nada seria menos
científico do que exigir respostas científicas.
Numa palavra, Aristóteles salva a retórica, colocando-a em seu
verdadeiro lugar, atribuindo-lhe um papel modesto, mas indispensável
num mundo de incertezas e de conflitos. É a arte de encontrar tudo o
que um caso contém de persuasivo, sempre que não houver outro
recurso senão o debate contraditório.
É este chamado “debate contraditório” que aproxima a Retórica da Dialética,
porém, para entender melhor a relação entre estas, anunciada pelo filósofo de Estagira em
sua parte inicial da Arte Retórica, é preciso investigar minimamente a que se refere esta
“antístrofe da Retórica”, oriunda da erística.
Etimologicamente, o termo dialética 16 provém de diale/gomai, que Chantraine
(1974: 625) expõe da seguinte forma: “(...) entre os compostos de le&gw com o sentido
de “dizer” o mais notável é diale&gomai, “conversar, dialogar, praticar a dialética” 17. A
16
Fundamentalmente, o processo de raciocínio que leva à obtenção da verdade e do conhecimento acerca
de qualquer assunto. Dos diferentes pontos de vista sobre esse processo surgem diferentes concepções de
dialética. No método socrático, a dialética é o processo de descoberta da verdade por meio de perguntas
feitas com o objetivo de explicitar aquilo que já é implicitamente sabido, ou então para expor as
contradições e as dificuldades da posição adotada por um oponente. Nos diálogos platônicos do segundo
período, porém, a dialética torna-se a totalidade do processo de iluminação, pelo qual o filósofo é educado
de modo a atingir o conhecimento do bem supremo, a forma do bem. Para Aristóteles, a dialética é qualquer
interferência racional baseada em premissas prováveis (...). Cf. Azevedo 2012: 100.
17
(...) parmi les composés de le&gw au sens de « dire » le plus remarquable est diale&gomai « converser,
dialoguer, pratiquer la dialectique ».
29
preposição dia& que compõe prefixalmente o verbo é a responsável pelo sentido de “comversar, dia-logar”, pois se observa, em Bailly (2000: 462), “dia& (...) 4|| um com o outro,
um contra o outro (v. diale&gomai, diagwni&zomai) ||”18 (...).
Na prática, trata-se, inicialmente, de um duelo verbal, no qual uma determinada
tese é sustentada, a todo custo, por um indivíduo e o seu oponente, e, pela natureza do
debate, ataca tal formulação com todos os argumentos que conseguir encontrar para fazêlo. O vitorioso é aquele que for capaz de silenciar o oponente, contradito em sua
argumentação.
Há certa crítica à dialética, porque ela, assim como a sofística, pode colocar-se a
serviço também daquilo que não é verdadeiro, já que trata do que é subjetivo. Tal crítica
perde força com a investigação das origens da dialética, pois, segundo a tradição, assim
como as disputas esportivas, esta técnica surgiu como uma espécie de jogo, tal como foi
mencionado acima, no qual importa, unicamente, a vitória. A aproximação feita com a
sofística é pertinente, e a própria matéria da dialética conduz o raciocínio até este ponto:
o provável ou e1ndocon, isto é, o que é “admitido por todos, ou pela maioria, ou pelos
sábios e, entre estes últimos, pelos mais notáveis e pelos mais ilustres”. 19 Desta forma, é
correto afirmar que a dialética renuncia à verdade, quando passa a aceitar a opinião
consensual. O termo apresenta duas possibilidades complementares entre si de
compreensão. Em primeiro lugar, compreende-se o provável como algo ainda não
verificado ou que não pode ser. Em segundo lugar, entende-se o termo como algo além
do que é meramente verificável: é necessário que seja plausível, fator que o torna passível
de gerar persuasão.
A presente exposição da dialética, embora breve, parece satisfatória para
relacioná-la, por fim, à retórica. As duas técnicas foram vinculadas uma à outra desde o
início da Arte Retórica, porém, é preciso tentar compreender a intenção do filósofo de
Estagira com essa afirmação. Sabe-se que Platão subordinou a retórica à dialética em
Fedro20, pois via na segunda o método filosófico por excelência. Aristóteles reavaliou a
afirmação platônica, separando as duas em atividades distintas, mas complementares. Há
dia& (...) 4|| l’um avec l’autre, l’um contre l’autre (v. diale&gomai, diagwni&zomai) ||”.
ARISTÓTELES, Tópicos, I, 1, 100b apud Rohden (2010: 104).
20
Fedro é preeminente entre os diálogos de Platão por sua variedade de conteúdos e estilo, por sua riqueza
na descrição imaginativa e o humor leve em sua conversação. O tema principal do diálogo é a retórica, a
arte de falar, um assunto que constituiu uma parte importante da instrução oral e escrita dos sofistas (cf.
Plato 1914: 407).
18
19
30
algumas opiniões que corroboram a reavaliação aristotélica, das quais se pode citar, por
exemplo, Thurot apud Rohden (2010: 113) que acredita no uso cotidiano de ambas as
atividades. Para fundamentar sua opinião, aponta que “sempre que atacamos ou
defendemos uma opinião, fazemos dialética; sempre que acusamos ou nos defendemos e
sempre que damos um conselho, que censuramos ou louvamos, fazemos retórica”. Reboul
(2004: 35) lista cinco características comuns às duas atividades, das quais se julga
necessário citar três:
Primeiramente, a retórica e a dialética são capazes tanto de provar uma
tese quanto o seu contrário; o que não significa que as duas teses sejam
necessariamente equivalentes, pois então se cairia na sofística; quer
dizer que se pode argumentar mesmo em favor de uma tese fraca (...)
Em terceiro lugar, ainda que ambas sejam praticadas por hábito ou
mesmo por acaso, podem também ser ensinadas metodicamente, e são
nesse caso “técnicas”.
Em quarto lugar, ao contrário da sofística, ambas são capazes de fazer
a distinção entre o verdadeiro e o aparente: a dialética, entre o
verdadeiro silogismo e o sofisma; a retórica, entre o realmente
persuasivo e o logro.
É possível observar, com base nas informações fornecidas acima, a estreita relação
entre Retórica e Dialética que pretendeu Aristóteles, de modo que, se torna necessário
prosseguir com a investigação de sua Arte Retórica.
2.3 – O gênero deliberativo
As origens da retórica foram objeto de análise no início deste capítulo, no qual se
observou que a atividade oratória, tão plural, está presente nas diversas sociedades
helênicas desde os poemas homéricos, considerados como os primeiros registros literários
do ocidente. A revisão da história “recente” da retórica não dá conta, porém, das
subdivisões a que a submeteu o filósofo Aristóteles, no século IV a.C. Note-se,
primeiramente, que as considerações tecidas pelo filósofo são o resultado de uma análise
teórica dos tipos oratórios – já que antes de sua obra não há documentação de
nomenclatura “gêneros retóricos” – e também da observação do ofício dos oradores de
seu período.
É digno de nota que ele discorreu sobre três tipos de gênero diversos na Arte
Retórica, a saber: o judiciário, o epidítico e o deliberativo, cada qual com seus meios e
31
finalidades igualmente distintos. Contudo, as especificidades dos gêneros judiciário e
epidítico não serão apresentadas nessa dissertação, porque o objeto de estudo em questão
apresenta um forte caráter deliberativo, evidenciando, assim, sua ligação com o gênero
homônimo, tal como será discutido em momento oportuno. Dessa forma, julga-se
satisfatório apontar unicamente que o gênero judiciário está vinculado a assuntos aos
quais se podem atribuir, em tribunais, a culpabilidade e o seu oposto a um indivíduo ou a
um grupo; o gênero epidítico vincula-se ao louvor ou à censura ao caráter (ou feitos) de
um indivíduo ou de um grupo. Seus exemplos mais claros e diretos são os discursos
voltados para o tribunal, no caso do gênero judiciário, e as orações fúnebres, no caso do
gênero epidítico.
O gênero deliberativo, pela natureza do próprio vocábulo, vincula-se ao ato de
aconselhar ou desaconselhar, tanto em uma questão particular, quanto em um debate
diante do povo sobre questões de interesse público. De acordo com a visão aristotélica, o
discurso deliberativo refere-se ao futuro, já que a deliberação visa a determinar o que será
vantajoso ou prejudicial no porvir. Cumpre ressaltar que, em certos casos, para se alcançar
a finalidade a que se presta o deliberativo, isto é, a determinação de vantagem ou prejuízo,
o orador utiliza os meios de outros gêneros discursivos.
A essa definição do gênero deliberativo pode-se adicionar outra, proposta por
Lausberg (1972: 84), porque completa as observações aristotélicas sobre o assunto:
O gênero deliberativo (sumbouleutiko\n ge/nov, genus deliberativum),
com as funções de aconselhar e de desaconselhar, tem, como caso
paradigmático, o discurso do representante de um partido político
diante da assembleia popular. A situação é caracterizada pela escolha
que vai ser decidida, nesse ato processual, de acordo com o direito, pela
assembleia do povo, árbitro da situação, escolha que se faz entre várias
possibilidades respeitantes a futuras ações políticas (p. ex., no que diz
respeito a uma declaração de guerra contra um estado vizinho).
Aristóteles afirma que não há deliberação no tocante a todo e qualquer assunto,
mas somente em relação ao que é possível, pois não há meios de aconselhar ou
desaconselhar no que concerne ao impossível. Delibera-se sobre o que se refere às pessoas
e sobre ao que está em poder dos homens, de modo que se chega à conclusão de que a
deliberação ocorre somente quando o assunto a ser considerado pode estar sob o domínio
dos homens, isto é, quando a decisão a que se pode chegar advém do consenso entre os
homens.
32
Segundo Stephen Usher (2007: 228), a retórica deliberativa desenvolveu-se
consideravelmente no contexto intelectual do século IV a.C., período em que a prosa
clássica grega floresceu. O estudo de temas políticos, presente de forma maciça na
sociedade grega do século V a.C. como um exercício da sofística, avançou
significativamente no domínio da “arte retórica”. O teórico acrescenta que a política
adquiriu mercado, pois homens aspirantes a oradores passaram a estudar em escolas de
filosofia política, tal como a de Isócrates, com o intuito de aprender a discursar
relevantemente em público sobre temas de cunho político, pois, somente obtendo um
desempenho acima da média era possível ingressar na vida pública.
Os temas que um aspirante à vida pública deveria conhecer correspondem àqueles
que impactam diretamente a sociedade helênica do século IV a.C., constantemente
envolvida em guerras fratricidas ou contra inimigos externos. Assim, além de ser
necessário estudar os meios convenientes para persuadir o povo a adotar determinada
postura, era igualmente necessário saber sobre quais temas deveria incidir tais tentativas
de persuasão. Aristóteles os apresenta na Arte Retórica (1359b 20 - 3), como se lê abaixo:
(As coisas) sobre as quais todos deliberam e sobre as quais discursam
os conselheiros atingem cinco em relação ao número. Estas são: sobre
as finanças, sobre guerra e paz, ainda sobre defesa do território,
importações e exportações e legislação.
Os cinco assuntos listados são de extrema importância para a manutenção da
comunidade em tempos conturbados como os enfrentados por Atenas, enfraquecida após
sair como a grande derrotada na Guerra do Peloponeso e já sendo assediada pelo poderio
da Macedônia, capitaneada por Filipe II.
Para empreender um debate acerca de finanças, por exemplo, é importante
conhecer previamente os rendimentos da cidade em questão, seu montante e a
proveniência. Somente assim é possível ajustar a receita da cidade da forma que melhor
convier à comunidade, acrescentando o que for preciso e realizando cortes financeiros
onde houver gastos excedentes.21 Além disso, é igualmente relevante consultar a história
recente em busca de exemplos dos problemas financeiros que pareçam ter solução mais
21
Observa-se, nesta proposta do filósofo, um silogismo perfeito. De acordo com Rohden (2010: 101), um
silogismo perfeito é aquele que não requer mais do que o que está compreendido nele, para que a
necessidade da conclusão seja evidente. Isto é, neste caso, a conclusão é lógica e evidente: se houver
necessidade de acréscimo às finanças, isto ocorrerá.
33
complexa, pois diferentes comunidades encontram alternativas diversas para impedir a
escassez ou esgotamento de recursos.
A exposição do tópico guerra e paz é bastante clara. Aqui, o estagirita é taxativo:
deve-se conhecer o poderio da cidade, a situação atual dos exércitos e as condições de
melhora que se pode atingir. É necessário informar-se – e também ao público – de quais
guerras a cidade participou recentemente e a maneira como combateu. É igualmente
importante conhecer a situação das cidades vizinhas e investigar as probabilidades de
conflito com as mesmas para que se possa permanecer em paz com as mais fortes e
escolher o momento oportuno de atacar as mais fracas. O último argumento apresentado
quanto aos assuntos de guerra e paz é sobre a necessidade de conhecer, além das guerras
promovidas pela própria cidade, também aquelas em que outras cidades se envolveram e
o desfecho delas, pois circunstâncias semelhantes podem conduzir a resultados
semelhantes.
Quanto à defesa do território, Aristóteles afirma que é importante conhecer o lugar
que se pretende defender. Desse modo, é possível saber a quantidade e os tipos de
fortificação existentes na cidade. A administração das fortificações deve ser eficiente para
que se possa reforçá-la, se for ineficiente, ou diminuí-la, se for considerada excessiva.
Mais importante, de acordo com Aristóteles, é saber avaliar quais são os pontos
estratégicos mais fortes na localidade para que sejam conservados a qualquer custo.
Observa-se que a preocupação expressa no tópico importações e exportações
refere-se, principalmente, ao estoque alimentício que a cidade tem em seu poder. Em
primeiro lugar, deve-se conhecer a quantia suficiente para suprir as necessidades da
comunidade, informando-se, a seguir, sobre a proveniência dos produtos, para que,
sabendo quais são os produtos nacionais e sua quantidade, se possa exportar o excedente
e importar dos vizinhos os recursos que forem indispensáveis à comunidade.
Sobre o tópico legislação, observa-se a importância de se conhecer as formas
vigentes de governo, seu funcionamento interno e a vantagem na adoção de um
determinado modelo, pois uma cidade que apresenta um tipo de governo inadequado,
considerando-se os componentes da sociedade, é considerada fraca e suscetível à ruína.
Assim, cabe ao bom orador, não apenas entender o funcionamento interno de cada
legislação, mas também analisar para que tipo de audiência se dirige, a fim de apresentar
as melhores considerações e propostas.
34
A exposição dos temas correntes nas deliberações visa a demonstrar o que
Aristóteles compreendia como o alvo de todos os homens: a felicidade. O filósofo explica
que todos os discursos que visam a aconselhar ou desaconselhar giram em torno da
felicidade, porque ela é o bem supremo que todos desejam obter.
Estes são os temas que um orador deveria conhecer para estar apto a discursar
diante de sua audiência. Era necessário, em primeiro lugar, aprender as matérias de
deliberação para que, servindo-se delas, buscasse os meios mais propícios de influir no
ânimo da audiência.
35
3. DEMÓSTENES E A PRIMEIRA FILÍPICA
3.1 – Demóstenes: o caminho até a tribuna
Demóstenes nasceu em 384 a.C, vinte anos após a estrondosa derrota de Atenas
na Guerra do Peloponeso. Era filho homônimo de um cidadão do demo 22 da Peânia. No
tempo de seu pai, a família vivia em boas condições e possuía propriedades na cidade,
pois este havia enriquecido no ramo da fabricação de utensílios em liga metálica e armas.
Infelizmente, quando seu pai morreu, a família caiu em desgraça. Toda a fortuna, cerca
de 14 talentos, destinada a manter o pequeno Demóstenes, sua mãe e irmã foi dilapidada
por seus tutores, responsáveis, por meio de disposição testamentária, por zelar pela
família. Áfobo, parente de Demóstenes graças a um casamento e o mais conhecido de
seus três tutores, apropriou-se do dinheiro e não cuidou da família, tal como sua função
determinava. Demóstenes contava cerca de sete anos.
Alguns anos depois, foi admitido em outro demo por meio da influência de
Filodemo, um soldado da localidade, provavelmente um parente distante de Demóstenes
para agir desta forma23. Não há muitas informações sobre este período junto de Filodemo.
Ao atingir a maioridade24, começou a estudar direito judiciário e arte oratória com Iseu,
um logógrafo de sua região, considerado autoridade em casos de herança, a fim de, com
o intuito de reaver ao menos parte da fortuna familiar, estar à altura de enfrentar seu extutor em juízo, em 363 a.C.
Após três anos de processo, saiu vencedor, porém não obteve os 14 talentos
requeridos, recebendo aproximadamente 70 minas, pouco mais de 1 talento. Apesar de
seu aparente insucesso nos tribunais, conseguiu durante o tempo de processo construir
certa reputação, decidindo, assim, seguir a carreira de logógrafo. A profissão escolhida
por Demóstenes, a depender do talento do profissional, poderia ser bastante rentável,
22
Povo, população dos países da Hélade, isto é, a divisão que a Grécia fazia de seus povoados.
E. BADIAN (2000: 14).
24
Hansen (1999: 88) afirma que um cidadão ateniense atingia a maioridade ao completar 18 anos de idade.
Então, era registrado e admitido como parte do demo. No século IV a.C., seus direitos políticos, porém, só
eram válidos após completar 20 anos de idade.
23
pois tornou possível que Demóstenes fosse trierarca25, obrigação imposta pelo Estado
aos cidadãos mais ricos.
Demóstenes, por causa de sua profissão, dedicava boa parte de sua energia aos
tribunais, como é possível comprovar por meio de sua atividade literária – redigiu muitos
discursos judiciários26 entre 363 e 354 a.C., por vezes sendo o orador a apresentá-los
também – e, tendo nascido em um período conturbado da história grega, testemunhou a
tentativa ateniense de recuperação após a guerra contra a Liga do Peloponeso, além das
inúmeras incursões macedônicas no território grego.
O assédio a Atenas capitaneado por Filipe II, rei da Macedônia, foi o que
consolidou a projeção que Demóstenes já havia alcançado como orador judiciário. O
monarca tinha desejos expansionistas e organizava campanhas militares com o intuito de
conquistar as cidadelas gregas aliadas à enfraquecida Atenas, antiga líder da Liga de
Delos. Quando a colônia ateniense Anfípolis foi capturada por Filipe II, Demóstenes
passou a dedicar-se mais à política pública, aproximando-se da retórica deliberativa,
ainda que não tivesse abandonado sua carreira como logógrafo. O ateniense observou os
sucessivos golpes desferidos por Filipe II contra o norte do território grego, as tentativas
de imiscuir-se em assuntos religiosos dos gregos27 e as frequentes quebras de acordos de
paz com Atenas. O pai de Alexandre, o Grande, conseguiu capturar Pidna, Potideia e, em
354 a.C., Métone, o último território que os atenienses possuíam ao norte.
Após o envolvimento em guerras fratricidas e em conflitos bélicos com a
Macedônia, Atenas tornou-se ainda mais fraca do que anteriormente, possibilitando
maiores avanços do rei, cujo desejo de expansão parecia incontrolável. Então, quando
esse decidiu rumar em direção à Ática, Demóstenes encarou a tribuna pela primeira vez
para fazer um pronunciamento contra Filipe.
25
A trierarquia era a mais importante e mais cara das liturgias atenienses. Consistia em equipar uma nau
de guerra e financiar todos os seus gastos de tripulação, manutenção etc. por um ano. Os trierarcas eram
escolhidos anualmente, pelos estrategos em exercício, dentre os atenienses mais ricos. Eram também
encarregados do comando do navio (cf. Mossé: 2004: 278 - 9). Para informações sobre a legislação que
regia a trierarquia, consultar Arnaoutoglou 2003: 147 - 9.
26
Alguns exemplos são Contra Áfobo 1, 2 e 3; Contra Onetor 1 e 2; Contra Timócrates; Contra Andrócio
etc (cf. Saramanch 1969: 9 - 59).
27
Santos (2010: 11) afirma que Filipe II, considerado um bárbaro pelos atenienses, participou ao lado dos
tessálios na Terceira Guerra Sagrada, conflito iniciado em 355 a.C. e terminado em 346 a.C., com a Paz de
Filócrates (cf. Santos 2010: 21), que opôs Atenas, Esparta, Fócida e Feras à Liga Anfictiônica, composta
pelas cidades de Tebas, Beócia e Tessália.
37
De 351 até a morte do rei, em 336, Demóstenes utilizou suas habilidades retórica
e diplomática para fins de persuasão, porque acreditava que Filipe era uma ameaça real
à liberdade na Grécia em geral e particularmente em Atenas e, portanto, deveria ser
combatido. Dessa forma, é possível perceber que Demóstenes entrou de fato para a vida
política a partir do momento em que passou a participar ativamentee da Assembléia. As
Filípicas são exemplos claros das tentativas demostênicas de alertar os atenienses do
perigo chamado Filipe II.
Em sua Primeira Filípica, um dos discursos que denunciam na assembleia os atos
do macedônico, Demóstenes propõe um novo modelo de disposição e financiamento das
forças armadas atenienses, evidenciando a necessidade da preparação bélica contra o rei
macedônico. A sugestão do orador é que os atenienses tenham uma armada pronta para
reagir contra as investidas de Filipe, caso o rei decida avançar em direção à cidade.
Paralelamente, defende que a cidade deveria preparar uma expedição que pudesse lhe
causar problemas ao norte, mais perto do próprio território, ficando, assim, ocupado
tempo suficiente para que a estratégia para uma possível guerra contra a Macedônia fosse
mais bem delineada.
De maneira geral, na peça retórica, o orador objetiva convencer seus concidadãos
da iminência do conflito bélico, por causa das recentes notícias da conduta traiçoeira do
pai de Alexandre. Demóstenes visa a tornar evidente para sua audiência que há
possibilidades reais de vitória, desde que os atenienses decidam engajar-se
verdadeiramente na batalha pelo que é legítimo: a própria liberdade.
Ryder (2000: 45) argumenta que a causa política mais significativa à qual o orador
se dedicou foi o combate ao rei.
3.2 – Primeira Filípica
[1] Se tivesse sido proposto falar sobre algum assunto novo, atenienses, teria esperado até
que a maior parte dos habituais tivesse expressado a sua opinião, e se alguma das coisas
ditas por estes satisfizesse a mim, ficaria em silêncio, mas se não, tentaria eu mesmo falar
das coisas que conheço. Tendo-se em vista, porém, que muitas vezes eles falaram
inicialmente sobre coisas que ainda convém discutir, julgo, com razão, que obteria vossas
desculpas por ter-me levantado primeiro. De fato, se desde o tempo passado, eles tivessem
deliberado sobre as coisas necessárias, não seria preciso vós deliberardes nada agora.
38
[2] Primeiramente, não se deve esmorecer, atenienses, em relação às ações presentes,
ainda que pareça estar tudo arruinado. De fato, o que é pior desde o tempo passado é o
melhor em relação aos eventos futuros. O que, então, é isto? Como nada, atenienses, das
coisas necessárias vós nada fazeis, as ações vão mal. Certamente, se todas as coisas que
vos convém fazer estivessem em ordem, não haveria esperança alguma de tornar as coisas
melhores.
[3] Em seguida, deve-se considerar também que uns ouviram de outros e há os que sabem
e lembram quanto poder os lacedemônios possuíam certa vez, há não muito tempo. Ainda
assim, vós agistes bela e convenientemente, em nada indignos da cidade, vos
encarregastes da batalha contra eles por coisas justas. Falo estas coisas por quê? Para que
saibais, atenienses, e vejais que nada é temível quando vós vigiais, mas, se
negligenciardes, tal como desejaríeis, nada aconteceria. Deveis servir-vos dos exemplos
dos lacedemônios, cuja antiga força vós dominastes por pensar em vossas ações, e da
insolência deste agora, que nos desordena por não considerarmos as coisas que eram
necessárias.
[4] Se algum de vós, atenienses, supõe que Filipe é difícil de guerrear, examinando a
extensão de seu poder e a nossa perda de todos os postos de controle na cidade, supõe
corretamente. Contudo, considere que possuíamos, certa vez, atenienses, Pidna, Potideia,
Métone e todo o terreno circundante, e muitas das tribos que agora estão com ele,
enquanto independentes, preferiam-nos a ele.
[5] Se Filipe tivesse compreendido àquela vez que é difícil guerrear contra os atenienses
enquanto eles possuírem tantos fortes no seu território, estando ele sem aliados, nada do
que já fez teria alcançado, nem teria atingido tamanha força. Ele viu perfeitamente,
porém, atenienses, que todos os postos de controle são prêmios da guerra deixados para
livre disputa e, naturalmente, pertencem aos que estão próximos, quando os donos estão
ausentes, e pertencem àqueles que desejam esforçar-se e correr perigos, quando os donos
são descuidados.
[6] E, de fato, tendo-se utilizado deste conhecimento, conquistou todos e os mantém.
Alguns, teria depois de ter conquistado com a guerra; outros, tendo feito amigos e aliados.
De fato, todos desejam aliar-se e respeitar os que veem se preparando e desejando fazer
o que é preciso.
39
[7] Então, se vós, atenienses, desejardes manifestar agora a vossa opinião, já que,
certamente, não antes, cada um de vós, no que é necessário, poderia mostrar-se útil à
cidade; e começar a agir prontamente, repelindo toda indecisão para agir: aquele que tem
bens, contribuir; aquele em idade propícia, alistando-se; resumindo: se vós quiserdes ser
senhores de vós mesmos e cada um cessar de fazer nada, esperando que o vizinho vá fazer
tudo em seu lugar, vós recuperareis vossas coisas, se deus quiser, e as coisas perdidas por
negligência tereis novamente às mãos e castigareis a ele.
[8] Não julgueis, como a um deus, as presentes ações imutáveis para ele. Odeiam-no e
invejam-no, atenienses, mesmo entre os que parecem apoiá-lo. E tudo quanto é possível
a quaisquer outros homens, é preciso julgar ser possível àqueles que estão com ele.
Contudo, todas estas coisas apequenaram-se, não tendo saída, por causa de vossa apatia
e indiferença, a qual eu digo ser necessário abandonar já.
[9] Vede, pois, atenienses, a extensão da insolência desenfreada deste homem, que não
nos dá escolha alguma para agir ou guardar silêncio, mas ameaça e fala, como dizem,
palavras arrogantes e não é capaz de manter-se contente com as coisas que conquistou,
mas sempre anexa alguma outra coisa ao seu território e cerca-nos por todo lado, enquanto
nós hesitamos e ficamos quietos.
[10 - 11] Quando, então, atenienses, quando vos ocupareis das coisas que são necessárias?
Quando o que vier a acontecer? Quando, por Zeus, haja alguma necessidade! O que se
deve pensar agora dos últimos acontecimentos? De fato, eu penso que a maior
necessidade, para homens livres, é a vergonha por causa destas ações. Ou desejai, digame, circulando por aí, inquirir entre vós mesmos “diz-se algo de novo?” Haveria algo de
mais novo do que um homem macedônio debelando os atenienses e controlando os
assuntos dos helenos? “Filipe está morto?” “Não, por Zeus, mas está doente.” E o que
isto importa para vós? Pois mesmo se este sofrer alguma coisa, rapidamente vós criareis
um segundo Filipe, se pensais em vossas ações desta maneira. De fato, este nada cresceu
por seu próprio poder, mas por nossa negligência.
[12] Ora, é isto mesmo! Se sofresse alguma coisa e a sorte, que sempre cuida melhor de
nós do que nós cuidamos de nós mesmos, terminasse o trabalho, sabei que, estando por
perto e concentrando-vos em todas as ações conturbadas, comandaríeis da maneira que
desejais. Porém, como estais agora, mesmo havendo oportunidades, não seríeis capazes
de tomar Anfípolis, desprovidos de preparativos bélicos e também de convicções.
40
[13] Bem, como é necessário fazer as coisas convenientes e todos desejam agir
prontamente, estando vós decididos e persuadidos, cesso de falar. Porém, em relação ao
caráter do preparativo bélico que, penso, vos livraria destes fatos, a quantidade, os
recursos, os quais são necessários, e outras coisas que me pareceriam as melhores e mais
rápidas para estardes preparados, tentarei falar, após ter-vos pedido, atenienses, este
grande favor.
[14 - 15] Depois de terdes ouvido todas as coisas, julgai. Não apresentai uma opinião préconcebida. Nem se desde o princípio parecer a alguém que sugiro um preparativo bélico
inteiramente novo, pense que adio os assuntos. De fato, sobretudo os que estão dizendo
“rápido” e “para hoje”, não falam para o que é preciso, pois não teria sido possível
prevenir as coisas já acontecidas com a expedição de socorro, porém, poderá manter-se
firmemente aquele que apontar que tipo, qual tamanho e a fonte do preparativo pronto,
até que, depois de terem sido persuadidos, dissolvamos a guerra ou vençamos os inimigos.
Desta forma, não mais nos encontraríamos numa posição ruim no futuro. Pois bem, eu
julgo poder falar estas coisas agora, não impedindo se algum outro propuser alguma coisa.
A promessa é grande, e a ação fornecerá logo a justificativa. Vós sereis meus juízes.
[16] Primeiramente, atenienses, afirmo ser necessário aprontar cinquenta trirremes, então
decidir vós mesmos pelo embarque e navegação, se for necessário. Além destas coisas,
aconselho o preparo de trirremes próprias para o transporte de cavalos e outros navios
suficientes para metade dos cavaleiros.
[17] Estas coisas eu julgo ser necessário ter preparadas contra estas súbitas campanhas,
provenientes do território dele contra Termópilas, Quersoneso, Olinto e qualquer lugar
onde ele desejar. É preciso apresentá-lo à ideia de que vós, saindo da negligência
excessiva, como na Eubeia e antes, como dizem, Aliarto e por último, recentemente, nas
Termópilas, poderíeis igualmente vos erguer.
[18] Ainda assim, mesmo que não fizésseis isto, como eu digo ser necessário, não é de
desprezar (a ideia), para que, por causa do medo, sabendo-vos prontos (pois realmente
saberá, porque há muitos, de fato muitos entre vós mesmos reportando-lhe mais do que o
necessário) fique quieto ou, negligenciando estas coisas, seja pego desprevenido, não
havendo ninguém como obstáculo para vós navegardes contra o território dele, se ele der
oportunidade.
41
[19] Estas são as coisas que digo ser necessário estarem decididas e que julgo ser
conveniente preparar. Além destas, atenienses, digo vos ser necessário preparar para vós
uma força que guerreará ininterruptamente e lhe fará mal. Não, na minha opinião, dez mil
nem vinte mil estrangeiros, nem destas forças de papel, mas que será a força da cidade, e
se vós elevardes a mão para votar um ou vários ou um certo fulano como estratego, irá
obedecê-lo e servi-lo. E também recomendo prover alimentação para ela.
[20] E que força será esta e qual o tamanho? De que fonte virá a alimentação e como se
proporá a executar estas coisas? Eu indicarei, detalhando cada uma destas coisas
separadamente. Em relação aos estrangeiros eu falo, e, de modo algum, fazei o que muitas
vezes vos prejudicou, considerando tudo ser menor do que o necessário, e elegendo as
maiores coisas nos decretos da assembleia, se, quanto à realização nem mesmo as
pequenas vós fazeis. Mas, tendo feito e provido para eles as pequenas coisas, acrescentai,
se parecer inferior (ao necessário).
[21 - 22] Proponho então dois mil soldados ao todo, deles declaro ser necessário que
quinhentos sejam atenienses, da idade que vos parecer propícia, servindo por tempo
determinado, não muito longo, mas o quanto parecer salutar à sucessão de uns aos outros;
ordeno que os outros sejam mercenários. Junto deles duzentos cavaleiros, também deles
pelo menos cinquenta atenienses, servindo à mesma maneira que homens da infantaria.
Haverá transporte para a cavalaria. O que mais para eles? Dez trirremes rápidas: tendo
Filipe uma esquadra, é necessário para vós trirremes rápidas, para que a armada navegue
com segurança. De onde virá a alimentação para eles? Eu também falarei e exporei isto,
logo que, porque julgo ser suficiente uma força deste porte e os combatentes serem
cidadãos, eu explicar.
[23] O contingente é assim, atenienses, porque não é possível prover uma força igualável
a dele agora, mas é necessário praticar técnicas de pirataria e servir-se deste tipo de guerra
antes. Não é preciso que ela seja excessiva (pois não há soldo nem provisão), nem, de
todo modo, insignificante.
[24] Recomendo que os cidadãos naveguem, porque, certa vez, ouvi dizer que a cidade
manteve uma tropa mercenária em Corinto, a qual comandaram Polístrato, Ifícrates,
Cábrias e alguns outros, e vós mesmos combatestes. E sei, ouvindo dizer, que se pondo
lado a lado para combater os lacedemônios convosco, estrangeiros venceram e vós com
eles. Mas, a partir do momento em que as tropas mercenárias por si próprias dirigem a
42
expedição para vós, vencem os amigos e os aliados, e os inimigos tornam-se maiores do
que o necessário. E, após terem lançado ligeiramente o olhar para a guerra da cidade,
preferem partir para junto de Artábazo e outro lugar qualquer. E o general as segue, com
todo o direito, pois não há comando, quando não se paga o soldo.
[25] O que, então, eu recomendo? Retirar as desculpas do general e também dos soldados,
depois de prover o soldo e estabelecer soldados citadinos como supervisores dos
combatentes. Até agora é matéria de riso como tratamos nossos assuntos. E se alguém
vos perguntasse “estais em paz, atenienses?”, responderíeis “por Zeus, não! Nós estamos
guerreando contra Filipe.”
[26] Não erguíeis a mão para eleger entre vós mesmos dez taxiarcos, generais, filarcos e
ainda dois hiparcos? O que, então, fazem estes? Exceto um homem, que vós despachastes
para a guerra, os restantes conduzem vossas procissões junto dos sacerdotes. De fato,
como os que moldam as figurinhas de argila, vós elegeis para a ágora os taxiarcos e
filarcos, não para a guerra.
[27] Não era necessário, atenienses, haver de vossa parte taxiarcos, um hiparco e arcontes
citadinos para que a força fosse verdadeiramente da cidade? Pois bem, é preciso o hiparco
de vossa parte navegar para Lemno, para Menelau comandar a cavalaria dos que estão
combatendo pelos bens da cidade. E não falo estas coisas censurando o homem, mas,
qualquer que seja, este devia ser votado por vós.
[28] Talvez vós pensais falar com razão e estais ansiosos por ouvir quanto aos bens, qual
será o custo e proveniência. Então isto eu faço. Quanto aos bens: a provisão desta força
é, somente em soldo, de noventa talentos e um pouco mais; para as dez naus rápidas,
quarenta talentos, (sendo) vinte minas por nau cada mês; para os dois mil soldados, uma
quantia semelhante, para que o soldado receba um soldo de dez dracmas por mês; para os
duzentos cavaleiros existentes, se cada um receber trinta dracmas por mês, doze talentos.
[29] Se alguém crê que o fundo é pequeno para iniciar um soldo para os combatentes, não
pensou com razão. Pois eu sei claramente que, se isto acontecer, da guerra, o próprio
exército proverá outras, sem injustiça a nenhum dos helenos nem aos aliados, de modo a
pagar o salário completo. Embarcando voluntariamente, eu estou pronto a sofrer o que
for, se não ocorrer desta forma. De onde então a provisão dos bens que vos recomendo
surgirá? Direi isto imediatamente.
43
Demonstração da provisão 28
[30] As coisas que nós, atenienses, pudemos encontrar são estas. Depois que votardes as
propostas, caso vos agradem, erguereis a mão para escolher, para que não somente nos
decretos e nas cartas guerreeis contra Filipe, mas também nas ações.
[31] Parece-me que vós teríeis deliberado muito melhor sobre a guerra e todo o
preparativo, atenienses, se tivésseis considerado o terreno da região na qual guerreais, e
se pensásseis que, aproveitando os ventos e estações do ano, Filipe consegue muitas
coisas. E, após esperar pelos ventos ou pelo inverno, põe-se ao trabalho quando nós não
poderíamos chegar àquele lugar.
[32] Então, considerando estas coisas, não se deve guerrear com expedições de socorro
(pois chegaremos atrasados para tudo), mas com um preparativo bélico e força contínuos.
Vós tendes a serviço da força, como quartel de inverno, Lemno, Tasso, Sciathos e as ilhas
neste local, nas quais há portos, alimento e todas as coisas que são necessárias a um
exército. Durante esta estação do ano, quando se torna fácil estar próximo à terra e há
certeza dos ventos, (a força) estará facilmente próxima a esta região e às bocas dos portos
de comércio.
[33 - 34] Quando e qual uso será feito desta força, o chefe eleito por vós deliberará de
acordo com a ocasião, mas as coisas que são necessárias começar de vossa parte, estas
são as que eu escrevi. Se, atenienses, provirdes primeiramente os bens que falo, em
seguida as outras forem preparadas, os soldados, as trirremes, os cavaleiros, e obrigar por
lei toda a força em bom estado a permanecer na guerra, tornando-se vós mesmos
tesoureiros e gestores dos bens públicos, exigindo do general contas de sua conduta,
cessareis de ficar sempre deliberando acerca das mesmas coisas e nada fazer. E ainda,
além disso, atenienses, o maior dos recursos dele retirareis. E este qual é? De vossos
aliados, pois ele guerreia contra vós, saqueando os que navegam o mar. E depois o que,
além disto? Vós próprios estareis salvos de sofrer dano, não da maneira do tempo passado,
em que, tendo-se lançado contra Lemno e Imbro, ele partia com vossos cidadãos cativos,
e após capturar os navios próximos de Geresto, coletou bens indizíveis e, por fim,
desembarcou em Maratona e partiu do território, levando a nau sagrada, e vós nem
28
Teóricos e tradutores da peça retórica defendem que um documento foi apresentado pelo orador no
momento de seu pronunciamento, porém, o mesmo não resistiu à ação do tempo.
44
pudestes prevenir estas coisas, nem enviar vossos socorros nos momentos em que, talvez,
tivestes chance.
[35] E ainda, como, atenienses, explicais que a festa das Panateneias e também as
Dionísias sempre ocorra no momento conveniente, sejam extremamente habilidosos ou
ignorantes cada um destes que, atribuídos pelo acaso, se ocupam, para os quais se gasta
tantos recursos, que não se gasta com uma das expedições, e a multidão e preparativo
bélico que não se veja se outra coisa pública acontece, e que todas as expedições cheguem
depois do momento oportuno, seja para Métone, para Pagasa ou Potideia?
[36 - 37] É que todas elas são, por lei, organizadas e cada um entre vós sabe já há bastante
tempo quem será corego ou gimnasiarco da tribo, quando, da parte de quem, o que recebe
e o que é necessário fazer. E nada fica negligenciado, sem exame e nem indefinido.
Porém, nas coisas sobre a guerra e no tocante ao preparativo bélico da mesma, são todas
desorganizadas, sem planejamento e indefinidas. Eis, então, porque, no momento em que
ouvimos alguma coisa, estabelecemos os trierarcas e fazemos as trocas de propriedades
entre eles, refletimos acerca da provisão de recursos e, depois destas coisas, decidiu-se
embarcar os metecos, os libertos, em seguida os cidadãos das trocas de propriedades,
depois substituí-los, e após no tanto que atrasamos estas coisas, aquilo pelo que nos
pomos ao mar está destruído. De fato, desperdiçamos o momento de ação com o preparo,
mas os momentos oportunos não esperam nossa indecisão para agir. E as forças que
pensamos estar prontas durante este intervalo, nos momentos oportunos provam não fazer
nada. E ele chegou à tal insolência como a de enviar aos eubeus cartas como esta.
Leitura da carta
[38 - 39] A maioria das coisas lidas, atenienses, é verdade, como não era necessário ser.
Talvez não seja prazeroso de ouvir. Mas, se omite-se no discurso, a fim de não afligir e
também omitir as ações, é preciso falar para o prazer do povo. Porém, se o encanto das
palavras, não sendo conveniente, torna-se um dano à ação, é vergonhoso enganar a nós
mesmos, adiando tudo o que for capcioso e atrasar todas as ações. E também não ser
capaz de compreender que, ao dedicar-se à guerra com justeza, é necessário não
acompanhar as ações, mas estar à frente das mesmas, e da mesma forma que se apreciaria
o general conduzir seus combatentes, assim também agir com os que deliberam as ações,
para que as coisas que lhes parecerem convenientes, estas sejam feitas e não seja
necessário colocar-se a seguir as circunstâncias.
45
[40] E vós, atenienses, tendo a maior força de todas, trirremes, hoplitas, cavaleiros, acesso
aos bens, destas, até o dia de hoje, jamais vos servistes para o que é necessário, e da forma
como os bárbaros praticam o pugilato, vós guerreais contra Filipe. Pois, entre eles, o que
levou um golpe, sempre posiciona a mão onde ocorreu o golpe, e se se bate do outro lado,
as mãos lá estão. Ele não sabe, e nem deseja proteger-se ou observar seu opositor.
[41] E vós, se sabeis de Filipe em Quersoneso, votais enviar uma expedição de
emergência para lá, se nas Termópilas, para lá, se em algum outro lugar só o seguis para
todo o lado e sois comandados por ele. E nada de útil deliberastes sobre a guerra, nem
antevedes nenhuma das ações até que saibais que algo aconteceu ou está acontecendo.
Talvez, as coisas fossem assim anteriormente. Agora, porém, chegaram a tal ponto que já
não é mais possível.
[42] Parece-me que algum dos deuses, atenienses, envergonhando-se com os
acontecimentos da cidade, incute em Filipe este desejo de imiscuir-se nos assuntos
alheios. Pois, se ele, com as coisas que conquistou e subjugou, desejasse ficar em paz e
não fizesse ainda mais, me parece que, para algum de vós, seria o suficiente, e por causa
destas coisas estaríamos condenados à vergonha, à covardia e a todas as maiores desonras
em nome do estado. Porém, agora, tentando sempre alguma coisa e aspirando mais, se
não desististes inteiramente, talvez vos excite.
[43] Quanto a mim, exaspero-me que ninguém entre vós reflita ou se encolerize ao ver,
atenienses, que o início da guerra era sobre castigar Filipe, mas o fim está sendo não sofrer
dano por causa de Filipe. Ora, que ele não se deterá, se ninguém o proibir é evidente.
Então suportaremos isto? Enviais trirremes sem homens e com esperanças em outro, e
credes tudo estar bem?
[44] Não embarcaremos? Não partiremos nós mesmos com alguma porção de soldados
citadinos agora, se não antes? “Então onde ancoraremos?”, alguém perguntou. A própria
guerra encontrará, atenienses, as coisas em mau estado nos assuntos dele, se nos
esforçarmos. Mas, certamente, se nos sentarmos em casa, ouvindo os oradores se
queixando e censurando uns aos outros, jamais acontecerá nada das coisas necessárias
para nós.
[45] De fato, creio que, para onde quer que seja enviada uma porção do povo da cidade,
se não sua totalidade, a benevolência dos deuses e da fortuna combaterá conosco. Porém,
46
para onde quer que envieis um general, um decreto vazio e as esperanças advindas da
tribuna, nada das coisas necessárias surge para vós. E de um lado, os inimigos riem de
escárnio; de outro, os aliados morrem de medo dessas embaixadas.
[46] Pois não é possível, não é mesmo possível um homem ser capaz de fazer tudo quanto
vós quereis. É possível prometer, afirmar e censurar um e outro, mas, por causa disso, as
ações se perderam. De fato, quando o general comanda mercenários miseráveis, aos quais
não se paga o soldo prometido, e há aqueles que mentem facilmente para vós sobre as
coisas que ele faz, e vós, com base nas coisas que ouvis dizer, votais, o que se deve
esperar?
[47] Então, como isso cessará? Quando vós, atenienses, apresentardes os próprios
soldados como testemunhas dos que comandam e, retornando à casa, juízes das gestões,
de modo a vós não somente ouvirdes deles as vossas coisas, mas também, estando
próximos, observardes. Pois agora os fatos chegam a isso de vergonha que cada um dos
generais é condenado à morte duas e três vezes diante de vós, mas, contra os inimigos,
nenhum deles arrisca a vida na luta. Eles preferem a morte dos negociadores de escravos
e dos ladrões a de quem convém, pois cabe ao malfeitor morrer por ser condenado e, ao
general, combatendo contra os inimigos.
[48] Dos nossos, dizem, uns estão espalhando que Filipe negocia com os lacedemônios a
dissolução de Tebas e também quer destruir a constituição do estado; outros, que ele
enviou embaixadores ao rei persa; outros, que ele fortifica cidades na Ilíria; e ainda outros,
que inventam discursos que cada um de nós espalha.
[49] Eu creio, atenienses, pelos deuses, que ele está embriagado com a grandeza de seus
feitos e sonha com mais coisas em seu espírito, observando a ausência de impedimentos
e excitado com os feitos. Por Zeus, ele não escolhe agir, de modo que os mais ignorantes
daqueles junto a vós saiba o que está a ponto de fazer, pois os mais ignorantes são os que
fazem rumores.
[50] Mas se, após deixarmos estas coisas de lado, reconhecermos que este homem é um
inimigo e priva-nos de nosssas coisas e há muito tempo nos insultou, que tudo quanto
alguma vez esperamos alguém fazer por nós, aparece contra nós, que as coisas futuras
estão em nós mesmos, que se não desejarmos guerrear contra ele naquele lugar, talvez
seremos forçados a fazê-lo aqui. Se reconhecermos estas coisas, teremos compreendido
47
as coisas necessárias e nos distanciado dos discursos vãos. De fato, não é necessário
examinar as coisas que acontecerão um dia, mas as que serão prejudiciais, se não
pensardes e desejardes fazer o que é conveniente, sabei bem disso!
[51] Eu, pois, nem em outras oportunidades, nunca preferi falar, com prazer, sem estar
convencido de trazer vantagem para vós, e agora todas as coisas que sei, simplesmente,
sem dissimulação alguma, disse abertamente. Gostaria, assim como sei que vos convém
ouvir as melhores coisas, de saber deste modo se será vantajoso também a quem falou as
melhores coisas. De fato, ficaria bastante feliz. Porém agora, por causa da incerteza,
haverá consequências para mim mesmo, oriundas das propostas, ainda assim prefiro falar
por estar convencido da vantagem destas coisas. Vença o que se mostrar mais vantajoso
para todos.
3.3 – O e1qov como construção da identidade discursiva do orador
Tendo-se em vista a precedente proposta de tradução da Primeira Filípica, é digno
de nota, primeiramente, que o orador se vale muito bem do conhecimento dos assuntos
“sobre os quais todos deliberam29”, de acordo com Aristóteles. Torna-se necessário
analisar de que forma a postura do orador, isto é, a maneira como Demóstenes se
apresenta, serve de aliada em seu intuito de persuadir o auditório, entendido, neste estudo,
como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação 30. Ao
orador, cabe a função não só de empregar argumentos convincentes para defender o seu
ponto de vista, mas também a de apresentar um comportamento que suscite a emoção e a
confiança de seus ouvintes.
O sucesso perante o auditório depende de meios discursivos específicos, que, de
acordo com Patrick Charaudeau (2011: 113) foram divididos pelo preceptor de Alexandre
em três categorias: lo/gov, pa/qov e e1qov. O analista francês afirma que a primeira
categoria mencionada se relaciona diretamente com o discurso e pertence ao domínio da
razão. De maneira geral, esta é a que torna o convencimento possível. As restantes, pa/qov
29
Isto é, sobre as finanças, sobre guerra e paz, ainda sobre defesa do território, importações e exportações
e legislação, conforme Arte Retórica 1359b.
30
Cf. PERELMAN – OLBRECHTS-TYTECA (2005: 22).
48
e e1qov, pertencem verdadeiramente ao campo da emoção e subdividem-se, exercendo
funções diversas. Para Charaudeau, o pa/qov é voltado para o auditório; o e1qov, que diz
respeito ao orador, é objeto de análise desta seção.
Pierre Chantraine (1968: 327) apresenta o termo e1qov em seu Dictionnaire
Étymologique de la Langue Grec como:
A forma nominal usual (...) e1qov n. “hábito, costume” (jon-att.),
sobretudo no plural; (...) o termo encontra-se em concorrência
com h]qov, ao menos tão antigo quanto e mais empregado, cujo
senso original de “costume” evoluiu de maneira diversa 31
(tradução nossa)
Observa-se que Chantraine inscreve o termo em questão no campo semântico do
“costume” ou “hábito”, acepções que, por extensão, transformam-se em “postura32”. De
fato, quando se age costumeiramente de uma determinada forma, é comum afirmar-se
que as atitudes habituais compõem a postura de alguém. A adoção desse novo sentido
impõe, porém, dificuldades encontradas desde a Antiguidade, expostas com bastante
acuidade por Charaudeau. Na exposição do francês, de um lado, Isócrates, Cícero e alguns
retóricos defendem o e1qov como algo preexistente ao discurso, pois parece mais virtuoso,
sincero e amável quando se é, de fato, tais coisas. De outro lado, Aristóteles afirma que o
orador deve portar-se de uma forma que cause boa impressão em seu auditório.
À parte do “convite à sofística 33” que a proposição do estagirita parece fazer, os
analistas do discurso defendem o posicionamento do autor da Arte Retórica, pois, para
Charaudeau (2011: 114), “situam o ethos na aparência do ato de linguagem, naquilo que
o sujeito falante dá a ver e entender”, de modo que, no entendimento de Ducrot apud
Charaudeau (2011: 114), “é enquanto fonte de enunciação que ele [o locutor] se vê
transvestido de certos caracteres que, por tabela, tornam sua enunciação aceitável ou
refutável”. Dominique Maingueneau (1993: 138), por sua vez, argumenta que o e1qov ligase ao exercício discursivo por si próprio, independentemente do ator político.
Contudo, as posições dos teóricos mencionados acerca do discurso não encerram
a questão. A análise depende das correntes em oposição desde a Antiguidade. Charaudeau
31
la forme nominale usuelle (...) e1qov n. « habitude, coutume » (ion-att.) surtout au pluriel (...); le terme
se trouve en concurrence avec h]qov, au moins aussi ancien et plus employé, mais qui le sens originel de
« coutume » a évolué diversement (...).
32
Postura entendida, aqui, no sentido de moralidade.
33
“Convite à sofística” enquanto técnica que, a despeito da verdade, busca a vitória por meio da persuasão.
49
defende que o e1qov, ainda que seja uma imagem ligada ao falante, não se torna
propriedade do mesmo, mas é, em primeiro lugar, uma imagem assumida pelo
interlocutor com base no que é dito. Assim, percebe-se que é necessário entrecruzar os
olhares: em primeiro lugar, o olhar do interlocutor sobre o falante; em segundo lugar, o
olhar do falante sobre a maneira como ele pensa ser visto por seu interlocutor, pois, para
o analista francês, a construção da imagem do falante é fruto das informações
preexistentes ao discurso, isto é, o que ele conhece como a “postura” do falante, e as
informações evocadas pelo discurso 34.
O teórico sustenta sua argumentação tendo como base “a identidade do sujeito
falante desdobrada em duas componentes 35”. De acordo com o estudioso, na primeira
componente, o falante apresenta-se com sua identidade social de locutor, que lhe outorga
o direito à fala e que o legitima como comunicante em função do estatuto e do papel
atribuídos pela situação de comunicação. Já na segunda componente, o sujeito constrói
para si uma identidade discursiva de enunciador comprometido com os papéis que o
próprio se atribui no ato de enunciação. Assim, surge com uma identidade social que lhe
é conferida e apresenta uma identidade discursiva construída para si próprio. Observa-se,
portanto, que, para esta argumentação, o sentido daquilo que é dito depende
simultaneamente do que se é e do que se diz. Charaudeau (2011: 115) afirma que “o ethos
é o resultado dessa dupla identidade”, que se funde em uma única, pois propõe o
questionamento de que as opiniões dos indivíduos, quando falam em público, são julgadas
pelo que eles aparentam ser. Ou seja, argumenta-se o quão difícil seria aceitar que a
imagem tida pelo falante de si não corresponde ao que ele verdadeiramente é.
Maingueneau apud Charaudeau (2011: 118) acrescenta ao debate que “as ideias
são construídas por maneiras de dizer que passam por maneiras de ser”, uma afirmação
ampliada por Charaudeau, que acredita na veracidade da recíproca, isto é, as maneiras de
ser comandam as maneiras de dizer. A estas maneiras de dizer, o analista do discurso
chama de “ideias”, que são indissociáveis do e1qov, pois a forma como elas são
apresentadas é responsável direta pela construção de imagens do sujeito falante.
É digno de nota que Perelman – Olbrechts-Tyteca (2005: 27) compartilham as opiniões dos analistas
franceses em questão, como se lê na afirmação “nenhum orador, nem mesmo o sacro, pode descuidar desse
esforço de adaptação ao auditório”. Contudo, é necessário considerar a informação acima com a cautela de
quem não quer ser pego em contradição (cf. 2005: 34 §7).
35
Charaudeau (2011: 115).
34
50
As imagens feitas do sujeito falante agrupam-se em duas grandes categorias, a
saber: os e1qh de credibilidade, de um lado, que são relacionados ao discurso da razão; de
outro, os e1qh de identificação, vinculados ao discurso afetivo.
No caso da credibilidade, defende-se, em análise do discurso, que ela não é ligada
à identidade social do sujeito falante. Ela é o resultado da construção de uma identidade
discursiva que apresenta o falante como um sujeito digno de crédito. Para Charaudeau
(2011: 136),
o ethos de credibilidade é, ao mesmo tempo, um construto e um
atributo, ou, mais precisamente, uma construção sobre um atributo. É
um construto em virtude da maneira pela qual o sujeito encena sua
identidade discursiva. É um atributo em virtude da identidade social que
o sujeito possui e que depende, ao mesmo tempo, de seu estatuto e da
maneira como o público o percebe.
No caso da identificação, as imagens do sujeito falante são retiradas do afeto social
que os interlocutores têm por ele. Tais imagens são formadas com base naquilo que o
orador demonstra ser publicamente, mais do que com base naquilo que ele demonstra em
suas ações. “O cidadão, mediante um processo de identificação irracional, funda sua
identidade na do político”, diz Charaudeau (2011: 137).
Entre os e1qh de credibilidade, podem-se atribuir a Demóstenes dois tipos diversos:
o e1qov de “virtude” e o e1qov de “competência”. O primeiro supõe que a figura política,
enquanto um representante do povo, deve estabelecer o exemplo a ser seguido. Tal e1qov
exige do ator político qualidades como sinceridade, fidelidade e honestidade pessoal.
Trata-se de uma imagem formada com o passar do tempo, já que depende das qualidades
referidas acima. De fato, um indivíduo não adquire a fama de honesto e sincero
subitamente. No caso do orador ateniense, é reconhecido como homem honesto por causa
de sua história pessoal, como apresentado no capítulo 3, item 3.1, em que se expuseram
as origens do mesmo. Ao ter sido injustiçado, juntamente com sua família, após a morte
de seu homônimo pai, o jovem buscou estudar arte oratória a fim de estar à altura de seus
detratores no tribunal. Já no caso do e1qov de competência, a demanda é de saber e
habilidade: no caso do orador, este precisa demonstrar exímios conhecimentos dos
tópicos que pretende tratar e fazer sugestões. Além disso, é necessário comprovar que
dispõe de meios, poder e experiência para realizar aquilo que propõe. Charaudeau defende
que os políticos devem mostrar conhecimento de todas as engrenagens da vida política e
que sabem agir de maneira eficaz.
51
Ainda que Demóstenes estivesse no início da carreira pública, é possível perceber,
por meio de suas propostas, que ele conhece plenamente seu ofício. O ateniense
demonstra bastante desenvoltura ao falar do território e da proposta financeira de
reformulação das forças armadas, como se infere do excerto:
Então, se vós, atenienses, desejardes manifestar agora a vossa opinião,
já que, certamente, não antes, cada um de vós, no que é necessário,
poderia mostrar-se útil à cidade; e começar a agir prontamente,
repelindo toda a dissimulação: aquele que tem bens, contribuir;
aquele em idade propícia, alistando-se; resumindo: se vós quiserdes
ser senhores de vós mesmos e cada um cessar de fazer nada, esperando
que o vizinho vá fazer tudo em seu lugar, vós recuperareis vossas
coisas, se deus quiser, e as coisas perdidas36 por negligência tereis
novamente às mãos e castigareis a ele.
(Primeira Filípica, 7).
Talvez a experiência como logógrafo antes de lançar-se como orador deliberativo
tenha-o preparado suficientemente bem, cabendo-lhe, unicamente, adequar-se à nova
situação oratória na qual pretendeu atuar.
Perelman – Olbrechts-Tyteca (2005: 34) afirmam que o orador, ao considerar toda
argumentação voltada para o auditório particular, oferece o inconveniente de adaptar-se
à vista do ouvinte e corre o risco de adotar posturas válidas somente ao público
situacional, isto é, ouvintes presentes no preciso momento do pronunciamento do
discurso, olvidando, assim, o “grande público”. O risco reside na possibilidade de o
adversário político decompor a argumentação em partes menores, apresentando cada
excerto a um grupo, cuja irrelevância ou contrariedade ideológica contida nas
informações é comprovada. Com base nessa hipótese, fica evidente a fraqueza de
argumentos direcionados a grupos particulares e a necessidade de se valorizar opiniões
que gozem de aprovação unânime entre os membros do auditório.
A tal unanimidade, Perelman – Olbrechts-Tyteca nomearam “acordo do auditório
universal”, que, segundo os teóricos belgas (2005: 35), “trata-se evidentemente, nesse
caso, não de um fato experimentalmente provado, mas de uma universalidade e
unanimidade que o orador imagina, do acordo de um auditório que deveria ser universal”,
porque aqueles que não o integram podem ser, obviamente, preteridos.
36
Referência aos territórios perdidos para o monarca macedônico.
52
A força de uma argumentação dirigida ao auditório universal repousa no fato de
que não se espera obter o consentimento de todos, mas, quem quer que compreenda as
razões que conduziram àquela exposição das ideias, terá de aderir às mesmas conclusões
do orador. Para tal, as razões fornecidas devem convencer por seu caráter coercivo e
validade intemporal e absoluta, de modo que até mesmo o orador se convença de que não
poderá ser posto à prova. Dessa maneira, afirmam Perelman – Olbrechts-Tyteca (2005:
36) “o indivíduo, com sua liberdade de deliberação e escolha, apaga-se ante a razão que
o coage e lhe tira qualquer possibilidade de dúvida. No limite, a retórica eficaz para um
auditório universal seria a que manipula apenas a prova lógica”. A manipulação da prova
lógica é observável na peça retórica no excerto a seguir:
Em seguida, deve-se considerar também que uns ouviram de outros e
há os que sabem e lembram quanto poder os lacedemônios possuíam
certa vez, há não muito tempo. Ainda assim, vós agistes bela e
convenientemente, em nada indignos da cidade, vos encarregastes da
batalha contra eles por coisas justas. Falo estas coisas por quê? Para que
saibais, atenienses, e vejais que nada é temível quando vós vigiais, mas,
se negligenciardes, tal como desejaríeis nada aconteceria. Deveis
servir-vos dos exemplos dos lacedemônios, cuja antiga força vós
dominastes por pensar em vossas ações, e da insolência deste agora, que
nos desordena por não considerarmos as coisas que eram necessárias.
(Primeira Filípica, 3).
3.4 – Primeira Filípica: uma abordagem à luz dos pressupostos retóricos
Na assembleia, era costume os oradores mais antigos – por conseguinte, mais
experientes – falarem em primeiro lugar. Conforme exposto no início desse capítulo, à
época do pronunciamento da Primeira Filípica, Demóstenes engajara-se há pouco na
carreira política37 e contava 33 anos de idade. Portanto, ainda era considerado jovem e
inexperiente para tratar dos problemas da cidade.
O orador, contudo, é extremamente hábil em modificar a situação a seu favor,
pois, sabendo que é necessário justificar sua presença na assembleia, já que, de acordo
com Aristóteles, discursos deliberativos não requerem fundamentalmente um exórdio 38,
desculpa-se por ter-se levantado para subverter o costume, conforme o excerto:
ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w}
a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv oi9 plei=stoi tw~n
No sentido de po/liv.
Os exórdios das arengas públicas tiram-se do gênero judiciário, pois em si mesmas pouco material contêm
para isso. (...) a matéria não necessita de preâmbulo, a não ser que se refira à pessoa do orador ou à dos
adversários, ou que os ouvintes não tomem a questão como o orador desejaria. Arte Retórica 1415b.
37
38
53
ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_
tou&twn r(hqe/ntwn, h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v
e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: e0peidh_ d' u(pe\r w{n polla&kiv
ei0rh&kasin ou{toi pro&teron sumbai/nei kai\ nuni\ skopei=n, h(gou~mai
kai\ prw~tov a)nasta_v ei0ko&twv a@n suggnw&mhv tugxa&nein. ei0 ga_r
e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou ta_ de/onq' ou{toi sunebou&leusan,
ou)de\n a@n u(ma~v nu~n e1dei bouleu&esqai.
Se tivesse sido proposto falar sobre algum assunto novo, atenienses,
teria esperado até que a maior parte dos mais costumeiros tivesse
expressado a sua opinião, e se alguma das coisas ditas por estes
satisfizesse a mim, ficaria em silêncio, mas se não, tentaria eu mesmo
falar das coisas que conheço. Tendo-se em vista, porém, que muitas
vezes eles falaram inicialmente sobre coisas que ainda convém discutir,
julgo, com razão, que obteria vossas desculpas por ter-me levantado
primeiro. De fato, se desde o tempo passado, eles tivessem deliberado
sobre as coisas necessárias, não seria preciso vós deliberardes nada
agora.
(Primeira Filípica, 1).
Tal postura se coaduna com a opinião de Lausberg (1972: 92) sobre a função da
referida parte inicial: “(...) atrair a atenção, a boa aceitação e a benevolência do juiz para
a causa partidária defendida no discurso (...), o que é (...) difícil nos graus fracos de
credibilidade”. Para o estudioso (1972: 90), o grau fraco de credibilidade é observável
quando, por exemplo, a defesa de uma opinião partidária não coincide com a opinião do
juiz. Cumpre ressaltar que, no presente estudo, se toma a pessoa do “juiz” pela audiência.
Acredita-se que o orador tenha partido desse grau pela situação que seu
pronunciamento parece demonstrar. O excerto em questão aponta um orador jovem e
inexperiente, justificando-se por sua fala, cujo assunto sequer é novidade. Porém, a
aparente desvantagem frente à assembleia, torna-se uma aliada, quando se considera, por
exemplo, a primeira antítese39 exposta pelo orador.
De um lado, sua denúncia à falta de novidade sobre qualquer assunto; de outro, a
necessidade de se voltar a um tema, em sua opinião, mal debatido na assembleia, pois
ainda há o que se falar sobre tais questões. O efeito pretendido com a estratégia em curso
é duplo: 1) expor que os oradores precedentes vêm sendo negligentes, isto é, o que “eles
fizeram” até então e 2) lançar-se como o redentor de Atenas (o que “eu venho propor”).
Note-se ainda que a forma como Demóstenes dispõe os termos de seu exórdio corroboram
39
A antítese (...) é a contraposição de dois pensamentos de volume sintático variável. Podem distinguir-se
a antítese de frase, a antítese de grupos de palavras e a antítese de palavras isoladas. Os fundamentos lexicais
são os antônimos. Cf. Lausberg 1972: 228 - 32.
54
a tentativa de conseguir a atenção da audiência, porque, ao criar três40 hipérbatos41, isto
é, alterar a ordem normal das palavras numa oração simples, ou de orações num período,
o orador gera suspense, que garante a atenção para o seu discurso.
O suspense é criado porque, de acordo com Wooten (2008: 649)42, ao ouvir me/n
(Ei0 me\n peri\ kainou~ tinov (...), w] a1ndrev 0Aqhnai~oi, le/gein, e0pisxw\n a2n...), o homem
grego esperava sequencialmente um de/ ou até mesmo a0lla/. Contudo, nenhum dos dois
é atestado no exórdio, em relação ao me/n inicial. Acrescente-se que o aposto w]
a1ndrev 0Aqhnai~oi reforça quem são os interlocutores, remetendo também ao “grau suave
de afetos” elaborado por Lausberg (1972: 105), indicado para os exórdios, pois capta a
benevolência dos juízes.
Identifica-se a adição de uma segunda antítese no fim do exórdio demostênico,
dessa vez com a intenção de contrapor o tempo passado (...e0k tou~ parelhluqo&tov
xro&nou...) e o presente, o agora, na presença do próprio advérbio temporal (...nu~n...). A
ideia sugerida aqui – e que perpassará o discurso – é bastante clara: a cidade tem
problemas agora, porque desde antes, isto é, no passado, as decisões erradas vêm sendo
escolhidas pela audiência.
Tendo adquirido a atenção da audiência com seu exórdio, o ateniense apresenta
suas primeiras considerações ao auditório. A razão para Demóstenes não expor
imediatamente sua proposta principal parece ser a necessidade de assegurar aos
atenienses que há chances reais de sucesso em uma campanha militar contra Filipe. Para
tal, pretende fundamentar ponto de vista no vitorioso passado ateniense em campanhas
militares, não sem, antes, criticar os atenienses pelo crescente estado de degradação
atingidos até o momento.
Prw~ton me\n ou}n ou)k a)qumhte/on, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v
parou~si pra&gmasin, ou)d' ei0 pa&nu fau&lwv e1xein dokei=. o4 ga&r e0sti
xei/riston au)tw~n e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou, tou~to pro_v ta_
me/llonta be/ltiston u(pa&rxei. ti/ ou}n e0sti tou~to; o3ti ou)de/n, w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n deo&ntwn poiou&ntwn u(mw~n kakw~v ta_
ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv
oi9 plei=stoi tw~n ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn,
h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein:
41
O hipérbato é a separação de duas palavras que sintaticamente estão em íntima ligação, por meio da
interposição de um membro da frase (monossilábico ou polissilábico), que não pertencia diretamente àquele
lugar. Esta figura é uma figura de palavra, à qual correspondem, como figura de pensamento, o parêntese
e, como metaplasmo gramatical, a tmese. Cf. Lausberg 205 - 6.
42
A falta de paginação, no que se refere ao teórico Cecil Wooten, se deve ao fato de a edição ser digital, na
qual, pela possibilidade de alteração na visualização do texto (tamanho da fonte, por exemplo), torna-se
difícil precisar o número de página que dispõe a informação a que se faz menção. Por esta razão, em vez
de paginação, as referências à obra do estudioso dar-se-ão por meio da seção (Wooten 2008. 649).
40
55
pra&gmat' e1xei: e0pei/ toi, ei0 pa&nq' a$ prosh~ke pratto&ntwn ou#twv
ei]xen, ou)d' a@n e0lpi\v h}n au)ta_ belti/w gene/sqai.
Primeiramente, não se deve esmorecer, atenienses, em relação às ações
presentes, ainda que pareça estar tudo arruinado. De fato, o que é pior
desde o tempo passado é o melhor em relação aos eventos futuros. O
que, então, é isto? Como nada, atenienses, das coisas necessárias vós
nada fazeis, as ações vão mal. Certamente, se todas as coisas que vos
convém fazer estivessem em ordem, não haveria esperança alguma de
tornar as coisas melhores.
(Primeira Filípica, 2)
Neste parágrafo, é possível perceber que o orador não pretende medir o tom de
suas reprimendas, um fato que, talvez, represente um problema, já que é mais difícil
persuadir um auditório quando se vê a emoção suplantar a argumentação lógica. De toda
maneira, Demóstenes apresenta alguns elementos interessantes no trecho acima. Destacase, em primeiro lugar, o uso do adjetivo verbal a)qumhte/on, que denota impessoalidade,
pela sua construção, no início do excerto. Defende-se, nesse estudo, que o orador tinha
de um grau fraco de credibilidade em relação à sua audiência. Por esse motivo, parece
mais pertinente levá-los à conclusão pretendida de maneira distanciada, “como se a
palavra dada não fosse da responsabilidade de nenhum dos interlocutores presentes e
dependesse apenas do ponto de vista de uma voz terceira, a voz da verdade”, um
procedimento que Charaudeau (2011: 178) chama de “enunciação delocutiva”.
São dignos de nota também o emprego de um paradoxo (o4 ga&r e0sti xei/riston
au)tw~n e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou, tou~to pro_v ta_ me/llonta be/ltiston
u(pa&rxei) reforçando a antítese que encerra o exórdio, cuja resolução surge após a
pergunta retórica (ti/ ou}n e0sti tou~to;)43 e o novo hipérbato. No trecho (...) o3ti ou)de/n, w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n deo&ntwn poiou&ntwn u(mw~n kakw~v ta_ pra&gmat' e1xei: (...), a
forma verbo-nominal poiou&ntwn, afastada de seu complemento, o pronome indefinido
com função o objeto direto ou)de/n deslocado para o início da frase, cria novo suspense
entre seus ouvintes. O destaque do pronome indefinido aponta a direção da resposta. Em
outras palavras, Demóstenes afirma: “se tudo já tivesse sido feito, tudo estaria perdido.
Porém, como nada foi feito, o que está errado desde o tempo passado é a solução para o
futuro. Convém agir”.
43
A pergunta retórica tem como função principal a tentativa de manter a atenção da audiência, sobretudo
quando esta começa a ouvir argumentos que reprovam sua postura.
56
Para Aristóteles44, “quem fala em primeiro lugar deve começar por expor suas
próprias provas e continuar atacando os argumentos contrários, ora destruindo-os, ora
rebaixando o alcance deles”. É dessa forma que o orador procede em sua argumentatio
(1972: 92)45 preliminar, conforme o parágrafo 3:
e1peit' e0nqumhte/on kai\ par' a!llwn a)kou&ousi kai\ toi=v ei0do&sin
au)toi=v a)namimnh|skome/noiv, h(li/khn pot' e0xo&ntwn du&namin
Lakedaimoni/wn, e0c ou{ xro&nov ou) polu&v, w(v kalw~v kai\
proshko&ntwv ou)de\n a)na&cion u(mei=v e0pra&cate th~v po&lewv, a)ll'
u(pemei/naq' u(pe\r tw~n dikai/wn to_n pro_v e0kei/nouv po&lemon. ti/nov
ou}n e3neka tau~ta le/gw; i3n' ei0dh~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\
qea&shsqe, o#ti ou)de\n ou!te fulattome/noiv u(mi=n e0stin fobero&n, ou!t',
a@n o)ligwrh~te, toiou~ton oi[on a@n u(mei=v bou&loisqe, paradei/gmasi
xrw&menoi th?~| to&te r(w&mh| tw~n Lakedaimoni/wn, h{v e0kratei=t' e0k tou~
prose/xein toi=v pra&gmasi to_n nou~n, kai\ th~?| nu~n u#brei tou&tou, di'
h$n taratto&meq' e0k tou~ mhde\n fronti/zein w{n e0xrh~n.
Em seguida, deve-se considerar também que uns ouviram de outros e
há os que sabem e lembram quanto poder os lacedemônios possuíam
certa vez, há não muito tempo. Ainda assim, vós agistes bela e
convenientemente, em nada indignos da cidade, vos encarregastes da
batalha contra eles por coisas justas. Falo estas coisas por quê? Para que
saibais, atenienses, e vejais que nada é temível quando vós vigiais, mas,
se negligenciardes, tal como desejaríeis nada aconteceria. Deveis
servir-vos dos exemplos dos lacedemônios, cuja antiga força vós
dominastes por pensar em vossas ações, e da insolência deste agora, que
nos desordena por não considerarmos as coisas que eram necessárias.
(Primeira Filípica, 3).
Neste parágrafo, observa-se novamente a habilidade do orador no encadeamento
de ideias e a forma de apresentação das mesmas. Mantendo o distanciamento da sua figura
com a argumentação por meio da enunciação delocutiva referida e observada
anteriormente, empregando mais uma vez um adjetivo verbal e0nqumhte&on, em primeiro
lugar, ele induz sua audiência a se mostrar em concordância consigo, ainda que somente
pela vergonha de parecer não saber sobre um fato que todos conhecem46.
Em segundo lugar, afirma que é possível vencer Filipe, embora a situação não seja
favorável aos atenienses no momento, por causa da negligência que o orador não deixa
de apontar (i3n' ei0dh~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ qea&shsqe, o#ti ou)de\n ou!te
fulattome/noiv u(mi=n e0stin fobero&n, ou!t', a@n o)ligwrh~te, toiou~ton oi[on a@n u(mei=v
44
Arte Retórica, 1418b.
Na argumentatio (...) a função principal é levar a cabo a prova. As provas alegadas na argumentação (...)
podem ser preponderantemente objectivas (com a finalidade de convencer o juiz intelectualmente) ou
preponderantemente afectivas (com a finalidade de convencer o juiz emocionalmente).
46
Retórica, 1408a.
45
57
bou&loisqe). Sua fala demonstra que a vitória depende unicamente do engajamento dos
cidadãos, tal como fizeram seus antepassados47. Dessa forma, evita-se um ataque aberto
à negligência e à inércia, louva-se a bravura dos ancestrais e, com isso, a audiência fica
disposta a favor de quem expressou “coisas duras com suavidade”, conforme anotado por
Aristóteles48.
Nos primeiros trechos da peça retórica fica suficientemente claro o
descontentamento com a postura apresentada pelos seus concidadãos até então. No fim
do terceiro parágrafo, aparece a primeira menção ao rei Filipe. Tal referência sequer é
feita nominalmente. Em vez de citá-lo de fato, o orador emprega o pronome
demonstrativo ou[tov no genitivo (tou&tou) com o objetivo de expressar desprezo pelo
monarca.
Em seguida, Demóstenes dedica os três parágrafos posteriores, desenvolvendo sua
crítica à conduta ateniense, contrapondo-se à postura proativa de Filipe, que, observando
a negligência do povo da cidade, conquistou os territórios à força ou por meio de alianças
e ofertas de proteção militar.
A estrutura observável nestes parágrafos segue bastante interessante do ponto de
vista estratégico. Ao que parece, o orador visa a manter a atenção de sua audiência com
o auxílio do suspense. Para tal, repete a estrutura sintática do primeiro parágrafo 49 – a
oração hipotética subordinada em posição 1 e oração principal em posição 2 – no início
dos parágrafos 4 (ei0 de/ tiv u(mw~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, duspole/mhton (...) th?|~ po&lei,
o)rqw~v me\n oi1etai) e 5 (ei0 toi/nun o( Fi/lippov to&te tau&thn e1sxe (...) ou)de\n a@n w{n
nuni\ pepoi/hken...). Identifica-se como outro objetivo desse trecho do pronunciamento, a
tentativa de provocar a vergonha dos atenienses que perderam os aliados para Filipe, não
só pela força que este demonstra, mas também porque parece justo que se queira fazer
aliança com aquele que oferece vantagens, conforme se lê no fim do sexto parágrafo (kai\
ga_r summaxei=n kai\ prose/xein to_n nou~n tou&toiv e0qe/lousin a#pantev, ou$v a@n o(rw~si
pareskeuasme/nouv kai\ pra&ttein e0qe/lontav a$ xrh&).
47
De acordo com o aparato crítico da edição selecionada, a referência é a invasão da Beócia por Agesilau,
em 378.
48
Retórica, 1408b.
49
Ao fazê-lo, Demóstenes cria novos hipérbatos.
58
Até o sexto parágrafo, observa-se a todo momento a tentativa do orador de
persuadir o seu auditório a adotar postura diversa daquela que vem apresentando há anos:
a imagem de povo negligente face a um homem em ascensão. O parágrafo 7 é o primeiro
em que Demóstenes propõe à assembleia algo minimamente concreto: que os cidadãos
ricos assumam a responsabilidade que a cidade os impunha, e que os homens, em idade
válida, se alistem nas forças armadas, a fim de combater Filipe.
a@n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ u(mei=v e0pi\ th~v toiau&thv
e0qelh&shte gene/sqai gnw&mhv nu~n, e0peidh&per ou) pro&teron, kai\
e3kastov u(mw~n, ou{ dei= kai\ du&nait' a@n parasxei=n au(to_n xrh&simon
th?~| po&lei, pa~san a)fei\v th_n ei0rwnei/an e3toimov pra&ttein u(pa&rch|,
o( me\n xrh&mat' e1xwn ei0sfe/rein, o( d' e0n h(liki/a| strateu&esqai,
sunelo&nti d' a(plw~v a@n u(mw~n au)tw~n e0qelh&shte gene/sqai, kai\
pau&shsq' au)to_v me\n ou)de\n e3kastov poih&sein e0lpi/zwn, to_n de\
plhsi/on pa&nq' u(pe\r au)tou~ pra&cein, kai\ ta_ u(me/ter' au)tw~n
komiei=sq', a@n qeo_v qe/lh|, kai\ ta_ katerra|qumhme/na pa&lin
a)nalh&yesqe, ka)kei=non timwrh&sesqe.
Então, se vós, atenienses, desejardes manifestar agora a vossa opinião,
já que, certamente, não antes, cada um de vós, no que é necessário,
poderia mostrar-se útil à cidade; e começar a agir prontamente,
repelindo toda indecisão para agir: aquele que tem bens, contribuir;
aquele em idade propícia, alistando-se; resumindo: se vós quiserdes ser
senhores de vós mesmos e cada um cessar de fazer nada, esperando que
o vizinho vá fazer tudo em seu lugar, vós recuperareis vossas coisas, se
deus quiser, e as coisas perdidas por negligência tereis novamente às
mãos e castigareis a ele.
(Primeira Filípica, 7).
Após mais uma crítica exposta com o auxílio de antítese temporal ( nu~n ,
e0peidh&per ou) pro&teron), nota-se uma exortação ao abandono da dúvida em relação às
ações. O termo ei0rwnei/a (th\n ei0rwnei/an), aponta Chantraine (1974: 326),
especificamente no discurso em questão, tem acepção diferente do que significa
comumente. Segundo o filólogo, Demóstenes não o utiliza como “ironia”, mas como
“indecisão para agir”, precisamente do que é necessário abdicar.
Em seguida, faz-se menção à ei0sfora&, por meio do verbo no infinitivo presente
“ei0sfe/rein”. Hansen (1999: 112) explica que até 347 a.C. a ei0sfora&50 era um imposto
recolhido para fins bélicos, por decreto da assembleia. Era esporadicamente cobrado dos
mais ricos atenienses. Poucos anos antes do pronunciamento da Primeira Filípica, o
número de possíveis contribuintes chegava a 1200. Porém, o aparente problema é que
50
Hansen afirma que, depois de 347 a.C., o imposto foi fixado em 10 talentos e era pago por grupos de 15
- 20 pessoas chamados de simorias. Cf. Hansen 1999: 112 - 5.
59
este contingente era responsável tanto pela ei0sfora& quanto pelos outros impostos
cobrados da população ateniense, o que poderia gerar complicações no cumprimento dos
deveres cívicos.
O fim do parágrafo é bastante animador para os atenienses, pois nele o orador
afirma que ainda é possível castigar o monarca por sua insolência anunciada no terceiro
parágrafo (kai\ th~?| nu~n u#brei tou&tou). Com o intuito de encorajar os atenienses, amplia
seus argumentos no parágrafo seguinte, apontando que Filipe é menos forte do que se
imagina. Demóstenes acredita no que relata à audiência por saber que o rei é odiado e
invejado entre os seus próprios homens.
Em seguida, visa a atacar o macedônico e, para tal, escolhe termos tão violentos
quanto a conduta do monarca em relação aos atenienses, como se pode notar no excerto.
o(ra~te ga&r, w} a!ndrev )Aqhnai=o+i, to_ pra~gma, oi[ proelh&luq'
a)selgei/av a#nqrwpov, o$v ou)d' ai3resin u(mi=n di/dwsi tou~ pra&ttein
h@ a!gein h(suxi/an, a)ll' a)peilei= kai\ lo&gouv u(perhfa&nouv, w#v fasi,
le/gei, kai\ ou)x oi[o&v e0stin e1xwn a$ kate/straptai me/nein e0pi\
tou&twn, a)ll' a)ei/ ti prosperiba&lletai kai\ ku&klw| pantaxh~?|
me/llontav h(ma~v kai\ kaqhme/nouv peristoixi/zetai.
Vede, pois, atenienses, a extensão da insolência desenfreada deste
homem, que não nos dá escolha alguma para agir ou guardar silêncio,
mas ameaça e fala, como dizem, palavras arrogantes e não é capaz de
manter-se contente com as coisas que conquistou. Sempre anexa
alguma outra coisa ao seu território e cerca-nos por todo lado, enquanto
nós hesitamos e ficamos quietos.
(Primeira Filípica, 9)
Destaca-se, por exemplo, “insolência desenfreada” (a0se/lgeia), termo que
Wooten (2008: 1146) relaciona à u3briv, apontando que são quase sinônimos e, por vezes,
encontram-se juntos a fim de reforçar o que se pretende dizer. Chantraine (1977: 1150)
define a u3briv como uma “violência injusta provocada pela paixão, violência, desmesura,
ultraje”. Já a0se/lgeia, o filólogo define como um vocábulo derivado de a0selgh&v com
significado de “uma violência impudente, no sentido de conduta desregrada”. Portanto,
ao empregar tal termo, Demóstenes reforça, também neste parágrafo, a u3briv anunciada
no início de sua fala (parágrafo 3), o que corrobora sua afirmação sobre os atos de Filipe,
o rei que “nunca está satisfeito com aquilo que já conquistou e busca mais.”
Ainda que o trecho seja bastante revelador quanto ao sentimento do orador em
relação ao pai de Alexandre, nota-se claramente que os golpes desferidos não se dirigem
somente ao monarca. O fim do parágrafo deixa entrever o preparo de uma repreensão
60
ainda maior à sua audiência nos trechos seguintes. Demóstenes, por meio de uma antítese,
retoma crítica cíclica no discurso: o descompromisso dos atenienses.
Aparentemente, o objetivo é demonstrar que, enquanto Filipe é um homem ativo,
os atenienses são cidadãos relapsos. Na escolha dos campos semânticos, o orador anuncia
a mudança do tom a ser empregado nos parágrafos seguintes. O rei é relacionado ao
substantivo pra~gma, que Chantraine (1974: 934) define como “‘ação’, mais concreta que
pra~civ, com mais frequência ‘afazer’ sobretudo no plural ‘os afazeres’”. Em relação aos
atenienses, porém, pode-se observar o emprego do verbo ka/qhmai sob a forma do
particípio kaqhme/nouv, definido por Bailly (2000: 993) “em sentido negativo, no
particípio, ‘esperar’, ‘permanecer inerte’”.
Então, nos parágrafos seguintes (10 e 11), o caráter emotivo do discurso parece
ser elevado. Embora não seja possível recriar a fala do orador na situação discursiva, com
base no conteúdo do trecho, verifica-se que, as seguidas perguntas retóricas e a força da
crítica expõem a irritação do orador e, mais uma vez, sua exortação à urgência na
mudança de atitude.
po&t' ou}n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, po&q' a$ xrh_ pra&cete; e0peida_n ti/
ge/nhtai; e0peida_n nh_ Di/' a)na&gkh tiv h}.| nu~n de\ ti/ xrh_ ta_ gigno&men'
h(gei=sqai; e0gw_ me\n ga_r oi1omai toi=v e0leuqe/roiv megi/sthn a)na&gkhn
th_n u(pe\r tw~n pragma&twn ai0sxu&nhn ei]nai. h@ bou&lesq', ei0pe/ moi,
periio&ntev au(tw~n punqa&nesqai, “le/getai/ ti kaino&n;” ge/noito ga_r
a!n ti kaino&teron h@ Makedw_n a)nh_r )Aqhnai/ouv katapolemw~n kai\
ta_ tw~n (Ellh&nwn dioikw~n; “te/qnhke Fi/lippov;” “ou) ma_ Di/', a)ll'
a)sqenei=.” ti/ d' u(mi=n diafe/rei; kai\ ga_r a@n ou{to&v ti pa&qh|, taxe/wv
u(mei=v e3teron Fi/lippon poih&sete, a!nper ou#tw prose/xhte toi=v
pra&gmasi to_n nou~n: ou)de\ ga_r ou{tov para_ th_n au(tou~ r(w&mhn
tosou~ton e0phu&chtai o#son para_ th_n h(mete/ran a)me/leian.
Quando, então, atenienses, quando vos ocupareis das coisas que são
necessárias? Depois de alguma coisa vir a acontecer? Depois que, por
Zeus, haja necessidade. O que se deve pensar agora dos últimos
acontecimentos? De fato, eu penso que a maior necessidade, para os
que são livres, é a vergonha por causa destes fatos. Ou desejais, digame, circulando por aí, inquirir entre vós mesmos “diz-se algo de
novo?”. Haveria algo de mais novo do que um homem macedônio
debelando os atenienses e controlando os assuntos dos helenos? “Filipe
está morto?” “Não, por Zeus, mas está doente. 51” E o que isto importa
para vós? Pois mesmo se este sofrer alguma coisa, rapidamente vós
criareis um segundo Filipe, se tratais vossos assuntos desta maneira. De
51
De acordo com Santos (2010: 7), Demóstenes refere-se à necessidade de Filipe de retirar-se do campo de
batalha durante um tempo para cuidar de um grave problema de saúde. Foram espalhados rumores por
Atenas que Filipe poderia até mesmo já estar morto. Por tal razão, uma expedição ao norte da Grécia foi
adiada.
61
fato, este nada cresceu por seu próprio poder, mas por nossa
negligência.
(Primeira Filípica, 10 - 1)
Novamente, o tom de censura aos atenienses é bastante evidente. Observa-se, já
no início, a impaciência do orador com a lentidão de sua audiência em perceber a
dimensão do problema. Por isso, emprega duas vezes a partícula interrogativa “po/te” na
mesma oração. A presença do vocativo “w] a1ndrev 0Aqhnai~oi” não é mera coincidência,
pois seu uso reforça o pedido de atenção. Cecil Wooten (2008: 1195) argumenta que o
uso de perguntas retóricas rápidas, a qual chama de u9pofora/, serve para dois propósitos:
1) atrair a atenção da audiência e 2) mostrar que o orador em questão tem confiança no
que está dizendo, pois “ele jamais se perguntaria algo que não é capaz de responder”.
De fato, o orador sabe responder ao que propõe, porém sua agressividade com
seus concidadãos parece fora de lugar aqui. Em um dos trechos mais expressivos de todo
o discurso, Demóstenes fala da vergonha que deveriam sentir por terem somente
observado a degradação do próprio estado, fato que denota decepção também.
Todavia, a preocupação é ainda maior com a mentalidade da audiência. No
parágrafo 11, a tensão aumenta, e Demóstenes afirma que o grande problema não é, de
fato, o macedônio. Apresenta-se, então, um paradoxo: embora todo o conteúdo expresso
acima seja importante, nada do que foi dito importa de verdade, pois o problema, em sua
opinião, é a negligência com a qual os atenienses vêm cuidando de seus assuntos. De certa
forma, Filipe é transformado em metáfora para denotar problema. Ainda que Filipe morra,
um novo será criado, isto é, um novo problema surgirá.
Observa-se ao final do parágrafo a reafirmação daquilo que o orador vem tentando
mostrar desde o princípio de seu discurso: todos os problemas enfrentados pelos
atenienses são endógenos. O macedônico parece poderoso por causa da negligência de
quem não cuida dos próprios assuntos.
Após as considerações preliminares e toda a atribuição de culpas, Demóstenes
decide apresentar suas propostas específicas para melhorar a situação dos atenienses face
à ameaça circundante. Antes de passar às mesmas, porém, é digna de nota outra
característica da estratégia de distanciamento tanto de suas considerações preliminares,
quanto de sua audiência, tática modificada somente no décimo segundo parágrafo de seu
discurso:
62
kai/toi kai\ tou~to: ei1 ti pa&qoi kai\ ta_ th~v tu&xhv h(mi=n, h#per a)ei\
be/ltion h@ h(mei=v h(mw~n au)tw~n e0pimelou&meqa, kai\ tou~t'
e0cerga&saito, i1sq' o#ti plhsi/on me\n o!ntev, a#pasin a@n toi=v
pra&gmasin tetaragme/noiv e0pista&ntev o#pwv bou&lesqe
dioikh&saisqe, w(v de\ nu~n e1xete, ou)de\ dido&ntwn tw~n
kairw~n )Amfi/polin de/casqai du&naisq' a!n, a)phrthme/noi kai\ tai=v
paraskeuai=v kai\ tai=v gnw&maiv.
Ora, é isto mesmo! Se sofresse alguma coisa e a sorte, que sempre cuida
melhor de nós do que nós cuidamos de nós mesmos, terminasse o
trabalho, sabei que, estando por perto e concentrando-vos em todas as
ações conturbadas, comandaríeis da maneira que desejais. Porém, como
estais agora, mesmo havendo oportunidades, não seríeis capazes de
tomar Anfípolis, desprovidos de preparativos bélicos e também de
convicções.
(Primeira Filípica, 12).
É bastante revelador da perspicácia do orador o fato de não se fazer uso da
primeira pessoa do singular ao apresentar uma proposta. Na maior parte das ocasiões até
então, Demóstenes se vale da primeira pessoa do singular para fazer perguntas retóricas
ou apresentar o que dirá a seguir (cf. §3 ...ti/nov ou}n e3neka tau~ta le/gw; ...). Conforme
mencionado anteriormente, em casos de proposta, como ocorre nos parágrafos 2 e 3, é a
enunciação delocutiva a sua escolha (cf. a0qumhte&on; e0nqumhte&on, respectivamente).
O mesmo procedimento é adotado em relação ao auditório. O ateniense, em
incontáveis vezes na peça retórica, faz uso do pronome pessoal de segunda pessoa.
Charaudeau (2011: 176) chama tal artifício de “enunciação alocutiva”, que “é expressa
com a ajuda dos pronomes pessoais de segunda pessoa, igualmente acompanhados de
verbos modais, de qualificativos e de diversas denominações que revelam, ao mesmo
tempo, a implicação do interlocutor, o lugar que lhe designa o locutor e a relação entre
eles”.
Porém, no parágrafo 12, após muitas tentativas de exortar os atenienses à luta por
meio de táticas questionáveis, Demóstenes decide incluir-se no grupo, a fim de não perdêlos definitivamente. Por isso, encontra-se no excerto um verbo na primeira pessoa do
plural (e0pimelou&meqa) em uma passagem na qual o ateniense aparentemente participa da
culpa pelos maus acontecimentos (Se sofresse alguma coisa e a sorte, que sempre cuida
melhor de nós do que nós cuidamos de nós mesmos, terminasse o trabalho...).
Então, preparando o ânimo do auditório para tratar dos assuntos que acredita
serem do interesse de todos, Demóstenes afirma acreditar que foi suficientemente claro
até o momento e tem o cuidado de pedir que se manifestem, se for o caso, somente ao fim
63
de suas propostas. Talvez aja dessa forma por reconhecer que suas sugestões possam soar
ousadas demais, sobretudo quando se fala para uma audiência não mais acostumada a
lutar pelo que possui, como se verifica nos parágrafos a seguir:
e0peida_n a#pant' a)kou&shte, kri/nate, mh_ pro&teron prolamba&nete:
mhd' a@n e0c a)rxh~v dokw~ tini kainh_n paraskeuh_n le/gein,
a)naba&llein me ta_ pra&gmaq' h(gei/sqw. ou) ga_r oi9 “taxu_” kai\
“th&meron” ei0po&ntev ma&list' ei0v de/on le/gousin (ou) ga_r a@n ta& g'
h!dh gegenhme/na th~?| nuni\ bohqei/a| kwlu~sai dunhqei/hmen) a)ll' o$v a@n
dei/ch| ti/v porisqei=sa paraskeuh_ kai\ po&sh kai\ po&qen diamei=nai
dunh&setai, e3wv a@n h@ dialusw&meqa peisqe/ntev to_n po&lemon h@
perigenw&meqa tw~n e0xqrw~n: ou#tw ga_r ou)ke/ti tou~ loipou~
pa&sxoimen a@n kakw~v. oi]mai toi/nun e0gw_ tau~ta le/gein e1xein, mh_
kwlu&wn ei1 tiv a!llov e0pagge/lletai/ ti. h( me\n ou}n u(po&sxesiv ou#tw
mega&lh, to_ de\ pra~gm' h!dh to_n e1legxon dw&sei: kritai\ d' u(mei=v
e1sesqe.
Depois de terdes ouvido todas as coisas, julgai. Não apresentai uma
opinião pré-concebida. Nem se desde o princípio parecer a alguém que
sugiro um preparativo bélico inteiramente novo, pense que adio os
assuntos. De fato, sobretudo os que estão dizendo “rápido” e “para
hoje”, não falam para o que é preciso, pois não teria sido possível
prevenir as coisas já acontecidas com a expedição de socorro, porém,
poderá manter-se firmemente aquele que apontar que tipo, qual
tamanho e a fonte do preparativo pronto, até que, depois de terem sido
persuadidos, dissolvamos a guerra ou vençamos os inimigos. Desta
forma, não mais nos encontraríamos numa posição ruim no futuro. Pois
bem, eu julgo poder falar estas coisas agora, não impedindo se algum
outro propuser alguma coisa. A promessa é grande, e a ação fornecerá
logo a justificativa. Vós sereis meus juízes.
(Primeira Filípica, 14 - 15).
Sua introdução à proposta indica que tudo tem sido feito de maneira incorreta. A
evidência reside nos termos escolhidos para tratar do tipo de preparativo que vem sendo
empregado. De um lado, afirma-se que não seria possível prevenir os acontecimentos com
o emprego de uma expedição de socorro; de outro, aponta-se que a chance para
recuperação está na análise efetiva do preparativo pronto. Assim, antes mesmo de apontar
o que pode ser feito, estabelece-se uma oposição entre boh&qeia e paraskeuh&. Para
Chantraine (1968: 183), boh&qeia é a variante ático-jônica do substantivo dórico bohqo&ov,
derivado do verbo denominativo bohqe&w, que, militarmente, significa “aquele que atende
ao apelo por ajuda”. Já paraskeuh&, para Bailly (2000: 1475), significa “preparação feita
cuidadosa e habilmente”.
Dando continuidade ao seu discurso, a primeira proposta, apresentada no
parágrafo 16, diz respeito ao número de trirremes que convém preparar. O orador
64
determina que são necessárias cinquenta trirremes, cuja tripulação se recomenda que seja
de cidadãos. Além destas trirremes, o ateniense recomenda o preparo de trirremes
próprias para o transporte de cavalos e outros tantos navios para metade da cavalaria. De
acordo com Wooten (2008: 1414 - 29), em 354 a.C., Demóstenes afirmou no discurso
Sobre as Simorias que a cidade contava com trezentas trirremes e com mil cavaleiros.
Portanto, a proposta é que se prepare imediatamente um sexto da frota da cidade, tripulada
por cidadãos, e quinhentos cavaleiros.
Prw~ton me\n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, trih&reiv penth&konta
paraskeua&sasqai fhmi\ dei=n, ei]t' au)tou_v ou#tw ta_v gnw&mav e1xein
w(v, e0a&n ti de/h|, pleuste/on ei0v tau&tav au)toi=v e0mba~sin. pro_v de\
tou&toiv toi=v h(mi/sesi tw~n i9ppe/wn i9ppagwgou_v trih&reiv kai\
ploi=' i9kana_ eu)trepi/sai keleu&w.
Primeiramente, atenienses, afirmo ser necessário aprontar cinquenta
trirremes, então decidir vós mesmos pelo embarque e navegação, se for
necessário. Além destas coisas, aconselho o preparo de trirremes
próprias para o transporte de cavalos e outros navios suficientes para
metade dos cavaleiros.
(Primeira Filípica, 16).
Observe-se que no parágrafo em questão há mistura de estratégias discursivas. Na
primeira oração, encontra-se o emprego de uma estrutura com verbo impessoal (fhmi\
dei=n), demonstrando ainda certo distanciamento da proposta feita. Na última, utiliza-se a
primeira pessoa do singular (keleu&w), evidenciando uma possível tentativa de real
aproximação de sua audiência. A mesma estratégia ocorrerá no décimo nono parágrafo
(fhmi\ dei=n) com o mesmo objetivo.
tau~ta me/n e0stin a$ pa~si dedo&xqai fhmi\ dei=n kai\ pareskeua&sqai
prosh&kein oi1omai: pro_ de\ tou&twn du&nami/n tin', w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, fhmi\ proxeiri/sasqai dei=n u(ma~v, h$ sunexw~v
polemh&sei kai\ kakw~v e0kei=non poih&sei. mh& moi muri/ouv mhde\
dismuri/ouv ce/nouv, mhde\ ta_v e0pistolimai/ouv tau&tav duna&meiv,
a)ll' h$ th~v po&lewv e1stai, ka@n u(mei=v e3na ka@n plei/ouv ka@n to_n dei=na
ka@n o(ntinou~n xeirotonh&shte strathgo&n, tou&tw| pei/setai kai\
a)kolouqh&sei.
Estas são as coisas que digo ser necessário estarem decididas e que
julgo ser conveniente preparar. Além destas, atenienses, digo vos ser
necessário preparar para vós uma força que guerreará ininterruptamente
e lhe fará mal. Não, na minha opinião, dez mil nem vinte mil
estrangeiros, nem destas forças de papel, mas aquela que será a força da
65
cidade, e se vós elevardes a mão para votar um ou vários ou um certo
fulano como estratego, irá obedecê-lo e servi-lo. E também recomendo
prover alimentação para ela.
(Primeira Filípica, 19).
É digno de nota que, no referido trecho, a aproximação estará um pouco mais
consolidada. Aparentemente, Demóstenes demonstra estar mais confiante de que pode
apresentar suas propostas de maneira franca. Isto explica o uso mais frequente da primeira
pessoa do singular, que remete novamente ao ethos de competência. Na verdade, durante
todo o pronunciamento Demóstenes surge como uma figura possuidora do ethos de
competência, pois fundamente seus argumentos de maneira bastante convincente.
Mais uma vez, com muita perspicácia e acuidade, o orador constrói uma espécie
de crítica aos atenienses por meio de uma figura de repetição chamada repetição a
distância, que, para Lausberg (1972: 173),
aparece como um sinal-limite de grupos de palavras e isto como
enquadramento de um grupo de palavras, e também como marcação
paralela dos limites de grupos de palavras, que se seguem uns aos
outros. (...) A distância dentro do grupo de palavras (...) aparece
segundo o tipo |x...x...| ou |...x...x....| ou |...x...x|.
Assim, a nova reprimenda aparece conforme o segundo modelo descrito acima,
no qual se destacam as Termópilas como o primeiro lugar atacado por Filipe e,
propositalmente, como o último, isto é, o mais recente, que os atenienses tentaram
defender.
tau~ta me\n oi]mai dei=n u(pa&rxein e0pi\ ta_v e0cai/fnhv tau&tav a)po_ th~v
oi0kei/av xw&rav au)tou~ stratei/av ei0v Pu&lav kai\ Xerro&nhson kai\
!Olunqon kai\ o#poi bou&letai: dei= ga_r e0kei/nw| tou~t' e0n th?~| gnw&mh|
parasth~sai, w(v u(mei=v e0k th~v a)melei/av tau&thv th~v a!gan, w#sper
ei0v Eu!boian kai\ pro&tero&n pote/ fasin ei0v (Ali/arton kai\ ta_
teleutai=a prw&hn ei0v Pu&lav, i1swv a@n o(rmh&saite:
Estas coisas eu julgo ser necessário ter preparadas contra estas súbitas
campanhas, provenientes do território dele contra Termópilas,
Quersoneso, Olinto e qualquer lugar onde ele desejar. É preciso
apresentá-lo à ideia de que vós, saindo da negligência excessiva, como
na Eubeia e antes, como dizem, Aliarto e por último, recentemente, nas
Termópilas, poderíeis igualmente vos erguer.
(Primeira Filípica, 17).
Sua segunda proposta é relativa à força que deve ser organizada para tentar
incomodar o monarca perto do seu território, para impedi-lo de rumar em direção a
Atenas, conforme mencionado anteriormente. Essa proposta se estende por quatro
parágrafos (19, 20, 21 e 22), cujos trechos mais notáveis, destacam-se a seguir.
66
Em primeiro lugar, identifica-se no parágrafo 19, o emprego da metáfora (ta_v
e0pistolimai/ouv tau&tav duna&meiv), visando a demonstrar que a situação é
extremamente crítica, já que o orador define as forças atenienses como “forças de papel”,
isto é, uma armada que só existe em números, mas que não se organiza efetivamente.
Em segundo lugar, observa-se, consequentemente, o reforço do orador para que a
audiência reconheça que a cidade precisa de armada própria, que seguirá o estratego
apontado democraticamente, por meio do voto. Em terceiro lugar, cumpre ressaltar que,
nos parágrafos 20 e 22, o uso do pronome pessoal de primeira pessoa do singular –
empregado até aqui três vezes – denota a enunciação elocutiva, que, no entender de
Charaudeau (2001: 174), “é expressa com a ajuda dos pronomes pessoais de primeira
pessoa acompanhados de verbos modais, de advérbios e de qualificativos que revelam a
implicação do orador e descrevem seu ponto de vista pessoal”.
kai\ trofh_n tau&th| pori/sai keleu&w. e1stai d' au#th ti/v h( du&namiv
kai\ po&sh, kai\ po&qen th_n trofh_n e3cei, kai\ pw~v tau~t' e0qelh&sei
poiei=n; e0gw_ fra&sw, kaq' e3kaston tou&twn dieciw_n xwri/v. ce/nouv
me\n le/gw — kai\ o#pwv mh_ poih&seq' o$ polla&kiv u(ma~v e1blayen:
pa&nt' e0la&ttw nomi/zontev ei]nai tou~ de/ontov, kai\ ta_ me/gist' e0n
toi=v yhfi/smasin ai9rou&menoi, e0pi\ tw?~| pra&ttein ou)de\ ta_ mikra_
poiei=te: a)lla_ ta_ mikra_ poih&santev kai\ pori/santev tou&toiv
prosti/qete, a@n e0la&ttw fai/nhtai.
E que força será esta e qual o tamanho? De que fonte virá a alimentação
e como se proporá a executar estas coisas? Eu indicarei, detalhando
cada uma destas coisas separadamente. Em relação aos estrangeiros eu
falo, e, de modo algum, fazei o que muitas vezes vos prejudicou,
considerando tudo ser menor do que o necessário, e elegendo as maiores
coisas nos decretos da assembleia, se, quanto à realização nem mesmo
as pequenas vós fazeis. Mas, tendo feito e provido para eles as pequenas
coisas, acrescentai, se parecer inferior (ao necessário).
(Primeira Filípica, 20).
le/gw dh_ tou_v pa&ntav stratiw&tav disxili/ouv, tou&twn
d' )Aqhnai/ouv fhmi\ dei=n ei]nai pentakosi/ouv, e0c h{v a!n tinov u(mi=n
h(liki/av kalw~v e1xein dokh?,~| xro&non takto_n strateuome/nouv, mh_
makro_n tou~ton, a)ll' o#son a@n dokh~?| kalw~v e1xein, e0k diadoxh~v
a)llh&loiv: tou_v d' a!llouv ce/nouv ei]nai keleu&w. kai\ meta_ tou&twn
i9ppe/av diakosi/ouv, kai\ tou&twn penth&kont'
)Aqhnai/ouv
tou)la&xiston, w#sper tou_v pezou&v, to_n au)to_n tro&pon
strateuome/nouv: kai\ i9ppagwgou_v tou&toiv. ei]en: ti/ pro_v
tou&toiv e1ti; taxei/av trih&reiv de/ka: dei= ga&r, e1xontov e0kei/nou
nautiko&n, kai\ taxeiw~n trih&rwn h(mi=n, o#pwv a)sfalw~v h( du&namiv
ple/h|. po&qen dh_ tou&toiv h( trofh_ genh&setai; e0gw_ kai\ tou~to fra&sw
kai\ dei/cw, e0peida&n, dio&ti thlikau&thn a)poxrh~n oi]mai th_n du&namin
kai\ poli/tav tou_v strateuome/nouv ei]nai keleu&w, dida&cw.
67
Proponho então dois mil soldados ao todo, deles declaro ser necessário
que quinhentos sejam atenienses, da idade que vos parecer propícia,
servindo por tempo determinado, não muito longo, mas o quanto
parecer salutar à sucessão de uns aos outros; ordeno que os outros sejam
mercenários. Junto deles duzentos cavaleiros, também deles pelo menos
cinquenta atenienses, servindo à mesma maneira que homens da
infantaria. Haverá transporte para a cavalaria. O que mais para eles?
Dez trirremes rápidas: tendo Filipe uma esquadra, é necessário para vós
trirremes rápidas, para que a armada navegue com segurança. De onde
virá a alimentação para eles? Eu também falarei e exporei isto, logo
que, porque julgo ser suficiente uma força deste porte e os combatentes
serem cidadãos, eu explicar.
(Primeira Filípica, 21 - 22).
São igualmente notáveis os verbos empregados na primeira pessoa do singular no
decorrer do discurso, porque, em diversos casos, eles atestam o ethos de competência.
Sobretudo nos parágrafos que compreendem as propostas do orador, o emprego da
primeira pessoa revela não só confiança no que se sugere francamente, mas também que
o locutor tem profundo conhecimento na atividade que exerce.
Sobre a proposta de fato, Demóstenes sugere que haja um total de dois mil
soldados, servindo à cidade em turnos fixos, e duzentos cavaleiros. Do montante indicado,
o orador explica que é necessário haver um quarto de homens atenienses em cada setor
das forças armadas. Além do indicado, o ateniense afirma que será disponibilizado
transporte para a cavalaria e solicita também o preparo de dez trirremes de velocidade,
sob a justificativa de que, se o monarca possui uma esquadra, tais trirremes seriam
necessárias para garantir a segurança da navegação dos atenienses até o norte.
Após explicar que a força não pode ser maior do que a de sua proposta porque a
cidade não teria recursos suficientes para manter mais homens, Demóstenes expõe a
necessidade de se respeitar a quantidade sugerida de cidadãos no exército por meio de um
exemplo da Guerra Social.
poli/tav de\ parei=nai kai\ sumplei=n dia_ tau~ta keleu&w, o#ti kai\
pro&tero&n pot' a)kou&w ceniko_n tre/fein e0n Kori/nqw| th_n po&lin, ou{
Polu&stratov h(gei=to kai\ I)fikra&thv kai\ Xabri/av kai\ a!lloi tine/v,
kai\ au)tou_v u(ma~v sustrateu&esqai: kai\ oi]d' a)kou&wn o#ti
Lakedaimoni/ouv paratatto&menoi meq' u(mw~n e0ni/kwn ou{toi oi9 ce/noi
kai\ u(mei=v met' e0kei/nwn. e0c ou{ d' au)ta_ kaq' au(ta_ ta_ cenika_ u(mi=n
strateu&etai, tou_v fi/louv nika~?| kai\ tou_v summa&xouv, oi9 d' e0xqroi\
mei/zouv tou~ de/ontov gego&nasi. kai\ paraku&yant' e0pi\ to_n th~v
po&lewv po&lemon, pro_v )Arta&bazon kai\ pantaxoi= ma~llon
oi1xetai ple/onta, o( de\ strathgo_v a)kolouqei=, ei0ko&twv: ou) ga_r
e1stin a!rxein mh_ dido&nta misqo&n.
68
Recomendo que os cidadãos naveguem porque certa vez ouvi dizer que
a cidade manteve uma tropa mercenária em Corinto, a qual
comandaram Polístrato, Ifícrates, Cábrias e alguns outros e vós mesmos
combatestes. E sei, ouvindo dizer, que se pondo lado a lado para
combater os lacedemônios convosco, estrangeiros venceram e vós com
eles. Mas, a partir do momento que as tropas mercenárias por si próprias
dirigem a expedição para vós, vencem os amigos e os aliados, e os
inimigos tornam-se maiores do que o necessário. E, após terem lançado
ligeiramente o olhar para a guerra da cidade, preferem partir para junto
de Artábazo e outro lugar qualquer. E o general as segue, com todo o
direito, pois não há comando, quando não se paga o soldo.
(Primeira Filípica, 24).
Wooten (2008: 1670 - 88) afirma que, durante a referida guerra, Cares era um dos
comandantes atenienses que alistou dez mil dos soldados dispensados pelos sátrapas52 por
ordem do rei persa Artaxerxes III, sem que tivesse fundos para pagar tantos mercenários.
Então, quando Artábazo, um sátrapa na Frígia helespontina, se revoltou contra Artaxerxes
III, convidou Cares para lutar a seu lado contra o monarca, e os mercenários alistados
forçaram-no a aceitar o convite. Após a vitória contra grande parte do exército do rei,
Artábazo financiou os homens alistados por Cares.
Assim, percebe-se que Demóstenes está preocupado com os rumos que um
exército composto unicamente de mercenários pode tomar. Além disso, defende que os
dissidentes agem justamente, pois não se deve trabalhar quando não há pagamento.
Para que não aconteça algo dessa natureza mais uma vez, argumenta-se que é
necessário escolher comandantes entre os atenienses que, se sua proposta for bem aceita,
se alistarão, já que, na opinião do orador, o jeito como os assuntos de guerra vêm sendo
tratados é motivo de riso. A repentina mudança de tom continua no parágrafo seguinte,
no qual se nota nova crítica àqueles que nada fazem para melhorar a situação.
ou)k e0xeirotonei=te d' e0c u(mw~n au)tw~n de/ka tacia&rxouv kai\
strathgou_v kai\ fula&rxouv kai\ i9ppa&rxouv du&o; ti/ ou}n ou{toi
poiou~sin; plh_n e9no_v a)ndro&v, o$n a@n e0kpe/myht' e0pi\ to_n po&lemon, oi9
loipoi\ ta_v pompa_v pe/mpousin u(mi=n meta_ tw~n i9eropoiw~n: w#sper
ga_r oi9 pla&ttontev tou_v phli/nouv, ei0v th_n a)gora_n xeirotonei=te
tou_v tacia&rxouv kai\ tou_v fula&rxouv, ou)k e0pi\ to_n po&lemon.
Não erguíeis a mão para eleger entre vós mesmos dez taxiarcos,
generais, filarcos e ainda dois hiparcos? O que, então, fazem estes?
52
De acordo com Azevedo (2012: 355), o poderio do Estado persa era, essencialmente, representado pela
superioridade do exército no qual um corpo de elite, “Dez Mil Imortais”, desempenhava papel fundamental,
ao lado dos melóforos, guarda pessoal do soberano, integrados por dois mil homens. Administrativamente,
esse imenso império era dividido em 20 províncias (satrápias), dotadas de relativa autonomia e de um
surpreendente serviço de comunicações.
69
Exceto um homem, que vós despachastes para a guerra, os restantes
conduzem vossas procissões junto dos sacerdotes. De fato, como os que
moldam as figurinhas de argila, vós elegeis para a ágora os taxiarcos e
filarcos, não para a guerra.
(Primeira Filípica, 26).
Em um trecho no qual se faz forte menção aos cargos atenienses de comando 53,
Demóstenes afirma que grande parte dos que vem sendo escolhidos não tem a menor
serventia, tal como bonecos de argila. Por essa razão é que ele insiste tanto para que os
novos comandantes da possível força armada sejam votados e escolhidos entre homens
atenienses em idade propícia para alistamento, para que o exército seja, de fato, da cidade.
Então, tendo feito todas as propostas de reorganização e disposição das forças
armadas, o ateniense expõe os custos que, acredita, manterão tudo operando
funcionalmente pelo período de um ano. O montante é alto, conforme se observa no
excerto:
(...) xrh&mata toi/nun: e1sti me\n h( trofh&, sithre/sion mo&non, th?|~
duna&mei tau&th| ta&lant' e0nenh&konta kai\ mikro&n ti pro&v, de/ka me\n
nausi\ taxei/aiv tettara&konta ta&lanta, ei1kosin ei0v th_n nau~n
mnai= tou~ mhno_v e9ka&stou, stratiw&taiv de\ disxili/oiv tosau~q'
e3tera, i3na de/ka tou~ mhno_v o( stratiw&thv draxma_v sithre/sion
lamba&nh|, toi=v d' i9ppeu~si diakosi/oiv ou}sin, e0a_n tria&konta
draxma_v e3kastov lamba&nh| tou~ mhno&v, dw&deka ta&lanta.
(...) Quanto aos bens: a provisão desta força é, somente em soldo, de
noventa talentos e um pouco mais; para as dez naus rápidas, quarenta
talentos, (sendo) vinte minas por nau cada mês; para os dois mil
soldados, uma quantia semelhante, para que o soldado receba um soldo
de dez dracmas por mês; para os duzentos cavaleiros existentes, se cada
um receber trinta dracmas por mês, doze talentos.
(Primeira Filípica, 28).
Então, após a apreciação dos custos do exército para a cidade, por meio de uma
estrutura hiperbática (ei0 de/ tiv oi1etai mikra_n a)formh_n ei]nai (...) ou)k o)rqw~v e1gnwken)
muito semelhante à que se pode encontrar no primeiro período do exórdio 54, Demóstenes,
visando a garantir à sua audiência que a proposta é suficiente, faz menção ao vigésimo
terceiro parágrafo, no qual sugeriu que os atenienses adotassem táticas de pirataria e
pilhagem contra Filipe. Deste modo, não haveria necessidade de se considerar a adição
de outras cifras à elevada quantia estimada:
53
Cf. Hansen 106 - 10; 233 - 37.
ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein, e0pisxw_n a@n e3wv
oi9 plei=stoi tw~n ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/ moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn,
h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: (Primeira Filípica, 1).
54
70
Tosau&thn me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, dia_ tau~ta, o#ti ou)k e1ni nu~n
h(mi=n pori/sasqai du&namin th_n e0kei/nw| paratacome/nhn, a)lla_
lh|steu&ein a)na&gkh kai\ tou&tw| tw~?| tro&pw| tou~ pole/mou xrh~sqai th_n
prw&thn: ou) toi/nun u(pe/rogkon au)th&n (ou) ga_r e1sti misqo_v ou)de\
trofh&), ou)de\ pantelw~v tapeinh_n ei]nai dei=.
Deste contingente, atenienses, porque não é possível prover uma força
igualável a dele agora, mas é necessário praticar técnicas de pirataria e
servir-se deste tipo de guerra antes. Não é preciso que ela seja excessiva
(pois não há soldo nem provisão), nem, de todo modo, insignificante.
(Primeira Filípica, 23).
Demonstrando ser de fato um possuidor do ethos de competência, observa-se
novamente o uso do verbo na primeira pessoa do singular (tou~t' h!dh le/cw), no parágrafo
29, para apontar o profundo conhecimento que o orador tem de determinado tema. Tratase, neste caso, da fonte de renda que custeará o exército defensivo na cidade e a expedição
ao norte, próxima ao território do monarca. Assim, um documento informativo é lido
diante da audiência para que todos conheçam de onde virá o montante:
ei0 de/ tiv oi1etai mikra_n a)formh_n ei]nai, sithre/sion toi=v
strateuome/noiv u(pa&rxein, ou)k o)rqw~v e1gnwken: e0gw_ ga_r oi]da
safw~v o#ti, tou~t' a@n ge/nhtai, prosporiei= ta_ loi/p’ au)to_ to_
stra&teum' a)po_ tou~ pole/mou, ou)de/na tw~n (Ellh&nwn a)dikou~n ou)de\
tw~n summa&xwn, w#st' e1xein misqo_n e0ntelh~. e0gw_ sumple/wn
e0qelonth_v pa&sxein o(tiou~n e3toimov, e0a_n mh_ tau~q' ou#twv e1xh|. po&qen
ou}n o( po&rov tw~n xrhma&twn, a$ par' u(mw~n keleu&w gene/sqai; tou~t'
h!dh le/cw.
Se alguém crê que o fundo é pequeno para iniciar um soldo para os
combatentes, não pensou com razão. Pois eu sei claramente que, se isto
acontecer, o próprio exército proverá outras coisas da guerra. Sem
injustiça a nenhum dos helenos nem aos aliados, de modo a pagar o
salário completo. Embarcando voluntariamente, eu estou pronto a
sofrer o que for, se não ocorrer desta forma. De onde então a provisão
dos bens que vos recomendo surgirá? Direi isto imediatamente.
(Primeira Filípica, 29).
Após a leitura, Demóstenes encerra suas propostas, voltadas especificamente ao
preparo bélico contra Filipe, e retoma os argumentos persuasivos com os quais tenta
exortar os atenienses desde o início do pronunciamento. Além da sugestão de que se vote
rapidamente as propostas que parecerem convenientes, nota-se, mais uma vez, leve crítica
de que os atenienses vêm guerreando contra o pai de Alexandre por meio de decretos e
cartas, em vez de ações efetivas.
Do trigésimo primeiro parágrafo até o quinquagésimo é possível estabelecer
relação com os argumentos apresentados entre o segundo e décimo segundo parágrafos.
71
Esses objetivam, majoritariamente, os problemas internos e uma exortação ao abandono
da inércia e da negligência. A essa organização estrutural Lausberg (1972: 233) dá o nome
quiasmo, que “consiste na posição entrecruzada dos elementos correspondentes, em
grupos que, entre si, se correspondem, e, deste modo, e um meio da dispositio55, que
exprime a antítese.
Demóstenes apresenta diversas sugestões do que pode ser feito para reverter a
situação a favor da cidade. Argumenta, por exemplo, que, a fim de deliberar melhor sobre
o preparo para o conflito bélico mais recente, os atenienses deveriam ter considerado com
mais cautela as estações do ano, as condições climáticas e o terreno para onde avançariam.
De maneira bastante sutil, a afirmação serve com um conselho para que se aja dessa forma
na próxima e iminente oportunidade:
Dokei=te de/ moi polu_ be/ltion a@n peri\ tou~ pole/mou kai\ o#lhv th~v
paraskeuh~v bouleu&sasqai, ei0 to_n to&pon, w} a!ndrev )Aqhnai=oi,
th~v xw&rav, pro_v h$n polemei=te, e0nqumhqei/hte, kai\ logi/saisq' o#ti
toi=v pneu&masi kai\ tai=v w#raiv tou~ e1touv ta_ polla_
prolamba&nwn diapra&ttetai Fi/lippov, kai\ fula&cav tou_v
e0thsi/av h@ to_n xeimw~n' e0pixeirei=, h(ni/k' a@n h(mei=v mh_ dunai/meq' e0kei=s'
a)fike/sqai.
Parece-me que vós teríeis deliberado muito melhor sobre a guerra e todo
o preparativo, atenienses, se tivésseis considerado o terreno da região
na qual guerreais, e se pensásseis que, aproveitando os ventos e estações
do ano, Filipe consegue muitas coisas. E, após esperar pelos ventos ou
pelo inverno, põe-se ao trabalho quando nós não poderíamos chegar
àquele lugar.
(Primeira Filípica, 31).
Conforme mencionado anteriormente nesse estudo, Aristóteles anotou na Arte
Retórica que o conhecimento do território é um fator muito importante para o sucesso
quando se pretende guerrear. Tal opinião ganha força ao se analisar a sugestão do orador
ateniense na peça retórica. Para ele, há vários postos de inverno à disposição de Atenas,
que poderia se beneficiar não só do posicionamento, mas também dos ventos favoráveis
à época do ano, como se vê no excerto:
dei= toi/nun tau~t' e0nqumoume/nouv mh_ bohqei/aiv polemei=n
(u(steriou~men ga_r a(pa&ntwn), a)lla_ paraskeuh?~| sunexei= kai\
duna&mei. u(pa&rxei d' u(mi=n xeimadi/w| me\n xrh~sqai th?~| duna&mei Lh&mnw|
kai\ Qa&sw| kai\ Skia&qw| kai\ tai=v e0n tou&tw~| tw~?| to&pw| nh&soiv, e0n ai[v
kai\ lime/nev kai\ si=tov kai\ a$ xrh_ strateu&mati pa&nq' u(pa&rxei: th_n
55
A dispositio externa à obra e, por conseguinte, o consilium do orador, que na elaboração da matéria, visa
à persuasão do árbitro da situação, apresenta os fenômenos da parcialidade e do estranhamento (cf.
Lausberg 1972: 103).
72
d' w#ran tou~ e1touv, o#te kai\ pro_v th~?| gh~?| gene/sqai r(a/?|dion kai\ to_
tw~n pneuma&twn a)sfale/v, pro_v au)th?~| th~?| xw&ra| kai\ pro_v toi=v
tw~n e0mpori/wn sto&masi r(a|di/wv e1stai.
Então, considerando estas coisas, não se deve guerrear com expedições
de socorro (pois chegaremos atrasados para tudo), mas com um
preparativo bélico e força contínuos. Vós tendes a serviço da força,
como quartel de inverno, Lemno, e Tasso, e Sciathos e as ilhas neste
local, nas quais há portos, alimento e todas as coisas que são necessárias
a um exército. Durante esta estação do ano, quando se torna fácil estar
próximo à terra e há certeza dos ventos, (a força) estará facilmente
próxima a esta região e às bocas dos portos de comércio.
(Primeira Filípica, 32).
De acordo com Wooten (2008: 1911), a estrutura polissindética 56 (u(pa&rxei d'
u(mi=n xeimadi/w| me\n xrh~sqai th?~| duna&mei Lh&mnw| kai\ Qa&sw| kai\ Skia&qw| kai\ tai=v e0n
tou&tw~| tw~?| to&pw| nh&soiv, e0n ai[v kai\ lime/nev kai\ si=tov kai\ a$ xrh_ strateu&mati pa&nq'
u(pa&rxei) empregada no excerto tem como objetivo enfatizar a quantidade de lugares
disponíveis e também a vantagem que cada um dos mesmos pode trazer aos atenienses.
Provavelmente, a menção às localidades é parte da estratégia demostênica de
encorajamento. De fato, como o próprio orador afirmou no sexto parágrafo, as pessoas
aliam-se àqueles que se preparam antecipadamente e demonstram as vantagens da
aliança. De maneira análoga, pode-se pensar na situação em questão: quando as vantagens
de se engajar em uma causa são conhecidas, torna-se mais fácil de aceitar o risco.
kai\ ga&r toi tau&th| xrhsa&menov th~?| gnw&mh| pa&nta kate/straptai
kai\ e1xei, ta_ me\n w(v a@n e9lw&n tiv e1xoi pole/mw|, ta_ de\ su&mmaxa kai\
fi/la poihsa&menov: kai\ ga_r summaxei=n kai\ prose/xein to_n nou~n
tou&toiv e0qe/lousin a#pantev, ou$v a@n o(rw~si pareskeuasme/nouv kai\
pra&ttein e0qe/lontav a$ xrh&.
E, de fato, tendo-se utilizado deste conhecimento, conquistou todos e os
mantém. Alguns, teria depois de ter conquistado com a guerra; outros,
tendo feito amigos e aliados. De fato, todos desejam aliar-se e respeitar
os que veem se preparando e desejando fazer o que é preciso.
(Primeira Filípica, 6).
A seguir, Demóstenes recapitula uma das condições mais importantes que fez na
proposta à audiência: que os atenienses ocupem posições de destaque no exército para
serem vigias de conduta dos mercenários e dos comandantes eleitos por voto.
56
Como forma especial da anáfora (...) pode ser considerado o (...) polissíndeto, que consiste na estrutura
sindética de membros coordenados, de sorte que são respectivamente acompanhados por uma conjunção
de significado igual (e, na maior parte dos casos, de igual corpo de palavra) o primeiro e o segundo membros
(et ... et ...) e, quando se trata de mais membros, todos os membros, sem que se tenha de incluir
necessariamente o primeiro membro ( ... et ... et ...). Lausberg 1972: 175.
73
Aos atenienses, o orador reserva unicamente o final do excerto, no qual se observa,
mais uma vez, os empregos da enunciação delocutiva e da estrutura polissindética para
reforçar a crítica feita (u(mei=v d' ou!te tau~ta du&nasqe kwlu&ein ou!t' ei0v tou_v xro&nouv,
ou$v a@n proqh~sqe, bohqei=n):
4A me\n ou}n xrh&setai kai\ po&te th?~| duna&mei, para_ to_n kairo_n o(
tou&twn ku&riov katasta_v u(f' u(mw~n bouleu&setai: a$ d' u(pa&rcai dei=
par' u(mw~n, tau~t' e0sti\n a(gw_ ge/grafa. a@n tau~t', w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, pori/shte, ta_ xrh&mata prw~ton a$ le/gw, ei]ta
kai\ ta!lla paraskeua&santev, tou_v stratiw&tav, ta_v trih&reiv,
tou_v i9ppe/av, e0ntelh~ pa~san th_n du&namin no&mw| kataklei/sht' e0pi\
tw~?| pole/mw| me/nein, tw~n me\n xrhma&twn au)toi\ tami/ai kai\ poristai\
gigno&menoi, tw~n de\ pra&cewn para_ tou~ strathgou~ to_n lo&gon
zhtou~ntev, pau&sesq' a)ei\ peri\ tw~n au)tw~n bouleuo&menoi kai\ ple/on
ou)de\n poiou~ntev, kai\ e1ti pro_v tou&tw| prw~ton me/n, w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, to_n me/giston tw~n e0kei/nou po&rwn a)fairh&sesqe.
e1sti d' ou{tov ti/v; (...) a)po_ tw~n u(mete/rwn u(mi=n polemei= summa&xwn,
a!gwn kai\ fe/rwn tou_v ple/ontav th_n qa&lattan. e1peita ti/ pro_v
tou&tw|; tou~ pa&sxein au)toi\ kakw~v e1cw genh&sesqe, ou)x w#sper to_n
parelqo&nta xro&non ei0v Lh~mnon kai\ I!mbron e0mbalw_n
ai0xmalw&touv poli/tav u(mete/rouv w!|xet' e1xwn, pro_v tw?~|
Geraistw?~| ta_ ploi=a sullabw_n a)mu&qhta xrh&mat' e0ce/lece, ta_
teleutai=' ei0v Maraqw~n' a)pe/bh kai\ th_n i9era_n a)po_ th~v xw&rav
w!|xet' e1xwn trih&rh (...)
Quando e qual uso será feito desta força, o chefe eleito por vós
deliberará de acordo com a ocasião, mas as coisas que são necessárias
começar de vossa parte, estas são as que eu escrevi. Se, atenienses,
provirdes primeiramente os bens que falo, em seguida as outras forem
preparadas, os soldados, as trirremes, os cavaleiros, e obrigar por lei
toda a força em bom estado a permanecer na guerra, tornando-se vós
mesmos tesoureiros e gestores dos bens públicos, exigindo do general
contas de sua conduta, cessareis de ficar sempre deliberando acerca das
mesmas coisas e nada fazer. E ainda, além disto, atenienses, o maior
dos recursos dele retirareis. E este qual é? De vossos aliados, pois ele
guerreia contra vós saqueando os que navegam o mar. E depois o que,
além disto? Vós próprios estareis salvos de sofrer dano, não da maneira
do tempo passado, em que, tendo se lançado contra Lemno e Imbro, ele
partia com vossos cidadãos cativos, e após capturar os navios próximos
de Geresto, coletou bens indizíveis e, por fim, desembarcou em
Maratona e partiu do território levando a nau sagrada, e vós nem
pudestes prevenir estas coisas, nem enviar vossos socorros nos
momentos em que, talvez, tivestes chance.
(Primeira Filípica, 33 - 34).
Digna de nota é a nova antítese utilizada no trigésimo quarto parágrafo para opor
a postura de Filipe à dos atenienses, tal como feito anteriormente. Nesse, o monarca, por
meio do ostensivo uso de verbos e formas nominais, reaparece como um homem de ação,
e a descrição de seus feitos toma aproximadamente todo o trecho. Parece importante notar
74
que a única crítica à conduta de Filipe também diz respeito a ações já comentadas em
outros momentos do discurso: a insolência desenfreada do rei, que raptou uma nau
sagrada do território atenienses, como se vê:
O próximo problema apontado é relativo ao desinteresse em qualquer espécie de
preparo bélico, sobretudo em comparação com a disposição observável entre os
atenienses para organizar festivais. De acordo com o orador, o responsável do ano é
sempre escolhido com bastante antecipação para que nada fique negligenciado. Porém,
quando se trata de organização bélica, não há nada que seja praticamente declarada
urgência:
o#ti e0kei=na me\n a#panta no&mw| te/taktai, kai\ pro&oiden e3kastov
u(mw~n e0k pollou~ ti/v xorhgo_v h@ gumnasi/arxov th~v fulh~v, po&te
kai\ para_ tou~ kai\ ti/ labo&nta ti/ dei= poiei=n, ou)de\n a)nece/taston
ou)d' a)o&riston e0n tou&toiv h)me/lhtai: e0n de\ toi=v peri\ tou~ pole/mou
kai\ th~?| tou&tou paraskeuh?~| a!takta, a)dio&rqwta, a)o&risq' a#panta.
toigarou~n a#m' a)khko&ame/n ti kai\ trihra&rxouv kaqi/stamen kai\
tou&toiv a)ntido&seiv poiou&meqa kai\ peri\ xrhma&twn po&rou
skopou~men, kai\ meta_ tau~t' e0mbai/nein tou_v metoi/kouv e1doce kai\
tou_v xwri\v oi0kou~ntav, ei]t' au)tou_v pa&lin, ei]t' a)ntembiba&zein, ei]t'
e0n o#sw| tau~ta me/lletai, proapo&lwle to_ e0f' o$ a@n e0kple/wmen: to_n
ga_r tou~ pra&ttein xro&non ei0v to_ paraskeua&zesqai a)nali/skomen ,
oi9 de\ tw~n pragma&twn ou) me/nousi kairoi\ th_n h(mete/ran braduth~ta
kai\ ei0rwnei/an. a$v de\ to_n metacu_ xro&non duna&meiv oi0o&meq' h(mi=n
u(pa&rxein, ou)de\n oi[ai/ t' ou}sai poiei=n e0p' au)tw~n tw~n kairw~n
e0cele/gxontai. o( d' ei0v tou~q' u#brewv e0lh&luqen w#st' e0piste/llein
Eu)boeu~sin h!dh toiau&tav e0pistola&v.
É que todas elas são, por lei, organizadas e cada um entre vós sabe já
há bastante tempo quem será corego ou gimnasiarco da tribo, quando,
da parte de quem, o que recebe e o que é necessário fazer. E nada fica
negligenciado, sem exame e nem indefinido. Porém, nas coisas sobre a
guerra e no tocante ao preparativo bélico da mesma, são todas
desorganizadas, sem planejamento e indefinidas. Eis então porque no
momento em que ouvimos alguma coisa, estabelecemos os trierarcas e
fazemos as trocas de propriedades entre eles, refletimos acerca da
provisão de recursos e, depois destas coisas, decidiu-se embarcar os
metecos, os libertos, em seguida os cidadãos das trocas de propriedades,
depois substituí-los, e depois no tanto que atrasamos estas coisas, aquilo
pelo que nos pomos ao mar está destruído. De fato, desperdiçamos o
momento de ação com o preparo, mas os momentos oportunos não
esperam nossa lentidão e dissimulação. E as forças que pensamos estar
prontas durante este intervalo, nos momentos oportunos provam não
fazer nada. E ele chegou à tal insolência como a de enviar aos eubeus
cartas como esta.
(Primeira Filípica, 36 - 37).
Neste trecho, destaca-se a mistura das estratégias para expressar sua opinião diante
do auditório. Para expor que a organização dos festivais é bem feita, utiliza-se a
75
enunciação delocutiva (u9mw~n), visando a demonstrar que os atenienses têm qualidades.
Sobre os preparativos bélicos, Demóstenes emprega verbos na primeira pessoa do plural,
demonstrando que se inclui entre os que deixaram a desejar quanto à organização da
armada. A tática parece bastante inteligente, pois, ao evitar o uso de rigidez excessiva
com seus ouvintes, mais uma vez, o orador expressa uma opinião dura com suavidade 57.
De fato, é possível que a audiência sequer tenha notado a crítica à sua conduta,
porque foi elogiada naquilo que faz bem, mas, no momento em que foi necessário expor
uma falha, o orador reconheceu ser parte do problema. Desta forma, Demóstenes alivia
levemente a culpa de seus ouvintes no assunto em questão.
Parece estranho a figura do monarca ser mencionada no fim do trecho de maneira
tão súbita. A menção a Filipe tem dois objetivos distintos, mas igualmente importantes.
Em primeiro lugar, apresenta um homem que chega e age tão abruptamente quanto a sua
aparição no trecho, de acordo com Wooten (2008: 2109). Em segundo lugar, adianta o
tópico a ser desenvolvido a seguir: a leitura da carta que o pai de Alexandre enviou à
Eubeia.
Embora não se tenha o texto da carta lida diante dos ouvintes, depreende-se do
discurso demostênico que seu conteúdo era bastante incômodo de se ouvir. O orador
reconhece grande parte do que foi lido ser verdade e, ainda que sejam notícias nefastas,
devem ser conhecidas por todos, a fim de que se possa preparar convenientemente e estar
à frente dos problemas, em vez de tentar simplesmente reparar o dano causado. Para
Demóstenes, essa é a maneira ateniense de agir até então, um argumento que será
ampliado nos próximos parágrafos.
Por meio de uma comparação com a forma atrapalhada de os bárbaros praticarem
a luta, expõe-se mais uma falha dos seus concidadãos. O ateniense refere-se aos bárbaros
como homens que nunca estão preparados para um golpe de pugilato, levando a mão ao
local somente após a pancada. De forma igual, os atenienses são obrigados a enviar
expedições de socorro, pois nunca estão preparados para repelir o golpe de Filipe. Pior
que isso, costumam chegar tão atrasados que já não é possível prevenir o maior prejuízo.
Na opinião de Wooten (2008: 2172), a comparação tem como função ironizar seus
ouvintes, pois coloca Filipe como um grego, um homem que sabe lutar e tem experiência
no pugilato, e os atenienses como um bárbaro, que não sabe lutar, nem tem experiência
em tal prática.
57
Arte Retórica, 1408b.
76
u(mei=v d', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, plei/sth du&namin a(pa&ntwn e1xontev,
trih&reiv, o(pli/tav, i9ppe/av, xrhma&twn pro&sodon, tou&twn me\n
me/xri th~v th&meron h(me/rav ou)deni\ pw&pot' ei0v de/on ti ke/xrhsqe,
ou)de\n d' a)polei/pete, w#sper oi9 ba&rbaroi pukteu&ousin, ou#tw
polemei=n Fili/ppw|. kai\ ga_r e0kei/nwn o( plhgei\v ai0ei\ th~v plhgh~v
e1xetai, ka@n e9te/rwse pata&ch|v tiv, e0kei=v' ei0si\n ai9 xei=rev:
proba&llesqai d' h@ ble/pein e0nanti/on ou!t' oi]den ou!t' e0qe/lei.
E vós, atenienses, tendo a maior força de todas, trirremes, hoplitas,
cavaleiros, acesso aos bens, destas, até o dia de hoje, jamais vos
servistes para o que é necessário, e da forma como os bárbaros praticam
o pugilato, vós guerreais contra Filipe. Pois, entre eles, o que levou um
golpe, sempre posiciona a mão onde ocorreu o golpe, e se bate-se do
outro lado, as mãos lá estão. Ele não sabe, e nem deseja proteger-se ou
observar seu opositor.
(Primeira Filípica, 40).
Com o intuito de exortação, Demóstenes retoma uma ideia expressa no nono
parágrafo, agora no quadragésimo segundo, evidenciando a estrutura quiásmica do
discurso. No início, foi exposto à audiência que a insolência do monarca é desenfreada,
não deixando aos atenienses a escolha de ação ou inação, porque não se satisfaz com as
coisas conquistadas. No fim, o orador utiliza a mesma estrutura frásica como recurso
anafórico (e1xwn a$ kate/straptai)58 referindo-se ao macedônico, assim como à lentidão
ateniense.
dokei= de/ moi qew~n tiv, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v gignome/noiv u(pe\r
th~v po&lewv ai0sxuno&menov th_n filopragmosu&nhn tau&thn
e0mbalei=n Fili/ppw|. ei0 ga_r e1xwn a$ kate/straptai kai\ proei/lhfen
h(suxi/an e1xein h!qele kai\ mhde\n e1pratten e1ti, a)poxrh~n e0ni/oiv u(mw~n
a!n moi dokei=, e0c w{n ai0sxu&nhn kai\ a)nandri/an kai\ pa&nta ta_
ai1sxist' w)flhko&tev a@n h}men dhmosi/a:| nu~n d' e0pixeirw~n a)ei/ tini
kai\ tou~ plei/onov o)rego&menov i1swv a@n e0kkale/saiq' u(ma~v, ei1per mh_
panta&pasin a)pegnw&kate.
Parece-me que algum dos deuses, atenienses, envergonhando-se com
os acontecimentos da cidade, incute em Filipe este desejo de imiscuirse nos assuntos alheios. Pois, se ele, com as coisas que conquistou e
subjugou, desejasse ficar em paz e não fizesse ainda mais, me parece
que, para algum de vós, seria o suficiente, e por causa destas coisas
estaríamos condenados à vergonha e covardia e todas as maiores
desonras em nome do estado. Porém agora, tentando sempre alguma
coisa e aspirando mais, se não desististes inteiramente, talvez vos
excite.
(Primeira Filípica, 42).
Observando a postura de Atenas, o orador declara-se admirado que ninguém
perceba a extensão dos problemas surgidos por causa da letargia que assola a cidade.
58
Cf. Primeira Filípica, 9: kai\ ou)x oi[o&v e0stin e1xwn a$ kate/straptai me/nein e0pi\ tou&twn.
77
Demóstenes argumenta que o início de seu pronunciamento tratava da melhor maneira
para castigar Filipe. Porém, no fim, a situação encontra-se tão invertida que os atenienses
precisam ouvir conselhos sobre como não sofrer nas mãos do monarca. Em poucas
palavras, a suposta vítima transforma-se em um perigoso e traiçoeiro agressor. E ainda
assim, os cidadãos nada fazem para melhorar a própria condição, esperando que o envio
de trirremes vazias resolva a questão.Esse é o motivo que impulsiona o orador a fazer
novo uso da primeira pessoa do plural no parágrafo seguinte.
Aproximando-se do fim do discurso, Demóstenes está confiante o suficiente para
sugerir outro curso de ação. Do quadragésimo quarto parágrafo em diante, torna-se muito
frequente o uso de primeiras pessoas e os respectivos pronomes pessoais.
ou)k e0mbhso&meqa; ou)k e1cimen au)toi\ me/rei ge/ tini stratiwtw~n
oi0kei/wn nu~n, ei0 kai\ mh_ pro&teron; ou)k e0pi\ th_n e0kei/nou pleuso&meqa;
“poi= ou}n prosormiou&meqa;” h!reto& tiv. eu(rh&sei ta_ saqra&, w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n e0kei/nou pragma&twn au)to_v o( po&lemov, a@n
e0pixeirw~men: a@n me/ntoi kaqw&meq' oi1koi, loidoroume/nwn
a)kou&ontev kai\ ai0tiwme/nwn a)llh&louv tw~n lego&ntwn, ou)de/pot'
ou)de\n h(mi=n mh_ ge/nhtai tw~n deo&ntwn.
Não embarcaremos? Não partiremos nós mesmos com alguma porção
de soldados citadinos agora, se não antes? “Então onde ancoraremos?”,
alguém perguntou. A própria guerra encontrará, atenienses, as coisas
em mau estado nos assuntos dele, se nos esforçarmos. Mas, certamente,
se nos sentarmos em casa, ouvindo os oradores se queixando e
censurando uns aos outros, jamais acontecerá nada das coisas
necessárias para nós.
(Primeira Filípica, 44).
O excerto expõe a opinião do ateniense sobre a necessidade de esforço coletivo
imediato. Observam-se variadas formas verbais em primeira pessoa do plural no trecho
que denotam a urgência com que se deve agir. Em oposição a tais formas, encontram-se
vocábulos que expressam a inação dos concidadãos, como kaqw&meqa, uma forma
subjuntiva do verbo ka/qhmai empregado, também, no nono parágrafo do discurso.
Após um trecho no qual – entre as críticas já costumeiras no discurso –
Demóstenes reitera a imagem vergonhosa que os estrangeiros têm de Atenas, por causa
do desleixo em relação ao que é importante, há o reforço de uma das ideias mais fortes
no pronunciamento: os cidadãos devem ocupar-se dos próprios assuntos.
Assim, no quadragésimo sétimo parágrafo, Demóstenes retoma a sugestão de que
haja atenienses no exército para atuarem como vigias e relatores da conduta dos
78
comandantes quando retornarem à cidade. O orador recorda tal proposta, por considerar
o comportamento dos comandantes atuais vergonhoso, porque, de acordo com ele, os
chefes acostumam-se a condenações, mas, quando nada acontece, não arriscam a vida
contra o inimigo. No entender do ateniense, tal covardia não é própria de um comandante.
Ao contrário disso, ao mesmo convém morrer na batalha contra os inimigos:
Pw~j ou}n tau~ta pau&setai; o#tan u(mei=j, w} a!ndrej )Aqhnai=oi, tou_j
au)tou_j a)podei/chte stratiw&taj kai\ ma&rturaj tw~n
strathgoume/nwn kai\ dikasta_j oi1kad' e0lqo&ntaj tw~n eu)qunw~n,
w#ste mh_ a)kou&ein mo&non u(ma~j ta_ u(me/ter' au)tw~n, a)lla_ kai\
paro&ntaj o(ra~n. nu~n d' ei0j tou~q' h#kei ta_ pra&gmat' ai0sxu&nhj w#ste
tw~n strathgw~n e3kastoj di\j kai\ tri\j kri/netai par' u(mi=n peri\
qana&tou, pro_j de\ tou_j e0xqrou_j ou)dei\j ou)d' a#pac au)tw~n
a)gwni/sasqai peri\ qana&tou tolma~?|, a)lla_ to_n tw~n
a)ndrapodistw~n kai\ lwpodutw~n qa&naton ma~llon ai9rou~ntai tou~
prosh&kontoj: kakou&rgou me\n ga&r e0sti kriqe/nt' a)poqanei=n,
strathgou~ de\ maxo&menon toi=j polemi/oij.
Então, como isto cessará? Quando vós, atenienses, apresentardes os
próprios soldados como testemunhas dos que comandam e, retornando
à casa, juízes das gestões, de modo a vós não somente ouvirdes deles as
vossas coisas, mas também, estando próximos, observardes. Agora,
porém, os fatos chegam a isto de vergonha que cada um dos generais é
julgado por um crime capital duas e três vezes junto a vós, mas, contra
os inimigos, nenhum deles arrisca a vida na luta. Eles preferem a morte
dos negociadores de escravos e dos ladrões ao que é conveniente, pois
cabe ao malfeitor morrer por ser condenado e, ao general, combatendo
contra os inimigos.
(Primeira Filípica, 47).
Aproximando-se cada vez mais do fim do seu pronunciamento, o tom das críticas
é levemente abrandado, e observa-se que Demóstenes se atém no que não se deve mais
deixar acontecer entre os cidadãos. O estilo nos parágrafos finais parece mais direto do
que em trechos anteriores. No quadragésimo oitavo parágrafo, por exemplo, o orador
aconselha que os rumores sobre o Filipe tem feito não mais sejam espalhados:
h(mw~n d' oi9 me\n periio&ntev meta_ Lakedaimoni/wn fasi\ Fi/lippon
pra&ttein th_n Qhbai/wn kata&lusin kai\ ta_v politei/av diaspa~n,
oi9 d' w(v pre/sbeiv pe/pomfen w(v basile/a, oi9 d' e0n 0Illurioi=v po&leiv
teixi/zein, oi9 de\ lo&gouv pla&ttontev e3kastov perierxo&meqa.
Dos nossos, dizem, uns estão espalhando que Filipe negocia com os
lacedemônios a dissolução de Tebas e também destruir a constituição
do estado; outros que ele enviou embaixadores ao rei persa; outros que
ele fortifica cidades na Ilíria; e ainda outros que inventam discursos que
cada um de nós espalha.
(Primeira Filípica, 48).
79
Essa é uma crítica ao modelo do ateniense de seu tempo, em comparação com os
antepassados citados no parágrafo três, em que os homens lutaram por causas justas e
venceram os lacedemônios. Aparentemente, Demóstenes afirma que o homem de seu
tempo se preocupa unicamente com andanças em busca de novidades, sem que haja
compromisso efetivo com a causa. Cabe ressaltar que, nessa reprimenda, o orador se
inclui com o intuito de abrandá-la.
A seguir, o ateniense dedica o fim de seu discurso ao ataque a figura do monarca,
recapitulando à audiência que Filipe é um inimigo perigoso e insolente, como já afirmara
em parágrafos anteriores. No quadragésimo nono, por exemplo, não é possível destacar
um período que haja menção somente aos atenienses. Na verdade, nesse trecho, a única
referência que se faz ao comportamento do povo é indireta. Todo o trecho se refere ao pai
de Alexandre e tem contornos de exortação à bravura por meio da indignação pela
circunstância em que se encontram:
e0gw_ d' oi]mai me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, nh_ tou_v qeou_v e0kei=non
mequ&ein tw?~| mege/qei tw~n pepragme/nwn kai\ polla_ toiau~t'
o)neiropolei=n e0n th~?| gnw&mh|, th&n t' e0rhmi/an tw~n kwluso&ntwn
o(rw~nta kai\ toi=v pepragme/noiv e0ph|rme/non, ou) me/ntoi ge ma_ Di/'
ou#tw ge proairei=sqai pra&ttein w#ste tou_v a)nohtota&touv tw~n
par' h(mi=n ei0de/nai ti/ me/llei poiei=n e0kei=nov: a)nohto&tatoi ga&r ei0sin
oi9 logopoiou~ntev.
Eu creio, atenienses, pelos deuses, que ele está embriagado com a
grandeza de seus feitos e sonha com mais coisas em seu espírito,
observando a ausência de impedimentos e excitado com os feitos. Por
Zeus, ele não escolhe agir de modo que os mais ignorantes daqueles
junto a vós saiba o que está a ponto de fazer, pois os mais ignorantes
são os que fazem rumores.
(Primeira Filípica, 49).
Demóstenes, então, em seu penúltimo trecho, mantém o ataque a Filipe iniciado
no parágrafo anterior, recomendando cautela e medidas imediatas aos atenienses para que
não sofram nas mãos do macedônico futuramente. De fato, o discurso demostênico
cumpre suficientemente bem a função atribuída por Aristóteles: deliberar sobre o futuro.
Cabe ressaltar que , no quinquagésimo parágrafo, o orador relembra um pouco do
passado, apontando que o monarca é um inimigo detentor de um histórico negativo com
os gregos, tendo-os insultado e privado de posses importantes. Para que esse tipo de
situação não volte a acontecer, aconselha-se a saída da inércia, por meio de novos
hipérbatos, pois, conforme afirmado no parágrafo, “o vizinho não fará nada no lugar dos
maiores interessados”.
80
a)ll' a@n a)fe/ntej tau~t' e0kei=n' ei0dw~men, o#ti e0xqro_j a#nqrwpoj kai\
ta_ h(me/ter' h(ma~j a)posterei= kai\ xro&non polu_n u#brike, kai\ a#panq'
o#sa pw&pot' h)lpi/same/n tina pra&cein u(pe\r h(mw~n kaq' h(mw~n
eu#rhtai, kai\ ta_ loi/p’ e0n au)toi=j h(mi=n e0sti/, ka@n mh_ nu~n e0qe/lwmen
e0kei= polemei=n au)tw?~|, e0nqa&d' i1swj a)nagkasqhso&meqa tou~to poiei=n,
a@n tau~t' ei0dw~men, kai\ ta_ de/ont' e0so&meq' e0gnwko&tej kai\ lo&gwn
matai/wn a)phllagme/noi: ou) ga_r a#tta pot' e1stai dei= skopei=n,
a)ll' o#ti fau~la, e0a\n mh_ prose/xhte to_n nou~n kai\ ta_ prosh&konta
poiei=n e0qe/lhte, eu} ei0de/nai.
Mas se, após deixarmos estas coisas de lado, reconhecermos que este
homem é um inimigo e priva-nos de nosssas coisas e há muito tempo
nos insultou, que tudo quanto alguma vez esperamos alguém fazer por
nós, aparece contra nós, que as coisas futuras estão em nós mesmos,
que se não desejarmos guerrear contra ele naquele lugar, talvez seremos
forçado a fazê-lo aqui. Se reconhecermos estas coisas, teremos
compreendido as coisas necessárias, e nos distanciado dos discursos
vãos. De fato, não é necessário examinar as coisas que acontecerão um
dia, mas as que serão prejudiciais, se não pensardes e desejardes fazer
o que é conveniente, sabei bem disso!
(Primeira Filípica, 50).
Por fim, já que aparentemente os atenienses não têm a menor ideia de como
começar a tomar conta de seus próprios interesses, o orador argumenta que não é
necessário examinar tudo o que pode acontecer um dia, mas, urgentemente, o que pode
ser prejudicial, caso não haja deliberação sobre o que é conveniente no momento.
Portanto, ainda que o presente seja ruim para Atenas, a mensagem demostênica visa ao
futuro da cidade.
Em seu epílogo, a expressão do orador é quase inteiramente voltada para si. Isto
fica evidente logo no início do trecho, em que se destaca o pronome de primeira pessoa
do singular, um emprego claro da enunciação elocutiva apontada por Charaudeau.
0Egw_ me\n ou}n ou!t' a!llote pw&pote pro_v xa&rin ei9lo&mhn le/gein o#
ti a@n mh_ kai\ sunoi/sein pepeisme/nov w}, nu~n q' a$ gignw&skw pa&nq'
a(plw~v, ou)de\n u(posteila&menov, peparrhsi/asmai. e0boulo&mhn d'
a!n, w#sper o#ti u(mi=n sumfe/rei ta_ be/ltist' a)kou&ein oi]da, ou#twv
ei0de/nai sunoi=son kai\ tw~?| ta_ be/ltist' ei0po&nti: pollw?|~ ga_r a@n h#dion
ei]xon. nu~n d' e0p' a)dh&loiv ou}si toi=v a)po_ tou&twn e0mautw?~|
genhsome/noiv, o#mwv e0pi\ tw~?| sunoi/sein u(mi=n, a@n pra&chte, tau~ta
pepei=sqai le/gein ai9rou~mai. nikw/?|h d' o# ti pa~sin me/llei sunoi/sein.
Eu, pois, nem em outras oportunidades, nunca preferi falar, com prazer,
sem estar convencido de trazer vantagem para vós, e agora todas as
coisas que sei, simplesmente, sem dissimulação alguma, disse
abertamente. Gostaria, assim como sei que vos convém ouvir as
melhores coisas, de saber deste modo se será vantajoso também a quem
falou as melhores coisas. De fato, ficaria bastante feliz. Porém agora,
por causa da incerteza, haverá consequências para mim mesmo,
oriundas das propostas, ainda assim prefiro falar por estar convencido
81
da vantagem destas coisas. Vença aquilo que se mostrar mais vantajoso
para todos.
(Primeira Filípica, 51).
À guisa de conclusão, faz-se mister destacar que, no decorrer do discurso,
observou-se a gradual mudança de estratégia discursiva do orador. Conforme mencionado
em outro momento, o orador inicia seu pronunciamento distante de seu auditório,
sobretudo ao apresentar algum tipo de proposta ou verdade incômoda. Os empregos de
adjetivos verbais, de verbos impessoais, da enunciação delocutiva e de verbos em segunda
pessoa do plural são seus primeiros recursos.
Então, à medida que avança no discurso, Demóstenes empreende uma mudança
na tática: na maior parte das vezes, com o intuito de abrandar uma crítica, o ateniense
inclui sua figura naquilo que diz à audiência por meio da primeira pessoa do plural,
visando a demonstrar que, se há um problema, ele também é culpado, já que é um cidadão
de Atenas. Contudo, a diferença do orador para os demais é a consciência da necessidade
de alteração das circunstâncias atuais. Para tanto, ele se dirige ao povo, com a intenção
de apresentar novas propostas, uma outra maneira de lidar com a ameaça.
Próximo do encerramento, destaca-se o uso menos receoso da primeira pessoa do
singular, às vezes, enfaticamente, por meio do emprego do pronome e0gw&. No epílogo, as
primeiras pessoas do singular têm valor extremamente significativo. Elas atestam o
esforço do orador em apresentar opiniões que julgava convenientes para a manutenção da
soberania ateniense dentro do próprio território.
É digno de nota que, no entender de Wooten (2008: 2566), Demóstenes temia ser
alvo de uma grafh\ parano&mwn59, uma alegação de inconstitucionalidade de um decreto
proposto para a apreciação da assembleia. Talvez essa possibilidade explique o receio
excessivo de um homem que acabara de atacar longa e repetidamente tanto atenienses
quanto seu principal alvo: o rei macedônico Filipe II.
59
Cf. Hansen 1999: 205 - 12.
82
Demóstenes, então, após afirmar que se expressou visando ao bem comum,
Demóstenes finaliza seu discurso com uma frase de bom presságio, cujo significado serve
a si próprio e à sua audiência: Vença aquilo que se mostrar mais vantajoso para todos.60
60
Parece interessante perceber que o fim da Primeira Filípica, embora não apresente a mesma frase da
Arte Retórica, contém significação semelhante: “Falei; prestastes atenção; tendes os fatos em mãos; julgai”
(Arte Retórica 1420a).
83
4. CONCLUSÃO
Em quase todo exercício da linguagem, há alguma espécie de intenção retórica.
Fala-se, por exemplo, para elogiar, criticar e informar. Na análise empreendida nessa
dissertação, observou-se que o objetivo principal da interação é a persuasão ou, para expor
em concordância com a proposição aristotélica, “tentar encontrar o que há de persuasivo
em cada caso”.
Para tal, foi preciso buscar entender desde quando a retórica é relacionada à
persuasão. Aparentemente, no que tange à literatura ocidental, ela é atestada em sua obra
inaugural: a Ilíada, de Homero. A epopeia apresenta, por exemplo, um ancião tentando
persuadir um rei egocêntrico a não prejudicar o destino dos aquivos por causa de uma
querela particular com o maior dos guerreiros.
Até a chegada do século IV a.C., quando a retórica passou a ser verdadeiramente
teorizada por Aristóteles, verificou-se que ela foi utilizada de diversas formas por
logógrafos, filósofos e cidadãos comuns, nem sempre com as intenções mais nobres, é
verdade. Por isso, Platão criticou bastante a maneira com que os sofistas tratavam a
retórica, cujo aprimoramento haviam retirado aos sicilianos Córax e Tísias, pois, para o
discípulo de Sócrates, a busca pela verdade era imprescindível em qualquer assunto que
se dispõe a ter cunho filosófico.
Aristóteles foi o responsável por repensar os conhecimentos que eram
transmitidos sob o nome de retórica, aproveitando o que havia de oportuno em cada um
de seus predecessores. Soube valorizar a necessidade de linguagem erudita proposta pelos
sofistas e a busca pela verdade, que seu ex-mestre pregava, para chegar a uma proposta
mais razoável: a investigação das possibilidades de persuasão em cada matéria,
contrariando a propaganda sofística de que venciam qualquer disputa dialética, justa ou
injustamente.
Aos conhecimentos tomados de empréstimo à sofística e à filosofia platônica,
somou as suas observações das arengas públicas ou privadas e suas próprias opiniões para
compor a primeira teoria de retórica, que passou a ser conhecida como Arte Retórica. O
filósofo de Estagira dividiu o tema proposto em três gêneros diferentes: o epidítico, o
judiciário e o deliberativo, sendo o último o mais pertinente para se analisar um discurso
público voltado à assembleia, tal como é a Primeira Filípica, do orador ateniense
Demóstenes.
No gênero deliberativo, além de apontar sua finalidade, Aristóteles, entre outros
temas, expõe os assuntos considerados relevantes para uma deliberação que vise à
salvação de uma cidade em tempos de guerra, como é o enfrentado tanto pelo filósofo
quanto pelo orador.
Verifica-se que o século IV a.C. é repleto de conflitos bélicos, razão pela qual
Demóstenes, após história pessoal conturbada na infância e adolescência, se levanta,
agora na maioridade, para lutar da maneira como pode: tentando influenciar os rumos
políticos e militares de sua cidade por meio de discursos inflamados contra a mais nova
ameaça aos gregos: o monarca macedônico Filipe II.
Assim, na Primeira Filípica, observa-se o esforço discursivo de um orador, cujo
primeiro obstáculo é a postura dos seus concidadãos, que, temerosos da provável
retaliação do pai de Alexandre, são contrários à organização de forças armadas para o
iminente combate anunciado na peça retórica. Observou-se que, para vencer Filipe, em
primeiro lugar, é necessário ganhar a credibilidade de sua audiência e convencer sobre o
conhecimento do próprio ofício.
Com tal intuito, Demóstenes demonstra ser profundo conhecedor da história
ateniense, fazendo referência a eventos ocorridos na cidade, entre eles, se destacam as
guerras das quais participaram e a fidelidade dos chefes aos interesses de Atenas. Os fatos
histórico-sociais integram a estratégia do orador para a exortação à saída da inércia, mas,
cabe ressaltar que, sozinhos, não seriam suficientes para atingir o intento.
A concretização dos objetivos demostênicos depende, entre outros fatores, da sua
habilidade enquanto enunciador do discurso e, tendo a consciência disso, o orador
emprega recursos estilísticos bastante apropriados aos trechos em que estão localizados.
Foram dignos de nota, por exemplo, os hipérbatos empregados com o intuito de
chamar e manter a atenção da audiência por causa do suspense que o recurso cria,
sobretudo quando não se tinha a prévia anuência do auditório. Talvez por isso, tenha
escolhido uma tática de aproximação à audiência tão inteligente, conforme apresentado.
85
Verificou-se que no discurso houve três formas diversas de se dirigir ao povo. Em
um primeiro momento, há pouco uso da primeira pessoa do singular ou uso de enunciação
elocutiva, principalmente para sugerir algum tipo de ação. Receoso da rejeição,
Demóstenes emprega adjetivos verbais ou verbos impessoais, uma característica da
enunciação alocutiva, que garante o seguro distanciamento daquilo que se diz.
Já nas ocasiões em que se fazia necessário o abrandamento da crítica aos seus
interlocutores, observou-se o emprego da primeira pessoa do plural, como se o orador
estivesse admitindo parte da culpa pela degradação de Atenas. Há momentos, porém, em
que Demóstenes deixa transparecer mais emoção, talvez pela urgência da situação, e faz
uso da primeira pessoa do singular, evidenciando, paradoxalmente, seu distanciamento
do povo.
Embora o orador quisesse mostrar-se próximo dos seus concidadãos por meio das
propostas que trazia para serem desenvolvidas em conjunto, o fato de ele ser o anunciador
das sugestões alça-o à posição de, literalmente, salvador da pátria, e, por isso, um homem
diferenciado dos demais.
Observou-se também que os níveis diferentes de antítese presentes na peça
retórica foram de grande auxílio para a apresentação de um ponto de vista novo. Com o
cuidado de quem reconhece sua posição de desprestígio, de um lado, Demóstenes soube
louvar as atitudes dos antepassados; de outro, criticar a falta de atitude observável nos
homens de seu tempo. De maneira análoga, desaprovou o comportamento traiçoeiro do
monarca macedônio, porém, uma postura proativa parecia-lhe melhor do que a letargia
daqueles que acreditavam estar em paz, ainda que todos os indícios apontassem o
contrário disso.
É precisamente por causa dos sinais contrários à crença dos atenienses que o
orador utiliza a estrutura quiásmica após finalizar suas propostas específicas. O quiasmo
é um recurso de repetição, que denota, portanto, a insistência demostênica nas ideias
expressas anteriormente, tornando evidente a urgência no que deveria ter sido feito.
Observou-se que, do trigésimo parágrafo até o quinquagésimo, um antes do fim da peça
retórica, Demóstenes empregou novamente os recursos para expressar as mesmas ideias.
86
Talvez esse tenha sido o equívoco do orador, pois, ainda que tenha feito sugestões
diferentes para os primeiros problemas apresentados, o discurso tornou-se repetitivo para
o ouvinte, principalmente aquele desacostumado a ouvir tantas críticas.
A história grega mostra que sua proposta não foi aceita na assembleia. Dois
motivos podem ser destacados para a recusa: 1) o processo democrático é sempre
complexo, sobretudo se o homem que busca a aprovação de suas propostas dedica a maior
parte de seu pronunciamento, em tese, contra o agressor, agredindo direta e indiretamente
o público votante; 2) à época do discurso, a receita anual de Atenas excedia em poucos
mais de trinta talentos ao financiamento de uma guerra contra Filipe.
Verificou-se, ainda assim, a riqueza de recursos e sua habilidade no emprego dos
mesmos na construção de uma peça retórica que é considerada uma das mais belas
expressões patrióticas da Antiguidade Clássica.
87
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91
6. ANEXO
Kata\ Fili/pou A
[1] ei0 me\n peri\ kainou~ tinov pra&gmatov prouti/qet', w} a!ndrev 0Aqhnai=oi, le/gein,
e0pisxw_n a@n e3wv oi9 plei=stoi tw~n ei0wqo&twn gnw&mhn a)pefh&nanto, ei0 me\n h!reske/ ti/
moi tw~n u(po_ tou&twn r(hqe/ntwn, h(suxi/an a@n h}gon, ei0 de\ mh&, to&t' a@n au)to_v
e0peirw&mhn a$ gignw&skw le/gein: e0peidh_ d' u(pe\r w{n polla&kiv ei0rh&kasin ou{toi
pro&teron sumbai/nei kai\ nuni\ skopei=n, h(gou~mai kai\ prw~tov a)nasta_v ei0ko&twv a@n
suggnw&mhv tugxa&nein. ei0 ga_r e0k tou~ parelhluqo&tov xro&nou ta_ de/onq' ou{toi
sunebou&leusan, ou)de\n a@n u(ma~v nu~n e1dei bouleu&esqai.
[2] Prw~ton me\n ou}n ou)k a)qumhte/on, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v parou~si pra&gmasin,
ou)d' ei0 pa&nu fau&lwv e1xein dokei=. o4 ga&r e0sti xei/riston au)tw~n e0k tou~
parelhluqo&tov xro&nou, tou~to pro_v ta_ me/llonta be/ltiston u(pa&rxei. ti/ ou}n e0sti
tou~to; o3ti ou)de/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n deo&ntwn poiou&ntwn u(mw~n kakw~v ta_
pra&gmat' e1xei: e0pei/ toi, ei0 pa&nq' a$ prosh~ke pratto&ntwn ou#twv ei]xen, ou)d' a@n
e0lpi\v h}n au)ta_ belti/w gene/sqai.
[3] e1peit' e0nqumhte/on kai\ par' a!llwn a)kou&ousi kai\ toi=v ei0do&sin au)toi=v
a)namimnh|skome/noiv, h(li/khn pot' e0xo&ntwn du&namin Lakedaimoni/wn, e0c ou{ xro&nov
ou) polu&v, w(v kalw~v kai\ proshko&ntwv ou)de\n a)na&cion u(mei=v e0pra&cate th~v
po&lewv, a)ll' u(pemei/naq' u(pe\r tw~n dikai/wn to_n pro_v e0kei/nouv po&lemon. ti/nov ou}n
e3neka tau~ta le/gw; i3n' ei0dh~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ qea&shsqe, o#ti ou)de\n ou!te
fulattome/noiv u(mi=n e0stin fobero&n, ou!t', a@n o)ligwrh~te, toiou~ton oi[on a@n u(mei=v
bou&loisqe, paradei/gmasi xrw&menoi th?|~ to&te r(w&mh| tw~n Lakedaimoni/wn, h{v
e0kratei=t' e0k tou~ prose/xein toi=v pra&gmasi to_n nou~n, kai\ th~?| nu~n u#brei tou&tou, di'
h$n taratto&meq' e0k tou~ mhde\n fronti/zein w{n e0xrh~n.
[4] ei0 de/ tiv u(mw~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, duspole/mhton oi1etai to_n Fi/lippon ei]nai,
skopw~n to& te plh~qov th~v u(parxou&shv au)tw?~| duna&mewv kai\ to_ ta_ xwri/a pa&nt'
a)polwle/nai th?|~ po&lei, o)rqw~v me\n oi1etai, logisa&sqw me/ntoi tou~q', o#ti ei1xome/n
poq' h(mei=v, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, Pu&dnan kai\ Potei/daian kai\ Meqw&nhn kai\ pa&nta
to_n to&pon tou~ton oi0kei=on ku&klw|, kai\ polla_ tw~n met' e0kei/nou nu~n o!ntwn e0qnw~n
au)tonomou&mena kai\ e0leu&qer' u(ph~rxe, kai\ ma~llon h(mi=n e0bou&let' e1xein oi0kei/wv h@
'kei/nw|.
[5] ei0 toi/nun o( Fi/lippov to&te tau&thn e1sxe th_n gnw&mhn, w(v xalepo_n polemei=n
e0stin )Aqhnai/oiv e1xousi tosau~t' e0piteixi/smata th~v au(tou~ xw&rav e1rhmon o!nta
summa&xwn, ou)de\n a@n w{n nuni\ pepoi/hken e1pracen ou)de\ tosau&thn e0kth&sato du&namin.
a)ll' ei]den, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tou~to kalw~v e0kei=nov, o#ti tau~ta me/n e0stin a#panta
ta_ xwri/' a}qla tou~ pole/mou kei/men' e0n me/sw|, fu&sei d' u(pa&rxei toi=v parou~si ta_
tw~n a)po&ntwn, kai\ toi=v e0qe/lousi ponei=n kai\ kinduneu&ein ta_ tw~n a)melou&ntwn.
[6] kai\ ga&r toi tau&th| xrhsa&menov th~?| gnw&mh| pa&nta kate/straptai kai\ e1xei, ta_
me\n w(v a@n e9lw&n tiv e1xoi pole/mw|, ta_ de\ su&mmaxa kai\ fi/la poihsa&menov: kai\ ga_r
summaxei=n kai\ prose/xein to_n nou~n tou&toiv e0qe/lousin a#pantev, ou$v a@n o(rw~si
pareskeuasme/nouv kai\ pra&ttein e0qe/lontav a$ xrh&.
[7] a@n toi/nun, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ u(mei=v e0pi\ th~v toiau&thv e0qelh&shte gene/sqai
gnw&mhv nu~n, e0peidh&per ou) pro&teron, kai\ e3kastov u(mw~n, ou{ dei= kai\ du&nait' a@n
parasxei=n au(to_n xrh&simon th?~| po&lei, pa~san a)fei\v th_n ei0rwnei/an e3toimov
pra&ttein u(pa&rch|, o( me\n xrh&mat' e1xwn ei0sfe/rein, o( d' e0n h(liki/a| strateu&esqai,
sunelo&nti d' a(plw~v a@n u(mw~n au)tw~n e0qelh&shte gene/sqai, kai\ pau&shsq' au)to_v me\n
ou)de\n e3kastov poih&sein e0lpi/zwn, to_n de\ plhsi/on pa&nq' u(pe\r au)tou~ pra&cein, kai\
ta_ u(me/ter' au)tw~n komiei=sq', a@n qeo_v qe/lh|, kai\ ta_ katerra|qumhme/na pa&lin
a)nalh&yesqe, ka)kei=non timwrh&sesqe.
[8] mh_ ga_r w(v qew?|~ nomi/zet' e0kei/nw| ta_ paro&nta pephge/nai pra&gmat' a)qa&nata,
a)lla_ kai\ misei= tiv e0kei=non kai\ de/dien, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, kai\ fqonei=, kai\ tw~n
pa&nu nu~n dokou&ntwn oi0kei/wv e1xein: kai\ a#panq' o#sa per ka)n a!lloiv tisi\n
a)nqrw&poiv e1ni, tau~ta ka)n toi=v met' e0kei/nou xrh_ nomi/zein e0nei=nai. kate/pthxe
me/ntoi pa&nta tau~ta nu~n, ou)k e1xont' a)postrofh_n dia_ th_n u(mete/ran braduth~ta
kai\ r(a|qumi/an: h$n a)poqe/sqai fhmi\ dei=n h!dh.
[9] o(ra~te ga&r, w} a!ndrev
)Aqhnai=oi, to_ pra~gma, oi[ proelh&luq' a)selgei/av
a#nqrwpov, o$v ou)d' ai3resin u(mi=n di/dwsi tou~ pra&ttein h@ a!gein h(suxi/an, a)ll'
a)peilei= kai\ lo&gouv u(perhfa&nouv, w#v fasi, le/gei, kai\ ou)x oi[o&v e0stin e1xwn a$
kate/straptai me/nein e0pi\ tou&twn, a)ll' a)ei/ ti prosperiba&lletai kai\ ku&klw|
pantaxh~?| me/llontav h(ma~v kai\ kaqhme/nouv peristoixi/zetai.
[10 - 11] po&t' ou}n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, po&q' a$ xrh_ pra&cete; e0peida_n ti/ ge/nhtai;
e0peida_n nh_ Di/' a)na&gkh tiv h}.| nu~n de\ ti/ xrh_ ta_ gigno&men' h(gei=sqai; e0gw_ me\n ga_r
oi1omai toi=v e0leuqe/roiv megi/sthn a)na&gkhn th_n u(pe\r tw~n pragma&twn ai0sxu&nhn
93
ei]nai. h@ bou&lesq', ei0pe/ moi, periio&ntev au(tw~n punqa&nesqai, “le/getai/ ti kaino&n;”
ge/noito ga_r a!n ti kaino&teron h@ Makedw_n a)nh_r )Aqhnai/ouv katapolemw~n kai\ ta_
tw~n (Ellh&nwn dioikw~n; “te/qnhke Fi/lippov;” “ou) ma_ Di/', a)ll' a)sqenei=.” ti/ d' u(mi=n
diafe/rei; kai\ ga_r a@n ou{to&v ti pa&qh|, taxe/wv u(mei=v e3teron Fi/lippon poih&sete,
a!nper ou#tw prose/xhte toi=v pra&gmasi to_n nou~n: ou)de\ ga_r ou{tov para_ th_n au(tou~
r(w&mhn tosou~ton e0phu&chtai o#son para_ th_n h(mete/ran a)me/leian.
[12] kai/toi kai\ tou~to: ei1 ti pa&qoi kai\ ta_ th~v tu&xhv h(mi=n, h#per a)ei\ be/ltion h@ h(mei=v
h(mw~n au)tw~n e0pimelou&meqa, kai\ tou~t' e0cerga&saito, i1sq' o#ti plhsi/on me\n o!ntev,
a#pasin a@n toi=v pra&gmasin tetaragme/noiv e0pista&ntev o#pwv bou&lesqe
dioikh&saisqe, w(v de\ nu~n e1xete, ou)de\ dido&ntwn tw~n kairw~n )Amfi/polin de/casqai
du&naisq' a!n, a)phrthme/noi kai\ tai=v paraskeuai=v kai\ tai=v gnw&maiv.
[13] 9Wv me\n ou}n dei= ta_ prosh&konta poiei=n e0qe/lontav u(pa&rxein a#pantav e9toi/mwv,
w(v e0gnwko&twn u(mw~n kai\ pepeisme/nwn, pau&omai le/gwn: to_n de\ tro&pon th~v
paraskeuh~v h$n a)palla&cai a@n tw~n toiou&twn pragma&twn u(ma~v oi1omai, kai\ to_
plh~qov o#son, kai\ po&rouv ou#stinav xrhma&twn, kai\ ta!ll' w(v a!n moi be/ltista kai\
ta&xista dokei= paraskeuasqh~nai, kai\ dh_ peira&somai le/gein, dehqei\v u(mw~n, w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, tosou~ton.
[14] e0peida_n a#pant' a)kou&shte, kri/nate, mh_ pro&teron prolamba&nete: mhd' a@n e0c
a)rxh~v dokw~ tini kainh_n paraskeuh_n le/gein, a)naba&llein me ta_ pra&gmaq' h(gei/sqw.
ou) ga_r oi9 “taxu_” kai\ “th&meron” ei0po&ntev ma&list' ei0v de/on le/gousin (ou) ga_r a@n ta&
g' h!dh gegenhme/na th~?| nuni\ bohqei/a| kwlu~sai dunhqei/hmen) [15] a)ll' o$v a@n dei/ch| ti/v
porisqei=sa paraskeuh_ kai\ po&sh kai\ po&qen diamei=nai dunh&setai, e3wv a@n h@
dialusw&meqa peisqe/ntev to_n po&lemon h@ perigenw&meqa tw~n e0xqrw~n: ou#tw ga_r
ou)ke/ti tou~ loipou~ pa&sxoimen a@n kakw~v. oi]mai toi/nun e0gw_ tau~ta le/gein e1xein, mh_
kwlu&wn ei1 tiv a!llov e0pagge/lletai/ ti. h( me\n ou}n u(po&sxesiv ou#tw mega&lh, to_ de\
pra~gm' h!dh to_n e1legxon dw&sei: kritai\ d' u(mei=v e1sesqe.
[16]
Prw~ton
me\n
toi/nun,
w}
a!ndrev
)Aqhnai=oi,
trih&reiv
penth&konta
paraskeua&sasqai fhmi\ dei=n, ei]t' au)tou_v ou#tw ta_v gnw&mav e1xein w(v, e0a&n ti de/h|,
pleuste/on ei0v tau&tav au)toi=v e0mba~sin. pro_v de\ tou&toiv toi=v h(mi/sesi tw~n i9ppe/wn
i9ppagwgou_v trih&reiv kai\ ploi=' i9kana_ eu)trepi/sai keleu&w.
[17] tau~ta me\n oi]mai dei=n u(pa&rxein e0pi\ ta_v e0cai/fnhv tau&tav a)po_ th~v oi0kei/av
xw&rav au)tou~ stratei/av ei0v Pu&lav kai\ Xerro&nhson kai\
!Olunqon kai\ o#poi
94
bou&letai: dei= ga_r e0kei/nw| tou~t' e0n th?~| gnw&mh| parasth~sai, w(v u(mei=v e0k th~v
a)melei/av tau&thv th~v a!gan, w#sper ei0v Eu!boian kai\ pro&tero&n pote/ fasin
ei0v (Ali/arton kai\ ta_ teleutai=a prw&hn ei0v Pu&lav, i1swv a@n o(rmh&saite:
[18] ou!toi pantelw~v, ou)d' ei0 mh_ poih&sait' a@n tou~to, w(v e1gwge/ fhmi dei=n,
eu)katafro&nhto&n e0stin, i3n' h@ dia_ to_n fo&bon ei0dw_v eu)trepei=v u(ma~v (ei1setai ga_r
a)kribw~v: ei0si\ ga&r, ei0si\n oi9 pa&nt' e0cagge/llontev e0kei/nw| par' h(mw~n au)tw~n
plei/ouv tou~ de/ontov) h(suxi/an e1xh|, h@ paridw_n tau~t' a)fu&laktov lhfqh?~|, mhdeno_v
o!ntov e0mpodw_n plei=n e0pi\ th_n e0kei/nou xw&ran u(mi=n, a@n e0ndw~?| kairo&n.
[19] tau~ta me/n e0stin a$ pa~si dedo&xqai fhmi\ dei=n kai\ pareskeua&sqai prosh&kein
oi1omai: pro_ de\ tou&twn du&nami/n tin', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, fhmi\ proxeiri/sasqai
dei=n u(ma~v, h$ sunexw~v polemh&sei kai\ kakw~v e0kei=non poih&sei. mh& moi muri/ouv mhde\
dismuri/ouv ce/nouv, mhde\ ta_v e0pistolimai/ouv tau&tav duna&meiv, a)ll' h$ th~v
po&lewv e1stai, ka@n u(mei=v e3na ka@n plei/ouv ka@n to_n dei=na ka@n o(ntinou~n
xeirotonh&shte strathgo&n, tou&tw| pei/setai kai\ a)kolouqh&sei.
[20] kai\ trofh_n tau&th| pori/sai keleu&w. e1stai d' au#th ti/v h( du&namiv kai\ po&sh, kai\
po&qen th_n trofh_n e3cei, kai\ pw~v tau~t' e0qelh&sei poiei=n; e0gw_ fra&sw, kaq' e3kaston
tou&twn dieciw_n xwri/v. ce/nouv me\n le/gw — kai\ o#pwv mh_ poih&seq' o$ polla&kiv
u(ma~v e1blayen: pa&nt' e0la&ttw nomi/zontev ei]nai tou~ de/ontov, kai\ ta_ me/gist' e0n toi=v
yhfi/smasin ai9rou&menoi, e0pi\ tw?~| pra&ttein ou)de\ ta_ mikra_ poiei=te: a)lla_ ta_ mikra_
poih&santev kai\ pori/santev tou&toiv prosti/qete, a@n e0la&ttw fai/nhtai.
[21 - 22] le/gw dh_ tou_v pa&ntav stratiw&tav disxili/ouv, tou&twn d' )Aqhnai/ouv
fhmi\ dei=n ei]nai pentakosi/ouv, e0c h{v a!n tinov u(mi=n h(liki/av kalw~v e1xein dokh?~|,
xro&non takto_n strateuome/nouv, mh_ makro_n tou~ton, a)ll' o#son a@n dokh~?| kalw~v
e1xein, e0k diadoxh~v a)llh&loiv: tou_v d' a!llouv ce/nouv ei]nai keleu&w. kai\ meta_
tou&twn i9ppe/av diakosi/ouv, kai\ tou&twn penth&kont' )Aqhnai/ouv tou)la&xiston,
w#sper tou_v pezou&v, to_n au)to_n tro&pon strateuome/nouv: kai\ i9ppagwgou_v
tou&toiv. ei]en: ti/ pro_v tou&toiv e1ti; taxei/av trih&reiv de/ka: dei= ga&r, e1xontov
e0kei/nou nautiko&n, kai\ taxeiw~n trih&rwn h(mi=n, o#pwv a)sfalw~v h( du&namiv ple/h|.
po&qen dh_ tou&toiv h( trofh_ genh&setai; e0gw_ kai\ tou~to fra&sw kai\ dei/cw, e0peida&n,
dio&ti thlikau&thn a)poxrh~n oi]mai th_n du&namin kai\ poli/tav tou_v strateuome/nouv
ei]nai keleu&w, dida&cw.
95
[23] Tosau&thn me/n, w} a!ndrev
)Aqhnai=oi, dia_ tau~ta, o#ti ou)k e1ni nu~n h(mi=n
pori/sasqai du&namin th_n e0kei/nw| paratacome/nhn, a)lla_ lh|steu&ein a)na&gkh kai\
tou&tw| tw~?| tro&pw| tou~ pole/mou xrh~sqai th_n prw&thn: ou) toi/nun u(pe/rogkon au)th&n
(ou) ga_r e1sti misqo_v ou)de\ trofh&), ou)de\ pantelw~v tapeinh_n ei]nai dei=.
[24] poli/tav de\ parei=nai kai\ sumplei=n dia_ tau~ta keleu&w, o#ti kai\ pro&tero&n pot'
a)kou&w ceniko_n tre/fein e0n Kori/nqw| th_n po&lin, ou{ Polu&stratov h(gei=to kai\
I)fikra&thv kai\ Xabri/av kai\ a!lloi tine/v, kai\ au)tou_v u(ma~v sustrateu&esqai: kai\
oi]d' a)kou&wn o#ti Lakedaimoni/ouv paratatto&menoi meq' u(mw~n e0ni/kwn ou{toi oi9 ce/noi
kai\ u(mei=v met' e0kei/nwn. e0c ou{ d' au)ta_ kaq' au(ta_ ta_ cenika_ u(mi=n strateu&etai, tou_v
fi/louv nika~?| kai\ tou_v summa&xouv, oi9 d' e0xqroi\ mei/zouv tou~ de/ontov gego&nasi. kai\
paraku&yant' e0pi\ to_n th~v po&lewv po&lemon, pro_v )Arta&bazon kai\ pantaxoi=
ma~llon oi1xetai ple/onta, o( de\ strathgo_v a)kolouqei=, ei0ko&twv: ou) ga_r e1stin
a!rxein mh_ dido&nta misqo&n.
[25] ti/ ou}n keleu&w; ta_v profa&seiv a)felei=n kai\ tou~ strathgou~ kai\ tw~n
stratiwtw~n, misqo_n pori/santav kai\ stratiw&tav oi0kei/ouv w#sper e0po&ptav tw~n
strathgoume/nwn parakatasth&santav: e0pei\ nu~n ge ge/lwv e1sq' w(v xrw&meqa toi=v
pra&gmasin. ei0 ga_r e1roito& tiv u(ma~v: “ei0rh&nhn a!get', w} a!ndrev )Aqhnai=oi;” “ma_ Di/'
ou)x h(mei=v g',” ei1poit' a!n, “a)lla_ Fili/ppw| polemou~men.”
[26] ou)k e0xeirotonei=te d' e0c u(mw~n au)tw~n de/ka tacia&rxouv kai\ strathgou_v kai\
fula&rxouv kai\ i9ppa&rxouv du&o; ti/ ou}n ou{toi poiou~sin; plh_n e9no_v a)ndro&v, o$n a@n
e0kpe/myht' e0pi\ to_n po&lemon, oi9 loipoi\ ta_v pompa_v pe/mpousin u(mi=n meta_ tw~n
i9eropoiw~n: w#sper ga_r oi9 pla&ttontev tou_v phli/nouv, ei0v th_n a)gora_n
xeirotonei=te tou_v tacia&rxouv kai\ tou_v fula&rxouv, ou)k e0pi\ to_n po&lemon.
[27] ou) ga_r e0xrh~n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tacia&rxouv par' u(mw~n, i3pparxon par'
u(mw~n, a!rxontav oi0kei/ouv ei]nai, i3n' h}n w(v a)lhqw~v th~v po&lewv h( du&namiv; a)ll' ei0v
me\n Lh~mnon to_n par' u(mw~n i3pparxon dei= plei=n, tw~n d' u(pe\r tw~n th~v po&lewv
kthma&twn a)gwnizome/nwn Mene/laon i9pparxei=n. kai\ ou) to_n a!ndra memfo&menov
tau~ta le/gw, a)ll' u(f' u(mw~n e1dei kexeirotonhme/non ei]nai tou~ton, o#stiv a@n h}.|
[28] 1Iswv de\ tau~ta me\n o)rqw~v h(gei=sqe le/gesqai, to_ de\ tw~n xrhma&twn, po&sa kai\
po&qen e1stai, ma&lista poqei=t' a)kou~sai. tou~to dh_ kai\ perai/nw. xrh&mata toi/nun:
e1sti me\n h( trofh&, sithre/sion mo&non, th?|~ duna&mei tau&th| ta&lant' e0nenh&konta kai\
mikro&n ti pro&v, de/ka me\n nausi\ taxei/aiv tettara&konta ta&lanta, ei1kosin ei0v th_n
96
nau~n mnai= tou~ mhno_v e9ka&stou, stratiw&taiv de\ disxili/oiv tosau~q' e3tera, i3na de/ka
tou~ mhno_v o( stratiw&thv draxma_v sithre/sion lamba&nh|, toi=v d' i9ppeu~si
diakosi/oiv ou}sin, e0a_n tria&konta draxma_v e3kastov lamba&nh| tou~ mhno&v, dw&deka
ta&lanta.
[29] ei0 de/ tiv oi1etai mikra_n a)formh_n ei]nai, sithre/sion toi=v strateuome/noiv
u(pa&rxein, ou)k o)rqw~v e1gnwken: e0gw_ ga_r oi]da safw~v o#ti, tou~t' a@n ge/nhtai,
prosporiei= ta_ loi/p’ au)to_ to_ stra&teum' a)po_ tou~ pole/mou, ou)de/na tw~n (Ellh&nwn
a)dikou~n ou)de\ tw~n summa&xwn, w#st' e1xein misqo_n e0ntelh~. e0gw_ sumple/wn e0qelonth_v
pa&sxein o(tiou~n e3toimov, e0a_n mh_ tau~q' ou#twv e1xh|. po&qen ou}n o( po&rov tw~n
xrhma&twn, a$ par' u(mw~n keleu&w gene/sqai; tou~t' h!dh le/cw.
POROU APODEICIS
[30] 4A me\n h(mei=v, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, dedunh&meq' eu(rei=n tau~t' e0sti/n: e0peida_n d'
e0pixeirotonh~te ta_v gnw&mav, a@n u(mi=n a)re/skh|, xeirotonh&sete, i3na mh_ mo&non e0n toi=v
yhfi/smasi kai\ tai=v e0pistolai=v polemh~te Fili/ppw|, a)lla_ kai\ toi=v e1rgoiv.
[31] Dokei=te de/ moi polu_ be/ltion a@n peri\ tou~ pole/mou kai\ o#lhv th~v paraskeuh~v
bouleu&sasqai, ei0 to_n to&pon, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, th~v xw&rav, pro_v h$n polemei=te,
e0nqumhqei/hte, kai\ logi/saisq' o#ti toi=v pneu&masi kai\ tai=v w#raiv tou~ e1touv ta_
polla_ prolamba&nwn diapra&ttetai Fi/lippov, kai\ fula&cav tou_v e0thsi/av h@ to_n
xeimw~n' e0pixeirei=, h(ni/k' a@n h(mei=v mh_ dunai/meq' e0kei=s' a)fike/sqai.
[32] dei= toi/nun tau~t' e0nqumoume/nouv mh_ bohqei/aiv polemei=n (u(steriou~men ga_r
a(pa&ntwn), a)lla_ paraskeuh?~| sunexei= kai\ duna&mei. u(pa&rxei d' u(mi=n xeimadi/w| me\n
xrh~sqai th?~| duna&mei Lh&mnw| kai\ Qa&sw| kai\ Skia&qw| kai\ tai=v e0n tou&tw~| tw~?| to&pw|
nh&soiv, e0n ai[v kai\ lime/nev kai\ si=tov kai\ a$ xrh_ strateu&mati pa&nq' u(pa&rxei: th_n d'
w#ran tou~ e1touv, o#te kai\ pro_v th~?| gh~?| gene/sqai r(a/?|dion kai\ to_ tw~n pneuma&twn
a)sfale/v, pro_v au)th?|~ th~?| xw&ra| kai\ pro_v toi=v tw~n e0mpori/wn sto&masi r(a|di/wv
e1stai.
[33 - 34] 4A me\n ou}n xrh&setai kai\ po&te th?~| duna&mei, para_ to_n kairo_n o( tou&twn
ku&riov katasta_v u(f' u(mw~n bouleu&setai: a$ d' u(pa&rcai dei= par' u(mw~n, tau~t' e0sti\n
a(gw_ ge/grafa. a@n tau~t', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, pori/shte, ta_ xrh&mata prw~ton a$
le/gw, ei]ta kai\ ta!lla paraskeua&santev, tou_v stratiw&tav, ta_v trih&reiv, tou_v
i9ppe/av, e0ntelh~ pa~san th_n du&namin no&mw| kataklei/sht' e0pi\ tw~?| pole/mw| me/nein, tw~n
97
me\n xrhma&twn au)toi\ tami/ai kai\ poristai\ gigno&menoi, tw~n de\ pra&cewn para_ tou~
strathgou~ to_n lo&gon zhtou~ntev, pau&sesq' a)ei\ peri\ tw~n au)tw~n bouleuo&menoi kai\
ple/on ou)de\n poiou~ntev, kai\ e1ti pro_v tou&tw| prw~ton me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, to_n
me/giston tw~n e0kei/nou po&rwn a)fairh&sesqe. e1sti d' ou{tov ti/v; a)po_ tw~n u(mete/rwn
u(mi=n polemei= summa&xwn, a!gwn kai\ fe/rwn tou_v ple/ontav th_n qa&lattan. e1peita
ti/ pro_v tou&tw|; tou~ pa&sxein au)toi\ kakw~v e1cw genh&sesqe, ou)x w#sper to_n
parelqo&nta xro&non ei0v Lh~mnon kai\ I!mbron e0mbalw_n ai0xmalw&touv poli/tav
u(mete/rouv w!|xet' e1xwn, pro_v tw?~| Geraistw?~| ta_ ploi=a sullabw_n a)mu&qhta xrh&mat'
e0ce/lece, ta_ teleutai=' ei0v Maraqw~n' a)pe/bh kai\ th_n i9era_n a)po_ th~v xw&rav w!|xet'
e1xwn trih&rh, u(mei=v d' ou!te tau~ta du&nasqe kwlu&ein ou!t' ei0v tou_v xro&nouv, ou$v a@n
proqh~sqe, bohqei=n.
[35] kai/toi ti/ dh&pot', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, nomi/zete th_n me\n tw~n Panaqhnai/wn
e9orth_n kai\ th_n tw~n Dionusi/wn a)ei\ tou~ kaqh&kontov xro&nou gi/gnesqai, a!n te deinoi\
la&xwsin a!n t' i0diw~tai oi9 tou&twn e9kate/rwn e0pimelou&menoi, ei0v a$ tosau~t'
a)nali/sketai xrh&mata, o#s' ou)d' ei0v e3na tw~n a)posto&lwn, kai\ tosou~ton o!xlon kai\
paraskeuh_n o#shn ou)k oi]d' ei1 ti tw~n a(pa&ntwn e1xei, tou_v d' a)posto&louv pa&ntav
u(mi=n u(steri/zein tw~n kairw~n, to_n ei0v Meqw&nhn, to_n ei0v Pagasa&v, to_n ei0v
Potei/daian;
[36 - 37] o#ti e0kei=na me\n a#panta no&mw| te/taktai, kai\ pro&oiden e3kastov u(mw~n e0k
pollou~ ti/v xorhgo_v h@ gumnasi/arxov th~v fulh~v, po&te kai\ para_ tou~ kai\ ti/
labo&nta ti/ dei= poiei=n, ou)de\n a)nece/taston ou)d' a)o&riston e0n tou&toiv h)me/lhtai: e0n
de\ toi=v peri\ tou~ pole/mou kai\ th~?| tou&tou paraskeuh?~| a!takta, a)dio&rqwta, a)o&risq'
a#panta. toigarou~n a#m' a)khko&ame/n ti kai\ trihra&rxouv kaqi/stamen kai\ tou&toiv
a)ntido&seiv poiou&meqa kai\ peri\ xrhma&twn po&rou skopou~men, kai\ meta_ tau~t'
e0mbai/nein tou_v metoi/kouv e1doce kai\ tou_v xwri\v oi0kou~ntav, ei]t' au)tou_v pa&lin, ei]t'
a)ntembiba&zein, ei]t' e0n o#sw| tau~ta me/lletai, proapo&lwle to_ e0f' o$ a@n e0kple/wmen:
to_n ga_r tou~ pra&ttein xro&non ei0v to_ paraskeua&zesqai a)nali/skomen, oi9 de\ tw~n
pragma&twn ou) me/nousi kairoi\ th_n h(mete/ran braduth~ta kai\ ei0rwnei/an. a$v de\ to_n
metacu_ xro&non duna&meiv oi0o&meq' h(mi=n u(pa&rxein, ou)de\n oi[ai/ t' ou}sai poiei=n e0p'
au)tw~n tw~n kairw~n e0cele/gxontai. o( d' ei0v tou~q' u#brewv e0lh&luqen w#st' e0piste/llein
Eu)boeu~sin h!dh toiau&tav e0pistola&v.
EPISTOLHS ANAGNWSIS
98
[38 - 39] Tou&twn, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n a)negnwsme/nwn a)lhqh~ me/n e0sti ta_
polla&, w(v ou)k e1dei, ou) mh_n a)ll' i1swv ou)x h(de/' a)kou&ein. a)ll' ei0 me/n, o#v' a!n tiv
u(perbh~?| tw~?| lo&gw|, i3na mh_ luph&sh|, kai\ ta_ pra&gmaq' u(perbh&setai, dei= pro_v h(donh_n
dhmhgorei=n: ei0 d' h( tw~n lo&gwn xa&riv, a@n h}| mh_ prosh&kousa, e1rgw| zhmi/a gi/gnetai,
ai0sxro&n e0sti fenaki/zein e9autou&v, kai\ a#pant' a)naballome/nouv a$n h}| dusxerh~
pa&ntwn u(sterei=n tw~n e1rgwn, kai\ mhde\ tou~to du&nasqai maqei=n, o#ti dei= tou_v o)rqw~v
pole/mw| xrwme/nouv ou)k a)kolouqei=n toi=v pra&gmasin, a)ll' au)tou_v e1mprosqen ei]nai
tw~n pragma&twn, kai\ to_n au)to_n tro&pon w#sper tw~n strateuma&twn a)ciw&seie/ tiv
a@n to_n strathgo_n h(gei=sqai, ou#tw kai\ tw~n pragma&twn tou_v bouleuome/nouv, i3n'
a$n e0kei/noiv dokh~?|, tau~ta pra&tthtai kai\ mh_ ta_ sumba&nt' a)nagka&zwntai diw&kein.
[40] u(mei=v d', w} a!ndrev )Aqhnai=oi, plei/sth du&namin a(pa&ntwn e1xontev, trih&reiv,
o(pli/tav, i9ppe/av, xrhma&twn pro&sodon, tou&twn me\n me/xri th~v th&meron h(me/rav
ou)deni\ pw&pot' ei0v de/on ti ke/xrhsqe, ou)de\n d' a)polei/pete, w#sper oi9 ba&rbaroi
pukteu&ousin, ou#tw polemei=n Fili/ppw|. kai\ ga_r e0kei/nwn o( plhgei\v ai0ei\ th~v
plhgh~v e1xetai, ka@n e9te/rwse pata&ch|v tiv, e0kei=v' ei0si\n ai9 xei=rev: proba&llesqai d'
h@ ble/pein e0nanti/on ou!t' oi]den ou!t' e0qe/lei.
[41] kai\ u(mei=v, a@n e0n Xerronh&sw| pu&qhsqe Fi/lippon, e0kei=se bohqei=n yhfi/zesqe, e0a\n
e0n Pu&laiv, e0kei=se, e0a\n a!lloqi/ pou, sumparaqei=t' a!nw ka&tw, kai\ strathgei=sq' u(p'
e0kei/nou, bebou&leusqe d' ou)de\n au)toi\ sumfe/ron peri\ tou~ pole/mou, ou)de\ pro_ tw~n
pragma&twn proora~t' ou)de/n, pri\n a@n h@ gegenhme/non h@ gigno&meno&n ti pu&qhsqe.
tau~ta d' i1swv pro&teron me\n e0nh~n: nu~n d' e0p' au)th_n h#kei th_n a)kmh&n, w#st' ou)ke/t'
e0gxwrei=.
[42] dokei= de/ moi qew~n tiv, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, toi=v gignome/noiv u(pe\r th~v po&lewv
ai0sxuno&menov th_n filopragmosu&nhn tau&thn e0mbalei=n Fili/ppw|. ei0 ga_r e1xwn a$
kate/straptai kai\ proei/lhfen h(suxi/an e1xein h!qele kai\ mhde\n e1pratten e1ti,
a)poxrh~n e0ni/oiv u(mw~n a!n moi dokei=, e0c w{n ai0sxu&nhn kai\ a)nandri/an kai\ pa&nta ta_
ai1sxist' w)flhko&tev a@n h}men dhmosi/a|: nu~n d' e0pixeirw~n a)ei/ tini kai\ tou~ plei/onov
o)rego&menov i1swv a@n e0kkale/saiq' u(ma~v, ei1per mh_ panta&pasin a)pegnw&kate.
[43] qauma&zw d' e1gwge, ei0 mhdei\v u(mw~n mh&t' e0nqumei=tai mh&t' o)rgi/zetai, o(rw~n, w}
a!ndrev )Aqhnai=oi, th_n me\n a)rxh_n tou~ pole/mou gegenhme/nhn peri\ tou~ timwrh&sasqai
Fi/lippon, th_n de\ teleuth_n ou}san h!dh u(pe\r tou~ mh_ paqei=n kakw~v u(po_ Fili/ppou.
a)lla_ mh_n o#ti g' ou) sth&setai, dh~lon, ei0 mh& tiv kwlu&sei. ei]ta tou~t' a)namenou~men;
99
kai\ trih&reiv kena_v kai\ ta_v para_ tou~ dei=nov e0lpi/dav a@n a)postei/lhte, pa&nt' e1xein
oi1esqe kalw~v;
[44] ou)k e0mbhso&meqa; ou)k e1cimen au)toi\ me/rei ge/ tini stratiwtw~n oi0kei/wn nu~n, ei0
kai\ mh_ pro&teron; ou)k e0pi\ th_n e0kei/nou pleuso&meqa; “poi= ou}n prosormiou&meqa;”
h!reto& tiv. eu(rh&sei ta_ saqra&, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, tw~n e0kei/nou pragma&twn au)to_v
o( po&lemov, a@n e0pixeirw~men: a@n me/ntoi kaqw&meq' oi1koi, loidoroume/nwn a)kou&ontev
kai\ ai0tiwme/nwn a)llh&louv tw~n lego&ntwn, ou)de/pot' ou)de\n h(mi=n mh_ ge/nhtai tw~n
deo&ntwn.
[45] o#poi me\n ga_r a!n, oi]mai, me/rov ti th~v po&lewv sunapostalh~?|, ka@n mh_ pa~sa,
kai\ to_ tw~n qew~n eu)mene\v kai\ to_ th~v tu&xhv sunagwni/zetai: o#poi d' a@n strathgo_n
kai\ yh&fisma keno_n kai\ ta_v a)po_ tou~ bh&matov e0lpi/dav e0kpe/myhte, ou)de\n u(mi=n tw~n
deo&ntwn gi/gnetai, a)ll' oi9 me\n e0xqroi\ katagelw~sin, oi9 de\ su&mmaxoi teqna~si tw~?|
de/ei tou_v toiou&touv a)posto&louv.
[46] ou) ga_r e1stin, ou)k e1stin e3n' a!ndra dunhqh~nai/ pote tau~q' u(mi=n pra~cai pa&nq'
o#sa bou&lesqe: u(posxe/sqai me/ntoi kai\ fh~sai kai\ to_n dei=n' ai0tia&sasqai kai\ to_n dei=n'
e1sti, ta_ de\ pra&gmat' e0k tou&twn a)po&lwlen: o#tan ga_r h(gh~tai me\n o( strathgo_v
a)qli/wn a)pomi/sqwn ce/nwn, oi9 d' u(pe\r w{n a@n e0kei=nov pra&ch| pro_v u(ma~v yeudo&menoi
r(a|di/wv e0nqa&d' w}sin, u(mei=v d' e0c w{n a@n a)kou&shq' o# ti a@n tu&xhte yhfi/zhsqe, ti/ kai\
xrh_ prosdoka~n;
[47] Pw~j ou}n tau~ta pau&setai; o#tan u(mei=j, w} a!ndrej )Aqhnai=oi, tou_j au)tou_j
a)podei/chte stratiw&taj kai\ ma&rturaj tw~n strathgoume/nwn kai\ dikasta_j
oi1kad' e0lqo&ntaj tw~n eu)qunw~n, w#ste mh_ a)kou&ein mo&non u(ma~j ta_ u(me/ter' au)tw~n,
a)lla_ kai\ paro&ntaj o(ra~n. nu~n d' ei0j tou~q' h#kei ta_ pra&gmat' ai0sxu&nhj w#ste tw~n
strathgw~n e3kastoj di\j kai\ tri\j kri/netai par' u(mi=n peri\ qana&tou, pro_j de\ tou_j
e0xqrou_j ou)dei\j ou)d' a#pac au)tw~n a)gwni/sasqai peri\ qana&tou tolma~?|, a)lla_ to_n
tw~n a)ndrapodistw~n
kai\
lwpodutw~n qa&naton ma~llon ai9rou~ntai tou~
prosh&kontoj: kakou&rgou me\n ga&r e0sti kriqe/nt' a)poqanei=n, strathgou~ de\
maxo&menon toi=j polemi/oij.
[48] h(mw~n d' oi9 me\n periio&ntev meta_ Lakedaimoni/wn fasi\ Fi/lippon pra&ttein th_n
Qhbai/wn kata&lusin kai\ ta_v politei/av diaspa~n, oi9 d' w(v pre/sbeiv pe/pomfen w(v
basile/a, oi9 d' e0n 0Illurioi=v po&leiv teixi/zein, oi9 de\ lo&gouv pla&ttontev e3kastov
perierxo&meqa.
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[49] e0gw_ d' oi]mai me/n, w} a!ndrev )Aqhnai=oi, nh_ tou_v qeou_v e0kei=non mequ&ein tw?~| mege/qei
tw~n pepragme/nwn kai\ polla_ toiau~t' o)neiropolei=n e0n th~?| gnw&mh|, th&n t' e0rhmi/an
tw~n kwluso&ntwn o(rw~nta kai\ toi=v pepragme/noiv e0ph|rme/non, ou) me/ntoi ge ma_ Di/'
ou#tw ge proairei=sqai pra&ttein w#ste tou_v a)nohtota&touv tw~n par' h(mi=n ei0de/nai
ti/ me/llei poiei=n e0kei=nov: a)nohto&tatoi ga&r ei0sin oi9 logopoiou~ntev.
[50] a)ll' a@n a)fe/ntej tau~t' e0kei=n' ei0dw~men, o#ti e0xqro_j a#nqrwpoj kai\ ta_ h(me/ter'
h(ma~j a)posterei= kai\ xro&non polu_n u#brike, kai\ a#panq' o#sa pw&pot' h)lpi/same/n tina
pra&cein u(pe\r h(mw~n kaq' h(mw~n eu#rhtai, kai\ ta_ loi/p’ e0n au)toi=j h(mi=n e0sti/, ka@n mh_
nu~n e0qe/lwmen e0kei= polemei=n au)tw?~|, e0nqa&d' i1swj a)nagkasqhso&meqa tou~to poiei=n, a@n
tau~t' ei0dw~men, kai\ ta_ de/ont' e0so&meq' e0gnwko&tej kai\ lo&gwn matai/wn
a)phllagme/noi: ou) ga_r a#tta pot' e1stai dei= skopei=n, a)ll' o#ti fau~la, e0a\n mh_
prose/xhte to_n nou~n kai\ ta_ prosh&konta poiei=n e0qe/lhte, eu} ei0de/nai.
[51] 0Egw_ me\n ou}n ou!t' a!llote pw&pote pro_v xa&rin ei9lo&mhn le/gein o# ti a@n mh_ kai\
sunoi/sein
pepeisme/nov
w},
nu~n
q'
a$
gignw&skw
pa&nq'
a(plw~v,
ou)de\n
u(posteila&menov, peparrhsi/asmai. e0boulo&mhn d' a!n, w#sper o#ti u(mi=n sumfe/rei ta_
be/ltist' a)kou&ein oi]da, ou#twv ei0de/nai sunoi=son kai\ tw~?| ta_ be/ltist' ei0po&nti: pollw?|~
ga_r a@n h#dion ei]xon. nu~n d' e0p' a)dh&loiv ou}si toi=v a)po_ tou&twn e0mautw?~|
genhsome/noiv, o#mwv e0pi\ tw~?| sunoi/sein u(mi=n, a@n pra&chte, tau~ta pepei=sqai le/gein
ai9rou~mai. nikw/?|h d' o# ti pa~sin me/llei sunoi/sein.
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oliveira marcelo