COMPREENDENDO OS NÚMEROS INTEIROS E SUAS OPERAÇÕES
Éllen Martins¹,
Danilo Magalhães Farias², Wanderley Moura Rezende (orientador)³
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Universidade Federal Fluminense/IME, [email protected]
Universidade Federal Fluminense/IME, [email protected]
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Universidade Federal Fluminense/IME, [email protected]
Resumo
Ensinar as operações com os números inteiros é, sem dúvida, um dos grandes desafios para
os professores de matemática que lecionam no 7º ano. Explicar porque “menos vezes
menos é mais” não é uma tarefa muito simples. O projeto "Compreendendo os Inteiros e
suas Operações", desenvolvido por alunos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação a Docência (PIBID) da UFF, tem como objetivo auxiliar os alunos na
representação dos cálculos feitos com os números inteiros por meio de atividades
realizadas com materiais concretos. Acreditamos que o uso de materiais concretos ou jogos
podem servir como elementos mediadores para a compreensão das operações formais
inerentes à construção deste conceito. O material didático de apoio consiste de um
tabuleiro e palitos coloridos em azul, que representam as quantidades positivas, e em
vermelho, que representam as quantidades negativas. O uso das cores para diferenciar a
natureza das quantidades é motivado pela forma como os chineses antigos faziam os seus
registros. As operações com números inteiros são então interpretadas pela adição ou
subtração de palitos, utilizando-se, quando necessário, o cancelamento como recurso.
Pretende-se com esta comunicação apresentar o material didático elaborado e as oficinas
realizadas com turmas do 7° ano da Escola Municipal Honorina de Carvalho.
Palavras-chave: Números inteiros; Material concreto; PIBID.
INTRODUÇÃO
Segundo Glaeser (2010), “a introdução conceitual dos números relativos foi um
processo surpreendentemente lento. Durou mais de 1500 anos, da época de Diofantes aos
nossos dias”. Durante todo esse período, os matemáticos trabalharam com números
relativos tendo deles apenas uma compreensão parcial, com espantosas lacunas.
A "regra dos sinais", mencionada de forma explícita por Diofantes (III D.C.) em
seus trabalhos, foi também utilizada por hindus e chineses. Na China, os números
negativos são inicialmente representados por barras (construídas com bambu, ferro ou
marfim), na cor vermelha, para representar os números positivos e na cor preta, para
indicar os números negativos. No entanto, ao longo da evolução histórica deste conceito,
houve muita resistência por parte de muitos matemáticos em aceitar uma quantidade
negativa como número propriamente dito.
No campo pedagógico, observa-se que as dificuldades de aceitação e manipulação
algébrica desses números permanecem até os dias de hoje. Com efeito, tal fato pôde ser
verificado por meio de observações de aulas nas turmas da EJA em um colégio público da
cidade de Niterói, no qual realizávamos nossas atividades como bolsistas de iniciação à
docência do Subprojeto de Matemática do PIBID UFF. Quanto a essas dificuldades dos
alunos em trabalhar com números inteiros, Grasiela Martini (2010), também relatando sua
experiência em sala de aula, nos aponta algumas delas. Eis alguns pontos de dificuldades
revelados pela pesquisadora:
-Diferenciar o sinal das operações do sinal dos números;
-Resolução das operações de adição e subtração com inteiros;
-Dificuldade em representar os problemas práticos através da escrita;
-Comparar os números inteiros;
-Dificuldade em interpretar problemas. (MARTINI, 2010, p.17).
Com efeito, um problema gerado pela interação com a estrutura desse conjunto
numérico é distinguir o sinal dos números negativos do sinal da operação de subtração.
Além disso, explicar porque “menos vezes menos é mais” não é tarefa muito simples para
o professor de matemática. Seja pela circunstância do momento didático, seja pela falta de
maturidade do estudante.
Quanto a isso, faz-se necessário relembrar que a regularidade do saber matemático
existe somente na fase final da formulação do texto matemático (PAIS, 2001, p. 41). Ao
lecionar um determinado assunto, o docente deve levar em consideração os seus obstáculos
epistemológicos do(s) conceito(s) envolvido(s), isto é, os obstáculos que são intrínsecos ao
próprio processo de construção do conhecimento. Com relação ao universo dos números
relativos destaca-se o trabalho Epistemologia dos Números Relativos de Georges Glaeser
(2010), publicado originalmente na Recherches en Didactique des Mathématiques, em
1981. Segundo o educador matemático, os obstáculos epistemológicos relacionados a este
conceito são:
1. Inaptidão para manipular quantidades isoladas.
2. Dificuldade em dar um sentido a quantidades negativas isoladas.
3. Dificuldade em unificar a reta numérica.
4. A ambiguidade dos dois zeros.
5. Estagnação no estágio das operações concretas (era confronto com o
estágio das operações formais). É a dificuldade de afastar-se de um
sentido "concreto" atribuído aos seres numéricos.
6. Desejo de um modelo unificador.
É a intenção de fazer funcionar um "bom" modelo aditivo, igualmente
válido para ilustrar o campo multiplicativo, em que esse modelo é
inoperante. Comentários mais precisos estão disseminados por este
artigo. Basta-nos, como exemplo, assinalar que a passagem citada por
Piaget faz alusões (conscientes ou não) aos obstáculos 3 e 4. (GLAESER,
2010, p.07)
Em Queiroz (2006), tomando como referência os obstáculos epistemológicos
destacados por Glaeser, foram discutidas as abordagens utilizadas por diversos autores de
livros didáticos para o ensino das operações com números inteiros. Um dos principais
obstáculos observados pela autora em sua análise dos livros didáticos foi “a dificuldade [da
abordagem utilizada pelos autores] de afastar-se de um sentido “concreto” atribuído aos
seres numéricos”. Como afirma Glaeser (2010) na conclusão do seu artigo, o estudo
histórico que ele realizou sobre a construção dos números inteiros “mostra precisamente
um caso em que uma pedagogia baseada exclusivamente em exemplos concretos é
perniciosa” para a compreensão do conceito. Em concordância com as ideias de Glaeser
(2010), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reafirmam que as atividades
propostas para a construção dos números inteiros não devem ser apoiadas apenas em
situações concretas:
Ao buscar as orientações para trabalhar com os números inteiros, devese ter presente que as atividades propostas não podem se limitar às que
se apoiam apenas em situações concretas, pois nem sempre essas
concretizações explicam os significados das noções envolvidas. É preciso
ir um pouco além e possibilitar, pela extensão dos conhecimentos já
construídos para os naturais, compreender e justificar algumas das
propriedades dos números inteiros. Por outro lado, ao desenvolver um
tratamento exclusivamente formal no trabalho com os números inteiros,
corre-se o risco de reduzir seu estudo a um formalismo vazio, que
geralmente leva a equívocos e é facilmente esquecido. Assim, devem-se
buscar situações que permitam aos alunos reconhecer alguns aspectos
formais dos números inteiros a partir de experiências práticas e do
conhecimento que possuem sobre os números naturais. (BRASIL, 1998,
p. 100).
Diante disso, acreditamos que qualquer intervenção didática que se faça por meio
de material concreto para o assunto deverá ser seguida, em momento oportuno, de um
tratamento algébrico, ainda que elementar. O ensino de números inteiros é, com efeito, a
porta de entrada do ensino de álgebra na educação básica. Por isso, afirmamos desde o
início, que o material produzido para o desenvolvimento deste projeto contempla apenas
uma iniciação ao tema, procurando dar sentido às “regras” das operações com números
inteiros. Nesse sentido gostaríamos de destacar o papel didático da ficha de controle
elaborado para o desenvolvimento do projeto.
O MATERIAL DIDÁTICO
Tendo sido inspirado inicialmente em Bigode (2000), o material didático de apoio
consiste de um tabuleiro e palitos coloridos em azul, que representam as quantidades
positivas, e em vermelho, que representam as quantidades negativas. O uso das cores para
diferenciar a natureza das quantidades é motivado pela forma como os chineses antigos
faziam os seus registros (EVES, 1995).
Para sua elaboração foram utilizados os seguintes materiais: palitos azuis, palitos
vermelhos, papel cartão, cartolina branca, vermelha e azul, papel contact e papel A4. Cada
kit, distribuído aos alunos, consiste em: 20 palitos azuis; 20 palitos vermelhos; cartas
representando números positivos, números negativos e as operações de adição, subtração,
multiplicação e divisão; e um tabuleiro, onde, na parte da frente, há um espaço onde as
operações são representadas com as cartas e outro espaço para o cálculo com os palitos, na
parte de trás há um espaço para a realização das divisões utilizando as cartas numeradas.
Além do kit, acompanham o material didático as fichas de controle, que têm como
objetivo permitir que o aluno, com o auxílio do professor, possa sistematizar os
procedimentos adotados. Esta ficha contém tabelas com duas colunas, de modo que, na
primeira coluna, os alunos terão que fazer registros, com barras coloridas, que representem
as ações realizadas com os palitos e, na segunda coluna, registros algébricos de operações
com números inteiros correspondentes à ação realizada na primeira coluna da mesma linha.
Cada linha da tabela corresponde a uma ação realizada no tabuleiro do material didático.
O uso do material concreto é baseado em três regras: 1ª - um palito azul
corresponde a uma unidade positiva; 2ª - um palito vermelho corresponde a uma unidade
negativa; 3ª - qualquer quantidade de palitos vermelhos se anula com a mesma quantidade
de palitos azuis (Regra de cancelamento).
As operações com números inteiros utilizando material concreto são interpretadas
então pela adição ou retirada de palitos, podendo-se, conforme o caso, utilizar o
cancelamento como recurso. Para efeito de ilustração observemos alguns exemplos.
Exemplos:
a) (+4) - (-3) =
(+4) é o valor inicial da expressão, então devemos colocar sobre o tabuleiro a
quantidade de palitos azuis que representam esse número (primeira imagem da figura 1).
Para retirar (-3) devemos verificar se é possível retirar essa quantidade do valor inicial, isto
é, de 4 palitos azuis precisamos retirar 3 palitos vermelhos. Como isso não é possível,
devemos representar o (+4) de modo que sua nova representação tenha três palitos
vermelhos. Para isso adicionaremos três palitos vermelhos e, claro, três azuis, a fim de não
alterar a quantidade inicial: (+4) = (+4) + (+3) + (-3) (segunda imagem da figura 1).
Figura 1: Ilustração de duas situações do uso do material: representando (+4) com os palitos azuis e
representando (+4) com palitos azuis e vermelhos
Fonte: elaborada pelos próprios autores
Agora é possível retirar a quantidade de palitos que representam o (-3). Depois de
efetuar a retirada (primeira imagem da figura 2), os palitos que restarem sobre o tabuleiro
indicam o resultado (segunda imagem da figura 2): (+4) - (-3) = (+4) + (+3) + (-3) - (-3) =
(+4) + (+3) = +7.
Figura 2 : Ilustração de duas situações do uso do material: Retirando três palitos vermelhos e
resultado final
Fonte: elaborada pelos próprios autores
b) (-2) x (+3) =
Neste caso precisa-se fazer uma extensão da multiplicação em IN. Se, em IN, (+2)
x (+3) significa adicionar “dois” grupos de “três”, interpretaremos (-2) x (+3) por retirar
“dois” grupos de “três”. Para isso teremos que representar o número zero de uma maneira
que seja possível fazer a retirada de dois grupos de três palitos azuis. Assim, devemos
adicionar no tabuleiro dois grupos de três palitos azuis e dois grupos de três palitos
vermelhos, conforme indicado na (primeira imagem da figura 3). Agora é possível retirar
os dois grupos de três palitos azuis, (+3). Depois de efetuar a retirada, os palitos que restam
sobre o tabuleiro representa o resultado da operação (segunda imagem da figura 3):
(-2) x (+3) = [(+3) + (+3) + (-3) + (-3)] - (+3) - (+3) = (-3) + (-3) = (-6).
Figura 3: Ilustração de duas situações do uso do material: representando o “0” com palitos azuis e
vermelhos e resultado final
Fonte: elaborada pelos próprios autores
A operação (-2) x (-3) é realizada de modo análoga, a diferença é que, neste caso,
os que serão retirados são os dois grupos de três palitos vermelhos (-3), sobrando neste
caso dois grupos de três palitos azuis: +6.
A EXPERIÊNCIA DIDÁTICA
O projeto foi aplicado na Escola Municipal Honorina de Carvalho, no Município de
Niterói/RJ, no dia 22 de março de 2014. Fizemos uma oficina na escola trabalhando com
os tabuleiros e fichas de atividades. Como era um sábado letivo dedicado à realização de
atividades de matemática, trabalhamos com dois grupos em horários diferenciados. Cada
grupo era formado por 15 alunos de duas turmas do sétimo ano da escola e cada oficina
teve duração de 1h e 30min. Cabe destacar que a professora desses alunos já havia
ensinado os números inteiros e suas operações.
O primeiro contato com tabuleiro é feito trabalhando com as representações dos
números de diferentes maneiras. Percebemos que os alunos tiveram certa resistência com
relação ao fato de ter que representar, por exemplo, o número +5 usando palitos vermelhos
e azuis, já que para eles é bem mais “lógico” só usar palitos azuis neste caso.
Em seguida foi solicitado que os alunos representassem o zero dos inteiros. Neste
ponto percebemos claramente uma manifestação do quarto obstáculo epistemológico
citado por Glaeser (2010), visto que os mesmos achavam “impossível representar um
número que não possui valor”.
Figura 4: Imagens da oficina realizada
Fonte: elaborada pelos próprios autores
Nessas oficinas, com a maioria dos alunos, trabalhamos apenas as operações de
adição e subtração. Os alunos que já conheciam as regras tiveram certa resistência em fazer
uso do tabuleiro e dos palitos. Entretanto, aqueles que se lançaram no manuseio dos palitos
conseguiram dar sentido às operações que estavam realizando. Em ambos os grupos,
alguns alunos conseguiram trabalhar com a operação de multiplicação, se surpreendendo e
obtendo sucesso com a interpretação das regras dos sinais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos consciência das dificuldades intrínsecas relacionadas ao ensino dos números
inteiros. Difícil para os alunos! Mas, difícil também para a tarefa de ensinar! O momento
didático (7º ano) talvez seja prematuro para o desenvolvimento da aprendizagem deste
conceito e suas operações, principalmente o grande nó da questão: por que “menos vezes
menos dá mais”? Nosso projeto não é a solução para esses conflitos, mas um caminho que
pode auxiliar na busca de um sentido para algo que muitas vezes é realizado de forma
mecânica. Pretendemos, por meio da utilização deste material didático, que o aluno possa
construir seu conhecimento sobre números inteiros de forma mais significativa. Que seja
ele próprio, o aluno, o construtor dos significados. Neste sentido, acreditamos que o
projeto atingiu o seu objetivo. Era evidente o brilho no olhar de cada um dos alunos que
conseguiu visualizar a “mágica” das regras dos sinais para a multiplicação.
REFERÊNCIAS
BIGODE, A. J. L. Coleção Matemática Hoje é feita assim. 6ª série, ensino fundamental.
[s.l]: FTD, 2000.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Matemática (terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental). Brasília, 1998.
GLAESER, G. Epistemologia dos números negativos. Boletim do GEPEM, n. 57, p. 65102, 2010.
MARTINI, G. Estratégias de trabalho para a aprendizagem de operações com
números inteiros. 2010, Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Matemática de
Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
PAIS, L.C. Didática da Matemática: uma análise da influência francesa. Coleção
Tendências em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
QUEIROZ, F.C. Números relativos uma análise de natureza epistemológica de alguns
livros didáticos nacionais do terceiro ciclo do ensino fundamental. Monografia. Niterói,
2006.
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