5ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo
SENTENÇA
Processo nº 0000775-83.2013.5.04.0305 – Ação Trabalhista Rito Ordinário
I – RELATÓRIO:
XXX, devidamente qualificada, ajuíza Ação Trabalhista em 12-07-2013 em desfavor de SESI –
SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA, também qualificada. Alega que foi admitida em 15-01-1993
para exercer a função de assistente social e que foi dispensada sem justa causa em 02-072013. Alega que a demissão foi discriminatória.
Após exposição fática, postula a procedência da ação com a declaração de nulidade da rescisão
contratual; a condenação da reclamada a reintegrá-la ao emprego e ao pagamento de: salários
e demais vantagens decorrentes do contrato até a efetiva reintegração ou sucessivamente a
percepção em dobro da remuneração do período de afastamento; indenização por danos
morais; aplicação das multas dos arts. 467 e 477 da CLT. Postula a antecipação de tutela.
Requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita e honorários advocatícios. Atribui à
causa o valor de R$ 50.000,00. Junta documentos de fls. 14-87.
Defere-se prazo para a reclamada manifestar-se quanto ao pedido de antecipação de tutela,
vindo a reclamada aos autos às fls. 97-101. Junta documentos de fls. 102-112.
Em audiência a reclamada apresenta sua defesa onde requer o reconhecimento da prescrição
e rebate os termos do mérito (fls. 116-143).
Colaciona documentos de fls. 144-338.
A reclamante manifesta-se sobre as alegações da reclamada quanto ao pedido de antecipação
de tutela rebatendo os termos de mérito alegados naquela peça (fls. 343-365) e junta novos
documentos de fls. 366-415.
É indeferida a antecipação de tutela.
A reclamada se manifesta quanto aos documentos juntados (fls. 424-426).
A reclamante postula a reconsideração do pedido de antecipação de tutela, o qual é mantido,
sendo determinado, contudo, a tramitação preferencial do feito. São colhidos depoimentos
pessoais e de cinco testemunhas. Sem outras provas, é encerrada a instrução. As razões finais
são remissivas. As propostas conciliatórias são rejeitadas. Os autos são conclusos para a
prolação da sentença. Isto posto, decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
1. Prescrição:
Considerando que os pedidos decorrem da demissão formulada e danos morais pelo mesmo
motivo, não há prescrição quinquenal a ser pronunciada.
2 – Legalidade da demissão - reintegração:
A reclamante aduz ter sido admitida em 15-01-1993 pela reclamada para atuar como
assistente social. Assevera ter sido demitida em 02-07-2013. Afirma que em 15-10-2012 a
reclamante descobriu que estava acometida por neoplasia maligna na mama direita, vindo a
comunicar seus superiores e passando a tratar-se com médicos e psicólogos.
Em 23-11-2012 realizou cirurgia para a retirada do tumor ocasião em que descobriu mais focos
da doença. Alega que em 19-02-2013 deu início ao tratamento com radioterapia, tendo
findado em 05-04-2013. Nesta ocasião alega que recebeu atestado para ficar mais 15 dias em
repouso e após ficou recebendo auxílio-doença previdenciário. Quando do retorno do INSS
ainda pleiteou o respectivo benefício por mais algumas vezes, o que lhe restou negado.
Em 14-05-2013 gozou férias cujo retorno se daria em 13.06.2013. Afirma que em 13.06.2013
seu superior hierárquico encaminhou email e carta via correio com aviso de recebimento
solicitando que a reclamante comparecesse junto à reclamada para retorno de suas atividades
ou apresentasse documento para poder se ausentar.
Assevera ter comparecido com atestado médico e retornou ao trabalho em 01-07-2013. Alega
que apesar de estar em tratamento para doença grave foi dispensada sem justa causa em 0207-2013.
Argumenta que a despedida foi discriminatória em face de sua condição de saúde e que a
demissão dificultará a sua reinserção ao mercado de trabalho pois tem 52 anos de idade e
duas filhas, além de faltar apenas 5 anos para sua aposentadoria.
A reclamada nega que a despedida tinha sido discriminatória. Assevera que ao longo do
contrato de trabalho a reclamante foi advertida verbalmente e por escrito em várias ocasiões.
Afirma que a reclamante se ausentou em diversas ocasiões por motivos relacionados à saúde e
que em maio de 2010 sofreu acidente de carro, o qual foi considerado acidente de trabalho e
que culminou com a estabilidade acidentária.
Afirma que nos últimos anos a reclamante apresentava-se resistente e
descomprometida/relapsa com prazos, normas e orientações do reclamado, causando
dissabores a colegas e comprometendo o bom andamento dos trabalhos.
Reiteradamente a reclamante vinha descumprindo procedimentos e orientações do reclamado
quando aos registros de ponto, gozo de intervalos legais, prestações de conta, utilização de
telefone, entrega de atestados e boletins de produção com atraso.
Afirma que as faltas funcionais geraram diversas conversas com os gestores e advertências
verbais e por escrito. Alega que pretendia despedir a reclamante antes do acometimento por
doença, mas a reclamante em razão de acidente passou a ser detentora de estabilidade e
posteriormente enfrentou problemas familiares envolvendo seus pais.
Afirma que em algumas ocasiões a reclamante apresentou atestados médicos para justificar as
faltas ao trabalho. Aduz que após estes fatos a reclamante apresentou carcinoma e
permaneceu afastada do trabalho de 17-11-2012 a 09-05-2013.
Que se viu obrigada a contratar outra profissional para atuar em seu lugar. Alega que dia 10-05
a reclamante apresentou alta previdenciária, contudo deixou de trabalhar nos dias 10,13 e 1405 e neste dia solicitou 30 dias de férias as quais foram gozadas de 15-05 a 13-06.
Assevera que dia 14-06 a reclamante não retornou ao trabalho, motivo pelo qual a reclamada
lhe enviou correspondência. Informa que no dia 20 e 21-06 a reclamante retornou ao trabalho
portando atestado médico de 15 dias a contar de 13-06.
Assevera que a reclamante voltou ao trabalho dia 01-07, tendo laborado normalmente e dia
02-07, tendo em vista que estava apta para o trabalho foi despedida. apresentou atestado de
15 dias tendo sido orientada pela reclamada a procurar o INSS e informar imediatamente ao
reclamado a concessão do benefício para que fossem suspensos os efeitos da despedida.
A reclamante contudo não teria informado ao reclamado a concessão de auxílio-doença, tendo
sido consumada a despedida. É a síntese do necessário, passo à apreciação. Na ficha de
registro da reclamante de fls. 145 está consignada a trajetória profissional da reclamante,
constando daqueles documentos que a autora teve diversos afastamentos do trabalho em
razão de apresentação de atestado médico, os quais são considerados faltas justificadas e,
portanto, não ensejam em falta profissional.
Consta do referido registro também apenas uma ausência não justificada parcial e um
afastamento por acidente de trabalho, este ocorrido no ano de 2010 e aquele em 2004. Além
disto, constam uma advertência verbal e duas escritas, a primeira em 1995, a segunda em
1997 e a terceira em 2004.
A considerar um contrato de 20 anos de labor e a última penalidade significativa a ponto de ter
sido registrado na ficha funcional foi em 2004, verifico que as alegações da reclamada de que a
reclamante era relapsa em seu trabalho não merece maior amparo.
Isto porque se não mereceu sequer registros, não se mostrando significativo no contexto
empresarial. Verifico também além das penalidades consideradas mais graves a ponto de
merecer registro profissional, outras se seguiram cujos registros foram apresentados pela
reclamada às fls. 106 e seguintes.
Em que pese ser necessária e justificável por parte do empregador a cobrança de respeito aos
intervalos entrejornadas de 11 horas, a advertência de fls. 106 decorre de sua inobservância
tendo sido justificada pela trabalhadora em razão de compromissos com terceiras pessoas
(empresas) atendidas pela reclamada.
Assim, ainda que tenha ocorrido infringência a norma legal por parte da autora, a própria
reclamada foi beneficiária de sua atitude. Nos autos foi juntado ainda um relatório de
acompanhamento de equipe datado de 24-08-2011, onde a reclamante teria recebido
orientações de como proceder quanto aos adiantamentos de viagem e registro de horários.
Não se trata de advertência, pelo que verifico, mas de orientação ao trabalhador. As fls. 110 a
reclamante é novamente advertida quanto aos registros de horário e desrespeito quanto ao
gozo de intervalo entrejornadas de 11 horas, o que se repete em outros dias.
Tenho, portanto que a reclamante vinha sendo constantemente orientada a registrar o cartão
ponto de forma correta e gozar de todo o período de 11 horas entre as jornadas de trabalho.
Contudo esta atitude, antes de demonstrar desrespeito para com a reclamada, demonstra zelo
profissional no atendimento a clientes desta, entretanto, não se nega que evidencia a
reiteração de conduta para a qual tinha sido orientada a evitar.
A reclamada em defesa alega que não se questiona o trabalho técnico da autora, mas sim seu
desempenho organizacional-administrativo no cumprimento de normas e procedimentos do
reclamado, o que teria ensejado na dispensa da reclamante.
Os documentos colacionados aos autos demonstram que a reclamante é profissional com
excelente desempenho sob o aspecto técnico, inclusive com diversos elogios por parte das
empresas que contratavam os serviços da reclamada e que era representada pela autora.
É inegável, contudo, que o desempenho aquém do esperado no aspecto organizacional gera
retrabalho e, portanto perda de lucratividade.
Apesar disso, a prova colhida nos autos evidencia que a reclamante sempre executou suas
tarefas desta forma e sempre apresentou tais deficiências, sendo no mínimo estranho que a
reclamada tenha tolerado a falta de capacidade organizacional da reclamante durante tanto
tempo se os prejuízos e dificuldades fossem realmente expressivas.
A reclamante trabalhou por 20 anos para a reclamada e esta sempre procedeu da mesma
forma conforme se afere do depoimento da testemunha da reclamada Sérgio.
Os depoimentos conduzem à conclusão que as faltas cometidas pela reclamante eram
principalmente quanto à observância de prazos para apresentar relatórios, prestar contas,
quanto aos registros de horário e a realização de intervalo interjornada inferiores há 11 horas.
Não vislumbro atos que possam ser considerados graves o suficiente para ocasionarem a
demissão da reclamante, ainda mais considerando que a reclamante trabalhou desta forma
por 20 anos.
É no mínimo estranho que a reclamante tenha trabalhado 20 anos e tais fatos não tenham sido
relevantes a ponto de culminar com a demissão da reclamante e neste momento difícil pelo
qual passa a reclamante ganhem proporção significativa a ponto de ensejar na ruptura
contratual.
Veja-se que a reclamante teve assegurado o período de estabilidade acidentária, contudo, ao
terminar tal período a reclamada não procedeu a sua demissão, ainda que alegue que já
pretendia assim agir.
A reclamada alega que relevou a conduta da reclamante por estar esta com problemas
relacionados aos seus pais, o que restou evidenciado nos autos tratar-se de pessoas idosas e
com problemas de saúde.
Em que pese o respeito e consideração que devemos ter para com os idosos, os problemas
relacionados com os pais da reclamante não guardam relação com a reclamada e não seriam
relevantes no contexto empresarial suficiente para justificar que uma demissão sem justa
causa fosse levada a efeito.
Contudo, a reclamada relevou o fato e auxiliou a reclamante com concessões de folgas e a
desconsiderou descontos a título de banco de horas negativo da reclamante.
Até este momento a falta de organização da reclamante não interferia na atividade
empresarial, a ponto da reclamada simplesmente tolerar as condutas reiteradas e inclusive
facilitar a reclamante a atuação profissional para que pudesse solucionar tais problemas.
Apenas quando a própria reclamante ficou doente é que a reclamada se deu conta de que a
reclamante possuía deficiências profissionais e optou por demiti-la.
O próprio preposta da reclamada afirma que a última advertência aplicada à reclamante
referia-se ao registro de horário no cartão ponto, não sabendo sequer precisar o motivo (o que
por si só evidencia não se tratar de fato de extrema relevância) e ocorreu em 2011. Contudo a
reclamante foi demitida apenas quase dois anos depois de sua última advertência.
Chama atenção também que o registro de horário pode gerar prejuízos para a própria
reclamante, pois pode implicar em falta ao trabalho inexistente gerando desconto salarial.
Assim, não vejo que tal conduta possa ser a causa de uma demissão quando o fato perdura
tempo prolongado.
Percebo também que a reclamada afirma existir um acompanhamento específico por parte da
UER e que a reclamante teria passado por este programa em 2010, entretanto a reclamada
não apresenta qualquer documento que comprove esta alegação e o mesmo teria ocorrido a
mais de 2 anos antes da demissão da reclamante. Assim, se melhora na atuação da reclamante
não tivesse existido, por certo a demissão teria ocorrido antes do acometimento da doença
referida.
A primeira testemunha da reclamada afirma que a falta de registro do cartão ponto gera
apontamento de irregularidade, contudo, a reclamada não apresenta tais relatório que
possibilitariam aferir a frequência com que ocorriam tais fatos.
Veja-se que a reclamante sequer recebeu suspensão pela prática dos atos descritos na defesa,
o que evidencia que apesar de sua ocorrência, não tinha relevância suficiente para ensejar a
ruptura contratual.
A última testemunha ouvida afirma que havia boletins de produção para acompanhamento de
metas dos funcionários que são fixadas para poder fazer jus às demandas das empresas da
região, atendendo suas necessidades sociais.
A finalidade última perquirida com o acompanhamento através de boletins de produção era a
busca de qualidade na prestação de serviços a empresas da região, qualidade esta que, ao que
se sobressai dos autos, era atingida pela reclamante, inclusive com a solicitação dos clientes de
que a reclamante os atendessem (depoimento das testemunhas) e pelo recebimento de
elogios (documentos juntados e reconhecidos pela reclamada).
Tenho assim por evidente que a demissão, apesar de ter sido procedida sem justa causa, é
discriminatória pois a conduta desorganizada da reclamante ocorreu dentro de toda a
contratualidade e a reclamada sempre a tolerou até o momento em que a reclamante passou
por tratamento médico para buscar a cura de doença reconhecidamente grave.
Apesar de não se tratar de doença incurável ou que cause estigma, é evidente que a
possibilidade da reclamante ter novas recidivas e de se submeter a novos tratamentos no
futuro podem ter contribuído para justificar a medida, que se mostra discriminatória.
Nos termos do artigo 1º da Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho,
discriminação quer dizer qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou
profissão.
A Lei 9029/1995 que visa coibir a discriminação representa um grande avanço legislativo com
fito de dar efetividade à CRFB que tem como objetivo fundamental da República Federativa do
Brasil o repúdio a toda forma de discriminação (art. 3º, IV) e o respeito à dignidade da pessoa
humana como fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (art. 1.º, inciso III).
Está preconizado em seu art. 1º que é “proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de
sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as
hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal”.
Segundo o entendimento adotado pela 2ª Turma do TST, que muito bem define a questão nos
inúmeros acórdãos que tratam da matéria “a discriminação consiste na atitude patronal que
produz uma distinção injustificada, consistente no descarte do empregado gravemente
doente, ignorado em sua condição de pessoa dotada de dignidade, à medida que privado de
sua fonte de sustento, sendo excluído o único instrumento de acesso à cidadania que lhe é
possível na sociedade: o trabalho”.
A dispensa em razão do acometimento de doença se afigura discriminatória à medida que
produz distinção injustificada e revela a insensibilidade patronal para com os graves abalos
físicos e psíquicos com que naturalmente decorrem da situação de debilidade.
Com a edição da Súmula 443 do TST, o entendimento dominante passou a ser o de que a
dispensa do empregado acometido de alguma doença grave ou que produza estigma é
presumidamente decorrente de ato discriminatório, o qual admite prova em contrário por se
tratar de presunção relativa.
No caso dos autos, conforme amplamente analisado, os motivos alegados pela reclamada não
se mostram justificáveis à medida que foram tolerados durante 20 anos de atividade
laborativa da reclamante, inclusive em outros momentos de dificuldades pessoais como a
necessidade de acompanhamento de seus pais, ao passo que, apenas quando acometida por
doença grave a reclamada procedeu a sua demissão.
Inclusive, nos autos foi relatado caso semelhante, ambos (o da reclamante e o noticiado nos
autos) ocorridos logo após o retorno da empregada ao trabalho após a cessação de auxilio
doença previdenciário.
O descarte de empregado doente, como se valor algum tivesse, simplesmente pela sua atual
condição e para a qual sequer contribuiu, afronta aos comezinhos princípios de respeito ao
próximo e de sua dignidade porquanto lhe priva de sua fonte de sustento e da sua
possibilidade de se sentir útil e produtivo.
Atitudes como esta podem, inclusive, gerar mais angústia e depressão, agravando o quadro do
trabalhador, senão, ao menos, não o ajuda a ultrapassar as lesões psicológicas sofridas.
Neste sentido é farta a jurisprudência do TST, dentre os julgados destaco o acórdão abaixo que
muito bem explicita a questão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. 1. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA.
PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE – CÂNCER. ESTIGMA OU
PRECONCEITO (SÚMULA 126/TST). 2. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. SÚMULA 443/TST.
FALECIMENTO DO EX-EMPREGADO. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA ATÉ O FALECIMENTO. 3.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DO QUANTUM ARBITRADO. 4. MULTA POR EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. Registre-se,
inicialmente, que o exempregado, após a rescisão contratual, ajuizou a presente ação
trabalhista em 2007, havendo, após o seu falecimento ocorrido em 2008, a sucessão
processual pelo espólio. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de
trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade
física causada pelo câncer. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas
do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa
sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela
função social da propriedade (arts. 1º, III e IV e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim,
que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da
OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. Na esteira desse
raciocínio, foi editada a Súmula 443/TST, que delimita a pacificação da jurisprudência
trabalhista neste aspecto, com o seguinte teor: - Presume-se discriminatória a despedida de
empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou
preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego-. Na hipótese
dos autos, consta do acórdão regional que o ex-empregado era portador de câncer na região
do pescoço desde fevereiro/2003, tendo se submetido a tratamento cirúrgico em 2004, sendo
notória a gravidade de sua doença e a necessidade de seu constante acompanhamento
médico. Asseverou a Corte de origem que o ex-empregado, à época de sua dispensa, em
01.12.2005, estava prestes a realizar nova cirurgia devido à recidiva da doença. Por fim, o
Tribunal a quo presumiu que houve discriminação e arbitrariedade na dispensa do exempregado, uma vez que a Reclamada não comprovou os motivos apontados para a dispensa,
tendo sido a ruptura contratual fora dos limites do seu direito potestativo. Nesse sentido, o
Regional manteve a condenação no pagamento de indenização substitutiva até o falecimento
do ex-empregado. Diante desse contexto, considera-se correta a decisão regional ao entender
que houve discriminação na dispensa do ex-empregado. Por outro lado, para analisar as
assertivas recursais de inexistência de conduta discriminatória, necessário seria a reanálise de
todo o conteúdo fático-probatório dos autos, o que é inviável em se tratando de recurso de
revista (Súmula 126/TST). Dessa forma, não há como assegurar o processamento do recurso de
revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da
decisão denegatória, que ora subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento
desprovido.
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA - EMPREGADO PORTADOR DE
DOENÇA GRAVE - REINTEGRAÇÃO.
Ante uma possível ofensa ao art. 5º, XLI, da Constituição Federal, o processamento do recurso
de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento provido.
II - RECURSO DE REVISTA - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA - EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA
GRAVE - REINTEGRAÇÃO.
Com efeito, o e. Tribunal Regional consignou que o julgador de primeiro grau, ao declarar a
nulidade da dispensa do reclamante e determinar a sua reintegração, considerou que a
rescisão foi discriminatória, tendo em vista que ocorreu logo após a comunicação ao superior
hierárquico do reclamante, quanto ao reaparecimento da doença. Nesse contexto, a Corte a
quo, ao absolver o reclamado da condenação que lhe foi imposta no tocante à reintegração do
reclamante aos seus quadros, com a percepção dos salários e demais direitos advindos da
decisão, não obstante tenha considerado que a rescisão foi discriminatória, violou o art. 5º,
XLI, da Constituição Federal.
Registre-se, por oportuno, que, em recente revisão de jurisprudência, o Pleno desta Corte
decidiu editar a Súmula nº 443, na qual se presume discriminatória a dispensa de empregado
portador de doença grave. Neste contexto, em que comprovado que a rescisão foi motivada
por atos de discriminação, nada impede a sua reintegração no serviço, visto que em evidente
afronta aos princípios gerais do direito, especialmente no que se refere às garantias
constitucionais do direito à vida, ao trabalho, à dignidade da pessoa humana e à igualdade.
Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
O fato de ser considerada apta ao trabalho não modifica a questão, pois somente por este
motivo que a autora estava retornando ao trabalho no momento em que foi demitida. Além
disto, não se descarta, nesta situação, a necessidade de acompanhamento do quadro clínico
por longos anos, o que é fato notório e público.
De todo o exposto, a atitude da ré ultrapassou os limites de seu poder diretivo, pelo que
declaro a nulidade da rescisão contratual realizada e determino à reclamada que proceda a
reintegração da reclamante ao emprego, com o pagamento de salários e demais vantagens
devidas no período de afastamento.
Por entender preenchidos os requisitos previstos no art. 273 e 461 do CPC, aplicáveis de forma
subsidiária ao processo do trabalho, modifico a decisão anteriormente proferida e defiro o
pedido de antecipação da tutela, determinando a imediata reintegração da reclamante ao
emprego, o qual deverá ser procedido no prazo máximo de 5 dias a contar da intimação da
sentença, sob pena de multa diária equivalente a R$ 250,00.
Em face do deferimento do pedido principal, resta prejudicado o pedido de indenização
equivalente ao dobro dos valores devidos no período.
4 – Multas dos arts. 467 e 477 da CLT:
Em face da reintegração determinada, improcedem os pedidos de aplicação das multas dos
arts. 467 e 477 da CLT eis que tais multas se aplicam apenas quando não pagas – parcial ou
integralmente – as verbas rescisórias ou no caso de mora em seu pagamento,
respectivamente, o que não é o caso dos autos.
5 - Indenização por dano moral:
A reclamante requer o pagamento de indenização por danos morais oriundos de a rescisão
contratual ter decorrido de tratamento humilhante e discriminatório.
A CRFB tutela os direitos de personalidade de forma ampla, assegurando que são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X), do mesmo modo que
assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material,
moral ou à imagem (art. 5º, V).
O deferimento de indenização pelo abalo moral pressupõe a reunião de requisitos para sua
configuração, sendo estes a ocorrência de uma conduta omissiva ou comissiva, que, de forma
dolosa ou culposa, seja causadora de um dano, bem como a existência de nexo de causalidade
entre a conduta e o resultado produzido.
No caso em tela, a gravidade da situação a que foi exposta a reclamante permite concluir pela
ocorrência de abalo moral a qual se afere in ré ipsa, bastando o simples exercício de se colocar
no lugar da vítima para perceber os sentimentos negativos, ínsitos à espécie humana, que
decorrem da circunstância.
É evidente o dano, seja sob o aspecto de que foi ceifada de respeito à sua dignidade, seja
porque foi ceifada da fonte de sustento próprio e da família em momento em que mais
precisava, além de ser o legítimo fator de reforço à dignidade, cidadania e autoestima.
Inegavelmente a conduta da reclamada deu origem ao dano sofrido, sujeitando o infrator a
indenizar pelos danos morais causados à reclamante.
Nos termos do art. 944 do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano.
É necessário também, que na fixação do quantum indenizatório seja observada a natureza
dúplice do instituto, ou seja, tenha caráter pedagógico– punitivo, segundo o qual se oportuniza
uma compensação para a vítima e um desconforto ao infrator de modo a desestimulá-lo
quanto à reiteração de práticas semelhantes, mas, contudo, sem causar o enriquecimento de
uma parte em detrimento da ruína para o outro. Trata-se de um juízo de proporcionalidade.
Assim, considerando a gravidade do ato praticado, a extensão dos danos, a repercussão do
ato, a duração do contrato de trabalho, a condição pessoal da reclamante e o poder
econômico da reclamada, a restituição do status quo ante decorrente da presente sentença,
arbitro indenização por danos morais no importe de R$ 8.000,00 (oito mil reais), o qual deverá
ser atualizado nos termos do art. 39, § 1º da Lei 8.177/91 a partir da data de prolação da
presente sentença, eis que fixado considerando valores atuais.
6 - Justiça gratuita e honorários advocatícios:
A reclamante declara sob as penas da lei que não dispõe de condições financeiras para pagar
custas processuais e honorários periciais e advocatícios.
A simples declaração de insuficiência econômica e afirmação na inicial de que não dispõe de
meios econômicos suficientes para arcar com eventuais despesas sem prejuízo de seu sustento
e de seus familiares é suficiente para a comprovação do estado de necessidade.
Assim, nos termos do art. 790, § 3º da CLT, defiro a gratuidade da justiça pretendida.
Contudo, quanto à verba honorária, no âmbito trabalhista e nos casos em que envolvem
relação empregatícia, seu deferimento pressupõe o preenchimento dos requisitos previstos
nos artigos 14 e 16 da Lei 5584/70, quais sejam, empregado beneficiário da justiça gratuita e
assistido pela entidade sindical (TST, Súmula 219 e 329). A reclamante não junta aos autos
credencial sindical comprovando a assistência jurídica pela entidade sindical, de modo que não
restaram preenchidos os requisitos legais para seu deferimento.
7 – Contribuições previdenciárias e fiscais:
Para os fins do art. 832, § 3º da CLT, declaro a natureza salarial das parcelas deferidas na
sentença, exceto quanto ao FGTS, férias indenizadas e indenização por danos morais.
Determino o recolhimento das contribuições previdenciárias incidente sobre as parcelas de
natureza salarial integrantes do salário-decontribuição, nos termos do art. 28 da Lei 8.212/91,
autorizando, desde já, a retenção das contribuições a cargo do reclamante, devendo tais
verbas ser recolhidas, pela reclamada, com a quota-parte que lhe incumbe e comprovado nos
autos no prazo legal, sob pena de execução.
Determino ainda a retenção das contribuições fiscais cabíveis incidentes sobre o crédito
trabalhista, na forma da Súmula 368 do TST, cujos recolhimentos deverão ser comprovados
pela ré, considerando as isenções legais e nos percentuais previstos na legislação, nos termos
do art. 46 da Lei 8.541/92 e Instrução Normativa da Receita Federal em vigor no momento da
execução.
8 - Parâmetros de liquidação:
Considerando que os critérios de aplicação de juros e correção monetária são disciplinados
pelas normas vigentes à época da liquidação, segundo entendimento predominante no
Tribunal desta Região, postergo a fixação de critérios para a fase de liquidação de sentença.
III – DISPOSITIVO:
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE a ação movida por XXX , em desfavor de SESI –
SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA para DECLARAR a nulidade da rescisão contratual realizada e
DETERMINAR a reintegração da reclamante ao emprego, com o pagamento de salários e
demais vantagens devidas no período de afastamento e ao pagamento de indenização por
danos morais no importe de R$ 8.000,00, em conformidade com os termos da fundamentação
que passam a integrar o dispositivo.
Defiro o pedido de antecipação da tutela, determinando a imediata reintegração da
reclamante ao emprego, o qual deverá ser procedido no prazo máximo de 5 dias a contar da
intimação da sentença, sob pena de multa diária equivalente a R$ 250,00.
Concedo ao reclamante os benefícios da justiça gratuita. Autorizo a retenção de contribuições
previdenciárias e fiscais e determino à reclamada que proceda os recolhimentos, juntamente
com a cota-parte das contribuições previdenciárias devidas pela mesma e sua comprovação
nos autos no prazo legal.
Custas pela reclamada no importe de R$ 1.000,00, calculadas sobre o valor de R$ 50.000,00,
ora arbitrado à condenação.
Intimem-se as partes.
Cumpra-se após o trânsito em julgado. Nada mais.
Ivanise Marilene Uhlig de Barros
Juíza do Trabalho Substituta
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5ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo SENTENÇA Processo nº