ID: 53035352
ENTREVISTA
23-03-2014
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País: Portugal
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Larry Diamond
A recessão
democrática é real
mas não é severa
Nos últimos 15 anos, mais de 20% das democracias
do mundo falharam, e as mais maduras “não estão em boas
condições”, diz o analista norte-americano Larry Diamond.
Por Teresa de Sousa
V
eio a Lisboa
para um ciclo
de conferências
do Instituto de
Estudos Políticos
da Católica.
Dá aulas na
Universidade
de Stanford e é
investigador na
conservadora Hoover Institution,
foi consultor de vários governos e
organizações internacionais. Larry
Diamond dedica o seu tempo ao
estudo da democracia e é editor do
Journal of Democracy. A sua última
obra é The Spirit of Democracy:
the struggle to built free societies
throughout the world. O PÚBLICO
entrevistou-o sobre o estado das
democracias no mundo e a sua
relação com o momento que
estamos a viver.
Há menos de duas décadas,
o Ocidente acreditou que a
democracia se expandiria
pelo mundo. Hoje vemos
exactamente o contrário.
Tem falado em “recessão
democrática”. Estávamos
errados antes?
Em primeiro lugar, temos de
avaliar as tendências negativas
de forma proporcionada. Antes
de perguntarmos porquê, temos
de perguntar o quê. É verdade
que vivemos uma recessão
democrática, que reúne vários
elementos distintos. O primeiro
é que estamos a viver uma
estagnação desde há alguns
anos, em matéria de expansão
democrática no mundo. Nasceram
algumas democracias; houve
também algumas democracias
que falharam mas retomaram o
seu caminho, e houve bastantes
democracias que, pura e
simplesmente, falharam. Nos
últimos 15 anos, mais de 20% das
democracias existentes nesse
período falharam.
É muito.
É muito. Por outro lado, a
percentagem de Estados que são
democracias, mesmo que apenas
democracias electivas, mantevese. Representam um pouco
menos de 60% dos países. O que é
praticamente o mesmo que antes
deste período de estagnação. A
questão é que houve regressões
em alguns Estados importantes:
Venezuela, Rússia, Nigéria etc. E
devemos preocupar-nos com os
retrocessos em Estados grandes e
estratégicos.
Em primeiro lugar, na Rússia.
Sim. Não que a Rússia tenha
chegado a funcionar muito bem
em termos democráticos, mas no
tempo de Boris Ieltsin tivemos
um nível elevado de pluralismo
político e eleitoral. Agora, sob
Vladimir Putin, temos um poder
extremamente hegemónico e
autoritário.Apesar disto, e para pôr
as coisas na sua devida proporção,
se olharmos para os níveis de
liberdade no mundo, incluindo os
direitos políticos e as liberdades
cívicas, há um retrocesso em
relação ao que tínhamos há oito ou
dez anos. Mas não por uma grande
diferença. Por isso digo que há uma
recessão democrática que não é
severa. Não é um débâcle, mas é
sentida como muito pior do que
aquilo que os dados nos dizem.
E porquê?
Creio que por duas razões. Em
primeiro lugar, é cada vez mais
evidente que as democracias mais
maduras e mais desenvolvidas não
estão em boas condições.
Em termos económicos?
Não apenas em termos
económicos. A maioria das pessoas
sente-se frustrada e desapontada
com as performances das suas
democracias. Na Europa, sentese isso sobretudo em termos
económicos. E ainda mais em
Portugal, Grécia ou Espanha. E há,
de facto, condições económicas
muito sérias em grande parte da
União Europeia. Se olharmos para
os números do desemprego jovem,
que parecem corresponder a uma
verdadeira depressão, é um forte
sinal de alarme.
Mas não se trata apenas da
performance económica. Há um
sentimento nessas democracias
de que as instituições políticas não
estão a funcionar como deve ser.
Há uma crescente desconfiança
na capacidade das instituições
democráticas de conseguirem
encontrar as soluções para os seus
problemas.
Mas há também a sensação de
que não temos escolha, que
as decisões são tomadas em
Bruxelas e em Berlim e que as
temos de aceitar.
Mas esse é problema distintivo
da União Europeia. Os europeus
sentem que perderam parte do
escrutínio sobre a política. Que
as decisões tomadas pela União
Europeia não são escrutinadas
pelas pessoas e que perderam
uma boa parte da sua soberania.
Mas creio que os académicos e
os políticos europeus andam a
dizer isso já há algum tempo.
Provavelmente, vão ter de avançar
para uma integração completa
ou, então, as pessoas podem
abandonar o projecto europeu por
frustração ou por desespero.
A consequência tem sido a
emergência de partidos radicais,
populistas, nacionalistas.
Isso é um facto e estou muito
preocupado com o que pode vir a
acontecer na Grécia, em particular.
Vemos esse fenómeno a espalharse na Europa e vemos também
o Tea Party nos Estados Unidos,
uma espécie de partido “semiantisistema”. É um partido dentro de
um partido Mas também é preciso
lembrar que a sua ascensão foi
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23-03-2014
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FOTOS: MIGUEL MANSO
extremamente facilitada por uma
única e cada vez mais disfuncional
característica do sistema político
americano, que está a precisar
de uma reforma urgente, e que
é o nosso sistema das primárias.
Temos a regra do first pass the
post nos círculos unipessoais. E,
para escolher os candidatos dos
partidos, realizamos eleições
primárias meses antes das eleições
gerais. O problema é que a
afluência às urnas destas primárias
tende a ser muito baixa e quem
vai votar são os eleitores mais
comprometidos ideologicamente.
Esta é uma das razões pelas
quais o sistema partidário está
tão polarizado: as primárias
pressionam os dois partidos
para os extremos e deixaram de
representar o eleitorado moderado.
Voltando à Europa, em que
medida é que esta sensação das
pessoas de que não controlam
as decisões e de que estão
condenadas à austeridade pode
erodir a democracia?
Uma forte recessão económica
coloca sempre a democracia em
stress e os votantes num estado
de espírito muito negativo. Os
níveis de confiança nos políticos
e nos governos declinam e as
pessoas olham para alternativas
políticas mais extremadas. Mas
sabemos, por muita experiência
acumulada, que estas alternativas
não têm capacidade para dar
respostas credíveis aos problemas
no longo prazo. São problemas
que radicam em políticas
orçamentais insustentáveis. Mas
creio que seria boa ideia colocar
a ênfase não apenas na educação
cívica mas também na educação
financeira. Os líderes políticos têm
de encontrar uma linguagem para
explicar às sociedades os dilemas
que elas enfrentam. Incluindo as
leis fundamentais da economia,
que não podem ser ignoradas
permanentemente. As sociedades
não podem gastar mais do que
produzem indefinidamente.
É possível em democracia não
haver alternativas políticas que
as pessoas possam escolher?
Há sempre escolha. Portugal
pode exercer a opção nuclear, em
termos económicos e financeiros:
sair do euro. Pode regressar à sua
Não quero comparar
Putin com Hitler,
que ele não é com
certeza, mas há esta
dinâmica similar
entre a Rússia de
hoje e a Alemanha
naquela altura
moeda, desvalorizá-la e entrar
num período de hiperinflação.
E se vocês não querem essa
alternativa é porque sabem que as
consequências seriam desastrosas.
A situação económica é muito,
muito má. E torna, por isso, as
alternativas em desastres. A única
saída, para Portugal ou Grécia ou
Irlanda, é que tem de haver um
reconhecimento franco e aberto da
realidade e como chegaram aqui,
quando o dinheiro barato lhes era
enfiado pela boca abaixo pelos
bancos, mas tem de haver também
alguma partilha das dificuldades na
União Europeia como um todo.
Vimos com grande entusiasmos
os ditadores caírem no Norte
de África para dar lugar à
Primavera Árabe. Hoje, a
Primavera está a tornar-se
Inverno. Como olha para isto?
Sobre a Primavera Árabe, a
história ainda não chegou ao fim.
Há uma enorme frustração no
mundo árabe, com regimes que
não respondem às aspirações
dos seus cidadãos, que são
injustos e bastante ineficazes.
Este sentimento está longe de
ter desaparecido e a razão da
Primavera não desapareceu.
Quatro líderes foram
derrubados: na Tunísia, Egipto,
Líbia e Iémen. A Síria é um
país devastado, onde metade
da população foi deslocada. O
Bahrein viu um rude esmagamento
dos protestos da maioria xiita,
alimentado pela Arábia Saudita e
por outros países do Golfo. A Líbia
derrotou o ditador mas aparece
agora mergulhada na instabilidade.
Não é um Estado, é um conjunto
de milícias, até que a autoridade
política central consiga estabelecer
ordem em todo o território. O
Egipto está a cair numa ordem
política extremamente repressiva
e nacionalista — quase fascista
—, sob o domínio dos militares.
A causa da democracia foi
derrotada durante algum tempo.
No entanto, a Tunísia está num
caminho democrático e vai emergir
como a primeira democracia
árabe. Ainda tem problemas
económicos, mas tem uma real
oportunidade de criar e estabilizar
instituições democráticas. Vimos
um compromisso político histórico
entre o partido islâmico moderado
e a coligação secular. O Iémen, que
continua a alimentar o terrorismo,
conseguiu um importante
compromisso no ano passado, e
a sua Conferência para o Diálogo
Nacional, a que ninguém está a
prestar atenção, é um bom sinal.
Por isso, a Primavera Árabe não
é um caso encerrado: um caso
bem-sucedido é um a mais do que
existia antes. Creio que, no Egipto,
quando as pessoas descobrirem
que os militares não têm qualquer
solução para os problemas
económicos ou da corrupção, vão
voltar às exigências anteriores.
O que se está a passar na
Rússia e na Ucrânia constitui
um desafio muito complexo
para a Europa, porque a
economia é hoje muito mais
interdependente e dificilmente
compatível com o nacionalismo.
Há duas faces da mesma moeda.
Uma das coisas que estão a
alimentar o nacionalismo
é justamente a reacção à
interdependência e a perda de
soberania. Não é a única, mas é
importante. A direita nacionalista
e o populismo em alguns países
europeus é também uma reacção
ao sentimento de perda de
soberania. No caso da Rússia, uma
parte considerável das razões para
o que se está a passar — e temos de
manter no espírito o que aconteceu
na Alemanha depois da I Guerra —,
é um sentimento de humilhação
nacional. Era uma grande nação
que foi ao chão por causa do
Ocidente. Vladimir Putin quer
restaurar a dignidade e a honra
da Rússia e reunificar e recuperar
partes do antigo país. Não quero
comparar Putin com Hitler, que
ele não é com certeza, mas há esta
dinâmica similar entre a Rússia
de hoje e a Alemanha naquela
altura. Temos de lidar com esta
situação com muito cuidado. Por
um lado, vamos ter de desenhar
linhas vermelhas perfeitamente
claras, porque creio que tudo está
agora posto em questão, incluindo
os Bálticos. São países da NATO e
é preciso deixar claro a Putin que
qualquer agressão militar contra
um destes três países significaria
uma guerra com a NATO. Até
porque, se não fosse assim, a NATO
acabaria.
Os países europeus estão
demasiado apegados ao
seu bem-estar ou aos seus
problemas económicos e
não parecem preparados
para enfrentar um mundo
que mudou completamente.
É também um problema de
democracia?
De democracia, de prosperidade,
de apatia, de muitas coisas. Penso
que vamos de ter de questionar
todas as nossas certezas actuais.
Seria extremamente imprudente
para os EUA reduzir a sua
capacidade militar no grau que o
Presidente Obama está a propor.
Sobretudo face ao que acaba de
acontecer com a agressão russa
para engolir a Crimeia e o perigo
que corre a periferia europeia: os
Bálticos, Polónia, Roménia.
c
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ENTREVISTA
Qualquer sítio onde a Rússia tenha
uma fronteira está no pensamento
de Putin, incluindo a Transnístria,
e já para não falar da parte oriental
da Ucrânia. Putin é muito popular
e está a apelar aos sentimentos
mais profundos da psicologia
russa. De alguma maneira vamos
ter de desviar a Rússia desta
trajectória que é de soma zero,
para uma trajectória de partilha da
prosperidade.
Esta crise financeira abalou
a relação entre democracia e
crescimento económico, que
fazia das democracias ocidentais
o modelo mais aliciante para os
países que queriam desenvolverse. Esta ligação não é hoje tão
óbvia e o modelo chinês parece
mais atractivo.
Agora tocou na outra dimensão
da recessão democrática. Há a
sensação de que as democracias
mais ricas do mundo estagnaram,
estão a funcionar mal, são
incapazes de enfrentar os seus
problemas e que, por outro lado,
existe uma China autoritária que
é capaz de tomar decisões, que
cresce a grande velocidade e que
apresenta um modelo dinâmico.
Creio que esta é a questão que
está a alimentar a desilusão
democrática. Mas precisamos de
considerar tudo isto numa forma
mais profunda.
Em primeiro lugar, há vários
regimes autoritários no mundo,
e muitos deles não estão a sair-se
bem do ponto de vista económico.
O segundo mais poderoso regime
autoritário, depois da China, é
a Rússia, que está a crescer a 1%
ao ano, menos do que a própria
Europa. Não há muito mais na
economia russa do que gás e
petróleo. Putin, neste aspecto, é
parecido com os militares egípcios:
não tem qualquer resposta para os
problemas económicos do país e
para a aspiração correspondente
das pessoas. Para isso é preciso
tecnologia, investimento
estrangeiro nos sectores mais
desenvolvidos da economia e não
apenas na energia. Putin não está a
fazer isso. Os militares egípcios não
estão a fazer isso.
A China está a fazer isso.
Está. Mas tem alguns problemas
económicos e sociais vulcânicos.
Tal como a Rússia, enfrenta
uma corrupção generalizada, de
proporções quase cleptocráticas.
Muitos dos membros dirigentes [do
PCC] tornaram-se milionários, têm
o dinheiro em contas no estrangeiro
23-03-2014
e isso torna mais evidente a
desigualdade. O índice de Gini, que
mede a distribuição do rendimento,
é um dos mais altos do mundo,
e isso está a gerar um grande
ressentimento entre os que têm e
os que não têm. Para seu crédito,
o novo Presidente reconheceu que
é um problema potencialmente
explosivo e deixou claro aos seus
parceiros políticos que têm de se
libertar dos luxos e adoptar uma
vida mais modesta. Mas o problema
vai continuar. Em segundo lugar,
há um problema com o sistema
bancário e com o imobiliário. Há
cidades inteiras na China em que
os apartamentos estão vendidos
mas ninguém vive neles. Foram
comprados para a especulação
imobiliária e não há ninguém para
os comprar porque os preços estão
enormemente inflacionados. É
uma bolha gigantesca que tem por
baixo o próprio sistema bancário. O
governo tem consciência disso, mas
ainda não é claro se vão conseguir
gerir estes problemas sem algum
tipo de crash que desencadeará
uma crise económica.
O crescimento está a desacelerar
justamente porque o modelo
precisa de revisão?
O crescimento será provavelmente
de menos de 7% este ano. E não
pode baixar muito mais sob pena
de desafiar as expectativas das
pessoas, criadas por um boom
contínuo. O problema é que não
há mais nada para legitimar o
poder comunista na China a não
ser o crescimento. Já ninguém
acredita no comunismo, muita
gente jovem trata-o como uma
piada. As pessoas que estão a
aderir ao Partido Comunista são
empresários e profissionais que
não acreditam no comunismo mas
que querem ser ricos. Se muita
gente vir que o sistema já não está
a funcionar, dirá: então dêem-nos
pelo menos a liberdade política.
A China não pode transformar-se
numa sociedade de classe média
sem ter adquirido alguns valores
da classe média ou, pelo menos,
mover-se nessa direcção. Espero
que a China consiga mover-se nesse
sentido numa forma gradual, como
Taiwan o fez. O que me preocupa
é que, se o regime comunista
colapsar de repente numa grande
crise económica, o que vamos
ver na China não será um novo
avanço para a democracia mas
uma espécie de poder militar que
quererá apoderar-se de Taiwan,
das ilhas do mar da China do Sul
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e do mar da China Oriental, num
caminho nacionalista para distrair
as pessoas da crise económica.
Está hoje a discutir-se essa
ligação dinâmica entre
democracia e classe média em
todo o mundo, sobretudo por
causa da nova classe média
que a globalização permitiu.
Na Europa é ao contrário: o
declínio da classe média ou,
como dizem os britânicos, o
“meio espremido”.
Creio que é importante para a
democracia, mas não creio que a
classe média esteja a desaparecer.
Está apenas, como disse, a
ser espremida. E aí a questão
passa a ser qual é a estratégia
para revitalizar a economia e
reconfigurar o que significa ser da
classe média. Antes, a classe média
ia para uma fábrica ou para um
serviço, trabalhava 40 horas por
semana durante 30 anos e obtinha
uma pensão. Isso desapareceu
no mundo globalizado em que
vivemos hoje, em que o capital
muda de sítio rapidamente através
das fronteiras graças às novas
tecnologias, que estão também
a progredir rapidamente, com
o aumento da concorrência. As
democracias vão ter de conseguir
Há vários regimes
autoritários no
mundo, e muitos
deles não estão a
sair-se bem do ponto
de vista económico
uma estratégia para um equilíbrio
sustentável entre rendimentos
e compromissos orçamentais. E
isso vai exigir uma reconfiguração
dolorosa da negociação social. Em
segundo lugar, é preciso investir
na educação e nas capacidades da
gente nova, de forma a que seja
competitiva à escala da economia
global, porque, de outra maneira,
não haverá esperança para eles.
Quando países como a
Coreia, Tailândia, Singapura já
ultrapassaram parte da Europa e os
EUA em matéria de aprendizagem,
como mostram estudos recentes,
mais os nossos rendimentos irão
para lá. A chave para crescimento
é a educação e o domínio
tecnológico.
De que modo é que a
Internet alterou as regras de
funcionamento da política, nas
democracias e fora delas?
O seu papel foi muito importante
na economia global, como já disse.
Mas também tem contribuído
para a democratização de muitos
aspectos da nossa vida. Hoje,
cada um pode ser um jornalista,
um colunista de um blogue ou
um fotojornalista mesmo que
não tão bom como ele. Cada um
pode ser também um repórter de
investigação: as injustiças podem
espalhar-se muito rapidamente.
É difícil manter segredos e é mais
fácil transformar as pessoas em
agentes do escrutínio dos seus
governantes. É, em geral, uma
coisa boa, porque contribuiu para
a transparência e a democratização
dos fluxos de informação.
Mas também pode ser uma coisa
má na medida em que fomenta
o curto prazo.
Põe uma grande pressão na
resposta dos media, pode
desvirtuar o profissionalismo
e espalhar informação fictícia
ou pouco verdadeira, desgasta
a imprensa escrita, mesmo que
esta tenha novas oportunidades
nos media digitais. Mas há estas
tendências para a transparência
e o acesso à informação que dá
poder às pessoas. Além disso,
as novas tecnologias revelam-se
um instrumento fundamental de
mobilização e de organização,
como vimos na Praça Tahrir
ou na Maidan, em Kiev. Estes
instrumentos são extremamente
corrosivos para o autoritarismo na
Rússia, China ou Irão, que tentam
desesperadamente controlá-los.
Há algum momento da história
europeia que possamos
comparar com este que estamos
a viver? Antes da I ou da II
Guerra?
Há sempre a possibilidade de fazer
comparações e analogias. Mas
desconfio delas, porque o mundo
de hoje é totalmente diferente
daquele que existia nessa altura.
As pessoas estão conectadas
digitalmente, são muito mais
educadas e tiveram as lições de
duas guerras mundiais. Tirar
desta recessão económica alguma
espécie de inevitabilidade — se
isto continua, vai conduzir-nos
ao fascismo ou a uma calamidade
política — é um salto demasiado
grande. Mas também não podemos
ignorar as lições da História, até
porque podem ser um sinal de
aviso sobre o que pode acontecer
quando pessoas habituadas a
uma existência próspera são
confrontadas com a inevitabilidade
de declínio. As nossas democracias
estão muito mais consolidadas
do que no tempo da República
de Weimar. Não há comparação
possível. Temos a União Europeia
e a Internet. Devemos lembrar-nos
dessas experiências da História
mas não cair numa espécie de
desespero fatalista de que vamos
repetir tudo de novo.
ID: 53035352
23-03-2014
ENTREVISTA
A RECESSÃO
DEMOCRÁTICA É REAL
MAS NÃO É SEVERA,
DIZ LARRY DIAMOND
Destaque, 14 a 16
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Larry Diamond A recessão democrática é real mas não é severa