CERTIDÃO NEGATIVA TRABALHISTA PODE SER MAS NÃO
PRECISA SER EXIGIDA NOS EDITAIS DE LICITAÇÃO
Ivan Barbosa Rigolin
(fev/12)
I – Uma recente e muito importante modificação à Lei nº
8.666/93 foi implementada pela Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2.011 - a qual entrou
em vigor apenas em 4 de janeiro de 2.012 - que foi a instituição da CNDT – certidão
negativa de débitos trabalhistas.
A sociedade brasileira, assim como em uníssono os entes
públicos, e também os doutrinadores nessa matéria incluindo nós mesmos, há muito
clamavam pela modificação da lei nacional de licitações que passasse a permitir uma
exigência editalícia nas licitações até então impossível de exigir, a prova de
regularidade trabalhista dos licitantes. A lei, no art. 27, inc. IV, e 29, inc. IV,
admitia exigir a prova de regularidade previdenciária, mas não a demonstração de
regularidade trabalhista quanto aos empregados do licitante.
A partir de 4 de janeiro de 2.012, data da entrada em
vigor da Lei nº 12.440/11 (1) passou a existir a CNDT, certidão essa que já fora
objeto da Resolução Administrativa TST nº 1.470, de 24 de agosto de 2.011, que a
tempo disciplinou a sua expedição e expediu as demais regras, condições e
parâmetros relativos ao novel documento.
1
Em verdade o e. Tribunal Superior do Trabalho editou seu Ato nº 1/ 2.012, pelo qual ainda concedeu mais
30 dias de prazo às empresas com débitos trabalhistas irresolvidos para os sanearem, mas também esse prazo
já expirou em 4 de fevereiro de 2.012, de modo que atualmente a nova regra legal vigora de modo pleno.
II - Foi entretanto intentada uma ADIn contra a Lei
nº123.440/11, pela CNI – Confederação Nacional da Indústria, e recebeu o nº 4.716,
no Supremo Tribunal Federal.
A CNI, pelo noticiário veiculado, contesta o critério de
inclusão das empresas no BNDT – banco nacional de devedores trabalhistas, que
segundo a entidade autora fere o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Não se tem
notícia de nenhuma medida liminar
suspendendo a execução da lei, que por isso se mantém ativa e produzindo efeito.
A idéia dessa ADIn, somente pelas poucas e vagas
notícias que se leram e em absoluto sem se examinar a fundo seus fundamentos,
prima facie parece péssima, e fadada ao insucesso.
Com efeito, não se imagina como pode ter sido ferido o
direito ao contraditório de quem supostamente teve oportunidade, em juízo, de
exercitar todo o direito de se defender na ação trabalhista, e aí não obteve êxito. Por
que motivo precisaria ser reaberto o contraditório antes da simples inscrição do
devedor num recém-criado banco de devedores é o que não se compreende.
Observe-se que aquele recém-criado banco de devedores
é abastecido exclusivamente por dados provenientes do Judiciário do Trabalho, onde
correram ações nas quais o contraditório e a ampla defesa têm de ter sido oferecidos
generosamente aos reclamados, de modo que alegar a falta da oportunidade
defensiva em momento administrativo posterior, ou seja na simples inclusão do
devedor trabalhista (em mora) no respectivo banco de devedores, é idéia que
juridicamente, e assim a priori, não parece nada bem.
Não mesmo,
sobretudo quando uma lei como esta
questionada fazia uma extraordinária falta ao direito público é à Administração, que
já havia anos fazia das tripas coração, e urdia gato e sapato - em geral arranhando a
própria legalidade estrita -
para, com temerárias ou arrevesadas exigências de
regularidade trabalhista no pagamento dos contratos, tentar minimizar seu destino
invariavelmente trágico em tema de subsidiariedade nas ações trabalhistas de seus
“terceirizados”. Tal qual a Lei de Responsabilidade Fiscal – a LC nº 101, de 2.000 –
a Lei nº 12.440/11 chegou a nosso direito com décadas de atraso – mais atrasada que
ônibus de trabalhador em dias de chuva.
Os acontecimentos dirão entretanto quem tem final razão
naquela prebenda, sendo que neste momento a nova lei vem sendo aplicada em sua
integridade, e com grande apetite pela Administração pública.
III – Aquela mesma Resolução TST nº 1.470/11 instituiu,
em seu art. 1º, o BNDT – banco nacional de devedores trabalhistas, que,longe de se
constituir em nova instituição financeira oficial como o pomposo rótulo aparenta, é
apenas um banco de
“dados necessários à identificação das
pessoas naturais e jurídicas, de direito público e provado,
inadimplentes perante a Justiça do Trabalho quanto às obrigações:
I
–
estabelecidas
em
sentença
condenatória transitada em julgado ou em acordos judiciais
trabalhistas; ou
II – decorrentes de execução de acordos
firmados entre o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de
Conciliação prévia.” (RA TST nº 1.470/11, art. 1º).
Assim se coloca no direito brasileiro portanto – e apenas
assim – o que se passa a considerar-se um devedor trabalhista para efeito de este
participar de licitações promovidas pelo poder público: é devedor trabalhista tãosomente aquele empregador, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
que se enquadre em alguma das situações dos incs. I ou II, ou em ambos, da RA
TST n° 1.470/11, e em face disso inscrito no BNDT.
Não existe, para esse específico efeito acima cotado,
outra espécie de devedor trabalhista, que por isso esteja impedido de participar de
licitações se o edital exigir a prova de regularidade trabalhista.
É esse específico ponto, em inclinado no parágrafo
anterior, que nos a atenção, mas antes de sobre ele discorrer observem-se algumas
características das novas certidões trabalhistas,matéria sempre muito relevante.
IV – Um curioso elemento da RA TST nº 1.470/11 é que
instituiu não uma nem duas, mas três diferentes certidões trabalhistas, sendo uma
negativa da existência de débito, outra positiva com efeito de negativa e a terceira
positiva.
A positiva com efeito de negativa (RA, art. 6º, § 2º) tem
o mesmo efeito da negativa, e significa que os débitos existentes em nome do
devedor estão garantidos por penhora suficiente ou por inexigibilidade suspensa
(seguramente por medida judicial, e isso a RA não informa), e ambas habilitam
plenamente nas licitações que exijam tal certificação.
O que se custa a compreende é por que existe a certidão
positiva de débito, que inabilita o licitante que a apresente, caso exigida a prova de
regularidade trabalhista. E o art. 6º, com seu § 1º, ensina como se a obtém... para
quê, num primeiro momento se fica a imaginar.
Num segundo momento de reflexão, no entanto, concluise que tem sentido a existência da certidão positiva se for para permitir a
participação em licitações, inclusive nos pregões, por micro e pequenas empresas,
na forma do disposto no art. 43 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de
2.006. Não sendo para esse efeito e para esse estrito motivo, não se atina com o
motivo de existir a certidão positiva (2).
V - Outro elemento que merece consideração diz respeito
à validade das certidões, que pelos Anexos I, II e III da RA nº 1.470/11 é de 180
(cento e oitenta) dias a contar da sua expedição.
Esse prazo é o mesmo das certidões conjuntas negativas
de débito relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União e ainda o mesmo
das certidões negativas de débitos relativos às contribuições previdenciárias e às de
terceiros, semestral.
Difere
do
prazo
de
validade
das
certidões
de
regularidade quanto ao FGTS, emitidas pela Caixa Econômica Federal, que é
mensal.
Ocorre que uma validade maior que mensal, seja da
certidão que for, sempre permite que seu portador esteja regular no dia em que a
certidão é emitida e devedor já no dia seguinte, e por tempo indeterminado – até que
peça outra certidão onde a o débito apareça. E nesse meio-tempo poderá o licitante,
em verdade devedor mas portador de atestação negativa de débito, participar de
licitações diversas, e até sagrar-se vencedor e vir a contratar.
Assim sendo, tanto esta nova certidão trabalhista quanto
as de débitos tributários da União e a de débitos previdenciários, com sua validade
semestral, garantem inexistência de débito irresolvido apenas temerariamente, no
momento da expedição, e não necessariamente já no dia seguinte.
2
O art. 43 da LC nº 123/06 informa que as MEs e as EPPs devem apresentar toda a documentação de
regularidade fiscal exigida nas licitações, mesmo que com restrições, e nessa hipótese terão dois dias úteis
para regularizá-la, e assim seguir no certame. Desse modo, pode ocorrer de alguma dessas empresas
apresentar certidão positiva e em dois dias úteis apresentar a negativa, ou a positiva com efeito de negativa
que tem o mesmo efeito, e então nesse quesito estará habilitada.
Reconhece-se a tremenda dificuldade de o governo
estabelecer prazos menores para a validade daquelas certidões – como já fizera sem
grande sucesso no passado -, e de atualizar a todo tempo os registros individuais dos
contribuintes, porém seja como for o fato permanece esse, e a verdadeira e factual
regularidade do licitante e do contratado continua a ser algo difícil de se garantir
durante todo o tempo. Opõe-se em definitivo e com perturbadora freqüência a
regularidade real àquela apenas jurídica, como se denota às claras.
VI – Mas o motivo fundamental deste brevíssimo artigo é
outro.
Já se tem lido artigos e manifestações doutrinárias
maiores e menores, assim como testemunhado repetidos comentários nos mais
variados rincões da vida profissional, e ainda lido com freqüência na imprensa diária
– leiga em direito e por vezes assombrosamente desinformada e leviana em suas
veiculações – que a partir deste momento após a vigência da Lei nº 12.440/11 a
certidão de regularidade trabalhista precisará ser exigida nas licitações realizados
pelo poder público.
Isso simplesmente não é verdade.
De real e verdadeiro, pela Lei nº 8.666/93, documentação
alguma precisa ser sempre e necessariamente exigida nas licitações. A Constituição,
art. 195, § 3º, proíbe que o poder público contrate e pessoa jurídica em débito
(irresolvido, insista-se,porque isso a Constituição não detalhou) com o regime geral
de previdência social. Apenas isso.
Daí a se pretender que a lei de licitações obrigue o edital
a exigir sempre a documentação habilitatória constante dos arts. 27 a 31 vai a
distância de um imenso abismo.
A atual lei de licitações não exige nenhuma específica
documentação de habilitação nas licitações, nem jamais a exigiu em momento
algum da história do direito brasileiro.
Não mesmo, do modo como está escrita.
Os arts. 28 e 29 rezam nos seus capit que a
documentação de habilitação jurídica e de regularidade fiscal, “conforme o caso,
consistirá em:”.
E os capit dos arts. 30 e 31 informam que a
documentação relativa à qualificação técnica, e à qualificação econômica, limitarse-ão a:”. De concreto, não impõem que os editais exijam nada, apenas limitam as
eventuais exigências aos documentos que descrevem
Ora, se no caso dos arts. 28 e 29 a exigência de
documentos é apenas conforme cada caso, então está facultado ao edital exigir ou
não, conforme entenda que é o caso de exigir documento a, b e c, ou que não é o
caso de exigir nenhum, ou que é de exigir apenas a, ou que se deve exigir mais que
isso, tudo o que a lei permite.
E se no caso dos arts. 30 e 31 a exigência se limita a
determinados documentos, então também aqui nenhuma imposição de exigência
alguma está escrita na lei, apenas limitada aos documentos indicados.
VII – insistimos sempre neste ponto: fosse sempre
obrigatória a exigência de documentação, então os capit dos arts. 28, 29, 30 e 31 não
se haveriam com tanta leveza e permissividade, e mandariam os editais exigir os
seguintes documentos – indicando-os a seguir.
Quando a lei quer mandar alguma coisa, quando quer
determinar, então manda e determina, sem permitir folga ou liberdade ao executor.
Não vacila, nem ensaia regras pouco ou nada cogentes.
Assim imperativamente fazem os art. 40 e 55, ambos da
lei de licitações, verbis no primeiro caso:
“Art. 40 O edital conterá no preâmbulo
(...) e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:” (destaque nosso),
e no segundo:
“Art. 55 São cláusulas necessárias em
todo contrato as que estabeleçam:” (destaque nosso).
Ou seja, a lei mandou fazer assim, determinou a inclusão
disto ou daquilo no edital e no contrato, sem facultar liberdade de escolha ao
aplicador.
Não é o caso dos arts. 28 a 31 da lei, que indicam que
conforme o caso os documentos serão assim (arts. 28 e 29) ou que os documentos
limitar-se-ão a arts. 30 e 31).
Em português uma regra assim não impõe comando
algum, nem determina absolutamente nada senão observar os limites habilitatórios
no caso dos arts. 30 e 31.
Gostaríamos pessoalmente de que a lei fosse mais
incisiva nestes arts. 28 a 31 porém ela não o é – e, sem pruridos nem moralistas nem
hipócritas, tivéssemos sido o seu autor, o texto seria bem diferente.
E outra vez deve ter restado patente que também o
inferno legislativo está cheio de boas intenções, porque muita vez uma coisa é o que
o legislador informa que pretendeu fazer, e outra, bem diversa e por vezes oposta
mesmo, é o que ele conseguir fazer.
Nunca é demais reiterar, mesmo que à exaustão, que em
nosso juridicamente positivista país vale e sempre valeu o comando expresso da lei,
e a objetiva e explícita mens legis que nada mais representa senão a vontade da lei,
e nunca, jamais, a mens legislatoris, alcunhada a “vontade do legislador”, ou aquele
indecifrável “espírito da lei” que ninguém jamais conseguiu capturar e exibir a seus
contemporâneos.
O direito no Brasil não se firma em vontades irrealizadas
de quem quer que seja mas, desde a institucionalização do país, em objetivos e frios
comandos legislativos, tanto mais cogentes e eficazes quanto mais objetivos, e que
não dão lugar para entrechoques de vontades, desejos ou angustiadas ansiedades, por
mais nobres que um dia possam ter sido.
Se estão em jogo direitos individuais, ou direitos de
terceiros – e a lei existe apenas para proteger ou para modificar direitos, e não como
terapia ocupacional ou catarse de desorientados -, então por gentileza multiplique-se
por cem a preocupação expressada no último parágrafo.
VIII – O advento de algo como a Lei nº 12.440/11,
repita-se, tardou demais a nosso direito administrativo. jamais poderíamos nos
posicionar contra esta saneadora e indispensável medida de segurança dos negócios
e do erário públicos – ainda que insuficiente, reitere-se.
Sabe-se que em certos ramos de negócio será excelente
exigir toda a juridicamente possível e imaginável documentação de regularidade
trabalhista, como muito particularmente no caso das empresas locadoras de mão-deobra, cujos contratos representam verdadeiras armadilhas para a Administração
pública com a subsidiariedade trabalhista consagrada pela Justiça do Trabalho entre
os empregados daquelas empresas e o poder público que as contrata.
São as conhecidíssimas reclamações movidas pelos
agentes “terceirizados” que trabalham no poder público, as quais pela
subsidiariedade se voltam contra o poder público que contratou aquelas empresas,
resultando com extrema freqüência em indenizações de quebrar milionário texano,
que o poder público, sem merecer, suporta com estoicismo maior que o de desejar.
Ainda que sejamos os primeiros a reconhecer o
excelente mérito da Lei nº 12.440/11, e que medida semelhante já tardou demais a
nosso direito público, o fato é que nenhum entusiasmo de estudante, como nenhum
expediente de amador jurídico, deve tisnar o claro vislumbre do panorama jurídico
que circunscreve toda esta situação.
Entusiasmo não é expediente adequado a
aplicadores de leis, sobretudo se estão em jogo direitos de terceiros.
Ao dispor a nova lei sobre a possibilidade de os editais
passarem a exigir certidões de regularidade trabalhista, fê-lo como faculdade aberta
à Administração pública brasileira – e jamais como obrigação de os editais as
exigirem. Uma possibilidade não se converte em obrigação apenas porque o
aplicador da lei – e não o denominemos nesse caso de intérprete porque tal seria
pretensão demasiada – assim desejaria que fosse.
Ninguém doravante alegue, por estes expostos motivos,
que uma licitação terá sido nula ou ilegal apenas porque o seu edital deixou de exigir
a certidão de regularidade trabalhista. jamais, em tempo algum o direito atual
respalda semelhante conclusão.
Alegação como tal constituirá, isto sim, outra parolagem
flácida para dormitar bovino, mais comumente referida como conversa mole para
boi dormir, ou um novo conto da carochinha dentre tantos que se conhecem no
interminável e luxuriante folclore das licitações em nossa república federativa.
Para ser obrigatório exigir regularidade trabalhista nos
editais o art. 29 deveria ter caput que o dissesse expressamente, algo como
“Será exigida nos editais a seguinte
documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista:”,
e não que
“A documentação relativa à regularidade
fiscal e trabalhista conforme o caso consistirá em”,
porque, insista-se, se é “conforme o caso” então, dentre
outras amplas possibilidades de leitura pode ser conforme o caso sim e conforme o
caso não. Uma das leituras perfeitamente lógicas e permitidas para o dispositivo é
essa – e ninguém diga que não, porque mentir é feio.
E outra vez ainda se permite advertir aos idealísticos mas
irrealísticos aplicadores da lei de licitações que a lei é o que é, ou seja, quando
dispõe sobre restringir direito alheio, ou sobre impor alguma coerção a alguém, é o
que está escrito que é e assim tem de ser aplicada, e não do modo como alguém
adoraria que estivesse escrita.
Download

certidão negativa trabalhista pode ser mas não precisa