emb a r q ue n ess a i d e i a
Luis Antonio Lindau, PhD, presidente da EMBARQ Brasil
O desafio de integrar o
Minha Casa Minha Vida às cidades
C
om cinco anos de existência,
o programa governamental Minha Casa Minha Vida
(MCMV) contratou 3,49 milhões de unidades até junho desse
ano, com 1,69 milhão já entregues
à população. A meta do governo é
entregar 2,75 milhões de unidades
até o final de 2014, investimento de
R$ 234 bilhões1. É o maior programa
habitacional já desenvolvido no país
e muito tem ajudado os brasileiros na
conquista da casa própria. Contudo,
o programa apresenta problemas que
devem se agravar ao longo do tempo.
Mesmo com sua terceira fase anunciada no início de julho, as críticas à qualidade das moradias construídas são incontáveis. A situação levou o governo
federal a estabelecer que as empresas
contratadas sejam suspensas, caso
haja reclamações de consumidores
em volume superior a 5% das obras
realizadas2. Tão alarmante quanto à
baixa qualidade das edificações são os
locais escolhidos para abrigar as novas
comunidades. Em busca de terrenos
baratos, grandes conjuntos residenciais são erguidos em locais afastados
da mancha urbana. Esse padrão de localização promove o desenvolvimento
de cidades 3D – dispersas, desconectas e distantes – o que acarreta uma
série de reveses para seus habitantes.
Distantes de serviços, oportunidades
de trabalho, educação e lazer, comunidades monofuncionais impõem aos
moradores uma perda excessiva de
tempo com deslocamentos diários,
levando alguns, inclusive, a abandonar
suas moradias. O programa habitacional mexicano, por exemplo, contabiliza
hoje 14% das 35 milhões de unidades
construídas desocupadas, por estarem
“em meio ao nada”. No município de
Zumpango, esta porcentagem é ainda
mais crítica, 40%, conforme reportado
em recente artigo do New York Times3.
A tendência 3D caminha em direção
contrária ao desenvolvimento de cidades densificadas, funcionais e harmoniosas, lastreadas no conceito 3C – coesas, conectadas e cercanas (próximas).
No caso brasileiro, a falta de previsão
de manutenção por parte do governo
municipal e dos próprios moradores
gera a degradação ou má utilização
de áreas comuns de algumas comunidades. A questão se agrava quando
são planejadas comunidades para 5
mil habitantes – muito maiores do que
dezenas de municípios – sem considerar a oferta de comércio, serviços, empregos, escolas e outras necessidades
básicas nas proximidades. Assim são
edificados locais que, ao privarem as
pessoas de suas necessidades básicas,
geram um baixo nível de qualidade de
vida e não despertam o sentimento de
pertencimento nos moradores.
A principal falha do programa parece
estar na excessiva liberdade concedida aos principais atores e tomadores
de decisão. O aquecido mercado
habitacional brasileiro está mais interessado na produção de unidades
residenciais do que na consolidação
de espaços urbanos qualificados. As
cidades não exercem a devida pressão para que seus vazios urbanos sejam ocupados. O governo federal não
impõe a localização dos conjuntos
MCMV em relação ao centro das cidades como um condicionante de acesso ao financiamento. Já os beneficiários não contam com a prerrogativa
da escolha do local onde habitarão.
Para que o programa MCMV brasileiro
tenha um futuro mais virtuoso do que
o mexicano, é importante desenvolver
mecanismos que o qualifiquem. No
momento, várias cidades brasileiras
estão simultaneamente implantando
conjuntos MCMV e corredores viários
estruturantes do desenvolvimento urbano com recursos do PAC Mobilidade. Importante que essas duas ações
apoiadas pelo Governo Federal sejam
coordenadas de forma que esses corredores, que priorizam a circulação do
transporte não motorizado e coletivo
sobre o individual privado, promovam
de fato o Desenvolvimento Orientado
ao Transporte Sustentável (DOTS). A
boa prática DOTS preconiza a localização de serviços, comércio e habitações junto aos principais pontos de
conexão de uma rede de transporte
coletivo e a proximidade das novas
construções às cidades constituídas.
Assim será possível levar em frente a
construção de cidades mais humanas,
dinâmicas e produtivas.
1 http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/01/minha-casa-minha-vida-estimula-a-economia-e-gera-empregos-diz-dilma
2 http://www.pac.gov.br/noticia/b6deb46b
3 http://www.nytimes.com/2014/09/09/world/americas/they-built-it-people-came-now-they-go.html?rref=world/americas&module=ArrowsNav&contentCollection=Americas&action=keypress&region=FixedLeft&pgtype=article&_r=1
Revista NTU Urbano
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